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Uma Sombra Na Brasa

A Marca

O cheiro de fumaça ainda morava nas paredes do quarto, mesmo semanas depois do incêndio. Isadora acordava todas as noites com o som das chamas em sua cabeça — não o som real, mas aquele que ecoava por dentro, como se o fogo tivesse deixado algo aceso dentro dela.

A cicatriz em seu ombro não era comum. Não parecia uma queimadura. Era uma espiral perfeita, como se tivesse sido desenhada com precisão. Os médicos disseram que era apenas uma reação à pele, mas ela sabia que não era. Ela sentia... coisas. Como se a marca pulsasse quando o silêncio caía.

Naquela noite, enquanto a lua se escondia atrás das nuvens, Isadora ouviu pela primeira vez o sussurro.

> “Ele está vindo. E você já o conhece.”

Ela se virou, assustada. Não havia ninguém no quarto. Mas o ar parecia mais denso, como se estivesse sendo observado. E então, pela janela, ela viu.

Olhos prateados. Brilhando na escuridão. Fixos nela.

Ela recuou um passo, o coração acelerado. Os olhos prateados desapareceram tão rápido quanto surgiram, engolidos pela escuridão. Isadora ficou ali, imóvel, tentando convencer a si mesma de que era apenas mais um delírio — como os sonhos estranhos que vinham desde o incêndio.

Mas então, a marca em seu ombro começou a queimar.

Não como uma dor comum. Era como se algo dentro dela estivesse sendo ativado. Ela correu até o espelho e puxou a blusa, revelando a espiral. A pele ao redor estava avermelhada, pulsando como se tivesse vida própria.

> “Você foi escolhida. E ele está preso entre mundos.”

A voz voltou. Mais clara. Mais próxima.

Isadora cambaleou para trás, derrubando uma pilha de livros. Um deles caiu aberto, revelando uma página marcada com carvão. Não era dela. Nunca tinha visto aquele livro antes.

Na página, havia um desenho da mesma espiral que carregava no ombro. E abaixo, uma frase escrita à mão:

> “A Sombra Brasa desperta quando o fogo não consome, mas revela.”

Ela sentiu um arrepio subir pela espinha. Aquilo não era coincidência. E quem quer que fosse Kael — o dono dos olhos prateados — ele sabia o que estava acontecendo.

E ela precisava encontrá-lo.

Ela segurou o livro com mãos trêmulas. As letras pareciam vibrar na página, como se estivessem vivas. O ar ao redor ficou mais denso, e o silêncio da casa foi quebrado por um sussurro que não vinha de lugar algum — ou talvez de todos os lugares ao mesmo tempo.

> “Você abriu a porta. Agora precisa atravessá-la.”

Isadora olhou em volta, mas estava sozinha. A espiral em seu ombro pulsava em sincronia com o sussurro. Ela folheou o livro, e cada página parecia escrita por uma mão diferente — algumas em línguas que ela não reconhecia, outras com desenhos que pareciam feitos com sangue seco.

No final do livro, havia um envelope colado à contracapa. Ela o arrancou com cuidado. Dentro, um pedaço de papel envelhecido trazia apenas um nome:

Kael.

E abaixo, uma coordenada.

Ela correu até o computador e digitou os números. O mapa mostrou um ponto isolado, no meio da floresta de Pedra Branca, onde ninguém costumava ir desde o incêndio que destruiu parte da reserva.

> “É lá que tudo começou,” murmurou ela. “E é lá que eu vou descobrir quem sou.”

Ela sabia que não podia contar a ninguém. Nem à avó, nem aos amigos. Aquilo era dela. E da sombra que a seguia desde o dia em que o fogo não a tocou.

Isadora fechou o livro, respirou fundo e olhou para a noite lá fora. A lua estava cheia, e por um instante, ela jurou ver olhos prateados refletidos no vidro da janela.

Na manhã seguinte, Isadora acordou com o livro ainda em suas mãos. O envelope com o nome “Kael” estava sobre o travesseiro, como se tivesse sido colocado ali por alguém durante a noite. Ela não lembrava de ter dormido. Na verdade, não lembrava de ter fechado os olhos.

A cicatriz em seu ombro estava mais nítida. Não só pulsava — agora parecia emitir um leve brilho avermelhado, como brasas vivas sob a pele.

