Casa de Giuliano Valentini:
A sala era abafada, cheia de fumaça e mentiras. O uísque escorria num copo caro, e o homem por trás da mesa sorria com os dentes amarelos, não pelo tabaco, mas pela podridão da alma, ele era viúvo e tinha somente uma filha, menina que ele sequer pensou antes de trair a máfia e pagar o preço.
Giuliano Valentini assinava contratos como quem assinava sentenças.
Naquela noite, não seria diferente.
— Quinze garotas. As de 14 anos já Treinadas. As mais novas sem documentos. Tudo conforme o combinado.
Sua voz era grave, quase gentil, como se estivesse vendendo diamantes, não crianças, mesmo sabendo que aquilo era abominável aos olhos do conselho e dos líderes, o dinheiro sempre falava mais alto.
Do outro lado da sala, dois homens intermediando os negócios, frios, brutais, silenciosos. Um deles conferia os papéis. O outro contava dinheiro.
— Valentini, você é um homem de negócios.
O mais velho ergueu o olhar.
— Mas nos traiu no passado. Só aceitamos essa negociação porque temos acertos de contas.
Ele não teve tempo de pensar no que significava a palavra acerto, a porta lateral se abriu bruscamente e seu pior inimigo atravessou.
Salvatore D’Amico.
O Don poderoso entrou devagar, como quem já sabia de tudo. Terno preto, olhos escuros. O silêncio dele fazia mais barulho que as armas sobre a mesa.
Giuliano se levantou bruscamente. O charme escorregou do rosto.
— Don? O que você tá fazendo aqui?"
Salvatore caminhou até o centro da sala. Tirou um papel dobrado do bolso e jogou sobre a mesa.
— Isso é a prova do que você fez com a menina de doze anos em Milão, sabe que isso é proibido, a maior regra da máfia é clara, sem crianças.
Sua voz era firme, sem raiva. Como um carrasco lido em seu trabalho.
O primeiro homem empalideceu.
O outro se levantou.
Giuliano se virou para os dois, furioso.
— Vocês contaram para ele? Isso não era parte do acordo!
Salvatore não piscou, a fúria do homem encurralado era música para seus ouvidos.
— Você não merece um acordo. Você merece um fim, agradece o respeito que tenho a sua casa, pela sua filha, somente por isso sua morte será limpa.
Giuliano puxou uma arma de dentro do paletó, mas já era tarde.
A arma de Salvatore já estava apontada.
— Salvatore, não!
Um grito. O desespero. O medo real de um homem que sabia que não escaparia.
Pá!
O som seco do disparo cortou o ar.
A cabeça de Giuliano tombou para trás. Sangue respingou sobre os contratos, o dinheiro e o uísque caro, nada daquilo importava para ele, Salvatore sempre odiaria quem mexe com criança.
Salvatore abaixou a arma lentamente. Olhou para os mercenários.
— Esse acordo acabou. E se tentarem tocar em mais uma menina... acabam iguais a ele.
Eles não responderam. Apenas saíram.
Salvatore ficou sozinho. Diante do corpo.
Respirou fundo.
Olhou para o sangue escorrendo pela madeira.
— Isso é justiça, velho desgraçado. Não honra.
Então saiu, sem olhar para trás.
Do andar de cima, uma menina de quinze anos havia acordado com o som do tiro. Desceu as escadas, mas ninguém a deixou entrar na sala.
Ela só viu a maca sendo levada. O caixão lacrado. O nome sussurrado.
Salvatore D’Amico.
E naquele dia, Isadora jurou vingança. Sem saber que o pai que chorava era um monstro.
O Funeral:
O céu estava pesado como concreto.
Cinza. Quase sufocante.
Isadora Valentini descia os degraus da escadaria da mansão como uma boneca de porcelana rachada. Vestido preto. Cabelos presos com força. Os olhos secos demais para chorar. O corpo andava, mas o coração estava congelado.
— Giuliano Valentini foi um grande homem.
A frase pairava no ar como fumaça. Todos repetiam, mas ninguém acreditava. Nem ela, Isadora odiava cada olhar, cada gesto de pena, e ali alimentava o rancor que ela carregaria por anos.
Ele não era um grande homem. Era o rei de um império, traído, humilhado, e os grandes não são derrubados. E agora estava morto.
Assassinado.
Aos quinze anos, Isadora não entendia todos os detalhes, mas sabia duas coisas:
O caixão estava fechado porque o rosto do pai estava irreconhecível.
O homem que o matou tinha um nome — Salvatore D’Amico.
Ela ouviu atrás de uma porta, num sussurro nervoso de dois capangas.
“Foi o D’Amico. Mandou bala no Giuliano na frente dos próprios homens.”
