Alanzin 💥
O sol já tava alto quando eu voltei pro barraco.
O rádio ainda chiava. Vozes desesperadas. Gritos. Políciais contendo o protesto na entrada do morro
Mas minha cabeça, diferente de ontem... tava fria.
Abri a janela, olhei lá pra baixo.
A fumaça dos pneus queimados ainda subia.
Gente chorando por familiares que haviam perdido no confronto e Gente gritando por justiça
Mas isso... isso não ia levar a nada.
Meus dedos tamborilavam o vidro.
Talibã sumiu.
Mas se ele tiver vivo... ele vai voltar.
E se ele voltar e encontrar esse morro em desordem, cheio de mídia, caveirão, boca travada e morador desesperado...
Ele vai ficar puto.
E com razão.
Puxei o rádio, firme:
— “Quebra o protesto.”
Silêncio do outro lado.
Ninguém esperava isso de mim.
— “É isso mesmo que cês ouviram. Desce lá e manda geral recuar. Agora. Antes que vire campo de guerra. Favela já deu o recado. Agora é hora de esfriar.”
O Sabiá respondeu: — “Mas chefe… o povo tá inflamado. Tão cobrando justiça, tão querendo saber...”
— “E vão saber quando for a hora. Por enquanto, o que eles tão fazendo é botando holofote onde devia ter sombra. Favela não pode ser vitrine, irmão. Tem que ser blindada. Discreta. Letal. Entendeu?”
Silêncio. Depois, só um: — “Entendido.”
Desliguei. Respirei fundo.
Essa guerra não ia ser ganha no grito. Ia ser no silêncio.
Peguei o telefone, liguei pro Moleque da Nova Brasília: — “Tô te mandando uns homens. A partir de hoje, a boca volta a funcionar normal. Nada de chamar atenção. Só no sapatinho. Quem não tiver disciplina vai rodar.”
Depois liguei pro Catatau, lá da Grota: — “Reforça a segurança da carga. Se tiver rota vazando, me avisa. Tô fechando o cerco.”
E fui um por um. Cada ponta. Cada canto.
Reorganizando tudo.
Montando o exército em silêncio.
Sem fogos. Sem revolta. Sem vaidade.
Liguei pra Rebeca.
Uma amiga da antiga. Da época que eu fazia uns corres pela pista.
Bonita, sagaz, dessas que sabe entrar na mente do homem sem ele perceber.
— Alô, Beca?
— Oi, Alan. Finalmente me ligou.
— Tô precisando do teu talento.
— Que tipo de talento? — ela riu, voz cheia de veneno.
— Tem um polícia, Tenente Silva, BOPE. Você deve conhecer.
— Hum… o branquelo que tava dando entrevista hoje?
— Esse mesmo. Quero que tu se aproxime. Nada óbvio. Vai com calma. Sorri, puxa assunto, ganha confiança.
— E aí?
— Quero saber se ele viu mesmo o corpo do Talibã. Ou se tá mentindo.
— E se ele não cair na minha?
— Aí tu faz ele cair. Usa o que cê tem. Mas sem levantar suspeita nenhuma. Isso é entre eu e tu. Nem respira esse plano com ninguém, ouviu?
— Fechou, Alanzin.
— E mais uma coisa…
— Fala.
— Se ele confiar em tu, tenta descobrir o que eles queriam queimando nossas bocas e Quais nomes eles tão mirando.
Desliguei.
Sabia que podia contar com ela.
Rebeca não era só bonita — era fria, como tinha que ser.
Voltei pro barraco da laje. Sentei, puxei um cigarro, liguei a TV.
E lá tava o filho da puta do Silva, na coletiva de imprensa, com cara de vitória.
"O chefe conhecido como Talibã foi neutralizado. Não há dúvidas quanto à morte. O corpo ainda está sendo periciado, mas a favela pode respirar aliviada. O tráfico perdeu um monstro."
Monstro?
Ele que era o demônio fardado.
Tirei foto da TV e mandei no grupo da quebrada:
“Cadê o corpo então? Mostra a prova. A favela quer a verdade, a polícia não cansa de nos forjar"
Mas no fundo…
No fundo eu sentia.
O Talibã não morreu.
O olhar dele naquela última troca, o movimento rápido quando caiu, a fumaça…
Algo ali não fechava
A favela precisa rodar.
Se o chefe aparecer e tiver tudo desorganizado, ele vai cortar a cabeça de geral.
Aqui é favela, porra.
Aqui é guerra.