Ela desceu para o café da manhã, tentando agir normalmente. Dona Célia, sua avó, estava na cozinha, mexendo uma panela com chá de ervas. O cheiro era forte, quase amargo.

— Dormiu bem? — perguntou, sem olhar para ela.

Isadora hesitou. — Mais ou menos.

Dona Célia virou-se lentamente, os olhos escuros fixos nela. — A marca está crescendo, não está?

Isadora congelou. — Como você sabe?

A avó suspirou, tirando o chá do fogo. — Porque eu já vi essa espiral antes. E sei o que ela significa.

Isadora sentou-se à mesa, o coração acelerado. — Então me conta. Por favor.

Dona Célia colocou a xícara diante dela e se sentou. — A espiral é o símbolo da Sombra Brasa. Uma entidade antiga, que vive entre mundos. Ela escolhe alguém quando o equilíbrio está prestes a se romper. E quando isso acontece... o fogo deixa de destruir. Ele começa a revelar.

Isadora sentiu um arrepio. — E Kael? Você conhece esse nome?

A avó olhou para ela com pesar. — Kael não é um nome. É um aviso.

Antes que Isadora pudesse perguntar mais, a luz da cozinha piscou. Um vento frio atravessou a casa, mesmo com todas as janelas fechadas. E no reflexo da colher de chá, ela viu — por um breve segundo — os olhos prateados.

Isadora subiu correndo para o quarto, o coração batendo como se quisesse fugir do próprio corpo. A revelação da avó ecoava em sua mente: Kael não é um nome. É um aviso.

Ela abriu o livro novamente, folheando as páginas com mais urgência. Cada símbolo parecia mais claro agora, como se a marca em seu ombro estivesse traduzindo o que antes era indecifrável. A espiral não era apenas um sinal — era uma chave.

Na última página, uma nova frase havia surgido. Ela tinha certeza de que não estava ali antes.

> “Quando a sombra toca a brasa, o véu entre os mundos se rompe.”

Ela sentiu um tremor no chão. Leve, quase imperceptível. Mas suficiente para fazer os quadros da parede balançarem. A janela se abriu com um estalo, e o vento trouxe consigo um cheiro de terra molhada e fumaça.

Isadora se aproximou da janela. Lá fora, no limite do quintal, havia uma figura parada. Alta, imóvel, envolta em um manto escuro que parecia se fundir com a noite. Os olhos prateados brilhavam como faróis silenciosos.

Ela não gritou. Não correu. Apenas ficou ali, encarando-o.

E então, ele falou. Sem mover os lábios. Sem som. Apenas uma presença que invadiu sua mente.

> “Você me chamou. E agora, não há volta.”

Isadora sentiu a espiral em seu ombro arder. Mas não era dor. Era como se algo estivesse despertando dentro dela — algo antigo, esquecido, e perigosamente vivo.

Ela sabia que aquela noite marcava o fim da vida que conhecia. E o começo de algo que nem mesmo Dona Célia ousava nomear.

O silêncio que se seguiu à aparição de Kael era quase ensurdecedor. Isadora sentia o ar vibrar ao redor dela, como se o próprio tempo estivesse hesitando. A figura encapuzada continuava imóvel, mas sua presença parecia ocupar cada canto do quarto.

Ela tentou falar, mas a voz não saiu. Então, Kael deu um passo à frente — e com ele, a escuridão pareceu se mover também. Não era sombra comum. Era viva. Pulsante. Como se tivesse vontade própria.

> “Você tem a marca. E isso significa que o véu já não te protege,” ele disse, agora com voz audível, grave e antiga.

Isadora recuou, instintivamente cobrindo o ombro onde a espiral ardia. Kael ergueu a mão, e um brilho vermelho se acendeu em seus dedos — como brasas que não queimavam, mas iluminavam.

> “A Sombra Brasa não é maldição. É legado. E você foi escolhida porque o mundo está prestes a mudar.”

Ela sentiu uma vertigem. As palavras dele pareciam ativar algo dentro dela, como se memórias que não eram suas começassem a se formar. Imagens de um templo em ruínas, vozes em línguas esquecidas, e uma torre envolta em fogo negro.

> “Mas por quê eu?” ela conseguiu perguntar, finalmente.

Kael se aproximou mais, e seus olhos prateados encontraram os dela.

