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SOB A LUZ DA LUA AZUL

meu inferno

Eu sempre fui fã dos livros de ACOTAR.

Desde que peguei o primeiro volume, minha vida nunca mais foi a mesma. Talvez porque, entre todas aquelas páginas, eu encontrava algo que no meu mundo real parecia impossível: proteção. E não era qualquer proteção… era ele. O Encantador de Sombras. Azriel.

Eu lia e sentia como se ele estivesse ali, sentado no canto do quarto, pronto para afastar tudo de ruim. É claro que não estava. Na vida real, eu estava sozinha.

— Joyce! — a voz da minha irmã, Julia, ecoou pela casa, alta e impaciente. — Você pegou meu batom vermelho?

— Não! — respondi, sem tirar os olhos da página que eu lia.

— É melhor mesmo — resmungou, entrando no quarto e fechando a porta com força.

Ela passou por mim como se eu fosse invisível, fuçando na bolsa. Julia sempre foi assim. Vivia em festas, baladas, cercada de gente, enquanto eu me escondia nos meus livros.

Meu irmão do meio, João, era pior. Um sorriso maldoso, mãos pesadas e uma necessidade doentia de me lembrar que eu era a mais fraca da casa.

— Tá lendo o quê aí, idiota? — ele apareceu no batente da porta, com aquele olhar que me fazia gelar.

— Nada — fechei o livro rápido, escondendo-o debaixo do travesseiro.

— Aposto que é um desses livros de fada... — ele se aproximou, mas Julia entrou no meio.

— Vai encher o saco dela depois, João. — Ela revirou os olhos. — Preciso que você me leve na festa daqui a pouco.

Ele deu um último olhar ameaçador e saiu. Eu só respirei quando ouvi a porta da cozinha bater.

O pior mesmo era meu pai. Antônio João. Sempre com o cheiro azedo de bebida, tropeçando pela casa, ou trancado no quarto com coisas que eu fingia não saber o que eram.

— Joyce! — ele gritou da sala.

Saí do quarto lentamente. Ele estava no sofá, com uma lata de cerveja na mão e o olhar perdido.

— Lava a louça. E vê se some da minha frente.

— Tá — respondi baixo, indo para a cozinha.

A casa era pequena. Uma cozinha americana, um banheiro só, dois quartos minúsculos. Eu dividia o meu com a Julia, e meu pai dormia no mesmo quarto que o João. Não havia privacidade, não havia paz.

Meu esconderijo era o forro do teto. Lá, entre caixas velhas e poeira, eu escondia meus livros. Se meu pai ou meus irmãos achassem, eles destruiriam tudo. Não podiam entender o que aquelas histórias significavam pra mim.

— Joyce, você vive com a cara enfiada nessas porcarias — Julia disse, largando o salto no chão e tirando o batom borrado da boca. — Quando vai arrumar um namorado de verdade?

— Quando encontrar alguém que valha a pena — respondi, mexendo na pia.

— Boa sorte com isso. — Ela riu, irônica. — No seu mundo de fantasia não tem ninguém real.

Talvez fosse verdade. Mas eu não queria o mundo real.

Eu queria Velaris. As ruas iluminadas pela noite eterna da Corte Noturna. Queria sentir o vento nas montanhas, ouvir o som distante das asas cortando o ar. E, principalmente, queria ver Azriel.

Desde pequena, eu imaginava como seria estar lá. Talvez ele entendesse minhas sombras, porque também tinha as dele.

— Joyce! — João voltou, batendo na porta. — Pai quer falar com você.

Meu estômago revirou. Fui até a sala, mas meu pai só me olhou de cima a baixo.

— Sai da minha frente.

Voltei para o quarto, sentando na cama. Lá fora, a noite caía. A lua estava enorme, redonda, quase azul. E eu… eu só queria sumir.

Peguei o livro debaixo do travesseiro e abri onde havia parado. Li em silêncio, imaginando as sombras de Azriel se movendo ao meu redor, me escondendo de tudo.

— Você é tão idiota, Joyce — Julia disse, já deitada, mexendo no celular.

— Prefiro ser idiota do que ser como vocês.

— O quê? — Ela se sentou, me encarando. — Repete.

— Nada. — Eu fechei o livro, sentindo o peso do ar.

Naquele momento, percebi que minha vida real era um quarto pequeno, paredes finas e pessoas que não me queriam bem. Mas nas páginas… nas páginas, eu podia ser qualquer coisa.

E eu me agarrava nisso como quem se agarra a uma corda no meio de um naufrágio.

Eu só não sabia que, muito em breve, meu desejo de fugir deixaria de ser apenas um pensamento.

o desejo

A discussão começou como sempre: com meu pai gritando por qualquer motivo e eu tentando me manter em silêncio. Mas, naquela noite, alguma coisa quebrou dentro de mim.

— Você não serve pra nada, Joyce! — ele vociferou, levantando-se do sofá com o copo de cerveja na mão.

— Pelo menos eu não fico bebendo o dia todo — as palavras escaparam antes que eu pudesse me segurar.