Mas também é disciplina.
Desliguei a tv
Respirei fundo.
Acendi outro cigarro.
Enquanto eu tiver vivo, a favela vai ter lei.
E enquanto a dúvida existir, o Talibã vai ser uma lenda.
Mas eu juro…
Se ele tiver mesmo morto...
O Silva vai pagar com a alma.
Peguei a pistola, botei na cintura, olhei no espelho.
A favela não precisa de herói. Precisa de cérebro.
E hoje, o meu tava gelado.
Helô 🌸
O celular tremia na minha mão fazia tempo, mas eu não conseguia nem olhar.
Desde que disseram que o Talibã tinha sido baleado e desaparecido, parece que o mundo parou.
Não chovia, não fazia sol.
O tempo simplesmente travou.
Eu não comia direito.
Não dormia direito.
E toda hora minha cabeça voltava pra última vez que a gente se viu...
O jeito que ele me olhou...
Como se soubesse que ia ser a última.
Meu pai achava que eu tava ficando louca.
A Clara tentava me confortar, mas também tava destruída com o Russo baleado no hospital
E eu? Eu era só um corpo respirando.
Mas mesmo no meio de toda essa dor,
uma coisa não me saía da cabeça: não teve corpo.
E se não teve corpo...
Ele pode estar vivo.
Vesti minha blusa branca, joguei o cabelo num coque malfeito, e desci o morro.
Sem maquiagem.
Sem celular.
Só com minha fé quebrada nas mãos.
A igreja era pequena, simples, escondida num bequinho entre a Laje Alta e a 14.
Entrei.
O silêncio ali dentro doía mais que os gritos lá fora.
Fui direto pro altar.
Me ajoelhei com força, como se quisesse afundar o joelho no chão,
como se a dor física apagasse a do coração.
— Deus... eu sei que eu sou cheia de erro. Eu sei que o Talibã também é...
Mas ele tem coração.
Ele me ama.
Ele cuidava da favela, sempre ajudava os moradores
Ele cuidava de mim.
As lágrimas desciam, quentes, grossas, sem controle.
— Se ele tiver vivo, me dá um sinal... qualquer coisa. Um sonho. Um cheiro. Um arrepio.
Mas se ele tiver morrido...
Por favor, me ajuda a aceitar.
Porque sem ele... eu não sei viver.
Me encolhi ali no altar.
Chorando igual criança.
Pensando em tudo.
Nas nossas fotos.
Na nossa primeira vez.
No sorriso dele torto.
No “presta atenção na tua caminhada, mulher” que ele sempre soltava rindo.
A música do meu fone ainda ecoava na minha mente, como se tivesse tocando ali, na igreja:
"A distância entre a gente me fez entender
Que se um dia eu fui feliz, foi com você..."
Chorei mais.
A saudade era como uma faca afiada direto no coração.
Mas a esperança ainda respirava.
E enquanto ela respirasse...
Eu ia continuar vindo aqui.
De joelho.
De alma.
De fé.
Porque se tem uma coisa que inimigo nenhum consegue matar…
É o amor de verdade.
Russo 💣
Eu odeio hospital.
Cheiro de coisa morta disfarçado de limpeza.
Gente tossindo, chorando, morrendo em silêncio.
E eu aqui… jogado nessa cama com um tiro na perna e o morro pegando fogo.
Ficar parado é castigo pra quem nasceu pra agir.
Cada segundo deitado aqui é tipo um grito abafado dentro da minha cabeça.
Cadê o Talibã, porra?
Não apareceu corpo, não teve enterro, não teve vela, não teve nada.
Só o caos depois da operação.
Só o sumiço.
E esse vazio de não saber se ele tá vivo ou morto.
A porta abriu devagar.
Perfume bom. Suave.
Clara.
Veio com passo leve, uma bolsinha de lado, e aquele olhar que mistura força com cuidado.
É estranho… nunca achei que me pegaria olhando assim pra alguém.
Mas depois daquele dia que ela me viu na maca sangrando e não largou da minha mão…
…sei lá. Mudou alguma coisa.
— Trouxe pão de queijo. Sei que cê odeia comida de hospital. — ela disse, botando a embalagem na mesinha.
— O que eu odeio é tá aqui. — rosnei, impaciente. — Quero voltar logo.
— Com esse machucado aí? Vai botar o fuzil no andador?
— Zoa não. Eu tô a um passo de quebrar essa porra de perna de novo só pra sair daqui.
Ela riu de leve. Aquela risada que acalma.
