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Desculpe por Existir!

Capítulo: 01 Kilni Quinuer e o Futuro jovem Mestre

Faz muito tempo desde o dia em que o mundo mergulhou no caos. Não sei ao certo quanto tempo passou... só sei que já se perdeu na memória.

> “O mundo já foi um lugar onde a vida prosperava...”

Mas isso ficou no passado. Nem mesmo os nobres podiam dormir em paz depois do acontecimento de três anos atrás. Desde então, o sangue marcou o solo, a tristeza se espalhou e a fome consumiu povos inteiros. Guerras se tornaram comuns — um reino tentando usurpar o lugar do outro, cada clã buscando provar sua supremacia.

E, no centro dessa história, estava o nome de uma única menina: Kilni Quinuer, a menina do Núcleo da Morte.

Kilni nasceu no Norte, em uma terra pobre chamada Quinuer, onde viviam poucas famílias. Seu nascimento, no entanto, não foi comum. A menina veio ao mundo no Palácio de Cristal, um local sagrado onde apenas pessoas abençoadas poderiam entrar.

Um ancião havia profetizado que, no Norte, nasceria uma criança escolhida com um poder capaz de mudar o destino. Os habitantes acreditavam que essa criança seria portadora do Núcleo da Vida, o poder da criação.

Mas, três dias após o nascimento de Kilni, a verdade foi revelada: o portador do Núcleo da Vida já havia nascido cinco anos antes. A pequena Quinuer não carregava a bênção da criação, e sim a marca do fim. Ela era a portadora do Núcleo da Morte.

Aos cinco anos, a tragédia em sua vida começou. O líder do Morro das Nuvens, temendo o poder adormecido da garota, enviou seus homens para exterminar toda a família Quinuer. O sangue manchou as ruas, e Kilni viu seus pais serem assassinados diante de seus olhos.

Junto de seus irmãos, Chen-lin e Katara, ela conseguiu escapar.

Mas, uma semana depois, já perseguidos com uma recompensa por suas cabeças, a desgraça voltou a atingi-los. Chen-lin foi morto por discípulos do Primeiro Mestre de Cultivação.

A partir daquele dia, Kilni deixou de ser apenas uma sobrevivente. Dentro dela nasceu um único desejo: vingança.

Os anos se passaram. O mundo já não era um lugar de inocência, e Kilni aprendeu isso cedo demais. Cresceu como fugitiva, até se tornar uma das ladras mais habilidosas do Sul.

Todos a conheciam como a Ladra de Jade. Nunca era vista, mas sua presença era inconfundível. Um perfume doce, misturado com um leve aroma de veneno, denunciava sua passagem.

Ao lado dela, estava Katara, agora uma jovem de treze anos. Diferente da irmã, Katara era doce, carinhosa e aparentemente comum, com cabelos mais curtos e pele saudável. Mas sob a aparência delicada, escondia a astúcia e o treinamento que recebera de Kilni.

As duas viviam fora dos muros da Cidade da Terra do Sol, escondidas entre florestas e vilarejos esquecidos. Embora os boatos sobre a herdeira de Quinuer tivessem diminuído, o perigo nunca deixava de rondar.

Kilni se tornou uma jovem de beleza singular. Seus longos cabelos desciam até a cintura, sua pele era pálida como a lua, e seus olhos castanhos — escuros e profundos — guardavam uma delicadeza que não refletia a realidade. Baixa e magra, com mãos calejadas de tanto treinar nos troncos da floresta, ela carregava um corpo marcado por disciplina e sofrimento.

Mas o que a distinguia verdadeiramente era seu poder.

Kilni não possuía apenas o Núcleo da Morte. Durante sua jornada, ela absorveu dois outros poderes espirituais:

A Runa – legado de uma feiticeira de beleza incomparável que viveu duzentos anos antes. Morta por veneno, alvo da inveja de todos, sua essência sobreviveu na forma de runas místicas.

A Magia Maligna – a herança de um espírito corrompido pela raiva de um antigo feiticeiro. Criado do ódio e da vingança, sobreviveu por quinhentos anos até encontrar em Kilni uma nova morada.

E, por fim, o seu verdadeiro fardo:

O Núcleo da Morte – um poder que dá à portadora o direito de ceifar vidas com simples gestos. Um poder quase ilimitado, temido como maldição, mas capaz de alterar todo o destino do mundo.

Kilni não aprendera a dominar o Núcleo da Morte. Antes que pudesse ser treinada, sua família foi destruída. Por isso, ela recorreu à combinação da Runa e da Magia Maligna.