“Uma armação suja, os boatos não importam, ninguém enfrenta o Don.”
Os olhos dela cravaram naquele nome como uma lâmina. Gravou cada sílaba. Jurou não esquecer.
Dois dias depois, o velório:
A mansão estava cheia de rostos frios, ternos escuros e condolências fingidas. Homens que queriam o lugar de Giuliano. Mulheres que choravam por status, não por dor.
E ele apareceu.
Salvatore, alto, poderoso e exalando arrogância, matou e teve coragem de ir?
Ela o viu do alto da escadaria, como uma assombração viva. Alto, expressão imperturbável, olhos escuros como lama de inverno. Nenhum traço de remorso. Nenhuma flor na mão.
— O que ele tá fazendo aqui?"
Isadora sussurrou para a madrinha.
A mulher a segurou com força.
— Fica quieta, Isa. Ele tem o direito.
Direito?
O assassino do seu pai estava no velório como se fosse um parente próximo?
Ela desceu.
Cada degrau era um golpe.
Ele estava diante do caixão fechado, observando. Sem emoção. Sem respeito. Quando percebeu a presença dela, virou-se. E sorriu. Um sorriso que doeu como tapa.
— Você cresceu, Valentini.
A voz dele era grave, lenta, cheia de desprezo.
Ela cerrou os punhos.
— Você não deveria estar aqui, não deveria ser o líder, o que atira sem perguntar.
Ele a observou como se ela fosse uma peça de porcelana rachada, algo frágil, mas sem valor. Pelo menos era isso que ela acreditava.
— Seu pai também dizia isso. Até o fim, ele achava que mandava nas coisas, você não entende pequena, mas um dia saberá.
Isadora não entendeu.
Mas odiou.
Ele se aproximou mais um passo. Os homens ao redor seguraram o ar.
Salvatore inclinou o rosto, tão perto que ela podia sentir o cheiro dele, madeira, fumo, aço.
— Não chore por ele. Giuliano teve o fim que merecia.
Ela abriu a boca, mas não encontrou nenhuma palavra. Só ódio, tudo que ela queria dizer parecia ser infantil demais, nada o atingiria, não do jeito que ela queria.
Ele se virou, caminhou lentamente pela mansão e sumiu por entre os vultos de terno.
Naquela noite, Isadora enterrou o pai…
E plantou o início de um ódio que duraria três anos inteiros.
Ela não sabia ainda, mas aquela troca de palavras no velório…
Foi o prenúncio do casamento que selaria seu destino.
A mansão da madrinha dela era grande, mas o silêncio era maior.
A única parente viva da mãe dela, a sobra de um povo que se acabou, diferente dos familiares de Giuliano, que se espalhavam como praga e eram muitos.
Desde os quinze anos, Isadora Valentini viveu ali, entre tapeçarias pesadas, escadas sem ecos e criados que evitavam seu olhar. Era uma princesa órfã, herdeira de um império criminoso, criada sob vigilância. Uma gaiola feita de ouro, onde cada parede lembrava a ela quem tinha sido seu pai... e quem a matou.
Salvatore D’Amico.
Ela repetia esse nome todas as noites, como um veneno. Um feitiço. Um juramento.
— Quando eu fizer dezoito… eu acabo com tudo, destruo aquele império, não me caso, me armo e mato, sem dó, deixando a cabeça dele desfigurada assim como a do meu pai, todos temerão o nome Valentini quando minha vingança acabar.
Ela dizia diante do espelho, olhando para o próprio reflexo com ódio nos olhos.
Liberdade. Essa era a única herança que queria.
Aos dezesseis, tentou fugir. Foi capturada antes de chegar à estação de trem.
Aos dezessete, escondeu documentos falsos. Alguém descobriu.
Agora, com dezoito anos recém-completos, não havia mais planos.
Havia uma decisão.
🕯️ A Chegada à Mansão Valentini:
O dia esperado chegou, ela se arrumou, juntou as malas, esperando que não precisasse voltar, ingenuamente esperou que as coisas passassem a ser todas dela.
O carro preto parou diante do portão de ferro. Isadora desceu com os saltos batendo firme no chão, a postura ereta, os cabelos castanhos presos em um coque impecável. Vestia preto. Ainda luto. Mas já era uma mulher.
A mansão do pai se manteve fechada, pessoas que ela não via desde o funeral a receberam, tudo parecia menor agora. Ou talvez ela tivesse crescido demais por dentro.
A porta foi aberta por um advogado de rosto pálido e olhos vazios. Ao lado dele, a madrinha, elegante como sempre, mas com os ombros curvados de quem sabia o que viria, os irmãos do seu pai, alguns primos, o maldito conselho, todos estavam ali, todos querendo uma parcela daquilo, ou só averiguar se sairia tudo de acordo.