Me olhou com aqueles olhos castanhos escuros que sempre parecem saber mais do que falam.
— Tu tem que ter calma, Russo.
— Não sei o que é isso. Ainda mais agora.
— O Alanzin tá segurando as pontas. tava revoltado mais agora se acalmou
— Eu confio nele. Mas e o Talibã? Tu acredita que ele morreu?
Ela abaixou o olhar. Silêncio.
Respirou fundo.
— Eu não sei. E isso é o que mais machuca. A Helô tá mal, mas não perdeu a fé.
— E tu?
— Eu… tô tentando manter a cabeça no lugar.
— Mesmo com tua vó no hospital por causa de mim? — perguntei, mais baixo.
Clara me olhou firme.
— Tu não causou isso. Minha vó é teimosa. Se apegou ao preconceito e não soube lidar. Mas sou eu que escolho com quem fico, Russo.
— Mesmo sendo um cara fodido como eu?
— Mesmo. Porque tu tem algo que ela nunca vai entender. Tu é leal. Tu sente de verdade.
Fiquei quieto.
Ela se aproximou devagar, sentou na beirada da cama e pegou minha mão.
— Tu acha que eu ia vir aqui todo dia se tu fosse só mais um?
— Talvez. Tu é boazinha demais.
— Não confunde cuidado com fraqueza.
Sorri. Aquilo bateu.
Ela era suave, mas firme.
Jeito doce com fala afiada.
E, mesmo sem me dar conta, eu tava começando a contar com ela, tava tão bom a gente morando juntos, tô morrendo de saudades de acordar todo dia com ela do meu lado.
— Promete que vai cuidar da tua perna direitinho?_ela pediu, quase num sussurro.
— Só se tu continuar vindo aqui.
— Eu vim pra te ver, Russo. Não pelo pão de queijo.
— Então chega mais. Fica um pouco _falei dando espaço na maca
Ela se inclinou, encostou a testa na minha.
O mundo lá fora podia tá desabando, o Talibã sumido, a guerra esquentando…
Mas ali, por uns minutos, era só eu e ela.
O toque dela na minha mão.
O cheiro do cabelo.
A presença que acalmava o monstro dentro de mim.
Ainda vou levantar dessa cama.
Ainda vou cobrar esse tiro.
Ainda vou encontrar o Talibã — vivo ou morto.
Mas agora, com Clara aqui, minha mente consegue respirar.
Mesmo que por pouco tempo.
Tenente Silva ☠️
Favela do Alemão.
Terra onde a lei não entra.
E quando entra, sai no caixão.
Desde a operação em que aquele maldito do Talibã foi alvejado… ou melhor, supostamente alvejado.
Porque até agora, corpo não apareceu.
E na minha experiência, quando não aparece corpo... é porque o desgraçado ainda respira.
E se ele respira, ele ainda é um perigo.
Talibã era mais que um líder de facção. Era símbolo.
Esses moleques do morro matam e morrem por ele como se fosse Deus.
E pra piorar, tem dois pitbulls dele ainda soltos: Russo e Alanzin.
O Russo, ferido. Tiro na perna. Internado.
Mas o Alanzin…
Esse voltou do inferno como se tivesse feito pacto.
Frio, calculista, bom de tiro, covarde o bastante pra matar meu amigo pelas costas…
E agora?
Agora tá segurando o morro com uma frieza que me incomoda.
Nenhum movimento brusco. Nenhum erro. Nenhuma pista.
Eu tentei de tudo.
Acordei vagabundo na porrada.
Apertei tiazinha que vendia quentinha pra eles.
Chamei ex-mula pra conversar.
Nada.
Silêncio absoluto.
Todos os que restaram na tropa do Talibã são fiéis até o osso, até tentei contanto mais só recebi não é de quebra um esculacho desses vagabundos
os moradores quando descem pra pista e eu enterrogo olham no meu olho e preferem cuspir no chão do que falar o nome dele.
— “Desculpa, doutor. Mas aqui, quem fala… morre.”
Esses desgraçados juram lealdade como se fossem militares.
Mas eu sei que tem brecha.
Sempre tem.
Eu quero um. Um só.
Um informante.
Um que fale.
Um que abra o bico.
Já deixei o recado:
cinquenta mil no bolso e proteção garantida pra quem me contar o paradeiro do Talibã.
Mas até agora… nem fantasma apareceu.
Enquanto isso, a imprensa me cobra resultado.
Os chefes me pressionam.
E a favela?
