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Meu Chefe Cego

Capítulo 1

...🌻🌻🌻...

O sol caía com uma força abrasadora que parecia atravessar minha pele, e ainda nem era meio-dia. Cada gota de suor que escorria pelo meu rosto parecia um lembrete do calor e da minha impotência. Estava terminando de cortar uma espiga de milho quando uma coceira na mão me distraiu. Mas não era só a coceira: a voz do meu pai ressoou, rompendo a tranquilidade da plantação.

—Bruno! Bruno! Onde você está?

Meu coração acelerou. O que ele queria agora? Que ordem impossível traria consigo dessa vez?

—Seu pai está te procurando —sussurrou Sofia, e senti um calafrio percorrer minhas costas.

—Já vou... —disse, com a voz tensa, enquanto deixava cair o saco de aniagem sobre meu ombro.

Caminhei entre as folhas verdes, sentindo cada roçar como um lembrete da minha vulnerabilidade. Minha avó tinha nos pedido para colher as primeiras espigas tenras da temporada. Que bênção ter irrigação! Pensei nisso por um instante, tentando me agarrar a algo que me desse paz, mas o som dos passos do meu pai sobre a terra seca me devolveu à realidade: estava preso.

Quando finalmente o vi, o aborrecimento em seus olhos me atingiu mais forte do que qualquer tapa.

—Por que não me responde? Te chamei mil vezes e você não diz nada. Temos que ir para casa!

O medo se misturou com a raiva. Sabia perfeitamente o que aconteceria se voltasse: perderia uma parte de mim mesmo, minha liberdade.

—Tenho que levar isso para minha avó... ela disse que... —tentei me justificar, minha voz tremia de frustração.

—Seus primos vão cuidar disso. Precisamos ir! Alguém já está te esperando —me interrompeu, firme, implacável.

O peso da sua presença me esmagava. A coceira nos meus braços aumentava, fruto do contato com as folhas da plantação, e cada fibra do meu corpo desejava escapar. Mas como? Como escapar de alguém que me criou para obedecer à maioria de suas ordens?

Os dez minutos que levamos para chegar em casa pareceram eternos. Cada passo era uma martelada no meu peito.

—É hora de você aceitar. Não haverá mais explicações. Prepare suas coisas. Você vai —sua voz era fria, cortante.

Senti que me faltava o ar. A angústia me oprimia o peito como um peso invisível.

—Mas eu não quero ir para esse lugar... —meu protesto saiu entrecortado—. Já tinha te dito...

—Não estou te perguntando. É uma ordem! —trovejou, e meu coração deu um salto—. Já tinha te advertido que isso aconteceria.

Minha mente girava em círculos. Engoli saliva, cerrei os punhos. A raiva e a impotência se misturavam em um coquetel doloroso. Por que ele me obrigava a isso? Por que minha voz não valia nada?

—Mas...

—Filho! —interveio mamãe—. Obedeça seu pai, é para o bem da família. Por favor!

O mundo desabou sobre mim. Ela também me traía? Não havia ninguém que compreendesse meu desejo de escolher?

—E por que não pode ir outra pessoa? Eu não quero ir lá... —tentei argumentar, o nó na garganta crescendo—. Melhor que vá meu...

O tapa me cortou a frase. A ardência na bochecha era intensa, mas nada comparado à dor que sentia no coração.

—Não seja ingrato. Irá para o bem dos seus pais! Não diga mais nada. Obedeça! —sua voz era um chicote—. Não gosto que me resmunguem.

As lágrimas ameaçavam cair, mas lutei para contê-las. A coragem e a frustração fervilhavam dentro de mim, misturadas com um medo que não sabia como nomear.

—Por que não posso escolher o que quero fazer neste verão? Não é justo. Odeio essa gente! Só quero trabalhar com minha avó, economizar e poder continuar estudando... Além disso, já combinei com ela...

—Não resmungue mais! —outro tapa, e o ar me faltou—. Já é suficiente ter te dado permissão para ir ao ensino médio. Não quer casar, não quer ser alferes, não quer acatar minhas ordens... Agora está livre só para fazer o que eu disser. Entendido?

Engoli mais saliva, fechei os olhos por um segundo e tentei não gritar, não chorar. Mas algumas lágrimas escorreram pelas minhas bochechas, traindo minha fortaleza.

