> Antes de seguir em frente, pare e olhe para trás. Algumas histórias só fazem sentido quando conhecemos suas cicatrizes.
Recomendamos fortemente que você leia o livro "Além do Ouro" antes de começar esta nova jornada.
Não é só uma questão de sequência — é sobre entender o peso das escolhas, o silêncio dos segredos e a sombra que Ícaro deixou para trás.
Esta é uma história sobre o que vem depois do fim.
É sobre um filho que nunca soube quem era o pai. Sobre cartas que nunca foram enviadas, verdades enterradas em ouro... e memórias que insistem em voltar.
Se você leu "Além do Ouro", vai perceber que nada era tão simples quanto parecia.
Se não leu, pode até seguir. Mas saiba: estará entrando num mundo de verdades partidas — e talvez nunca veja os Valmonts da mesma forma.
[FLASHBACK – Anos atrás]
A mansão Valmont estava em chamas — não de fogo literal, mas de luxo, excessos e segredos prestes a explodir. Lustres de cristal tremeluzindo com a batida grave da música clássica, taças de champanhe voando de mão em mão, risadas forçadas ecoando por entre colunas de mármore. O baile anual da família era um espetáculo para os olhos, mas para Ícaro, naquela noite, tudo parecia encenado.
Ele vestia um terno escuro impecável, com o emblema dourado dos Valmonts bordado na lapela. A cada passo que dava, cumprimentava pessoas que fingia lembrar. Sorrisos ensaiados, elogios genéricos. Nada ali era verdadeiro. Nem mesmo ele.
Ícaro nunca se encaixou totalmente naquele teatro de poder. Era um Valmont, sim — de sangue, de nome, de expectativa — mas no fundo, sempre sentiu que carregava algo que não pertencia àquele mundo. E naquela noite, esse sentimento pesava mais do que nunca.
Ele escapou para o terraço, longe das luzes e das danças. O ar noturno era mais honesto que qualquer palavra dita lá dentro. Encostou-se no parapeito de pedra, olhando a cidade ao fundo, e respirou fundo. Foi aí que ouviu passos.
— Fugindo da própria festa? — perguntou uma voz feminina, calma, com uma leve ironia.
Ícaro virou-se lentamente. E então a viu.
Ela usava um vestido vinho escuro que contrastava com os brilhos extravagantes das outras convidadas. O cabelo preso de maneira sutil, sem joias chamativas. Mas o que mais chamava atenção era o olhar — direto, firme, como se enxergasse algo por dentro dele que ninguém mais conseguia ver.
— E você… quem é? — perguntou ele, franzindo levemente o cenho.
— Alguém que não deveria estar aqui — respondeu, sem hesitar. — Mas que precisava te ver.
— Tem certeza de que veio ao lugar certo?
Ela se aproximou um pouco, mas manteve uma distância segura. Observava Ícaro como se o estudasse.
— Ninguém aqui te conhece de verdade. Eles veem o nome, o sangue, o sobrenome. Mas eu vejo outra coisa. Eu vejo alguém tentando gritar em silêncio.
Ícaro franziu a testa. Pela primeira vez naquela noite, suas defesas pareceram vacilar.
— O que você quer de mim?
— Nada. — Ela sorriu. — Só precisava olhar nos seus olhos uma vez. Saber se o que diziam era verdade.
— E o que diziam?
Ela hesitou, mas respondeu:
— Que você é diferente dos outros Valmonts. Que talvez tenha salvação.
Ícaro riu. Um riso seco, amargo.
— Salvação? Eu nem sei de que lado estou nesse jogo.
Ela então se aproximou mais. Os olhos agora carregavam algo mais suave. Quase um lamento.
— Você vai saber. Um dia. Mas vai custar caro.
— Quem é você? — ele insistiu, agora com a voz mais baixa, quase temerosa.
— Isso não importa agora. Mas um dia… você vai lembrar de mim. — Ela o encarou por mais alguns segundos e virou-se para sair.
