O vento era o seu confidente mais antigo. Em alguns dias, ele sussurrava segredos doces sobre o aroma da terra molhada e a promessa de chuva. Em outros, era um vendaval furioso, que a convidava para uma dança selvagem, arrancando as folhas das árvores e balançando as copas como se fossem bonecos de pano. Naquele dia, ele era um companheiro de brincadeira para Rafaely. Um amigo invisível que a abraçava e a fazia rir, com um som de liberdade que ecoava em sua alma.
Seus cabelos ruivos, que ela deixava soltos de propósito, voavam como uma chama viva. Eles eram sua marca, sua coroa de rebeldia, e ela os amava por serem tão indomáveis quanto ela. Correndo pelo vasto gramado que se estendia até a borda de um bosque denso, Rafaely abriu os braços, girando em círculos, com a cabeça inclinada para o céu azul. O mundo era um borrão de verde e azul, e a única coisa que importava era a sensação da grama macia sob seus pés e o hino da liberdade que o vento cantava em seus ouvidos. Ela era estudante de Belas Artes, e em sua mente, a vida era uma tela em branco, pronta para ser pintada com cores vibrantes e sem restrições. Aquele gramado era seu estúdio particular, e a natureza, sua inspiração mais pura. Era ali que ela se sentia a dona de si, a única responsável pelo seu destino.
No entanto, a euforia era tão completa que ela demorou a notar a mudança no ar. A brisa ainda estava lá, mas algo se instalou entre ela e o vento. Um silêncio que não combinava com o som da floresta. Foi como se as árvores estivessem prendendo a respiração, observando algo que ela não podia ver. Rafaely parou de girar, com a respiração ofegante, e olhou ao redor. A sensação de estar sendo observada foi repentina, esmagadora. Foi um arrepio que percorreu a espinha, fazendo os pelos do seu braço se arrepiarem. Ela encolheu os ombros, sacudindo a cabeça para afastar o pensamento. Devia ser apenas a sua imaginação, a adrenalina da corrida. Mas, por um instante, a liberdade que ela sentia foi substituída por um frio que não vinha do vento.
De repente, o ar se tornou denso e parado. Uma mão forte e inflexível a segurou pela cintura, e a mão que a agarrava era feita de aço. O grito que Rafaely tentou soltar ficou preso na garganta. Ela foi virada de frente para o agressor, e o que viu fez seu coração se contrair de pavor. Era um homem, mas não como ela havia imaginado. Ele era uma criatura de beleza perigosa, um predador em pele de cordeiro. Seus braços eram fortes, cada músculo delineado sob as roupas escuras. Os olhos dele, no entanto, eram o que mais a aterrorizava: uma tonalidade de oceano tempestuoso, mas com um olhar selvagem, que a despia não com luxúria, mas com uma posse fria, de quem já era dono de algo que nunca teve. O cheiro de seu perfume caro, uma nota amadeirada e misteriosa, misturava-se ao ar, tornando o momento ainda mais surreal.
"Me solta!", ela gritou, empurrando-o com todas as suas forças. Sua tentativa de fuga era tão inútil quanto a de um passarinho contra a gaiola. Ele apenas a puxou para si, chocando seu corpo contra o dele. O contato era duro, implacável.
"Tente outra vez, querida", ele sussurrou, com a voz baixa e rouca, mas sem qualquer calor. A forma como ele disse a palavra "querida" soava como uma ameaça.
Rafaely se debateu, os pulsos e as pernas chutando, mas ele era uma rocha. A cada movimento dela, ele parecia ficar mais firme. Em um movimento rápido e sem esforço, ele a jogou sobre seu ombro, como se ela fosse tão leve quanto uma pena. A indignidade e o desespero se misturaram. Ela continuou a lutar, gritando, mas seus gritos pareciam se perder no vento que agora parecia zombar dela. O mundo, que antes era uma tela de cores, se tornou um borrão de chão, céu e árvores, com o ombro firme dele como único ponto de referência. As batidas do seu coração ecoavam em seus ouvidos, misturadas com o pânico.
A jornada foi curta, mas parecia uma eternidade. O som de seus passos era firme e implacável. Ele a carregava com uma facilidade assustadora, ignorando cada um de seus gritos e golpes. Eles entraram no bosque, e o ar ficou mais frio e úmido, com um cheiro de terra e folhas mortas. Quando finalmente parou, ela viu a cabana. Parecia rústica por fora, com madeira escura e janelas pequenas, mas o interior que ela vislumbrou através de uma abertura era o oposto: elegante e sofisticado, com móveis de design rústico e uma lareira acesa, que parecia a única fonte de calor naquele ambiente gelado.