—Sim... —sussurrei, aceitando o que não queria, deixando que a vontade de outro se impusesse sobre a minha.

—Sim o quê?! —seu grito me atravessou como uma faca, e senti um vazio no estômago.

—Sim, farei o que me pede —murmurei, sentindo-me reduzido a nada, a um objeto sem voz.

Seus olhos sobre mim eram a prova de que todo o meu ser estava preso. A raiva, o medo, a impotência... tudo se misturava até se tornar insuportável. Me sentia como uma propriedade à venda, como se meu coração e minhas decisões não me pertencessem.

Capítulo 2

— Pega numa mochila, mete só o essencial e vai. Eles estão te esperando na sala principal da casa deles. Tens dez minutos. Já estão quase saindo!

Dez minutos? Era tempo suficiente? Por que tudo isso estava acontecendo comigo? Senti um impulso enorme de escapar. Para onde poderia fugir? Nem sequer tinha dinheiro! Tinha gasto tudo na minha roupa de formatura.

— Obrigado, filho! Teu pai está um pouco estressado, teme que os patrões nos despejem da casa. Tu sempre és bom!

Mamãe acariciou minha bochecha por alguns segundos e me abraçou com todas as forças. Eu “bom”? Ha! Que ironia!

Fui para o meu quarto, peguei uma velha mochila de lã e coloquei uma muda de roupa, uns tênis desgastados… e o que mais poderia levar? Éramos pobres! Mas sobre minha mesinha de cabeceira vi o ramo de flores que havia recebido anonimamente há uma semana pela minha formatura. Cravos brancos e amarelos, ainda frescos, ainda resistindo.

Decidi que não devia afundar na tristeza. Era preciso buscar um lado positivo.

Corri para o banheiro e me olhei no espelho. Não devia chorar.

Enxaguei o rosto, coloquei um pouco da colônia de lavanda do meu pai sobre a roupa, e meu reflexo me provocou um nó na garganta. O que ia acontecer comigo? Por que me escolhiam a mim? Estava se vingando pelos meus anos de rebeldia? Novamente, obriguei minhas lágrimas a ficarem dentro.

Monty, meu gato, espreitava pela janela. Seus miados me lembraram que devia me despedir.

— Tenho que ir. Não sei quando voltarei, mas sei que estarás bem. És um safado muito esperto!

O abracei com todas as forças, sentindo uma dor surda no peito.

Saí para o pátio da nossa cabana.

— Estou pronto! — Exclamei ao meu pai, que estava juntando folhas secas.

Assentiu e me abraçou com força.

— Obrigado por obedecer. Perdoa minha raiva, mas eu também não gosto que vás embora. Fazes isso pelo bem da nossa família! Não te esqueças.

Assenti, minha raiva se desvaneceu. Que outra opção tinha? O que estava para acontecer comigo? Por que meu pai não podia controlar seus vícios e dívidas para evitar tanto sofrimento?

Entramos pela porta traseira que dava para a cozinha, caminhamos pelo corredor e, ao chegar à sala, ali estavam os patrões, sentados no sofá de couro.

A mulher se levantou ao me ver, se aproximou, pôs as mãos sobre minhas bochechas e me beijou na testa.

— Obrigado! — disse, comovida.

Seu esposo se levantou, me examinou e pôs a mão sobre meu ombro.

— Estarás bem. Não te preocupes, não te faremos mal — disse o chefe.

Não sabia o que dizer. Dentro de mim, o desejo de não deixar minha avó era forte, e tudo isso era confuso e aterrador.

— Precisam de mais alguma coisa em que eu possa ajudar? — perguntou meu pai.

— Não. Podes voltar às tuas tarefas, teu filho está em boas mãos.

Meu pai não disse mais nada. Foi-se, e uma pontada de tristeza me atravessou. A ele também doeu não se despedir? Porque apesar de tudo, era meu pai, e eu o amava.

— É hora de irmos — disse o amo.

Entrei no carro me sentindo incomodado e tonto pela fumaça de cigarro. Que nojo! Me arrependi de não ter fugido.

— Estás nervoso? — perguntou ela, com curiosidade.

— Não. Me sinto bem — menti, enquanto um nó de tristeza me apertava o estômago.

— Estarás bem. Não te preocupes! Serás de muita ajuda para Nicolás.