Essa fusão, embora poderosa, trazia um preço: uma morte lenta que corroía o corpo por dentro. Kilni sabia disso. Sabia que cada uso a consumia. Mas também sabia que, quando unidas, a Runa e a Magia Maligna produziam um poder que poderia ser comparado com o do Núcleo da Morte.

Na prática, sua força já alcançava o nível de um cultivador de Primeiro Grau.

Mas, para Kilni Quinuer, isso ainda não era suficiente.

Muito antes de Kilni Quinuer nascer, o mundo já havia se curvado diante de uma criança.

O futuro jovem Mestre foi anunciado pelos anciões como o escolhido, o portador do Núcleo da Vida, um poder que trazia a essência da criação. Desde o momento em que abriu os olhos, o destino já o aprisionara.

Diferente de outras crianças, o jovem mestre jamais conheceu o calor da infância. Desde os três anos de idade, foi entregue ao Templo das Origens, onde sábios e mestres cultivadores o moldaram como se fosse uma arma sagrada.

Brincadeiras, amizades, risos — tudo lhe foi negado. Em vez disso, recebeu treinamentos rígidos, castigos impiedosos e o peso de carregar o mundo nos ombros.

Enquanto outros pequenos aprendiam a caminhar pelo campo, o jovem mestre aprendia a curar feridas, restaurar colheitas e até mesmo reverter doenças. Cada gesto seu era uma dádiva… mas também uma prisão.

“Você não pertence a si mesmo, jovem mestre. Você pertence ao mundo.”

Essas palavras eram repetidas como uma maldição em seus ouvidos.

Com o tempo, o menino de olhos azuis cresceu. A cada ano, suas habilidades floresciam mais, e o mundo o reverenciava como uma divindade viva. Mas, dentro de si, o jovem mestre não conhecia liberdade, nem ternura. Apenas regras, dever e a ordem de proteger a harmonia.

Assim, quando rumores surgiram sobre uma criança no Norte que havia herdado o Núcleo da Morte, o conselho dos mestres não hesitou:

— Essa herdeira não pode viver. O equilíbrio será quebrado.

Com treze anos, não questionou. Sua mente, moldada pela rigidez, não via uma menina, mas sim uma ameaça.

— Se a Vida existe para florescer, a Morte existe para ser contida — disse ele, aceitando sua missão.

Foi então que o destino de Kilni e do jovem mestre se entrelaçou.

Sob ordens do conselho e guiado pelos mestres cultivadores, o futuro primeiro mestre cultivador liderou a investida contra a pequena vila Quinuer. Com apenas um gesto de suas mãos, flores murcharam, rios se secaram e o solo se abriu, permitindo que os soldados avançassem.

Kilni, ainda criança, assistiu horrorizada enquanto os poderes do Núcleo da Vida e as lâminas dos seguidores dos Mestres ceifavam a vida de seus pais. Para ele, não havia maldade no ato — apenas dever.

Mas, para Kilni, aquele menino de olhos azuis seria para sempre o responsável por sua tragédia.

O mundo o chamava de “O Filho da Vida”, o salvador que curava e protegia. Mas, para Kilni Quinuer, ele não passava de um carrasco cruel, o algoz que havia destruído tudo o que ela amava.

E assim, no mesmo mundo que os moldou de formas opostas, nasceram duas forças destinadas a se confrontar:

O jovem mestre, o portador da Vida, o símbolo da ordem.

Kilni, a herdeira da Morte, a chama da vingança.

O equilíbrio entre criação e destruição nunca mais seria o mesmo.

O tempo havia passado como uma lâmina afiada.

A menina de olhar inocente que chorava sob a chuva já não existia mais. Aos 17 anos, Kilni Quinuer era uma sombra afiada, moldada pela dor, pelo sangue e pela solidão.

Seu corpo, antes frágil, agora era marcado por treinos incessantes. Suas mãos calejadas não carregavam apenas a lembrança da infância perdida, mas também o peso da fúria acumulada. Cada golpe contra os troncos das árvores da floresta, cada movimento de lâmina, cada vez que forçava o próprio corpo até a exaustão, tinha um único propósito: vingança.

— Primeiro Mestre Cultivador — ela murmurava o nome como se fosse veneno em sua língua. — Um dia, vou arrancar de você tudo o que tirou de mim.

Kilni não sonhava mais com um lar, nem com a paz que outras garotas de sua idade poderiam desejar. Para ela, o mundo inteiro havia se tornado um campo de batalha. Seu coração, uma fornalha de ódio.

Todas as noites, a lembrança voltava: os gritos de sua mãe, o olhar desesperado de seu pai, a figura de um menino que não hesitou em liderar o massacre.

O portador da Vida.

O suposto salvador.

O carrasco que o mundo venerava.