Ele a soltou, e ela caiu no chão de madeira lisa, se recuperando rapidamente. O choque do pouso não a quebrou. Rafaely se levantou imediatamente, com os olhos fixos nos dele, desafiadores. A canção de Elvis Presley, que tocava suavemente no rádio, era uma ironia amarga para a sua situação. Uma melodia romântica em um momento de puro terror.
"Quem você pensa que é?", ela gritou, a voz cheia de fúria e o eco de sua própria coragem. "Que louco é você para me sequestrar?!"
Um sorriso cruel e frio curvou os lábios dele. Era um sorriso que não alcançava os olhos, mas que se enraizava no mais fundo de sua alma. Ele não se irritou com a explosão dela, mas parecia... satisfeito.
"Você é boca-suja, não é, 'Rafaely'?", ele disse, usando seu nome pela primeira vez. A familiaridade com a qual ele o pronunciou a fez sentir um arrepio. "Vou ter trabalho para domá-la."
A fúria dela explodiu. "Não sou um animal para ser domado! Me solte agora ou..."
Ela não terminou a frase. A mão dele se moveu com a velocidade da luz. A ardência no lado do seu rosto a fez cambalear. Uma única lágrima escorreu, não de dor física, mas de pura indignação e humilhação. Ele a havia calado com a força bruta, e a havia lembrado que, naquele momento, ela não passava de uma prisioneira.
Marcel se aproximou, sem qualquer vestígio de remorso em seus olhos. Ele tirou uma corda grossa de uma mesa lateral, e o som do objeto se desenrolando era o som do fim da sua liberdade. Enquanto ele começava a enrolar a corda em seus pulsos, a vida de Rafaely, que até então parecia uma tela sem limites, havia sido violentamente rasgada. Ela não era mais a garota livre do campo, mas uma refém, com sua única esperança de escapar se desfazendo a cada laço.
A corda era um nó de humilhação e dor. As fibras ásperas se cravaram em seus pulsos, e o aperto parecia sugar não apenas a circulação de suas mãos, mas também a sua última gota de liberdade. Rafaely sentiu-se como um animal encurralado, amarrado para o abate, e a indignação em seu peito borbulhou como um vulcão prestes a explodir. Ela olhou para as mãos fortes de Marcel, que finalizavam o nó com uma precisão cirúrgica, sem qualquer pressa. Para ele, aquilo não era um ato de violência, mas uma conclusão necessária. Um trabalho bem feito. A frieza com que ele agia a aterrorizava mais do que qualquer ameaça verbal. A sua calma era a prova de seu poder absoluto.
Ele se levantou, mas em vez de se afastar, se inclinou sobre ela, a centímetros de seu rosto. Rafaely sentiu o hálito frio de seu desprezo e fechou os olhos por um segundo, desejando que aquela visão de beleza cruel desaparecesse. Quando os abriu, encontrou um par de olhos de gelo, que a analisavam de cima a baixo, como se ela fosse um objeto recém-adquirido em uma galeria de arte.
"Não perca seu fôlego lutando", disse ele, com a voz baixa e controlada. "Aqui, você não é a garota livre que corria pelo campo. Aquela Rafaely, a artista selvagem, morreu. Agora, você é minha. Uma prisioneira... e meu projeto mais ambicioso."
"Eu prefiro a morte a ser sua!", ela cuspiu, e o som de suas palavras foi o único ato de resistência que restou a ela. A raiva era o seu único escudo, a sua única defesa contra o desespero que ameaçava engoli-la.
Marcel soltou uma risada sem humor, um som seco e assustador. Ele se afastou da cadeira e, com as mãos nos bolsos da calça social perfeitamente alinhada, começou a andar pela cabana, como se estivesse em um escritório, avaliando seus ativos. Seus sapatos caros faziam um som seco no piso de madeira polida.
"A morte é um luxo que eu não vou te dar. Você vai viver, e vai aprender a me obedecer. Afinal, uma artista como você deve ser capaz de apreciar a perfeição do trabalho de um mestre, não é?", ele parou em frente a uma estante cheia de livros de arte e pegou um deles. "Giotto, Botticelli, Van Gogh... artistas que transformaram o caos em beleza. Eu, no meu próprio mundo, sou um deles. Sua obra-prima. E eu não permito imperfeições nas minhas criações."
Rafaely sentiu um calafrio percorrer a espinha. Ele não a queria como amante, nem como refém para um resgate. Ele a queria como uma tela em branco. A realização foi mais assustadora do que qualquer ameaça. A mente dela, tão acostumada a pensar em cores e formas, agora só via escuridão e a silhueta ameaçadora daquele homem.