O silêncio que se seguiu foi mais assustador que qualquer grito.

Meu pai me encarou com olhos vermelhos, não sei se de raiva ou de álcool.

— O que você disse? — ele deu um passo na minha direção.

Julia, no canto da sala, só ajeitou o batom, como se aquilo fosse entretenimento. João, encostado na porta, soltou uma risada baixa, como se estivesse esperando para ver até onde eu iria.

— Você ouviu — respondi, com a voz mais firme do que eu sentia por dentro.

A lata de cerveja voou primeiro, batendo na parede atrás de mim e espalhando líquido morno pelo chão. Eu dei um passo para trás, mas não foi rápido o suficiente.

A garrafa que ele segurava bateu na parede com força e se estilhaçou, pedaços voando como lâminas.

Senti o corte arder na minha bochecha. Um filete de sangue quente começou a escorrer, descendo até o canto da boca. Julia olhou, mas não se levantou. João só riu mais alto.

— Eu também te amo, pai — murmurei, a voz carregada de ironia e dor. — Se o mundo que eu sempre quis não existisse, eu preferia morrer.

Fui para o quarto sem esperar resposta. O sangue já estava secando no rosto quando abri o guarda-roupa. Peguei uma blusa preta, minha jaqueta de couro surrada, e as botas gastas que me acompanhavam desde sempre. Prendi o cabelo num rabo de cavalo alto, passei o batom vinho que eu guardava para ocasiões especiais — e essa, com certeza, era uma delas.

Quando voltei para a sala, meu pai ainda estava lá, respirando pesado.

— Você não vai sair — ele disse, com aquela voz que queria ser ordem.

— Quero ver você me impedir.

Ele não se moveu. Talvez porque sabia que, se encostasse em mim naquele momento, eu explodiria. Passei pela porta sem olhar para trás. Eu não ia limpar a bagunça deles. Não dessa vez.

A rua estava fria, o vento cortando minha pele. Respirei fundo, tentando afastar o peso no peito.

Fui direto para o único lugar que sempre me trouxe paz: a livraria no centro.

O cheiro de papel e café me envolveu assim que entrei. As prateleiras altas, os corredores estreitos… aquele lugar era como um abraço silencioso.

Mas, naquela noite, eu não fiquei ali. Talvez fosse o corte no meu rosto, talvez fosse a sensação de estar à beira de algo.

E então eu vi.

No fim da rua lateral à livraria, uma vitrine pequena, que eu jurava nunca ter visto antes. Uma placa de madeira dizia: Antiguidades Celestiais.

Parei diante da porta. Ela estava entreaberta, e uma luz dourada escapava para a calçada. Empurrei e entrei.

O som do sino pendurado acima da porta ecoou no ambiente. Lá dentro, era como ter atravessado para outro mundo. O cheiro era de madeira antiga e um toque suave de incenso. Havia prateleiras cheias de objetos que pareciam tirados de histórias que eu lia: relógios de bolso com luas gravadas, globos celestes, livros de capa dura com títulos em línguas que eu não conhecia.

O balcão estava no fundo. Atrás dele, um homem idoso, de cabelos brancos e olhos tão escuros que pareciam conter o próprio céu noturno. Ele me olhou como se já soubesse quem eu era.

— Boa noite, senhorita — disse ele, com uma voz calma e grave.

— Boa noite… — respondi, ainda olhando tudo ao redor. — Eu nunca tinha visto essa loja antes.

— Talvez porque ela só apareça para quem precisa encontrá-la.

Senti um arrepio.

Caminhei entre as prateleiras, e algo chamou minha atenção: um colar pendurado numa pequena árvore de metal. Era simples, mas lindo. Um pingente em forma de lua crescente, cravejado com uma pedra azul-escura que parecia ter estrelas presas dentro.

Peguei o colar.

— Quanto custa? — perguntei, virando-me para o velho.

Ele sorriu de um jeito que não era de vendedor.

— Não tem preço. Se você o encontrou, é porque foi escolhida.

Ri, sem acreditar.

— Escolhida? Pra quê?

— Para ter um desejo. Mas há regras… — ele se levantou lentamente, vindo até mim. — Uma vez que colocar o colar no pescoço, não poderá tirá-lo até que o desejo se cumpra.

Olhei para ele, depois para o colar. Era loucura. Mas… eu queria tanto acreditar.

— E se eu não quiser o desejo depois? — perguntei.

— O colar não erra. — Os olhos dele brilharam. — No fundo, você já sabe o que quer.

Engoli em seco.

Coloquei o colar. O metal estava frio contra minha pele, mas a pedra parecia pulsar, quente, como um coração batendo.

Fechei os olhos.

— Me leva para Velaris — sussurrei.

Quando abri os olhos, o velho ainda estava sorrindo.

— Então está feito.

Saí da loja com a sensação de que algo havia mudado. Não sabia se era real ou só fantasia, mas, pela primeira vez em muito tempo, eu queria ver o que aconteceria.