> “Porque você é a última descendente da Guardiã do Véu. E o véu... está se rasgando.”

Um trovão explodiu no céu, e a luz da lua foi engolida por nuvens densas. Dona Célia apareceu na porta do quarto, pálida, mas firme.

> “Isadora, não o escute completamente. Ele fala verdades, mas não todas. Há coisas que nem ele entende.”

Kael olhou para Célia com respeito — e uma pitada de dor.

> “Você ainda se lembra, velha guardiã. Mas não pode protegê-la por muito tempo.”

E com isso, ele desapareceu. Como se nunca tivesse estado ali.

Isadora caiu de joelhos. A espiral em seu ombro agora brilhava com uma luz tênue, como se estivesse viva. Dona Célia se aproximou e a abraçou.

> “Agora que ele veio até você, o caminho está aberto. E não há como voltar.”

Dona Célia trancou a porta com três voltas na chave. Não era um gesto comum — era um ritual. Cada clique parecia selar algo invisível, como se estivesse tentando conter forças que não pertenciam àquela casa.

Isadora ainda estava ajoelhada, o brilho da espiral em seu ombro diminuindo lentamente. A avó se aproximou com um pequeno baú de madeira escura, coberto por símbolos semelhantes aos do livro. Ela o colocou no chão entre elas.

> “Você precisa ver isso agora. Antes que ele volte.”

Dentro do baú havia uma pedra negra, lisa como vidro, envolta em um tecido bordado com fios prateados. Ao tocá-la, Isadora sentiu um arrepio subir pela espinha. A pedra parecia pulsar — como se tivesse um coração.

> “É uma brasa petrificada,” explicou Célia. “Última relíquia da Torre de Varnak. Quando o véu se rompe, ela mostra o caminho.”

Isadora olhou para a pedra e, por um instante, viu algo refletido nela: uma floresta que não existia ali, com árvores altas e retorcidas, e uma trilha de luz vermelha serpenteando entre elas.

> “Você está vendo?” perguntou Célia, com a voz trêmula.

> “Sim. Mas... é como se eu já tivesse estado lá.”

A avó assentiu.

> “Porque você esteve. Quando nasceu, foi levada até a Torre. A marca foi colocada em você por escolha — não por acaso.”

Isadora recuou, confusa.

> “Você me levou?”

> “Não. Foi Kael. Ele era diferente, naquela época. Mais humano. Mais... esperançoso.”

O chão voltou a tremer. Mais forte desta vez. A lâmpada piscou, e um som agudo cortou o ar — como um grito vindo de muito longe.

> “O véu está se abrindo,” disse Célia. “E você precisa decidir: ou entra agora, ou será arrastada depois.”

Isadora olhou para a pedra, para o livro, para a marca em seu ombro. Tudo nela gritava que o mundo estava mudando — e que ela era parte disso.

Ela se levantou.

> “Então me mostra o caminho.”

Isadora segurava a pedra com firmeza. O brilho avermelhado da espiral em seu ombro agora pulsava em sintonia com o objeto, como se ambos estivessem conectados por algo invisível — antigo, vivo, e inevitável.

Dona Célia abriu uma gaveta secreta sob o altar da sala. De lá, retirou um mapa envelhecido, marcado com símbolos que Isadora começava a reconhecer. No centro, uma torre desenhada em traços finos e sombrios: Varnak, o lugar onde tudo começou.

> “Você precisa ir,” disse Célia, com a voz embargada. “Mas não como neta. Como guardiã.”

Isadora olhou para o mapa, para a pedra, para a marca. Tudo nela gritava que aquele era o momento. Que o mundo que conhecia estava se desfazendo — e que ela era a única capaz de atravessar o véu antes que ele se rasgasse por completo.

Ela se levantou, sentindo o peso da escolha. Mas também uma força nova, como se o fogo que não a consumiu tivesse deixado algo dentro dela. Algo que agora ardia com propósito.

> “Então me ensina,” disse. “Antes que seja tarde.”

Dona Célia sorriu com tristeza. — “O tempo já está correndo, minha menina. E Kael... Kael não vai esperar por você.”

Lá fora, o céu escureceu de repente. Um raio cortou o horizonte, e por um breve segundo, a sombra de uma torre apareceu entre as nuvens — como um aviso, ou um convite.

Isadora respirou fundo. O véu estava se abrindo.

