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A Empregada e o CEO

Capítulo 1 - A porta do impossível

O outono já soprava frio quando Luna parou diante dos portões de ferro forjado, altos e intimidadamente imponentes, que protegiam a mansão Vilela. Ela apertou os dedos nos bolsos do casaco fino, olhando para dentro com os olhos cheios de incerteza e uma dose pesada de esperança.

Ali dentro estava a chance que ela tanto precisava. A última.

Nova Iorque era um monstro elegante: linda por fora, cruel por dentro. E Luna sabia disso desde que desembarcou, dois meses antes, vinda do Brasil com uma mala emprestada, uma carta de recomendação e a coragem que só quem já perdeu tudo conhece.

Do outro lado do portão, uma alameda cercada de árvores levava até a mansão: três andares, janelas imensas, colunas brancas, fachada impecável. Parecia tirada de um filme. Mas a realidade ali dentro era bem menos encantadora, segundo rumores: o patrão era um CEO poderoso, temido, de temperamento instável e rigor militar.

Bernardo Vilela.

Ela apertou o botão do interfone. Uma voz masculina respondeu, seca.

— Nome?

— Luna Santiago. Vim pra entrevista.

O portão se abriu com um rangido quase teatral. Ela engoliu em seco e entrou.

— Por aqui.

A mulher que a recebeu era magra, rígida como uma régua e vestia preto dos pés à cabeça. A governanta, supôs Luna.

— Sou Madeleine. Coordenadora da equipe da casa. Fui informada de que você viria. A entrevista será breve. O senhor não gosta de perder tempo. Nem de gente barulhenta.

Luna assentiu, sem ousar dizer nada.

Caminhou pelo interior da mansão com os olhos tentando não se perder na beleza exagerada. Chão de mármore polido, lustres de cristal, quadros caros e silêncio. Um silêncio opressor.

No caminho, passou por outros funcionários: uma cozinheira de avental branco, um jardineiro suando frio e um mordomo com expressão dura. Todos pareciam sempre em alerta. Como se a qualquer momento o patrão pudesse aparecer e cortar alguém com um só olhar.

Ela não sabia se aquilo a assustava… ou despertava sua curiosidade.

— Seu quarto será nos fundos da casa, com os demais funcionários internos. Trabalhará em regime de residência, com folga quinzenal. Está ciente?

— Sim.

— E aceita as regras? Rigor nos horários, obediência, descrição absoluta e proibição de circular pelo segundo andar sem autorização?

— Aceito.

Luna não tinha escolha. Estava sem dinheiro, dividindo sofá com uma amiga que já não escondia o incômodo. Aquilo era ou tudo ou nada.

Madeleine a fitou por um instante, então indicou com o queixo:

— Ele está na biblioteca. Boa sorte.

A biblioteca era ampla, com estantes altas que alcançavam o teto, cheiro de couro e livros antigos. E ali, diante da janela que dava vista para os jardins impecáveis, estava ele.

Bernardo.

Alto, ombros largos, terno escuro como a aura ao redor dele. Não se virou quando ela entrou. Apenas disse, sem olhar:

— Está atrasada.

— Cheguei no horário informado, senhor. A casa é grande, me perdi por alguns segundos.

Ele se virou, finalmente.

Luna encarou os olhos dele. Escuros, intensos. Olhos de homem que nunca foi contrariado. A presença dele era sufocante. Não só por sua postura, mas por algo mais profundo. Como se o próprio ar mudasse com ele por perto.

— Não aceito atrasos. Não aceito desculpas. E não tenho paciência para funcionários que acreditam que podem improvisar regras.

Ela respirou fundo.

— Comigo, o senhor terá disciplina, não improviso.

Ele a olhou com atenção. Pela primeira vez. Como se tivesse notado algo diferente ali. Luna não era apenas bonita. Ela tinha firmeza. Um ar de quem já enfrentou tempestades e venceu.

— Tem experiência?

— Já trabalhei com limpeza no Brasil, em casas grandes. Sei manter sigilo e sou eficiente.

— Aqui é diferente. Aqui é silêncio, ordem, perfeição. Se não aguentar a pressão, pode sair pela porta da frente e procurar outro lugar pra limpar sujeira.

Ela segurou o orgulho com força. Sorriu pequeno.