Atrás de mim, quando olhei de relance… a loja já não estava mais lá.

entre sonho e morte

Claro que eu não acreditaria. Quem acreditaria? Seria loucura demais pensar que um desejo tão absurdo poderia se realizar.

Fugir… ir embora daquele inferno que eu chamava de casa… sumir da minha família para sempre. Tantos anos desejando sair de lá. Tantos anos implorando para que o universo me tirasse daquele lugar.

E então, de repente, eu senti.

O colar, frio até então, começou a esquentar contra minha pele. Não era um calor qualquer. Era como se algo vivesse dentro dele, pulsando. A pedra brilhou — e não era uma luz suave. Era um azul incandescente, tão intenso que iluminou minhas mãos e o chão ao meu redor.

— Mas o que…? — comecei a falar, mas o ar sumiu dos meus pulmões.

Uma pressão me empurrou para baixo, como se alguém tivesse colocado todo o peso do mundo sobre meus ombros. Caí de joelhos, sentindo o chão tremer sob mim. O quarto, a rua, a cidade… tudo começou a girar.

— Merda… — foi a última coisa que consegui dizer antes de sentir o estômago revirar.

O calor virou vertigem, a vertigem virou escuridão. E então… nada.

Quando abri os olhos, a primeira coisa que senti foi dor.

— Ai… minha cabeça… — gemi, levando a mão à têmpora.

O chão sob mim não era o piso frio da calçada. Era… terra. Terra úmida. Cheiro de mato, de folhas molhadas, de vida.

Pisquei várias vezes. O céu… o céu era diferente. Um azul limpo, como eu nunca tinha visto na minha cidade. O ar parecia mais… puro. Mais fresco.

Me levantei devagar, sentindo os músculos protestarem. Meu corpo ainda estava pesado, como se tivesse corrido uma maratona.

Foi aí que percebi.

— Não… não pode ser…

Olhei ao redor. Eu estava no meio de uma floresta densa. Árvores enormes, troncos grossos, copas tão altas que parecia impossível ver onde terminavam. A luz do sol filtrava por entre as folhas, criando manchas douradas no chão. O som distante de água correndo chegava aos meus ouvidos, misturado com o canto de pássaros que eu nunca tinha ouvido antes.

O cheiro era intenso, fresco, quase doce. Não tinha nada a ver com o ar poluído da cidade.

E então… o enjoo veio.

Segurei o estômago, mas não deu. Virei para o lado e vomitei tudo o que tinha.

— Que droga… — limpei a boca com as costas da mão, tentando recuperar o fôlego.

Meus olhos ainda estavam se adaptando à claridade. Respirei fundo e comecei a andar. As botas — graças a Deus por ter escolhido elas — afundavam um pouco na terra, mas me davam firmeza.

Meu coração batia rápido. Eu não sabia onde estava, não sabia se era real… mas cada passo confirmava que não estava mais no meu mundo.

Peguei um pedaço de madeira no chão. Era grosso, resistente. Um pedaço de galho caído. Não era muito, mas era melhor do que nada caso algum animal aparecesse.

— Calma, Joyce… respira… — falei para mim mesma, como se isso fosse resolver alguma coisa.

Continuei andando, tentando seguir um caminho imaginário entre as árvores. Foi então que ouvi.

Passos.

No começo, achei que era só minha mente pregando peças. Mas o som ficou mais forte. Rápido. E pesado.

Virei na direção do barulho, apertando mais o galho na mão.

E então eu vi.

Um homem surgiu por entre as árvores. Alto, muito alto. Ombros largos, músculos definidos mesmo sob a camisa escura. O cabelo era comprido, castanho-escuro, preso parcialmente para trás, balançando enquanto ele se movia com precisão.

E… asas. Asas enormes, negras, abertas como se se preparassem para decolar.

Meu cérebro travou.

Atrás dele, outro homem. E este… não parecia seguir as regras da realidade.

As sombras se moviam ao redor dele, rodopiando pela cintura, subindo pelos braços, vivas, como criaturas obedecendo a um mestre invisível. Ele tinha um porte igualmente imponente, mas o que mais chamava atenção eram aqueles olhos atentos, intensos, que pareciam analisar tudo.

Meu corpo inteiro gelou.

— Puta merda… — sussurrei, recuando um passo. — Eu morri… ou isso é um sonho muito real.

O primeiro homem se virou para o outro, trocando algumas palavras que eu não entendi — não era português. Mas a forma como falavam… havia algo de afiado, de alerta.

Apertei mais o galho. Parte de mim queria gritar, outra queria correr, e uma terceira… queria chegar mais perto para ter certeza do que via.

O homem das sombras inclinou a cabeça, como se tivesse me sentido ali. Meu coração disparou. As sombras se agitaram ao redor dele, como se tivessem vida própria, e eu senti um arrepio subir pela espinha.

"Não é possível…", pensei. "Eu… não… não pode ser…"

Mas tudo em mim dizia que sim.

Eu estava lá. No lugar que sempre sonhei, mas que nunca acreditei que poderia tocar.

Só que… eles não pareciam felizes em me ver.

E eu não sabia se, naquele momento, isso era mais assustador ou emocionante.

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