Enquanto o império o chamava de “Filho da Vida”, Kilni só via nele um tirano mascarado de herói.

Em uma noite Kilni fez uma promessa ao luar:

— Se a Vida é dele... então eu serei a Morte.

A chama da vingança queimava dentro de seus olhos castanhos, agora escurecidos pelo fardo de seus poderes. O Núcleo da Morte pulsava em seu corpo, pedindo para ser libertado, para ceifar, para destruir.

E ela não temia mais. Se antes via aquele poder como maldição, agora o abraçava como arma.

Kilni Quinuer não vivia mais para sobreviver.

Ela vivia para se vingar.

E todo o império tremeria no dia em que a herdeira da Morte se erguesse contra o filho da Vida.

***12 anos depois do acontecimento de Quinuer***

Capítulo: 02 Reencontro

A lua iluminava suavemente o esconderijo improvisado das duas irmãs. O vento noturno trazia consigo o cheiro de terra molhada e folhas agitadas. Katara, agora com treze anos, observava o horizonte em silêncio, seus olhos refletindo uma esperança rara naquele mundo cruel.

— Kilni... — ela começou, a voz trêmula, mas decidida. — Eu não aguento mais viver assim. Fugindo, me escondendo, roubando só para termos comida. Eu quero... recomeçar.

Kilni, que afiava sua lâmina contra uma pedra, ergueu o olhar sombrio.

— Recomeçar? Onde?

— No Morro das Nuvens — respondeu Katara, apertando as mãos. — Dizem que lá os cultivadores acolhem pessoas comuns, que ensinam a viver de forma digna, em paz. Eu... eu quero ter essa chance.

O som do metal parou. O ar ficou pesado.

Os olhos escuros de Kilni brilharam de raiva.

— No Morro das Nuvens? Você enlouqueceu? É lá que vive o Primeiro Mestre Cultivador! Foi ele quem mandou matar Chen-lin! Foi ele quem derramou o sangue dos nossos pais!

Katara respirou fundo, tentando manter a calma.

— Eu sei, Kilni... mas não podemos viver para sempre com ódio. O que Chen-lin queria... o que nossos pais queriam... era que a gente vivesse, não que se perdesse na vingança!

Kilni se levantou de súbito, a lâmina ainda em mãos. Sua voz, carregada de dor, ecoou pelo o esconderijo.

— Viver?! E o que você acha que eu estou fazendo desde aquele dia, Katara? Eu respiro, eu caminho, eu luto! Mas cada vez que fecho os olhos, eu vejo os olhos deles, o sangue deles! Você pode querer esquecer, mas eu não posso! Eu nunca vou esquecer!

Katara também se ergueu, lágrimas escorrendo pelo rosto.

— Então você vai morrer nesse ódio, irmã! Vai deixar que o Núcleo da Morte devore quem você é!

O silêncio caiu entre elas. Apenas o vento uivava.

Kilni desviou o olhar, apertando o punho até sangrar. Sua voz saiu em um sussurro, carregado de rancor:

— Se você quiser ir para o Morro das Nuvens, assim que estiver maior. Mas não espere que eu vá junto. Nunca colocarei os pés no mesmo lugar que aquele monstro vive.

Katara mordeu o lábio, tremendo. Pela primeira vez, as duas irmãs estavam em lados opostos — uma buscando paz, a outra devorada pela vingança.

Na noite seguinte Kilni pensava sobre a conversa da noite passada.

O reflexo da lua tremia na superfície do lago quando Kilni ergueu os olhos, ainda úmidos de fúria. O vento frio cortava sua pele, mas o que queimava de verdade era o peso em seu coração.

Runa permanecia diante dela, serena, como uma chama suave que tentava iluminar a escuridão.

— Não se deixe devorar pelo ódio... — insistiu. — A vingança pode até trazer justiça, mas nunca trará paz.

Kilni fechou os olhos com força, mas, em vez de calma, o silêncio trouxe outra presença.

Uma risada baixa, rouca, ecoou ao seu redor. A água do lago pareceu escurecer, e a própria lua foi tomada por uma sombra.

Do reflexo surgiu uma figura masculina, alta, com olhos vermelhos como brasas e um sorriso perverso que exalava crueldade.

— Sempre tão tediosa, Runa... — disse a voz sombria. — Sempre tentando apagar o fogo quando, na verdade, o fogo é o que a mantém viva.

Kilni abriu os olhos, e seu corpo estremeceu.

— Você... Magia Maligna...

Ele riu novamente, sua voz ecoando como trovão.

— Ah, pequena Quinuer... vejo que está mais forte. Seu ódio amadureceu como vinho antigo. Está pronta para usá-lo... para se entregar a ele.

