Capítulo 1 — O Cheiro da Tempestade
____
A chuva castigava as vidraças do Café Mirante com uma fúria constante, transformando o espaço em um refúgio morno contra o caos da rua. O aroma do café recém-passado se misturava ao doce de canela e ao som abafado das conversas, mas nada conseguia acalmar a ansiedade que queimava em Elias.
Ele mantinha as mãos firmes em torno da xícara de chá de camomila, como se aquele calor frágil pudesse ancorá-lo ao chão. O vapor subia lento, em espirais que se desfaziam no ar pesado. O mundo parecia normal para todos ao redor, mas para Elias havia algo errado, algo que o deixava em alerta desde o momento em que acordara.
O supressor já não segurava o cio como antes. A cada respiração, ele sentia seu corpo clamar em silêncio, um chamado indesejado que tornava seus sentidos mais aguçados e o deixava vulnerável. Tentava disfarçar, manter a postura discreta, mas sabia que alguns olhares o seguiam — olhares curiosos, outros carregados de segundas intenções. Ele se encolheu ainda mais na cadeira, torcendo para que a chuva escondesse sua inquietação.
Então, aconteceu.
Um cheiro atravessou o ar como um raio. Musgoso, amadeirado, com um fundo quase elétrico, selvagem, como o ar que antecede uma tempestade. Elias sentiu a pele se arrepiar dos pés à cabeça. O coração falhou uma batida. Não precisava olhar para saber. O instinto já gritava.
E, ainda assim, virou-se devagar.
Ele estava lá. O Alfa.
Alto, de postura impecável, o rosto marcado por uma expressão contida que não revelava nada e, ao mesmo tempo, parecia enxergar tudo. Rafael Arantes. Um nome que pesava mais do que a própria presença. CEO da Arantes Corp., símbolo de poder e controle, é alvo de incontáveis rumores. O mais repetido deles? Que detestava qualquer aproximação com Ômegas.
E, no entanto, seus passos o traziam direto na direção de Elias.
O mundo pareceu prender a respiração. Cada olhar no café acompanhava o movimento dele, mas Elias só conseguia sentir o cheiro, a força, a inevitabilidade daquele encontro.
Rafael parou diante de sua mesa. Sua voz grave soou como trovão contido:
— Esse lugar está ocupado?
Elias piscou, perdido por um segundo. As palavras se atropelaram dentro dele, a garganta seca. O instinto gritava em alerta, mas também em desejo, e a contradição o deixava atordoado.
— N-não... — gaguejou, desviando os olhos. — Pode se sentar.
O Alfa acomodou-se com calma, como se o simples ato de sentar fosse uma escolha calculada. Um sorriso discreto, quase imperceptível, curvou-lhe os lábios.
— Obrigado. Estava precisando de um lugar... e de um motivo.
As palavras ecoaram no peito de Elias, estranhamente ambíguas, carregadas de uma tensão que ele não sabia interpretar. Seu rosto ardeu. Tentou se concentrar no chá, mas cada fibra de seu corpo vibrava, denunciando o laço que havia despertado.
Havia algo de errado. Ou talvez, apenas... inevitável.
_____
l l l l l l l l l l l l l l l l l
CONTINUA
Capítulo 2 — Instintos em Conflito
---
O café estava cheio, mas para Elias parecia
que só havia ele e Rafael naquele espaço. Cada respiração se tornava difícil, como se o ar tivesse sido substituído por algo mais denso, carregado do cheiro dele. Musgoso, amadeirado, elétrico. Um perfume que não era apenas aroma, mas um aviso gravado no instinto mais primitivo do corpo de Elias.
Seu cio se agitava sob a pele como brasas encobertas, e o supressor já não o protegia o suficiente. As mãos tremiam contra a porcelana da xícara, e a cada vez que tentava beber um gole de chá, o líquido descia amargo, traindo sua ansiedade.
— Você parece nervoso — observou Rafael, a voz grave e calma, como se falasse sobre o clima.
O olhar dele, entretanto, o analisava em silêncio, cada detalhe, cada respiração acelerada.
Elias mordeu o lábio, buscando uma saída plausível.
— Só... não gosto de multidões.
Rafael ergueu uma sobrancelha, descrente. Não insistiu, mas também não desviou os olhos. O silêncio dele era tão pesado quanto as palavras. Elias odiava a sensação de estar nu diante daquele olhar, como se todos os segredos que tentava esconder estivessem ali, expostos sem defesa.
O instinto gritava dentro dele. O cio se tornava um sussurro perigoso em sua mente, pedindo rendição. Era vergonhoso, humilhante, como se uma parte dele não tivesse escolha. Apertou os punhos sob a mesa, tentando se prender a qualquer vestígio de racionalidade.