— Aguento mais do que o senhor imagina.

Um segundo de silêncio. Ele a estudou como se ela fosse um desafio.

— Comece amanhã. Às seis. Seu uniforme estará com Madeleine.

Ela assentiu e se virou para sair.

— E, Santiago?

— Sim?

— Não me decepcione.

Ela saiu sem responder. O coração batendo forte no peito, mas a mente firme como nunca.

Do lado de fora da biblioteca, sussurrou para si mesma:

— Esse homem precisa de reza braba. E talvez… um pouquinho de amor. Mas isso já é pedir demais.

No quarto simples nos fundos da mansão, Luna soltou a mala sobre a cama e se deixou cair ao lado. Fechou os olhos, sentindo a exaustão nos ombros, mas também… um lampejo de alívio.

Ela tinha conseguido. E por mais duro que fosse, aquele emprego era a porta que ela precisava abrir.

Mas ela não fazia ideia do que ou quem estava esperando do outro lado.

Luna:

Bernardo:

Capítulo 2 - Primeiras impressões

O sol ainda bocejava atrás das nuvens quando Luna foi despertada por três batidas secas na porta do pequeno quarto dos fundos.

— São cinco e meia. Madeleine quer você pronta em dez minutos — disse uma voz masculina.

Ela sentou-se na cama estreita, ainda com os olhos pesados de sono. O colchão era duro, o cobertor fino, mas ela não reclamaria. Não podia.

Vestiu o uniforme preto com o avental branco que Madeleine havia deixado na noite anterior. Prendeu os cabelos em um coque simples e calçou os sapatos confortáveis. Quando se olhou no espelho redondo preso à parede, viu uma versão de si mesma que ainda estava se ajustando a esse novo mundo.

Descendo as escadas dos fundos, chegou até a cozinha principal, onde já havia movimento. O cheirinho de café fresco se misturava ao som de panelas sendo organizadas.

— Luna, certo? — disse uma mulher mais velha, de olhos vivos e rosto redondo. — Sou Tereza, a cozinheira da casa. Bem-vinda ao hospício.

Luna riu, mesmo sem saber se era brincadeira ou aviso.

— Obrigada. Prazer em conhecê-la.

— Vai precisar mais de força do que de sorte por aqui, menina.

Enquanto isso, Madeleine surgiu como uma sombra silenciosa, os braços cruzados e os olhos afiados.

— A cozinha não é o seu setor, Santiago. Você é responsável pelo primeiro andar. Salas, hall principal, banheiro de visitas, academia e a biblioteca. Quero tudo impecável antes das oito. O Sr. Vilela desce às nove em ponto. E não tolere erros. Entendido?

— Sim, senhora.

Madeleine se afastou sem esperar resposta. Tereza apenas ergueu as sobrancelhas como quem dizia coragem e voltou a cortar frutas com a precisão de quem já viu muitos começos… e muitos finais.

Luna começou o trabalho em silêncio, com a firmeza que o nervosismo tentava sabotar. Cada superfície que limpava, cada móvel que organizava, era um esforço para se manter invisível. E eficiente.

A mansão parecia ainda maior por dentro. Havia uma grandiosidade que a fazia sentir pequena, mas também determinada. Ela não estava ali para se encantar. Estava para lutar por sua sobrevivência, como sempre fizera.

Enquanto polia a mesa da biblioteca, pensou em sua mãe.

Dona Joana havia sido empregada doméstica por trinta anos no Brasil. Morreu cedo, de um câncer silencioso, e Luna prometeu a si mesma que honraria o legado dela. Não com lamento, mas com dignidade.

“Eu só não quero morrer no mesmo lugar onde nasci sem tentar mudar a história”, ela dizia, nos dias em que faltava arroz, mas sobrava esperança.

Foi com essa força que atravessou oceanos, enfrentou a saudade e chegou até ali.

— Você é a nova? — uma voz masculina perguntou atrás dela.

Luna se virou. Um rapaz de sorriso fácil, uniforme preto e avental, segurava um aspirador desligado.

— Sou, sim. Luna.

— Diego. Faço manutenção e apoio aqui no primeiro andar. Se precisar de ajuda com os equipamentos, é só chamar. Mas só isso, tá? Madeleine é ciumenta.

Ela sorriu. Era bom ver um rosto leve em meio à rigidez da mansão.