Runa se interpôs, sua luz faiscando contra a escuridão.

— Não a engane com suas mentiras, criatura! Se ela ceder totalmente a você, será apenas mais uma sombra sem alma!

— Chega! — gritou. — Vocês dois vivem dentro de mim, mas é a minha decisão!

A Magia Maligna sorriu ainda mais, inclinando o corpo como se estivesse prestes a abraçá-la.

— Então escolha, Kilni. Continue ouvindo essa voz fraca que te pede para desistir... ou abrace o verdadeiro poder. Deixe o Núcleo da Morte se libertar, e juntos esmagaremos o Morro das Nuvens... até que todos provem da dor que você sentiu.

O silêncio caiu novamente.

Kilni olhou para o lago. Seus olhos castanhos escuros refletiam raiva — não apenas raiva dos inimigos, mas de si mesma, por estar dividida.

Runa sussurrou em desespero:

— Se você seguir esse caminho, perderá Katara para sempre...

Kilni fechou os olhos, e apenas o som do vento respondeu.

— Calem a boca! — o grito de Kilni ecoou pelo lago, tão intenso que fez os pássaros noturnos se dispersarem entre as árvores.

A água tremeu, como se obedecesse ao comando da jovem. Uma energia escura saiu de dentro dela, envolvendo suas mãos em sombras que se contorciam como serpentes vivas. O Núcleo da Morte pulsava com violência, respondendo ao turbilhão em seu coração.

Runa recuou alguns passos, alarmada.

— Kilni, controle-se! Não deixe o núcleo se libertar sozinho, você ainda não está pronta!

Mas a voz suave dela se perdeu diante da gargalhada ensurdecedora da Magia Maligna.

— Sim... sim! É isso! Não lute contra ele, abrace-o! Essa é a sua verdadeira natureza! A Morte não suplica por paz.

Kilni caiu de joelhos à beira do lago, ofegante. As sombras ao seu redor batiam contra o chão como ondas. Seus olhos, antes apenas castanhos escuros, agora ardiam em vermelho enegrecido, marcados pelo ódio.

— Eu não... eu não aguento mais... — murmurou entre dentes. — Vocês... vocês estão me enlouquecendo!

De repente, uma voz suave, quase chorosa, rompeu o caos:

— Irmã...?

Kilni ergueu o olhar. Katara estava parada atrás dela, os olhos arregalados, encarando aquela cena — o corpo de Kilni cercado de escuridão, seus olhos deformados pelo poder.

— Ka... Katara... — a voz de Kilni falhou.

Runa, desesperada, tentou intervir:

— Kilni, não a deixe te ver assim! Você precisa se acalmar!

Mas era tarde demais. Katara deu um passo atrás, lágrimas escorrendo.

— O que... o que você está se tornando...?

O coração de Kilni se despedaçou naquele instante.

A Magia Maligna apenas sorriu, satisfeito.

— Agora sim... deixe-a ver. Deixe-a temer. É assim que tudo começa.

Kilni gritou novamente, mas desta vez não para os espíritos — era um grito de dor, um grito humano. A água do lago explodiu em ondas, e a floresta inteira pareceu tremer com a fúria da herdeira da Morte.

O grito de Kilni ainda ecoava quando o som de passos pesados e risadas debochadas surgiu entre as árvores.

— Ora, ora... o que temos aqui? — disse uma voz grave. — Duas meninas perdidas no meio da floresta.

Das sombras, um grupo de homens armados emergiu. Eram bandidos cultivadores, suas auras sombrias demonstrando força letal. Os olhos deles brilharam ao ver Katara e Kilni.

— Peguem a mais nova viva. Ela pode valer uma boa quantia... — murmurou o líder, um homem de armadura negra e cicatrizes no rosto.

Antes que Kilni reagisse, um dos bandidos avançou como um raio e atingiu Katara com uma adaga no abdômen.

— Aaah! — Katara gritou, cuspindo sangue e caindo ao chão.

Kilni congelou. Seu corpo tremeu inteiro. Os olhos arderam em fúria.

— VOCÊS... VÃO MORRER!

As sombras do Núcleo da Morte explodiram, mas no instante em que ela ia se lançar sobre os bandidos, uma pressão sufocante tomou conta do lugar.

Todos os homens congelaram. Até o ar pareceu se ajoelhar.

Do alto das árvores, uma figura desceu suavemente: um homem de longos cabelos prateados, vestes brancas que irradiavam luz dourada e olhos serenos como o céu. A simples presença dele fazia a floresta silenciar.

— Basta — sua voz ecoou firme. — Não toquem mais nessas crianças.

Os bandidos recuaram, pálidos. Reconheciam aquela presença.