Nicolás? Quem era ele? Ainda não entendia para onde me levavam nem a quem conheceria. Papai disse que os chefes me necessitavam para algo importante, mas tudo era confuso.

— Quantos anos tens? — perguntou o chefe.

— Acabei de completar dezoito.

— Perfeito! Meu filho tem dez anos a mais que tu. Tu tens mais vigor que ele!

Mais vigor que ele? Seu filho? O que raios estava acontecendo?!

Duas horas e meia depois, chegamos a um condomínio de luxo na cidade. Da minha cidade para este lugar… por que eu?

— Chegamos! — disse ele.

— Não te preocupes com teus pertences, se precisares de algo, pede a Iker. Ele se encarregará das tuas coisas — explicou ela.

Os vigilantes saudaram o amo, o vento bateu no meu rosto e um medo profundo me percorreu. Estava muito longe de casa. Meu coração doía.

Subimos as escadas da casa e paramos em frente a uma porta de madeira. Ao entrar, ali estava ele: Nicolás, de pé junto à janela aberta, suas costas largas e estatura imponente.

— Quem é? — perguntou, com voz firme e atraente, como de cavaleiro de filme.

— Filho, viemos te ver — respondeu seu pai.

Nicolás guardou silêncio, nos dando as costas.

— Vão embora logo? — disse, de maneira grosseira.

— Sairemos do país por um tempo, mas precisamos que alguém te ajude com teus cuidados — explicou sua mãe.

— Alguém para meus cuidados?

— Assim é. Ele estará aqui contigo — disse o pai, me indicando.

— Ele? Contrataram um novo moço para mim? — Nicolás não se digna a me olhar.

Não pode ser! Tinham me obrigado a vir para cuidar deste convencido altaneiro. Que absurdo!

— Está bem, vamos embora já — disse o amo.

— Vem conosco — me pediu a esposa.

Meus nervos diminuíram um pouco ao sair do quarto. Descemos ao andar de baixo.

— Como te sentes? — perguntou o amo.

— Me sinto bem — menti de novo.

— Cuida bem do meu filho! Ajuda-o a se sentir à vontade. De acordo?

Que opção tinha?

— Sim, senhor. Tentarei, ainda que não entenda por que necessitaria da minha ajuda. Seu filho parece estar bem.

Ambos os pais mostraram surpresa.

— Acaba de ser operado. Por isso precisamos que o cuides — disse a mãe.

Operado? De quê?

— Se precisares de algo, pergunta a Iker. Ele já preparou teu quarto — disse o amo, com autoridade.

— Está bem. Obrigado.

— Vamos. Obrigado pela tua ajuda. Meu filho tem um caráter difícil, espero que o compreendas — disse a esposa.

Assenti. Isso também não seria fácil para mim.

Saíram, o portão se fechou, os guardas tomaram suas posições e eu… estava completamente sozinho e longe de casa. Meu coração doía como nunca antes.

Capítulo 3

— Precisa de alguma coisa? — chamou Iker, chamando minha atenção.

O homem encarregado era de estatura mediana, um pouco robusto e com um sotaque nortista.

— Não sei... eu... não me ocorre o que poderia precisar. Acabei de chegar.

Examinou-me com o olhar, avaliando cada detalhe.

— Que tamanho usa?

— Tamanho?

— De roupa. Começaremos por isso. O amo pediu-me para te atender bem.

"Atender-me bem"? Nem que fosse alguém importante! Ou será?

— Tamanho pequeno.

— Número de sapatos?

— Quatro.

— Perfeito. Irei ao centro comercial.

— Vai já agora?

— Sim.

— Mas...

— Tranquilo! Um dos guardas ficará de vigia. Tu só cuida do Nicolás. Ele ainda não tomou café da manhã; talvez não queira descer ao refeitório, então leve a comida para ele.

Cuidar do Nicolás? Do que o tinham operado? O tipo parecia não precisar de ninguém, e sua atitude me provocava repulsa. Esse foi meu primeiro estereótipo sobre ele!

— De acordo. Verei o que posso fazer com o tal Nicolás.

Notei um gesto curioso no rosto de Iker. No final, assentiu sorrindo.

— Seu quarto está no andar de cima, ao lado do de Nicolás.

— Genial. Obrigado por me dizer.

— Regresso em breve. Se precisar de algo, pode chamar-me.