Faz protesto, chora, grita. Como se aquele marginal fosse herói.
Eu olho pra entrada do morro da viatura e vejo uma fortaleza feita de sangue, medo e idolatria.
Tudo isso por causa de um nome: Talibã.
Mas deixa ele voltar.
Se tiver vivo, uma hora aparece.
E se aparecer…
Eu vou terminar o que comecei.
E quanto ao Alanzin…
Aquele eu pego de outro jeito.
Já fiz um mapeamento dos pontos de droga reabertos.
Tem uma mulher rondando o batalhão tentando tirar informação.
Talvez esteja ligada a ele.
Tudo é suposição, mas eu não sou burro.
Se ele tá mexendo no tabuleiro…
É porque tem algo grande vindo por aí.
E eu vou estar esperando.
Porque no meu mundo, quem erra uma vez, não erra de novo.
Não quando o Silva tá na cola.
Alanzin 💥
Favela não dorme.
Quem cochila… perde território, perde vida.
E eu não posso me dar esse luxo.
Desde que o Talibã sumiu naquele dia do confronto, minha cabeça não para.
Russo baleado, morador revoltado, polícia batendo de frente...
e ele, o chefe, o coração do bonde, sumiu como fumaça.
Todo mundo dizendo que morreu, até o Silva se achando o vitorioso dando entrevista,
mas eu conheço o Talibã…
Se ele tivesse morrido, o corpo tava aqui.
Jogado no chão, cheio de tiro, ou nos nossos braços. Mas nada.
Tô tentando segurar o morro, manter as bocas rodando, manter o terror longe.
Mas é como se tivesse um buraco no sistema.
Tá tudo no lugar, mas ao mesmo tempo, nada tá certo.
A tropa pergunta por ele.
A Helô anda com o olhar vazio.
Até o Russo, mesmo na cama do hospital, quer saber se ele tá vivo.
Hoje eu acordei com um nó na garganta.
Sentei na Lage alta onde ele costumava ficar.
Ali, ele mandava e desmandava… agora, o vazio grita.
Peguei o rádio dele. O último sinal foi naquele dia.
Mas uma coisa me pegou de jeito hoje:
Cadê o celular do Talibã?
O rádio tava lá, largado com sangue.
Mas o celular?
Sumiu.
Ele nunca ia sair sem aquele telefone.
Era por ali que ele falava com as conexões, com os caras da pista, com tudo.
— "Ou ele deixou cair, ou alguém pegou", — falei pro Pingo, meu segurança.
Mas tem mais.
Hoje eu fui lá.
Lá mesmo, na viela onde os últimos tiros cantaram.
Onde a tropa trocou com o BOPE, onde o Talibã foi visto caindo atrás do muro.
Cheguei na moral. Capuz, chinelo, pistola na cintura.
Não levei bonde, fui sozinho.
Na cautela.
Ali, ainda tinha mancha de sangue.
Uma parede estourada. Buraco de bala no ferro velho.
Mas nada de corpo.
Nada.
Sentei no parapeito e comecei a refazer tudo.
Passo por passo.
Ele correu pra cá…
Se apoiou ali…
Talvez não caiu. Talvez só sangrou e vazou.
Vi uma grade meio torta atrás do barraco.
Nunca tinha reparado.
Empurrei…
Portinha velha, de madeira. Arrebentada.
Atrás?
Uma escadinha quase invisível.
Descia pra um beco sem saída…
Ou melhor, sem saída pros outros. Pra ele, parecia planejado.
Aquele beco dava numa antiga saída usada há anos atrás.
Fechada pelos moradores. Mas com o trampo certo, dava pra passar.
“Será que ele vazou por aqui, mané?”
Voltei subindo, respirando rápido.
A mente a mil.
Pior que faz sentido.
A operação foi rápida, intensa, mas a tropa dispersou quando ele sumiu.
Ninguém viu, ninguém filmou.
E como não filmou?
Porque o Talibã era ligeiro.
Tinha rota de fuga. Tinha plano B. Sempre teve.
Mas se escapou, por que não entrou em contato?
Por que não avisou?
Pensei em mil fita.
— “Será que ele tá preso e ninguém sabe?”
— “Será que tá machucado e se escondeu em algum ponto estratégico?”
— “Ou será que… confiar em alguém foi o erro dele?”
Doideira, né?
Mas eu não posso perder o foco.
Voltei pro complexo.
Falei com o Diego da comunicação. Mandei rastrear qualquer sinal, ligação, mensagem, até e-mail com nome falso.