E ela estava pronta para atravessar.

Entre Véu

O eco dos próprios passos e, de vez em quando, um sussurro distante — como se a floresta estivesse viva e observando.

> “Você está perto,” disse a voz em sua mente. Era Kael. Não como antes, mas mais claro. Mais presente.

Ela chegou a uma clareira onde o chão era coberto por cinzas. No centro, uma pedra negra em forma de espiral — idêntica à marca em seu ombro. Ao se aproximar, a pedra brilhou, e o ar ao redor se distorceu como vidro prestes a quebrar.

> “Toque-a,” disse Kael. “E verá o que foi esquecido.”

Isadora estendeu a mão. Ao encostar na pedra, uma onda de calor percorreu seu corpo. O mundo ao redor se dissolveu em fumaça, e ela foi puxada para um espaço entre realidades — um corredor de sombras e luzes vermelhas, onde vozes antigas sussurravam em línguas que ela começava a entender.

No fim do corredor, Kael a esperava.

Sem capuz. Sem distância.

Ele era jovem, mas seus olhos carregavam séculos. A pele pálida contrastava com o brilho prateado dos olhos, e sua presença era ao mesmo tempo reconfortante e perigosa.

> “Você cruzou,” disse ele. “Agora, não é mais apenas humana.”

Isadora tentou falar, mas as palavras fugiram. Kael se aproximou e tocou levemente a espiral em seu ombro. A marca brilhou, e imagens invadiram sua mente — batalhas antigas, guardiãs caídas, véus rasgados por ambição.

> “Você é a última. E o véu está morrendo.”

Ela recuou, assustada. — “O que eu tenho que fazer?”

Kael olhou para ela com algo que parecia dor. — “Escolher. Entre proteger o mundo que te criou... ou salvar o mundo que te escolheu.”

O mundo entre véus não seguia as regras da realidade. O tempo ali parecia dobrar sobre si mesmo, e o céu — se é que havia um — era feito de fumaça e luzes vermelhas que dançavam como brasas ao vento. Isadora sentia o chão sob seus pés, mas não sabia se era terra, pedra ou memória.

Kael caminhava à frente, em silêncio. Cada passo dele deixava um rastro de sombra que se dissipava lentamente. Isadora o seguia, tentando entender o que era aquele lugar — e o que ela era agora.

> “Este é o Limiar,” disse ele, finalmente. “O espaço entre mundos. Onde o véu respira.”

Ela olhou ao redor. Árvores retorcidas cresciam em direções impossíveis. Criaturas feitas de fumaça observavam à distância, sem se aproximar. E ao fundo, uma torre negra se erguia, como se estivesse esperando por ela.

> “A Torre de Varnak,” murmurou Isadora.

Kael assentiu. — “Ela te reconheceu. E vai te testar.”

Eles chegaram a um círculo de pedras antigas, cada uma marcada com símbolos que brilhavam em tons de vermelho e prata. Kael parou no centro e estendeu a mão.

> “Antes de entrar, você precisa se lembrar.”

Isadora franziu o cenho. — “Lembrar o quê?”

Kael se aproximou, tocando levemente a espiral em seu ombro. Imediatamente, imagens invadiram sua mente: ela ainda bebê, envolta em chamas que não a queimavam; Célia chorando diante da torre; Kael, mais jovem, segurando a pedra brasa com mãos trêmulas.

> “Você foi marcada no dia em que nasceu. E desde então, o véu tem te observado.”

Isadora cambaleou, tentando processar tudo. — “Por que eu? Por que não outra pessoa?”

Kael olhou para ela com uma intensidade que a fez prender a respiração.

> “Porque você é a única que pode escolher entre selar o véu... ou deixá-lo se romper.”

O chão tremeu. A torre emitiu um som grave, como um chamado. As pedras ao redor começaram a brilhar mais forte, e o ar ficou pesado.

Kael segurou sua mão.

> “Se entrar, não poderá voltar igual. A torre mostra tudo — até o que você não quer ver.”

Isadora olhou para ele. Para a torre. Para o mundo que deixara para trás.

> “Então vamos. Eu quero saber quem eu sou.”

E juntos, atravessaram o círculo de pedras. A torre os aguardava.

A torre parecia viva.