— Ah, mas não tenho seu número e nem celular.

Surpreendeu-se.

— Jura que não tem celular?

— Sim. Não tenho celular.

Pareceu incrédulo.

— Bom, conseguirei um para você. Não temos telefone fixo na casa, mas isso é o de menos!

— Acha que não haverá problema em me comprar um celular?

— Claro que não há problema. Enquanto isso, sinta-se bem-vindo nesta casa.

Iker foi-se segundos depois. Ouvi o portão abrir, a caminhonete arrancar e fechar. Fiquei sozinho na sala! Senti-me estranho, completamente deslocado.

Dentro da casa reinava um silêncio profundo. Deixei minha mochila em um sofá, fui à cozinha, lavei as mãos e dirigi-me a subir o café da manhã para Nicolás. Não tinha outra opção!

Ovos mexidos com chouriço, tortilhas quentes, um termo com café e pão. Parecia delicioso! Quem me dera poder tomar café da manhã assim todos os dias.

Peguei a bandeja e subi as escadas. Como era possível que já estivesse de moço, se esta manhã ainda cortava milho na plantação? Droga! A vida se movia depressa demais comigo.

Meu coração batia forte, quase podia ouvi-lo em alto-falante. Raios! Parei antes de entrar, respirei fundo, contei até três e obriguei-me a seguir. Devia ser decidido: o tal Nicolás precisava da minha ajuda.

Entrei no quarto dele.

— É hora do café da manhã! — tentei soar animado.

Nicolás continuava encostado na janela, desfrutando do ar. Suas costas me incomodavam, seu silêncio era irritante. Macaco convencido!

— Quem é você? — perguntou finalmente.

— Meu nome é Bruno. Muito prazer!

— Bruno?

— Sim. Estou aqui para cuidar de você. Isso me disseram seus pais.

Pareceu rir levemente. Por quê?

Continuava de costas, e notei um nó de tecido cor de café em sua nuca. Segurei a bandeja com a comida, tentando não hesitar.

— Você é o novo moço.

— Não. Só vim fazer companhia e cuidar de você.

— Como poderia cuidar de mim?

— Por enquanto, trouxe o café da manhã. Está com fome? Iker me disse que ainda não...

— Por que não me trata por você?

Sua pergunta me desconcertou. Tratá-lo por você? Nem que fosse velho!

— Não é um velhote. Já sabe... — respondi rápido —. A única coisa de velhote que poderia ter é esse caráter amargurado.

— Amargurado?

— Essa é a impressão que me dá.

— Eu não sou amargurado. Sou a alma da festa!

— Também sinto que é um pouco convencido.

Ficou em silêncio uns segundos. Incomodou-o minha sinceridade?

— Feche os olhos e não diga nada — ordenou.

Fechar os olhos? Calar-me? Não tinha sentido!

— Mas...

— Cale-se e feche os olhos — foi mais autoritário.

— Não. Eu não vou fazer isso!

— Tente caminhar até a janela com os olhos fechados. Assim poderia cuidar de mim agora.

Cuidar dele com os olhos fechados? Estava louco!

— Está bem? — perguntei, sem disfarçar meu assombro.

— Não muito bem. Vai me obedecer ou não?

Supus que não perdia nada tentando.

— Está bem. Tentarei.

Pus a bandeja sobre a cama, suspirei e fechei os olhos. Tudo tornou-se escuro, e comecei a girar em direção à janela. Avancei lentamente, com as mãos à frente.

— Já chegou à janela? — parecia ansioso.

— Quase... talvez já quase cheguei.

— De verdade fechou os olhos?

Choquei com algo, usei as mãos para apalpar e senti a borda da janela; meu braço direito roçou seu braço esquerdo.

— Sim. Tenho-os fechados.

— Está me mentindo?

— Não. Por que mentiria?

O vento bateu em nossos rostos. Era agradável.

— Pegue minha mão e leve-a até seu rosto.

Seu pedido me desconcertou.

— Pegar sua mão?

— Não tenha medo, eu também estou me acostumando com isso.

Acostumar-se a quê?

Procurei sua mão, e ao tocá-la senti calor. Levei-a até meu rosto, e o contato me fez sentir... estranho.

Ele começou a apalpar meu rosto suavemente, com um tato que me provocou sensações que não esperava.

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