— Espera! — Ícaro deu um passo à frente. — Pelo menos me diga seu nome.
Ela parou, mas não se virou.
— Os nomes enganam. Mas o que você sentiu aqui… isso é real.
E desapareceu dentro da mansão.
Ícaro ficou parado, sentindo o peso daquela presença como uma cicatriz invisível. O eco das palavras dela batendo no peito como uma verdade que ele ainda não entendia, mas que sabia que voltaria. Tarde demais, talvez. Ou no tempo certo para alguém que ainda nem havia nascido.
Naquela noite, Ícaro voltou para o salão. Brindou. Dançou. Sorriu. Mas por dentro, algo tinha mudado.
E a história dele jamais seria a mesma.
O vinho estava mais forte. A música, mais lenta. Ícaro dançava, mas sua mente estava presa na varanda. Cada risada ao redor soava distante. E então, como se obedecesse a um impulso que não sabia explicar, ele a viu de novo. Ela, parada no fim do corredor de veludo vermelho, como se estivesse esperando por ele o tempo todo.
Sem uma palavra, ela virou-se e entrou por uma das salas secundárias da mansão. Ícaro seguiu, silencioso, ignorando os olhares que puxavam seu sobrenome com peso. Ali dentro, longe do mundo que fingia controlá-lo, ela o olhou de novo. E ele entendeu. Não era uma mulher qualquer. Era uma escolha.
O beijo foi inevitável. O toque, urgente. As mãos se encontraram com fome, e os dois se afundaram num silêncio que dizia mais do que qualquer discurso político dos Valmonts. Aquela noite foi mais do que desejo — foi um grito abafado contra tudo que o nome Valmont significava.
E pela manhã, ela havia sumido.
Nenhum bilhete. Nenhum nome. Nada. Apenas o cheiro suave do perfume no lençol e a lembrança do que viveram.
Ícaro procurou por dias. Mandou discretos recados para empregados, tentou vasculhar registros, questionou discretamente seguranças e convidados. Nada. Ela desapareceu como fumaça.
Ele guardou aquilo como um segredo íntimo — um momento real em meio a uma vida construída em mentiras. Nunca soube se ela era apenas uma intrusa, uma visionária ou uma armadilha.
Mas ela ficou. Não no mundo... e sim nele.
[ANOS DEPOIS – PRESENTE]
Noa encarava a velha caixa de madeira. Dentro, entre papéis amarelados e objetos de outra era, havia uma foto desbotada da mansão Valmont — e, no verso dela, uma assinatura parcial: “Para Ícaro, com tudo que poderia ter sido. – S.”
Ele franziu o cenho. Nunca tinha visto aquela mulher. Nunca tinha ouvido falar de “S.”
Mas algo naquela letra... naquela frase... parecia pulsar.
— Quem era você, pai? — murmurou Noa, sem saber que a resposta estava mais próxima do que jamais imaginou.
Noa acordou com o som insistente de um alarme velho e irritante, daqueles que parecem ter saído de um filme dos anos 80. Espreguiçou-se devagar, como se quisesse atrasar o início de mais um dia comum — ou talvez, sem saber, estivesse tentando resistir ao início de algo que mudaria tudo.
Vivendo com a tia em um pequeno apartamento de dois quartos na periferia da cidade, Noa levava uma vida simples, sem luxo, mas também sem grandes dores — ou assim ele achava. Seus pais adotivos sempre foram corretos com ele, e embora não falassem muito sobre o passado, ele também nunca insistiu. Até agora.
Havia algo no ar naquele dia. Uma inquietação. Uma energia estranha que fazia os pelos do braço se arrepiarem sem motivo. Ao sair de casa, encontrou no correio um envelope sem remetente. Papel amarelado, cheiro de coisa antiga. Dentro, apenas uma foto: um homem de terno, cercado de gente bem vestida, segurando uma taça de vinho. Ao fundo, um brasão dourado. E algo escrito com caligrafia cursiva no verso:
> “Ele não morreu de verdade. A cidade ainda sussurra o nome dele.”