— Isadora, — o advogado disse. — Obrigada por vir. Seu pai deixou instruções precisas. Hoje, lemos o testamento, só me confirme sua idade.
Ela não respondeu. Apenas entrou.
— 18 anos. — sua madrinha respondeu envergonhada, parecia que ela fazia questão de provocar se achando superior a tudo.
📜 A Leitura:
A sala estava abafada. Um abajur aceso, uma poltrona com a marca do tempo, e uma mesa onde repousavam os papéis da fortuna. A fortuna suja.
O advogado limpou a garganta.
— Este é o testamento oficial de Giuliano Valentini. Redigido e registrado perante o Conselho da Cúpula.
Isadora cruzou os braços impaciente, ela realmente pensava que tudo ia sair do jeito que ela queria.
— Vamos ao que interessa.
Ele assentiu, e mesmo com burburinhos leu em voz alta:
“Deixo à minha filha única, Isadora Giulietta Valentini, todo o patrimônio sob meu nome:
Aquilo foi o primeiro estopim, os sanguessugas queriam um pouco, mas ela não disse nada.
— Cotas majoritárias da holding Valentini International (avaliadas em 3,2 bilhões de dólares);
— Sete imóveis em território europeu, incluindo esta mansão;
— Joias, obras de arte e propriedades não declaradas, com valor estimado superior a 900 milhões de dólares;
— E acesso à conta codificada em Zurique, cujo saldo atual ultrapassa 1 bilhão de dólares.”
Isadora arregalou os olhos. Não pelo número, mas porque era real. Ela era a dona do império agora.
— Qual a cláusula? Vamos lá. Tem sempre uma.
Ela caiu na realidade, sempre tinha uma cláusula.
O advogado hesitou. A madrinha fechou os olhos.
Ele continuou:
“No entanto, o acesso pleno a esse patrimônio está condicionado a uma única exigência:
Isadora deverá se unir em matrimônio ao herdeiro reconhecido e aprovado pelo Conselho, até os trinta dias após a leitura deste testamento.”
Silêncio.
O coração dela martelava, imaginou que deveria de fato fazer algo, mas nenhum plano a preparava para aquilo.
— Quem?
— Com quem eu tenho que me casar?
— Quem assinou essa merda de cláusula?
O advogado engoliu seco.
— O nome... foi incluído após a morte de seu pai, com aprovação unânime da cúpula.
Ele baixou os olhos para o documento.
— Salvatore D’Amico.
A palavra bateu nela como um soco.
Isadora deu um passo para trás. O mundo girou.
— Não. Isso é uma piada. Uma provocação. Eu prefiro morrer.
A madrinha se aproximou, mas ela recuou com fúria.
— Eles querem me dar em casamento ao assassino do meu pai? Querem me fazer dormir com o diabo por um pedaço da fortuna que já é minha por direito? Nunca…
O advogado tentou intervir:
— Se a senhorita se recusar, todos os bens serão congelados e redistribuídos ao Conselho.
— E que queimem tudo.
Ela cuspiu as palavras.
— Prefiro viver com fome do que me casar com esse maldito.
— Filha, pensa, se recusar ele ficara com tudo, não lhe dê o gosto.
Sua madrinha a fez pensar, ele não tinha o direito, ela o odiava, mas sabia.
Sabia que não tinha escolha.
Eles a prenderam com a única coisa que ela precisava: a liberdade.
E o preço dela… era o nome que ela odiava.
Salvatore D’Amico.
O caos reinava na mansão, ela estava furiosa, quebrou o que conseguiu, canalizou sua raiva naquilo, era destruir, ou chorar, e chorar na frente dos inimigos era igual sangrar com um tubarão, aquilo seria uma merda.
Do outro lado da cidade, a caminho, estava ele, já ciente do aniversário, da leitura, ele ofereceu o casamento há três anos, mesmo que ela não soubesse o motivo de ter perdido o pai, ela era corajosa, havia ficado linda e aquele encontro era histórico.
Na propriedade, os estilhaços de vidro brilhavam no chão, o vaso mais caro jazia aos pedaços, e Isadora Valentini estava no centro da cena como um furacão elegante e furioso.
— Eu não vou casar com esse assassino! Não sou mercadoria! A herança é minha, porque vocês têm que decidir, não sou um objeto e não me caso.
A madrinha tentava contê-la, o advogado permanecia mudo, suando frio, com a raiva que ela estava certamente mataria alguém. Nenhuma voz ousava contradizer a herdeira da família Valentini, ela era tão letal como seu pai, só que não tinha um cargo.