À medida que Isadora e Kael se aproximavam, a estrutura pulsava com uma energia antiga, como se reconhecesse a presença dela. As pedras negras que a formavam vibravam em tons de vermelho e dourado, e um som grave — quase como um coração batendo — ecoava em seus ouvidos.

> “Ela está acordando,” disse Kael, com a voz baixa. “Você a chamou.”

Isadora sentia o calor subir por sua pele, como se a espiral em seu ombro estivesse queimando de dentro para fora. Mas não era dor. Era... poder.

Eles pararam diante da porta da torre. Não havia maçaneta, nem fechadura. Apenas um símbolo — o mesmo da espiral — gravado em relevo.

> “Toque,” disse Kael. “Ela só abre para quem carrega o fogo.”

Isadora hesitou. E se não estivesse pronta? E se tudo aquilo fosse um erro?

Mas então lembrou das palavras de Célia, da dor nos olhos de sua mãe, da sensação de que sempre esteve à margem de algo maior. Ela estendeu a mão.

Ao tocar o símbolo, a torre se abriu com um rugido silencioso. O ar ao redor se distorceu, e uma luz vermelha envolveu os dois.

Dentro, não havia escadas. Nem salas. Apenas um vazio — e no centro, uma figura encapuzada, envolta em sombras.

> “Você chegou tarde,” disse a figura. “Mas ainda há tempo.”

Isadora deu um passo à frente. — “Quem é você?”

> “Sou o que resta da primeira guardiã. Aquela que falhou.”

Kael se enrijeceu. — “Ela não devia estar aqui.”

> “E você não devia tê-la trazido.”

A figura se aproximou, revelando olhos como carvão em brasa. Ela estendeu uma mão e tocou a espiral de Isadora, que brilhou intensamente.

> “Você carrega o fogo. Mas também a dúvida. A torre não aceita corações divididos.”

Isadora sentiu o chão sumir sob seus pés. Imagens surgiram ao seu redor — Célia chorando, Kael lutando contra uma criatura feita de sombra, um véu rasgado, e atrás dele... um mundo em chamas.

> “Escolha,” disse a figura. “Entre proteger o véu... ou libertar o que está além dele.”

A torre começou a tremer. Kael correu até ela, segurando sua mão.

> “Não escute. Ela quer te quebrar.”

Mas Isadora sabia. Aquilo não era apenas um teste. Era um aviso.

E ela teria que decidir — não apenas quem era, mas o que estava disposta a sacrificar.

A figura encapuzada recuou, dissolvendo-se em sombras que se espalharam pelas paredes da torre. Isadora sentia o peso das visões ainda vibrando em sua mente — imagens de um mundo partido, de escolhas que não eram apenas dela, mas que dependiam dela.

Kael se aproximou, os olhos ardendo com uma mistura de urgência e algo mais... medo?

> “Ela mostrou demais,” disse ele. “A torre não costuma revelar tanto. Ela está com pressa.”

Isadora olhou para a espiral em seu ombro, agora brilhando com uma luz constante. Não era mais apenas um símbolo — era uma chave. Uma promessa. E talvez, uma maldição.

> “O véu está se rasgando,” ela disse, sem saber de onde vinha aquela certeza. “E eu sou a rachadura.”

Kael tocou sua mão, com delicadeza. — “Você é mais do que isso. É a escolha.”

A torre começou a se fechar atrás deles, como se tivesse cumprido seu papel. Mas antes que a porta sumisse por completo, uma última voz ecoou — não da figura encapuzada, mas da própria torre.

> “A sombra já conhece seu nome.”

Isadora estremeceu. O véu entre mundos não era apenas uma barreira. Era um olho. E agora, ele estava olhando diretamente para ela.

Kael a guiou para fora, mas algo havia mudado. O Limiar parecia mais escuro, mais instável. Criaturas de fumaça se aproximavam, curiosas. E ao longe, uma fenda no céu começava a se abrir.

> “Está começando,” disse Kael. “E você precisa decidir de que lado está.”

Isadora não respondeu. Porque no fundo, ela sabia: não havia lados. Havia apenas fogo... e sombra.

Ecos do Véu

O mundo parecia mais silencioso do que ela lembrava.

Isadora acordou em seu quarto, mas havia algo errado. A luz do sol atravessava a janela com uma tonalidade diferente — mais fria, mais opaca. O relógio estava parado. E o livro que antes ficava sobre a mesa agora estava aberto em uma página que ela nunca vira.