— É... é o Primeiro Mestre Cultivador...!

Num movimento rápido, ele ergueu a mão. Uma onda de energia pura varreu os homens como folhas secas, arremessando-os para longe. O chão tremeu, e em segundos, o lugar estava vazio de inimigos.

Kilni ofegava, os olhos ainda cheios de escuridão, abraçando Katara caída.

— Katara! Resista... por favor, resista!

A mão do Mestre pousou sobre o ombro dela com suavidade.

— Eu vou cuidar dela. Sua irmã viverá.

Kilni sentiu um calafrio. Todo o ódio que havia cultivado desde a infância ardia ao encarar aquele rosto.

Ela o empurrou com violência, gritando:

— NÃO TOQUE NELA!

O Mestre não reagiu, apenas a olhou com uma expressão calma, quase triste.

— Você me odeia... eu sinto isso. Mas agora não é hora de ódio.

Kilni rosnou, as sombras ainda oscilando ao redor dela.

— Hipócrita! Você é a causa da morte dos meus pais! Você é o monstro! Eu preferiria morrer a aceitar sua ajuda!

O Mestre suspirou, mas seus olhos permaneceram inabaláveis.

— O destino é cruel, criança. Mas nem toda verdade é como você acredita.

Ele se ajoelhou diante de Katara, irradiando uma luz dourada de suas mãos. A energia começou a fechar lentamente a ferida no corpo da jovem.

Kilni, tremendo entre raiva e desespero, não sabia se atacava o homem ou se implorava para que salvasse sua irmã.

O corpo de Katara jazia nos braços de Kilni, respirando com dificuldade. Por mais que o Primeiro Mestre Cultivador tivesse fechado a ferida com sua energia dourada, ainda havia algo errado.

A cada minuto, o rosto da jovem ficava mais pálido, e seus lábios tremiam como se a vida lhe escapasse.

Kilni arregalou os olhos.

— Você já usou o poder de curar... por que ela ainda está assim?!

O Mestre manteve sua expressão calma, mas seus olhos refletiam gravidade.

— O golpe não foi comum... foi causado por um objeto mágico. Essas lâminas carregam um veneno espiritual que corrói lentamente o corpo da vítima. O que eu fiz aqui foi apenas conter a ferida por fora.

Kilni sentiu o chão desaparecer sob seus pés.

— Então... Katara ainda pode morrer?

O Mestre assentiu lentamente.

— Sim. E apenas eu posso salvá-la por completo. Mas... para isso, precisarei usar um poder que, se for invocado aqui, poderia trazer grandes problemas.

Ele fez uma breve pausa, sua voz firme como a montanha.

— A única forma de garantir a vida de sua irmã é levá-la ao Morro das Nuvens. No templo sagrado, poderei concentrar toda a energia de cura diretamente nela. Somente lá o veneno espiritual poderá ser expulso de seu corpo.

As palavras caíram como punhais no coração de Kilni. O lugar que ela mais odiava... o lugar que jurara jamais pisar... agora era a única esperança de salvar Katara.

Ela apertou a irmã contra o peito, lágrimas ardiam em seus olhos cheios de raiva.

— O Morro das Nuvens... não... eu não posso...

O Mestre a fitou com seriedade.

— Não se trata do que você quer, Kilni Quinuer. Se deseja salvar Katara, terá de confiar em mim, mesmo que me odeie.

Kilni tremia. Seu ódio e sua dor se misturavam. Pela primeira vez em anos, o destino a obrigava a escolher entre sua vingança... e a vida de quem mais amava.

Capítulo: 03 A viajem

A noite já havia cedido lugar ao amanhecer quando a carruagem dourada deslizava pela estrada sinuosa rumo ao Morro das Nuvens. Dentro dela, o silêncio era tão denso quanto o ar frio das montanhas.

Katara repousava deitada em um canto, seu corpo envolto por véus de energia dourada que o Primeiro Mestre cultivador havia deixado como barreira protetora. Seus suspiros fracos lembravam a cada instante que sua vida ainda pendia por um fio.

Kilni estava sentada do outro lado, os braços cruzados, o olhar cravado no chão. Cada fibra do seu ser ardia em ódio pelo homem à sua frente, mas também em medo de perder a irmã.

O Mestre a observava em silêncio, até que finalmente falou:

— Sei o que você sente.

Kilni ergueu os olhos como lâminas.

— Não, você não sabe. Não ouse dizer que entende a minha dor.

Ele sustentou o olhar dela sem piscar.

— Eu entendo mais do que imagina.

Kilni socou a parede da carruagem, fazendo a madeira tremer.

— Você matou meus pais! Você destruiu Quinuer! Tudo o que eu sou agora... tudo o que me tornei... é por sua causa!

