A noite caía devagar sobre Vallentina, tingindo os céus de tons dourados e arroxeados. A cidade parecia respirar luxo, como se cada prédio iluminado fosse um lembrete de poder e herança. As ruas centrais fervilhavam de gente elegante, carros importados e olhares julgadores que analisavam cada detalhe, como se todos fossem peças de um tabuleiro invisível.
Isabella Moretti sentiu o coração apertar assim que a limusine ultrapassou os portões de ferro da mansão Moretti. Ela não pisava ali havia anos. O lugar não era apenas uma casa, mas um palácio disfarçado de lar — janelas imensas, lustres que podiam ser vistos do lado de fora, e jardins tão bem cuidados que pareciam obras de arte. Tudo gritava poder, mas também aprisionamento.
A cada passo no mármore frio da entrada, Isabella se lembrava de quantas vezes havia fugido daquele ambiente, acreditando que poderia escapar do destino traçado para ela. Mas o chamado do pai, Don Marco Moretti, havia sido claro: era hora de voltar. Não havia como negar.
Ela caminhava devagar, observando os detalhes do salão principal: os quadros de ancestrais que pareciam encará-la, como se exigissem lealdade; o aroma suave de vinho caro misturado a rosas vermelhas; o som abafado das vozes de empregados que a olhavam com uma mistura de respeito e curiosidade.
Isabella respirou fundo, ajustando a alça fina do vestido preto que moldava seu corpo. Não queria estar ali, mas algo em sua alma já sabia que aquela noite mudaria tudo.
— Isabella… — a voz grave do pai ecoou do topo da escada. Ele estava mais velho, mas o olhar continuava o mesmo: severo, calculista. — Finalmente voltou para onde pertence.
Ela manteve a postura firme, apesar do peso daquelas palavras.
— Eu voltei, mas isso não significa que aceite tudo. — Sua voz saiu firme, mas por dentro, suas mãos tremiam.
Don Marco sorriu de canto, como quem já previa aquela resistência.
— Vai aceitar, minha filha. Não por mim… mas porque logo perceberá que não há como escapar do sangue que corre em suas veias.
Antes que pudesse responder, Isabella ouviu um barulho de passos vindos do salão lateral. Ela virou o rosto, e foi como se o ar tivesse desaparecido de seus pulmões.
Lorenzo Castellani.
Ele entrou no salão com a imponência de quem carregava um sobrenome que era sinônimo de poder. Terno impecável, olhos intensos, expressão fria. Isabella conhecia a fama dele: arrogante, controlador, herdeiro de uma linhagem marcada por segredos e violência. O clã Castellani era inimigo declarado dos Moretti há décadas. E, ainda assim, ali estava ele.
Seus olhares se cruzaram.
Isabella tentou desviar, mas foi impossível. Havia algo naquela intensidade que a paralisava. Era como se o mundo inteiro tivesse silenciado, restando apenas o som da própria respiração acelerada.
Lorenzo deu alguns passos na direção dela, firme, calculado. Seu olhar não a deixava escapar, como se a estudasse por completo.
— Então essa é a filha perdida dos Moretti… — disse ele, a voz baixa, carregada de ironia e interesse. — Confesso que não imaginei que fosse tão… intrigante.
Isabella sentiu o sangue pulsar nas veias, como se uma chama tivesse sido acesa dentro dela. Não queria, mas não conseguia negar: havia uma força perigosa ali, algo que beirava a atração e o abismo ao mesmo tempo.
— E você deve ser Lorenzo Castellani… — respondeu, erguendo o queixo com coragem, ainda que o coração estivesse em guerra. — O homem que eu deveria odiar.
Os lábios dele se curvaram em um sorriso enigmático, quase predador.
— Deveria… mas não parece estar conseguindo.
A noite avançava em Vallentina, e a mansão Moretti parecia mais viva do que nunca. As luzes douradas refletiam nas janelas de cristal, e o som abafado de conversas ecoava pelos corredores. Era como se a casa tivesse sido construída não para abrigar uma família, mas para exibir poder a qualquer um que ousasse atravessar seus portões.
Isabella caminhava devagar pelos corredores, observando os detalhes que tanto lhe causavam desconforto. Quadros enormes exibiam retratos de antepassados com olhares duros; o piso de mármore refletia sua imagem de forma quase distorcida, e o aroma constante de vinho tinto e tabaco se misturava ao ar. Era sufocante.