> “O véu não se fecha. Ele apenas espera.”

Ela se levantou devagar, sentindo o peso da travessia ainda em seu corpo. A espiral em seu ombro continuava brilhando, mas agora com um tom prateado, como se tivesse absorvido algo do mundo entre véus.

Dona Célia entrou no quarto sem bater, os olhos mais fundos, como se não tivesse dormido.

— Você voltou. Mas não sozinha.

Isadora franziu o cenho. — O que isso significa?

A avó apontou para o espelho. Isadora se aproximou e viu seu reflexo... mas não era só ela. Atrás, por um breve segundo, os olhos prateados de Kael surgiram, como se estivessem observando através dela.

— Ele te marcou também — disse Célia. — Agora, vocês estão ligados.

Isadora sentiu um arrepio. Não era medo. Era algo mais profundo. Como se uma parte dela estivesse em outro lugar, vivendo outra realidade.

Ela saiu de casa e caminhou pelas ruas de Pedra Branca. Tudo parecia normal — mas ela via coisas que os outros não viam. Pequenas rachaduras no ar, como se o véu estivesse se desfazendo. Sussurros em línguas esquecidas. E sombras que se moviam sem luz.

> “Você está vendo,” disse Kael em sua mente. “O véu está enfraquecendo. E outros também estão despertando.”

Na praça central, uma garota a observava. Cabelos escuros, olhos dourados. Ela se aproximou com passos lentos, como quem reconhece um igual.

— Você é a marcada — disse. — Mas não é a única.

Isadora sentiu a espiral pulsar. A garota estendeu a mão, revelando uma marca semelhante — mas em forma de chama.

— Meu nome é Lira. E se você não agir rápido... o véu vai rasgar por completo.

Isadora encarava Lira, tentando decifrar se aquela garota era uma ameaça ou um aviso. A marca em forma de chama no pulso dela brilhava com intensidade, como se reagisse à presença da espiral de Isadora.

— Existem outros? — perguntou Isadora, sem conseguir disfarçar o receio.

Lira assentiu. — Poucos. E divididos. Alguns querem fechar o véu para sempre. Outros... querem atravessá-lo e nunca mais voltar.

Isadora sentiu o peso da escolha se aproximando. Ela ainda não sabia o que queria — só sabia que algo dentro dela estava mudando. A realidade parecia frágil, como vidro prestes a estilhaçar.

> “Você precisa se preparar,” disse Kael em sua mente. “Eles vão tentar te usar. Todos.”

Lira olhou para ela com seriedade. — “Você é a chave. A espiral é a marca da guardiã. Mas também pode ser a marca da ruína.”

Isadora recuou um passo. — “E você? O que quer?”

Lira sorriu, mas havia dor em seu olhar. — “Eu quero sobreviver. E se possível... salvar o que resta.”

Antes que Isadora pudesse responder, o chão da praça tremeu. Uma rachadura se abriu no ar — não no solo, mas no espaço entre as coisas. Como se o véu estivesse se rasgando ali, diante delas.

De dentro da fenda, uma sombra emergiu. Alta, sem rosto, feita de fumaça e brasas. As pessoas ao redor não pareciam ver — continuavam andando, rindo, vivendo. Mas Isadora e Lira sabiam: aquilo era um presságio.

A sombra se aproximou, e a espiral em Isadora queimou como nunca antes. Ela caiu de joelhos, tentando conter a dor. Lira se colocou à frente, a chama em seu pulso se expandindo como uma lâmina.

> “Você não está pronta,” disse a sombra, com uma voz que parecia vir de todos os lugares. “Mas o véu não espera.”

Com um rugido silencioso, a sombra desapareceu. A fenda se fechou. E o mundo voltou ao normal — pelo menos para quem não podia ver.

Isadora se levantou, ofegante. Lira a ajudou.

— Isso foi só o começo — disse ela. — E você precisa escolher logo em quem confiar.

Isadora olhou para o céu. As nuvens pareciam mais densas, como se escondessem algo. Ela sabia que Kael a observava. E que Dona Célia guardava segredos que ainda não havia revelado.

> “Se o véu está se desfazendo,” pensou, “então talvez eu precise atravessá-lo de novo. Mas dessa vez... por vontade própria.”

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