A carruagem pareceu pesar sob aquelas palavras. Katara se mexeu levemente, mas permaneceu inconsciente.

O Mestre respirou fundo.

— Eu não fui o responsável pela ordem que caiu sobre Quinuer. Havia forças maiores em movimento. Mas sei que para você, não importa a verdade: eu serei sempre o monstro da sua infância.

Kilni se inclinou para frente, a voz como veneno.

— Então admita. Admita que deixou minha família morrer.

O Mestre fechou os olhos por um instante, e quando os abriu, neles havia apenas cansaço.

— Eu falhei. Isso é tudo o que tenho a dizer.

Kilni cerrou os punhos até o sangue escorrer de suas unhas cravadas na palma. A raiva queimava tanto que o Núcleo da Morte pulsava em seu peito, implorando para se libertar.

— Falhou...? — ela sussurrou, tremendo. — Não... você escolheu. E eu vou fazer você pagar.

O silêncio voltou, quebrado apenas pelo ranger das rodas na estrada.

O Mestre a encarou, sério.

— Você pode odiar-me quanto quiser, Kilni Quinuer. Mas lembre-se: se eu cair, sua irmã morre.

As palavras a atingiram como um golpe. Ela mordeu o lábio até sentir o gosto de sangue.

Naquele momento, Kilni percebeu que estava aprisionada. Não por correntes de ferro, mas por um destino cruel: depender justamente daquele que mais odiava.

A luz suave da manhã atravessava as cortinas da carruagem. O ranger das rodas nos pedregulhos marcava um ritmo constante, quase hipnótico.

Kilni abriu lentamente os olhos. Por um instante, não sabia se ainda estava sonhando. Ao seu lado, sobre um pequeno pano dobrado, havia pão fresco, algumas frutas e uma pequena jarra de água.

Ela se ergueu devagar, piscando várias vezes.

— Quando foi que... eu adormeci? — murmurou para si mesma, surpresa.

Não lembrava de ter cedido ao sono. O último que recordava era o peso da raiva queimando dentro de si, as palavras que cuspira contra o homem que mais odiava no mundo.

E agora, ali diante dela, o Primeiro Mestre Cultivador estava sentado com os olhos fechados, em profunda meditação. Seu corpo emanava uma aura dourada serena, como se fosse um sol em miniatura, respirando em compasso perfeito com o mundo.

Kilni o observou por alguns segundos, seus olhos escuros refletindo dúvida e rancor.

“Como é possível alguém como ele... alguém que destruiu minha vida... parecer tão... calmo?”

Ela olhou para a comida ao seu lado, depois para Katara ainda deitada, envolta na barreira de energia dourada que protegia sua vida frágil. A respiração da irmã estava mais estável, embora ainda fraca.

Kilni suspirou baixinho. Uma mistura amarga de sentimentos lhe corroía o peito: ódio, desconfiança... mas também uma pontada incômoda de gratidão.

— Maldito seja... — sussurrou, apertando o punho. — Até quando vai me prender nesse dilema?

Do outro lado, sem abrir os olhos, o Mestre falou calmamente, como se tivesse ouvido cada palavra.

— A raiva corrói, mas também fortalece. O que você fará com ela é o que definirá quem realmente é.

Kilni se sobressaltou.

— Está me espionando até quando está com os olhos fechados?!

Ele abriu os olhos lentamente, revelando aquele olhar sereno e inabalável.

— Não. Apenas escuto... mesmo o que você não diz em voz alta.

O coração de Kilni disparou em fúria. Ela desviou o olhar, mordendo o lábio.

O sol já estava alto quando a carruagem finalmente diminuiu a velocidade. O ranger das rodas cessou, substituído pelo som de vozes e passos. Kilni ergueu a cortina e viu diante de si uma pequena vila encravada nas montanhas, feita de casas de madeira simples, cercadas por terraços de cultivo verdejante.

— Paramos? — ela perguntou, desconfiada.

O Mestre abriu os olhos devagar e se levantou.

— Sim. Os cavalos precisam descansar... e vocês também.

Kilni franziu o cenho, lançando um olhar para Katara, ainda adormecida e protegida pela barreira dourada.

— E se esses camponeses descobrirem quem somos? Você pode confiar neles?

O Mestre abriu a porta da carruagem e desceu primeiro, sua presença imediatamente atraindo olhares respeitosos dos moradores. Homens e mulheres paravam seus afazeres para inclinar levemente a cabeça em reverência.

Kilni estreitou os olhos.

— Claro... todos se ajoelham diante dele... como se fosse um deus. — o pensamento lhe atravessou como uma lâmina amarga.