Ela não conseguia tirar da mente o encontro inesperado com Lorenzo Castellani. O jeito como ele havia olhado para ela… não como se fosse apenas uma Moretti, mas como se já pertencesse a ele de alguma forma. Isabella odiava admitir, mas aquele olhar ainda queimava em sua memória.
— Você está diferente do que eu esperava — disse uma voz suave atrás dela.
Isabella se virou, encontrando Elena Castellani, mãe de Lorenzo. Uma mulher elegante, de postura impecável e expressão gélida. O tipo de pessoa que parecia carregar o mundo com um simples erguer de sobrancelha.
— Não sei o que esperava — respondeu Isabella, firme.
Elena a encarou por um instante longo demais, como se tentasse decifrar cada fraqueza escondida. Então, esboçou um sorriso frio.
— Você ainda vai descobrir que, nesta cidade, não importa quem você é. Importa a quem você pertence.
Antes que Isabella pudesse responder, Elena se afastou, deixando para trás um rastro de perfume caro e ameaça velada.
Respirando fundo, Isabella seguiu até o terraço, buscando ar fresco. O vento da noite trouxe algum alívio, mas não o suficiente. Dali, a vista de Vallentina era estonteante: prédios iluminados, ruas movimentadas e um céu sem estrelas, como se até o firmamento tivesse medo daquela cidade.
Ela se apoiou no corrimão de ferro, tentando acalmar o coração, quando ouviu passos atrás de si. O corpo inteiro se arrepiou antes mesmo que pudesse olhar. Ela já sabia quem era.
Lorenzo.
— Fugindo do salão, Isabella? — a voz dele soou próxima, carregada de provocação.
Ela se virou devagar. Ele estava ali, impecável em seu terno escuro, os olhos fixos nela como se não houvesse mais nada ao redor. Lorenzo se aproximou, diminuindo a distância entre eles a cada passo.
— Só precisava respirar — respondeu ela, tentando soar indiferente.
— Engraçado… eu também. — Ele parou tão perto que o calor do corpo dele parecia envolver o dela. — Mas acho que a respiração ficou ainda mais difícil depois que você chegou.
O olhar de Lorenzo desceu lentamente, do rosto dela até os lábios. Isabella sentiu o estômago revirar, como se lutasse contra um desejo proibido que nascia rápido demais.
— Não sei qual é o seu jogo — disse ela, erguendo o queixo —, mas eu não vou ser parte dele.
Lorenzo sorriu de lado, inclinando-se ligeiramente, como se quisesse provar o contrário com apenas um gesto.
— Não é um jogo, Isabella. É inevitável.
Ela recuou um passo, mas o corrimão a impediu de ir mais longe. Lorenzo permaneceu ali, próximo o suficiente para que ela sentisse o perfume dele, a respiração, o perigo que representava.
O coração dela acelerou tanto que parecia ecoar no silêncio da noite. Por um instante, o mundo parou. Não havia guerra entre famílias, não havia rancor herdado — apenas os dois, presos em uma tensão que ameaçava quebrar todas as regras.
Lorenzo inclinou-se um pouco mais, os lábios perigosamente próximos dos dela. Isabella fechou os olhos por um segundo, como se lutasse contra a própria vontade.
— Isso nunca deveria acontecer… — sussurrou ela, quase sem ar.
Lorenzo arqueou um sorriso, os olhos queimando nos dela.
— E justamente por isso, Isabella, vai acontecer.
A madrugada se estendia silenciosa em Vallentina, mas dentro da mansão Moretti a noite ainda parecia jovem. Música suave ecoava ao longe, e o som de taças sendo brindadas no salão principal contrastava com o silêncio pesado do terraço.
Isabella permaneceu imóvel diante de Lorenzo, como se o mundo tivesse diminuído até caber no espaço estreito entre eles. A respiração dela era rápida, e cada batida do coração parecia gritar a insensatez daquele momento.
Ele estava tão perto que bastava um pequeno movimento para que seus lábios se encontrassem. Isabella sabia que não deveria permitir, sabia que era errado, perigoso, imperdoável. Mas, naquele instante, nada lhe pareceu mais real do que o magnetismo daquele homem.
— Você deveria se afastar… — murmurou, sem força na voz.
Lorenzo sorriu de canto, inclinado sobre ela.
— E você deveria parar de me olhar assim, Isabella.
O sangue dela ferveu. Quis negar, mas sabia que ele tinha razão. Ela estava olhando para ele como jamais deveria olhar para um Castellani. Como se ele fosse mais do que o inimigo, mais do que o herdeiro de uma família amaldiçoada.