Até que a porta da frente se abriu sem ser anunciada.
Não houve batida. Nem autorização. Apenas o som imponente das dobradiças se curvando diante do único homem que não precisava de convite.
Salvatore D’Amico entrou.
Terno escuro impecável, os ombros largos como uma sentença. Caminhou sem pressa, sem emoção no rosto. Seu olhar varreu o ambiente, ignorando todos, até pousar nela.
Isadora, linda, furiosa, e completamente pronta para o mundo.
— Interrompo alguma coisa?
A voz dele era grave, firme, carregada de desprezo calmo.
Ela estacou. Os olhos arderam, claro que era ele, aquilo saiu da cabeça doentia, matou o pai e quer aniquilar a filha, mas com ela não, ela se recusava a ceder.
— Você não tem o direito de pisar aqui! — ela reclamou indo para cima dele, mas sendocontida pela madrinha.
Ele a encarou por um segundo. Depois caminhou diretamente até ela, sem desviar de móveis, olhares ou obstáculos. Parou a poucos passos do seu corpo tenso.
— Tudo o que vejo aqui me pertence. Inclusive você.
— Eu sou livre!
Ela disparou, nervosa, se vendo presa, encurralada, e não gostava daquilo.
— Você pode ter matado meu pai, mas não vai me possuir!
Ele sorriu. Um sorriso seco, sem alegria.
— Giuliano te criou em gaiola de ouro. Eu só vim recolher a chave. Nestes três anos você tentou, mas eu estava sempre um passo a frente.
Ouvir aquilo a enfurece, sua madrinha sabia, todos sabiam, ela idiota era a última.
O advogado pigarreou, nervoso.
Salvatore nem olhou. Apenas declarou, com voz de comando:
— Em trinta dias, voltarei para formalizar o casamento. Assinamos, selamos, e ela assume seu lugar ao meu lado.
Isadora riu, um som cortante.
— Isso se me achar viva... ou virgem.
As palavras ecoaram pela sala como tiros.
Os olhos de Salvatore escureceram. Um músculo em sua mandíbula se contraiu.
Ele aceitava provocação, mas aquilo não, aquilo mexeria com o ego de qualquer homem, na máfia então ditava quem era digno e quem não era.
Ele a agarrou pelo queixo, com firmeza, mas sem pressa. Seu rosto a centímetros do dela.
— Repita isso de novo… e eu te levo agora. Nem o inferno impediria.
— Tenta.
Ela sussurrou, sem medo, ou fingindo não ter.
Ele soltou o queixo com lentidão, como se estivesse decidindo algo mais perigoso do que palavras.
— Você não vai passar mais uma noite nesta casa.
A madrinha se adiantou nervosa, mesmo sendo o líder ela sabia que Isadora era uma potência, e ambos se odiando trariam a terceira guerra.
— Salvatore, ela está sob minha tutela. Há regras, limites—
— Como ousa impor limites ao Don? Eu sou o limite.
Ele disse sem levantar a voz.
— Ela vai comigo. Hoje.
— Ela está sendo vigiada, não fara nada disso, posso garantir.
A mulher tentou argumentar.
— Não tem como ela fugir. E não tem permissão do Conselho.
Salvatore a olhou, apenas por respeito.
— O Conselho me obedece. Não o contrário.
Voltou os olhos para Isadora. Ela tentava manter o queixo erguido, mas o coração batia como um tambor, ele era um assassino, letal, frio, mas muito lindo.
— A próxima vez que abrir essa boca para me provocar, Valentini...
Ele chegou mais perto, voz baixa, rouca, quase um aviso sensual.
— ...vai terminar gemendo. E não de raiva.
Ela engoliu seco.
Ele se afastou, virou-se, e antes de sair, lançou por cima do ombro:
— Arrumem a mala. Ela parte hoje, meu carro a aguardará.
A porta se fechou.
E Isadora soube que, pela primeira vez na vida, estava diante de alguém que ela não conseguiria controlar.
— Se mantenha calada menina, não aprendeu nada, agora vai direto para a toca do lobo.
Sua madrinha podia esbravejar, brigar e chorar, se em três anos não entendeu que não se doma espirito livre, não adiantava gastar saliva, ela iria, sim, mas seria a responsável por lidar com tudo, só fará o que quer, e ai de quem tentar impedir.
Ela subiu as escadas para o quarto confiante, uma falsa calma. Salvatore teria uma surpresa, lidar com ela seria mais do que ele conseguiria dar conta e se olhando no espelho estava até animada, não tinha melhor forma de vencer que não fosse um bom jogo, e boas garrafas de vinho, tequila e o bom e velho whisky.
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