Relutante, ela desceu logo em seguida. Ao pisar na terra batida da vila, sentiu olhares curiosos sobre si. Seu corpo enrijeceu instintivamente, a mão direita pousando no punho da adaga que carregava na cintura.

Uma senhora idosa se aproximou com um cesto de frutas nas mãos. Ela se inclinou diante do Mestre e depois estendeu o cesto para Kilni.

— Para sua jovem acompanhante, Mestre. Ela parece cansada.

Kilni arregalou levemente os olhos, surpresa. Não estava acostumada a receber gestos de bondade de estranhos.

— Eu... — por um instante, não soube o que responder.

O Mestre a observou com aquele olhar sereno que tanto a irritava.

— Aceite. Não há veneno na generosidade.

Kilni pegou o cesto de frutas, mas logo se virou de costas, resmungando.

— Não preciso da sua lição...

O Mestre não respondeu, apenas caminhou em direção a uma estalagem simples. Seus discípulos, que viajavam em outra carruagem, começaram a cuidar dos cavalos.

Kilni ficou para trás por alguns instantes, olhando a vila. Havia crianças correndo, mulheres sorrindo enquanto carregavam cântaros de água, homens erguendo sacos de arroz nos ombros.

A cena era simples, comum... mas algo dentro dela se revirava.

“Esse mundo... já foi bonito assim para mim também. Antes que ele... destruísse tudo.”

Com os olhos escuros cheios de lembranças amargas, ela apertou o cesto de frutas e seguiu atrás do Primeiro Mestre, cada passo pesado como se marchasse contra o próprio destino.

A estalagem da vila era pequena, com mesas de madeira gastas pelo tempo e o cheiro forte de sopa quente preenchendo o ar. Moradores entravam e saíam em silêncio respeitoso, murmurando entre si ao perceberem a presença do Mestre.

Kilni se sentou numa mesa afastada, jogando o cesto de frutas sobre a madeira como se fosse um peso morto. Seus olhos escuros vagaram pelo salão, atentos a cada movimento.

O Mestre entrou em seguida, com passos calmos, e se sentou de frente para ela. Um jovem aprendiz logo trouxe duas tigelas fumegantes de caldo e pão fresco.

Kilni arqueou a sobrancelha.

— Não achei que um homem como você comesse comida tão... comum. Pensei que só se alimentasse da adoração cega dessas pessoas.

O Mestre levou a tigela aos lábios e bebeu em silêncio, sem se abalar com o veneno das palavras dela. Apenas depois respondeu:

— A fome é igual para todos. Reis e mendigos, santos e pecadores... todos precisam comer.

Kilni deu um riso curto e irônico.

— Ah, mas nem todos matam famílias inteiras, não é mesmo?

O ar pareceu congelar. O Mestre a encarou, seus olhos penetrantes refletindo uma calma que contrastava com o peso das acusações.

— Ainda carrega esse fardo como uma lâmina no peito. — ele disse baixinho. — Mas você não sabe toda a verdade, Kilni Quinuer.

Ela bateu a mão na mesa, atraindo alguns olhares curiosos dos aldeões.

— Não me venha com enigmas! Eu vi meus pais morrerem! Eu vi o sangue deles no chão! Não há verdade que justifique o que você fez!

O Mestre não recuou, sua voz firme mas serena.

— Não estou pedindo seu perdão. Apenas digo que um dia, a verdade virá até você. E quando isso acontecer, seu ódio não será mais suficiente para guiá-la.

Kilni o encarou, seus olhos faiscando raiva e dor.

— Meu ódio é a única coisa que me mantém viva. Tire isso de mim... e não sobra nada.

O silêncio pesado tomou conta da mesa. O Mestre voltou a beber sua sopa, como se a conversa tivesse terminado. Kilni, por sua vez, apertava tanto a colher em sua mão que o metal quase se entortava.

Lá fora, o vento das montanhas soprava forte, como se antecipasse a tempestade que ainda estava por vir.

A tigela diante de Kilni já estava fria. Ela não havia comido quase nada; o gosto da sopa lhe parecia amargo demais, como se fosse feito de lembranças indesejadas. Seus olhos permaneciam fixos na madeira da mesa, evitando encarar o homem à sua frente.

O silêncio era denso, até que um som suave rompeu o peso do ar.

— …Kilni…

A voz era fraca, quase um sussurro.

Kilni se levantou de imediato, seu coração disparando. Virou-se para ver Katara, deitada sobre uma cama improvisada ao lado, com o rosto pálido, mas os olhos abertos.

— Katara! — Kilni correu até ela, ajoelhando-se ao lado da irmã e segurando sua mão trêmula. — Não se esforce… ainda está fraca.