Rafael, por sua vez, também travava sua própria batalha. O cheiro do Ômega era inconfundível, doce e tentador como fruta madura no auge da estação. Seu corpo reagia naturalmente, músculos tensos, respiração mais profunda, o instinto de domínio rugindo como fera enjaulada. Ele poderia estender a mão, tocar, reivindicar. Era fácil. Era o que se esperava de um Alfa.
Mas não era o que queria.
Fechou a mandíbula, firme, como se cada segundo fosse um exercício de controle. Não permitiria que seu corpo decidisse por ele. Nunca mais.
— Multidões também não me agradam — murmurou, finalmente, a voz baixa, quase íntima. — Mas às vezes... é preciso estar no lugar errado para encontrar o motivo certo.
Elias engoliu em seco. Havia uma ambiguidade perigosa naquelas palavras, uma ponte entre confissão e provocação. O coração batia rápido demais, como se o som fosse audível.
Do lado de fora, a chuva aumentava, os relâmpagos cortando o céu em linhas prateadas. Cada trovão parecia ecoar dentro do peito de Elias, lembrando-o do perigo de ceder.
Ele não podia. Não ali. Não com ele.
Mas quando levantou os olhos e encontrou novamente o olhar de Rafael, viu a mesma luta refletida — desejo e contenção, instinto e escolha. Dois mundos prestes a colidir, presos em um jogo silencioso.
E pela primeira vez, Elias não se sentiu sozinho em sua batalha.
---
CONTINUA
Capítulo 3 — Presos pela Chuva
____
Quando Elias finalmente reuniu coragem para se levantar, a intenção era simples: escapar. Sair antes que o cheiro de Rafael o dominasse por completo, antes que seus instintos lhe traísse em público. Mas, ao chegar perto da porta do café, a realidade o impediu.
A tempestade que caía sobre a cidade não dava trégua. Relâmpagos rasgavam o céu em intervalos curtos, e a rua estava transformada em um rio barrento. Pessoas se amontoavam sob toldos e marquises, na esperança de uma brecha que nunca vinha.
Elias hesitou. Parte dele queria arriscar mesmo assim, correr, deixar a chuva gelada apagar o fogo que queimava sob sua pele. Mas o corpo congelou quando uma presença firme parou atrás dele.
— Não vai adiantar — disse Rafael, a voz baixa, mas ainda assim poderosa sobre o estrondo da chuva. — Não se atravessa uma tempestade correndo. Só se espera.
Elias não ousou se virar. Seu corpo inteiro estava em alerta, consciente demais da proximidade do Alfa. O cheiro dele parecia ainda mais forte, envolvente, como se o mundo inteiro se resumisse àquele instante.
— Eu não posso esperar — murmurou, quase sem perceber que tinha falado em voz alta.
Rafael se aproximou um passo, mas não o tocou. O silêncio que se seguiu foi denso, cheio de significados não ditos. Até que, finalmente, sua voz cortou o espaço entre eles:
— Eu também não.
Essas três palavras caíram sobre Elias como um segundo trovão. Seu coração disparou, e por um instante o instinto rugiu dentro dele, incitando entrega, pedindo rendição. Fechou os olhos com força, buscando se controlar.
Respire. Não ceda. Não aqui.
— Você não entende... — Elias começou, a voz trêmula. — Não é só uma tempestade lá fora. Aqui dentro... — apertou o peito com a mão, como se pudesse conter a pressão que o dilacerava. — Eu não posso me dar ao luxo de perder o controle.
Rafael inspirou fundo, como se cada palavra fosse também uma lâmina em sua própria carne. A luta era mútua. O instinto de Alfa gritava para se impor, para dominar, para reivindicar. Ele podia sentir cada fibra de seu corpo pedindo por isso. Mas não iria ceder.
— Eu entendo — respondeu, firme. — Mais do que imagina.
Elias finalmente se virou, os olhos brilhando com o reflexo dos relâmpagos. Havia medo neles, mas também algo novo: reconhecimento. Uma compreensão silenciosa de que não era o único em guerra contra a própria natureza.
A chuva continuava a cair, inclemente, como se o mundo lá fora tivesse desaparecido. Ali dentro, presos um ao outro e à tempestade, Rafael e Elias compartilhavam o mesmo fardo: o peso de instintos que não podiam — ou não queriam — definir quem eram.
E, pela primeira vez, a espera não pareceu tão impossível.
____
l l l l l l l l l l l l l l l l l l l l l l l l l l l l l l l l l l l l l l l l l
CONTINUA
l l l l
Para mais, baixe o APP de MangaToon!