Mandei também um recado nos grupos do morro:
> “Quem souber do paradeiro do Talibã e tiver a verdade, vai ser tratado como irmão. Mas se tiver maldade, o destino é vala.”
Tô sem sono, sem fome, sem paz.
Mas com sangue no olho.
Porque se ele estiver vivo, eu vou encontrar.
E se alguém tiver ajudado a sumir com ele,
vai pagar.
Favela pode ser caos, mas comigo no comando, vai continuar de pé.
E se ele voltar…
Vai encontrar o morro do jeito que ele deixou:
No trilho.
No respeito.
Na bala se for preciso.
Talibã 💣
A dor foi tão forte que eu achei que ia apagar de vez.
Mas eu sou cria da guerra…
Não foi aquele tiro que ia me derrubar.
Quando o chumbo entrou na minha barriga, senti a alma estremecer.
Mas o barulho, o corre, o desespero da tropa me fez manter os olhos abertos.
Tinha sangue demais.
Meu rádio caiu no chão.
Minha Glock também.
Mas eu ainda tinha o celular no bolso,
Instinto de sobrevivência falou mais alto.
Caí atrás de um barraco velho, ali mesmo onde ninguém passa faz tempo.
Enquanto a operação comia no centro, eu fui me arrastando,
engolindo o choro, apertando a camisa contra o ferimento.
Minha mente só gritava uma coisa:
"Preciso sair daqui. Se o Silva me pega, é caixão."
Não dava pra avisar o Alanzin, nem o Russo, nem ninguém da tropa.
A linha de comunicação tava comprometida.
E eu sabia, no fundo do meu peito,
que meu sumiço seria a única forma de dar um respiro pro morro.
O Silva tá obcecado.
Se ele não me ver morto, ele vai caçar o Alanzin ou o Russo até não sobrar ninguém.
É pessoal. É guerra fria com bala quente.
Foi aí que eu pensei no Jacaré.
Aliado antigo. Cria do morro vizinho.
Bandido de visão.
Gente que respeita a palavra e não vira casaca nem por grana, nem por pavor.
Faz anos que a gente tem um acordo de paz silencioso.
Nunca precisei pedir nada, mas ele já sabia que, no dia que eu precisasse, ele viria.
Consegui andar… sei lá como.
Me apoiei em parede, pulei muro de costela estalando.
O sangue já grudando nas calças.
Cada passo era uma luta contra a morte.
Cheguei até uma viela que dava saída pro mato.
Tinha uma trilha antiga, usada só por bicho ou por quem conhece cada milímetro da favela.
Andei até metade, peguei meu celular e mandei uma mensagem pro jacaré me socorrer, e mandei minha localização em tempo real
E apaguei.
Quando acordei, só via teto.
Não era hospital.
Era o quartinho improvisado do Jacaré,
no miolo do morro dele.
Fumaça no ar, cheiro de remédio e um ventilador barulhento.
Ele entrou sorrindo, com um copo de água e a cara de quem sabe que salvou a vida de alguém importante.
— "Cê é doido, Talibã. Quase morreu na mata, levei um tempão pra ti acha mermão
Eu tentei levantar, mas a dor me travou.
Tinha gaze, ponto, remédio…
e silêncio.
Ele sabia o peso de me esconder.
Sabia que se a polícia desconfiasse, o morro dele entrava no radar do Silva.
— "Tu sumiu, mané. Tão falando que morreu."
Fiquei quieto por um tempo.
Só respirando fundo.
Talvez fosse melhor assim.
Comigo fora de cena, o Silva pode achar que venceu.
Pode dar a trégua que a Rocinha precisa pra respirar.
Pra tropa se reorganizar.
Pro Alanzin tocar o bonde sem a pressão de ter meu nome em todo canto.
Mas meu coração dói por não avisar ninguém.
Nem a Helô, nem o Russo, nem o Alanzin.
Principalmente o Alanzin.
Mas do jeito que eu tava, nem dava.
Tava morto em pé.
Agora… tô aqui.
Escondido.
Me tratando.
Esperando o momento certo.
Jacaré já falou que vai segurar o segredo.
Eu confio.
mais a gente não sobrevive tanto tempo nesse jogo confiando em qualquer um.
A favela acha que eu morri.
Mas eu só tô em silêncio.
Aguardando.
Porque quando eu voltar…
Vai ser pra botar ordem, cobrar lealdade
e mostrar que o Talibã ainda é o terror da porra toda.
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