Katara sorriu, um sorriso delicado, mesmo com a dor evidente em seu corpo.

— Eu… achei que não acordaria… você estava tão séria… tão distante…

Kilni apertou sua mão, sentindo as lágrimas ameaçarem seus olhos, mas manteve a voz firme.

— Eu nunca vou deixar você. Nunca.

O Mestre se aproximou lentamente, sua presença preenchendo o ambiente. Kilni o olhou de relance, os olhos faiscando em alerta.

— Fique longe dela.

Ele, no entanto, se ajoelhou do outro lado da cama, olhando para Katara. Sua voz era calma, carregada de compaixão.

— Descanse, pequena. Logo chegaremos ao templo, e sua dor desaparecerá.

Katara piscou devagar, como se tentasse entender aquelas palavras.

— Você… é o homem que está ajudando Kilni?

Kilni apertou a mão da irmã com força.

— Não! Ele não é nosso aliado, Katara. Só está aqui porque é o único que pode… — sua voz falhou por um instante, e ela desviou o olhar. — … porque é o único que pode te salvar.

Katara virou o rosto em direção ao Mestre, seu sorriso fraco ainda presente.

— Então… obrigada.

Kilni arregalou os olhos, surpresa.

— Katara! Não agradeça a ele! Você não sabe… você não sabe quem ele…

Mas Katara apenas fechou os olhos novamente, mergulhando de volta em um sono leve, sua mão ainda presa entre as de Kilni.

O silêncio voltou a dominar o quarto. Kilni olhou para o o primeiro mestre, ódio queimando em seu peito.

— Não pense que esse agradecimento significa algo. Ela não sabe que você fez.

O Mestre a encarou com serenidade, sem rebater. Apenas disse:

— Às vezes… a pureza enxerga o que a raiva insiste em apagar.

Kilni mordeu o lábio com tanta força que quase sangrou. A única coisa que a impedia de atacá-lo ali mesmo era a mão frágil de Katara segurando a sua.

O céu da manhã estava limpo, com nuvens claras que se arrastavam lentamente sobre os picos das montanhas. A carruagem voltava a ranger, descendo por estradas estreitas, ladeadas por penhascos e bosques cobertos de neblina.

Kilni acordou cedo, seus olhos castanhos ainda pesados pela falta de sono. Passara a noite inteira vigiando Katara, temendo que o frágil fio de vida de sua irmã se rompesse de uma hora para outra.

Quando afastou a cortina da carruagem, seu coração se apertou. Ao longe, erguendo-se como um titã de pedra e nuvens, estava o Morro das Nuvens. Seu topo estava oculto por brumas densas, e a luz dourada do sol da manhã refletia nas paredes de pedra como se o próprio céu se inclinasse para adorá-lo.

Kilni arregalou os olhos, uma mistura de medo e ódio percorrendo suas veias.

— …Já estamos tão perto assim? — murmurou, sentindo os dedos tremerem.

Do outro lado da carruagem, o Mestre cultivador mantinha sua postura ereta, de olhos fechados, como se nada pudesse abalá-lo. Sua aura permanecia calma, constante, como se fosse parte da própria paisagem.

Kilni, no entanto, sentia o oposto. Seu peito ardia, seu estômago se revirava. Cada pedra daquela montanha trazia de volta lembranças do sangue de seus pais, das chamas que consumiram Quinuer, dos gritos que ecoavam em sua mente.

— Você… — ela começou, a voz carregada de veneno. — Você me trouxe para o mesmo lugar de onde ordenou a morte dos meus pais… e espera que eu apenas sente aqui, obediente, como uma boneca quebrada?

O Mestre abriu os olhos lentamente, sua expressão serena como sempre.

— Não trouxe você. Trouxe sua irmã.

Kilni cerrou os punhos, as unhas cravando nas palmas das mãos.

— Não ouse usar Katara como desculpa para me arrastar até esse maldito lugar!

Ele a encarou firme, sem se intimidar.

— Então diga… Kilni Quinuer. Se pudesse salvar sua irmã em qualquer outro lugar, você teria aceitado minha ajuda?

A pergunta a atingiu como uma lâmina invisível. Kilni abriu a boca, mas nenhuma palavra saiu. A verdade era cruel demais para ser negada.

Ela desviou o olhar, mordendo o lábio até sentir o gosto de sangue. .

— Maldito seja… — sussurrou. — Maldito seja por me dar razão e, ao mesmo tempo, me prender ao seu jogo.

A carruagem seguiu em frente, e o Morro das Nuvens parecia se aproximar cada vez mais, como se a própria montanha os observasse, aguardando o desenrolar daquele destino inevitável.

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