"O que você quer de mim? O que eu fiz?", ela perguntou, sua voz baixa e cheia de desconfiança, ainda lutando para entender o motivo de tanto ódio e obsessão.
Marcel a encarou, e seus olhos pareciam perfurar a sua alma. Ele abriu o livro de Van Gogh, folheando as páginas distraidamente, como se estivesse decidindo o futuro dela em cada virada. "Você não fez nada. Você apenas foi... perfeita. O cabelo ruivo, o espírito livre, a teimosia nos olhos... a sua insolência. A maneira como você não tem medo de nada. Eu precisava de tudo isso. Precisava da sua pureza para transformá-la. Eu sou um 'CEO', Rafaely. Mas meu negócio não é só financeiro. Eu lido com vidas, e a sua, a partir de hoje, pertence a mim. Não como um contrato, mas como uma aquisição. Completa e irrefutável."
Ele se aproximou novamente, mas desta vez, não a tocou. Ele apenas parou na frente dela, a observando. Rafaely sentiu o poder que emanava dele, um poder frio e absoluto, o mesmo que ela via nos filmes de máfia. Ele não precisava de gritos ou de ameaças. A sua presença por si só já era a maior das ameaças.
"Você me tirou tudo!", ela sussurrou, sentindo as lágrimas quentes escorrerem pelo seu rosto. Não era apenas tristeza, era a morte de sua identidade.
"Eu te dei um propósito", ele a corrigiu, e a frieza em sua voz a fez tremer. "A sua antiga vida era um desperdício. Agora, você será a minha maior criação. A minha prisioneira, a minha obra-prima. E eu vou te proteger de tudo. Mas, principalmente, de você mesma."
Com isso, ele se virou e caminhou em direção a uma porta nos fundos da cabana, que Rafaely não tinha notado. O som de seus passos era um eco do seu poder. Antes de sair, ele parou por um instante, com a mão na maçaneta, e virou a cabeça, lançando-lhe um último olhar. Um sorriso sombrio se formou em seus lábios.
"Não se preocupe, 'Amor torturada'. A sua nova vida vai começar agora. E você vai aprender a apreciá-la. Aliás, a cabana é sua para explorar... a não ser a porta por onde saí."
O som da porta se fechando foi o som mais pesado que Rafaely já tinha ouvido. Ele a deixou sozinha, amarrada e impotente, em uma cela de ouro. A fúria, o medo e o desespero se misturaram, e ela soube que a luta não seria com força física, mas com a sua própria mente. Ela precisava ser mais astuta que o predador, ou estaria perdida para sempre. O ar da cabana, antes perfumado, agora parecia ter o sabor amargo da derrota. Mas no fundo de sua alma, um pequeno fogo de resistência ainda queimava, a promessa de que ela não seria a obra de ninguém.
A corda era um nó de humilhação e dor. As fibras ásperas se cravaram em seus pulsos e tornozelos, e o aperto parecia sugar não apenas a circulação de suas mãos, mas também a sua última gota de liberdade. Rafaely se contorcia, puxava, lutava com cada fibra de seu ser, mas as amarras eram implacáveis. As feridas em sua pele, já secas e irritadas, eram uma lembrança constante da sua impotência. Seus músculos gritavam de exaustão, e a dor era uma presença constante, que sussurrava que sua luta era fútil. Em sua mente, o rosto de Marcel se repetia como uma imagem demoníaca: o sorriso cruel, os olhos frios, a promessa de que ela seria "domada". A raiva era o que a mantinha acordada, sua única fonte de energia contra o cansaço que a ameaçava engolir.
O tempo se tornou um conceito perdido. A luz que entrava pela janela pequena da cabana parecia a única maneira de medir as horas, mas ela não sabia se era a manhã, a tarde ou o crepúsculo. A fome era uma presença aguda, um buraco negro em seu estômago que parecia sugar toda a sua força. A sede era ainda pior, a garganta seca, as pálpebras pesadas. O medo era um companheiro silencioso, que se sentava ao lado dela na cadeira, sussurrando sobre o que Marcel faria, sobre o seu futuro incerto. Sua mente, antes um espaço de cores e criatividade, agora era um campo de batalha, onde a esperança e o desespero lutavam por cada centímetro.