Noa franziu a testa. Não reconhecia ninguém na imagem, mas havia algo naquele rosto... algo nele mesmo. Era como olhar para o espelho em outro tempo.
Na escola, não conseguia se concentrar. O professor falava sobre revoluções, mas a única revolução que importava naquele momento era a que parecia se formar dentro da cabeça de Noa. Quem era aquele homem? O que significava aquela frase?
Mais tarde naquele dia, vasculhou uma caixa de coisas antigas no armário da tia. Entre cadernos e brinquedos velhos, achou algo que fez seu coração disparar: uma carta escondida dentro de um livro. Selada com cera vermelha, o mesmo símbolo do brasão da foto. Tremendo, ele rompeu o lacre.
> “Noa,
Um dia você entenderá tudo. Um dia, a verdade vai te chamar pelo nome. Quando isso acontecer, siga o som do ouro.
I.”
Noa caiu sentado na cama. A letra era firme, elegante. Quem era “I”? Quem teria deixado aquilo ali? E o que significava “seguir o som do ouro”?
O mistério só aumentava — e o nome que ele nunca tinha ouvido antes começou a se formar em seus pensamentos como um sussurro vindo do passado:
Ícaro.
Noa ainda não sabia, mas aquele era o primeiro passo rumo a uma história enterrada. Uma história que falava de poder, mentiras... e sangue.
E ele estava prestes a descobrir que o ouro mais precioso não era o que se escondia em cofres. Era a verdade.
As ruas da cidade estavam mergulhadas em um céu cinzento. A chuva fina caía sem parar, como se lavasse os pecados que a cidade tentava esconder. Noa caminhava rápido, com os pensamentos a mil e o coração apertado pela carta que agora estava dobrada dentro do bolso da jaqueta.
Chegou em casa sem dizer uma palavra. A tia notou, mas não perguntou. Ela já sabia que uma hora ou outra esse dia chegaria.
Noa foi direto para o quarto. Trancou a porta e começou a investigar. Pesquisou o brasão da carta. Nada. Procurou pelo nome “Ícaro” junto de “Valmonts” — foi aí que algo apareceu: uma matéria antiga, datada de mais de uma década, falava sobre uma família influente da cidade que tinha desaparecido misteriosamente após um escândalo político e financeiro. Um dos nomes citados era Ícaro Alencar.
Era isso. “I”.
Mas o que esse homem tinha a ver com ele?
Sentado na frente do espelho, Noa observou o próprio rosto. A linha do queixo. O olhar firme. Pegou novamente a foto antiga e comparou. O mesmo nariz. O mesmo corte nas sobrancelhas.
“Isso não pode ser coincidência”, murmurou.
Abriu de novo a carta. Releu cada palavra. Ficou preso na frase “siga o som do ouro”. Isso podia ser uma metáfora... ou não. Então se lembrou de um velho cofre no fundo do armário do avô adotivo. Nunca tinha conseguido abrir. Nunca achou que tivesse nada importante ali. Mas agora... algo dizia que era a hora.
Forçou a tranca. Tentou senhas óbvias: datas, números. Nada funcionou. Até que, no impulso, digitou o ano que estava na matéria sobre os Valmonts: 2013.
Click.
O cofre se abriu.
Lá dentro, uma caixa de madeira forrada por dentro com veludo preto. Dentro da caixa, um gravador antigo — daqueles com fita. Ao lado, uma fita com a palavra “LEGADO” escrita com caneta vermelha.
O coração de Noa quase saiu pela boca. Ele ligou o gravador. A fita começou a girar... e uma voz soou. Uma voz grave, serena. Familiar de um jeito estranho.
> “Se você está ouvindo isso, então... o sangue falou mais alto.”
A fita estalou e a gravação parou.
Noa ficou ali, paralisado. O que quer que estivesse por vir, já tinha começado.
E ele não tinha mais como voltar atrás.
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