Lorenzo estendeu a mão e, sem tocar, passou os dedos a poucos centímetros da pele do braço dela, em um gesto lento, provocador. Isabella fechou os olhos por um segundo, sentindo um arrepio que percorreu todo o corpo.
Foi nesse instante que a porta do terraço se abriu com um rangido abrupto.
— Isabella! — A voz firme de Don Marco Moretti interrompeu o momento, como uma lâmina cortando o ar.
Ela se afastou de imediato, o rosto corando, como se tivesse sido pega em flagrante. Lorenzo, no entanto, permaneceu calmo, o sorriso provocador ainda nos lábios.
— Vejo que sua filha sabe escolher bem a companhia — disse Lorenzo, com ironia, enquanto ajeitava o terno como se nada tivesse acontecido.
Os olhos de Don Marco faiscaram.
— Cuidado, Castellani. Esta casa não é lugar para suas provocações.
Lorenzo apenas arqueou uma sobrancelha e inclinou a cabeça, como quem aceitava o desafio silencioso.
— Até breve, Isabella — sussurrou, antes de sair pelo corredor com passos firmes.
O coração dela ainda martelava no peito quando o pai se aproximou.
— O que pensa que está fazendo? — Marco a encarava com dureza. — Você sabe quem ele é?
— Sei, pai. — Isabella ergueu o queixo, tentando recuperar o controle. — Sei exatamente quem ele é.
Don Marco suspirou fundo, passando a mão pelo rosto marcado pelo tempo.
— Os Castellani não são nossos aliados, Isabella. São uma ameaça. Eles destruíram tudo o que tínhamos, mancharam nosso nome, roubaram o que era nosso por direito.
Isabella franziu o cenho.
— Mas ninguém nunca me contou o que realmente aconteceu…
O pai se virou, olhando para os retratos pendurados nas paredes do corredor.
— Algumas verdades são perigosas demais para serem ditas. Mas cedo ou tarde, você vai descobrir. E quando descobrir, vai entender por que este amor nunca poderia existir.
As palavras ecoaram dentro dela como uma sentença. Mas, ao mesmo tempo, despertaram algo ainda mais forte: a necessidade de saber. O que os Castellani tinham feito? O que realmente separava aquelas famílias?
Naquela noite, enquanto se recolhia para o quarto luxuoso que lhe parecia mais prisão do que abrigo, Isabella não conseguia dormir. Cada vez que fechava os olhos, via Lorenzo. O sorriso dele. O olhar intenso. A proximidade proibida.
E, mesmo sabendo de tudo, uma parte dela desejava que a porta do quarto se abrisse e que ele estivesse ali.
Na ala oposta da mansão, Lorenzo observava Vallentina pela janela do quarto reservado a ele. Estava hospedado ali por exigência de uma trégua temporária entre os clãs, mas não havia nada de pacífico naquela aproximação. Cada segundo ao lado dos Moretti era um lembrete de rancores antigos.
Ainda assim, ele não conseguia tirar Isabella da mente. Havia algo nela que quebrava suas defesas. Não era apenas beleza — era o olhar desafiador, a coragem escondida sob a vulnerabilidade.
— Isabella Moretti… — murmurou para si mesmo, um sorriso sombrio surgindo em seus lábios. — Talvez você seja a guerra que eu nunca soube que queria.
No dia seguinte, o sol nasceu forte sobre Vallentina. Isabella desceu para o café da manhã, mas não havia apetite em seu corpo. O ar parecia pesado, como se algo prestes a acontecer rondasse a mansão.
Ao atravessar o jardim, encontrou Lorenzo parado junto à fonte de mármore. Ele a olhou, e o mundo pareceu parar outra vez.
— Dormiu bem? — perguntou ele, a voz carregada de ironia.
Isabella tentou ignorar, mas o olhar dele a prendia.
— Dormi o suficiente.
Lorenzo se aproximou, parando diante dela, tão perto que o coração dela disparou.
— Eu não. — Seus olhos se fixaram nos dela. — Você não saiu da minha cabeça.
Ela engoliu em seco, sentindo a tensão crescer, como se cada palavra dele fosse um convite ao abismo.
— Lorenzo… — murmurou, sem forças para terminar a frase.
Ele se inclinou, os lábios a centímetros dos dela, quando uma voz feminina soou ao longe:
— Isabella! — Era Elena Castellani, atravessando o jardim com passos firmes.
O momento foi interrompido novamente, mas a faísca já estava acesa.
Lorenzo sorriu discretamente, os olhos queimando nos dela.
— Uma hora, Isabella, ninguém vai nos interromper.
Para mais, baixe o APP de MangaToon!