"Não", ela sussurrava para si mesma, com a voz rouca e baixa. "Não vou desistir. Não vou me quebrar." Mas a sua boca estava tão seca que as palavras mal saíam. Ela tentou se concentrar em seu corpo, em seu coração que ainda batia com teimosia. Ela se lembrava do sol em seu rosto, da sensação da grama sob seus pés, do cheiro da liberdade. Essas memórias eram a sua última fortaleza, a sua última defesa contra o homem que queria roubá-las dela. Ela puxou as cordas mais uma vez, um grito silencioso de frustração escapando de seus lábios rachados. A dor a fez fechar os olhos. O mundo se tornou preto, e ela se rendeu, não ao seu captor, mas à exaustão física que seu corpo não podia mais suportar. A escuridão a engoliu, e o peso da derrota foi um alívio temporário.
A escuridão foi a sua única companhia por um tempo indefinido. A inconsciência foi um bálsamo temporário, uma fuga da dor e da realidade. Quando ela acordou, a primeira coisa que sentiu foi a estranheza. A madeira fria da cadeira tinha sido substituída por algo macio, e o chão duro, por algo ainda mais suave. Um cheiro de flores e sabonete caro, que era a antítese do cheiro de madeira e de poeira que impregnava a cabana. Ela abriu os olhos, com a mente ainda embaçada pelo sono e pelo cansaço.
O susto foi tão grande que ela quase se esqueceu da dor em seus pulsos. Ela não estava mais na cabana. Estava em um quarto. Não, aquilo era algo mais pessoal, mais imponente. O teto era alto, com um lustre de cristal que refletia a luz suave de uma luminária de cabeceira. As paredes eram cobertas com um papel de parede de seda em um tom suave de azul marinho, e uma cama enorme, com uma cabeceira entalhada em madeira escura, dominava o centro do cômodo. As colchas eram de um tecido macio e luxuoso, e uma poltrona de veludo verde, ao lado de uma mesa com um vaso de flores frescas, completava o cenário. O ambiente era um contraste gritante com a sua condição. Ela ainda estava amarrada.
O choque foi tão grande que Rafaely ficou paralisada por um instante. O tempo tinha passado, mas quanto? Horas? Dias? Como ela tinha chegado ali? A sua última lembrança era a dor e a escuridão. Ela sentiu uma pontada de pânico, e a fúria que a mantinha viva voltou com toda a força. Ela olhou para os seus pulsos, e a corda ainda estava lá. O terror se instalou em seu coração. Mesmo em um cenário de luxo, ela era uma prisioneira.
"Ele me moveu", ela pensou, sentindo uma onda de nojo. "Ele me tocou. Enquanto eu estava... inconsciente."
O pensamento fez sua pele se arrepiar de repulsa. Ele havia se aproveitado de sua fraqueza, de seu estado de inconsciência, para levá-la a um novo cenário de cativeiro. O controle dele era tão absoluto que ele podia movê-la de um lugar para outro, como se ela fosse uma peça de xadrez em seu tabuleiro de jogo perverso. Ela tentou se sentar, mas a corda ainda a mantinha presa à poltrona de veludo. A luta para se sentar era difícil, e ela se sentiu ainda mais fraca do que antes. A fome e a sede a estavam matando aos poucos.
O que ele queria? Qual era o propósito de todo esse luxo? Seria uma cela de ouro? Ele queria que ela se sentisse grata por ter um teto sobre a cabeça e um lugar macio para dormir, em troca de sua liberdade? A ideia a fez revirar o estômago. O luxo não a enganava. O ouro era apenas uma gaiola mais elaborada. A beleza daquele quarto era uma ironia cruel, um contraste grotesco com a sua alma aprisionada.
O som de uma chave na fechadura a fez prender a respiração. A porta do quarto se abriu, e um homem entrou. Não era Marcel. Era um homem alto, vestido com um terno preto, mas com uma expressão séria e profissional no rosto. Ele carregava uma bandeja com um prato de comida e um copo de água, e seus olhos mal olharam para Rafaely. Ele parecia um servo, um lacaio, mas o silêncio com que ele agia era assustador. Ele colocou a bandeja na mesa, olhou para ela por um instante, e então, sem dizer uma palavra, saiu do quarto, fechando a porta atrás de si com o mesmo som de chave.
Rafaely ficou olhando para a bandeja. O cheiro da comida era delicioso, mas ela não conseguia comer. A sua mente, antes um espaço de cores, agora estava cheia de perguntas e de um medo que ela nunca havia sentido antes. A sua vida, que antes era uma tela em branco, agora parecia ter sido pintada com a cor da obsessão e do perigo. Ela estava presa, mas a luta não havia terminado. A sua mente, a sua alma, ainda eram dela, e ela não permitiria que Marcel roubasse a sua última essência de liberdade.
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