— Obrigada, Diego. Eu me viro bem, mas aviso se algo travar.

— Bom saber. O pessoal daqui demora pra confiar, mas você me parece… diferente.

— Diferente como?

— Como alguém que sabe mais do que mostra.

Ela riu, surpresa. E antes que pudesse responder, ouviu passos firmes no corredor.

Os dois se viraram ao mesmo tempo.

Bernardo.

O CEO descia as escadas com uma presença que fazia o ar parecer mais denso. Usava calça social cinza escura e camisa branca dobrada até os antebraços. Os cabelos estavam ligeiramente bagunçados, como se recém-saído do banho.

Luna baixou os olhos rapidamente, voltando à limpeza da mesa. Mas sentia. Sentia o olhar dele cravado nela.

Bernardo passou devagar, sem dizer palavra. Diego ficou estático, como se congelado.

— Ele é assim sempre? — Luna perguntou, baixinho, depois que ele sumiu no corredor.

— Pior. Hoje até que tá calmo — respondeu Diego. — Dizem que ele já mandou três funcionários embora só por ouvirem música.

— E ninguém questiona?

— Quem vai? Ele paga bem. E tem olhos em todo lugar. A casa parece ter câmeras invisíveis.

Luna respirou fundo. Ela não tinha vindo até ali para medir forças com ninguém, mas não abaixaria a cabeça por qualquer um nem por um CEO mal-humorado.

Mais tarde, enquanto limpava o chão da academia, ouviu a porta se abrir.

Bernardo.

De novo.

Agora vestia uma regata preta e uma bermuda de treino. Os braços fortes, veias marcadas, expressão focada. Ela desviou o olhar rápido, mas não conseguiu evitar o calor que subiu pelo rosto.

Ele não disse nada. Pegou os halteres e começou a série de exercícios, como se ela não estivesse ali. Ou talvez… exatamente porque ela estava.

A cada movimento dele, Luna sentia seu autocontrole ser testado.

O que você está fazendo, mulher? Concentra!

Terminou de passar pano no último canto e foi sair da sala, mas ouviu a voz dele firme, sem olhar para ela:

— Você está fazendo um bom trabalho.

Ela parou.

Virou-se devagar, surpresa.

— Obrigada, senhor Vilela.

Ele apenas assentiu. Sem sorrisos. Sem emoção.

Mas Luna sabia reconhecer um elogio velado quando via um.

E por mais que tentasse não se afetar… o coração dela bateu diferente.

Capítulo 3 - Corredores silenciosos

A noite caiu pesada sobre a mansão, e com ela, um silêncio ainda mais espesso do que durante o dia. Os funcionários haviam encerrado suas tarefas. A cozinha estava limpa, os lustres apagados e os tapetes alinhados. Cada canto brilhava, como exigido.

Luna se deitou em sua cama com o corpo exausto, os braços doendo após tantas horas esfregando chão e polindo móveis. Ainda não tinha se acostumado com o ritmo da casa mas não reclamava.

Ao contrário, sentia-se… viva.

Cansada, sim. Mas viva.

Na cabeceira, repousava a única foto que trouxe do Brasil: ela, aos 12 anos, ao lado de sua mãe, Joana. Um sorriso de duas mulheres que sabiam pouco sobre o que era descanso, mas muito sobre o que era lutar.

Joana fora a força, o alicerce, a mão que ensinou que dignidade não vinha do quanto se tinha, mas do quanto se era fiel a si mesma.

Luna fechou os olhos com a imagem da mãe ainda viva na mente, mas o sono não veio de imediato. Talvez por causa do novo ambiente. Talvez por causa da sensação de que alguém a observava… mesmo sem estar ali.

Quase meia-noite.

A sede venceu.

Luna levantou devagar, pegou um casaco e saiu de seu quarto, os passos leves sobre o piso frio dos fundos da casa. Conhecia bem o caminho até a cozinha, e não precisaria acender nenhuma luz.

A mansão à noite parecia ainda maior. Os quadros nas paredes pareciam observá-la, os móveis pareciam sussurrar segredos.

Ela alcançou a cozinha, pegou um copo e encheu de água. Bebeu lentamente, sentindo o líquido gelado aliviar o calor que subia por dentro. Só então percebeu que não estava sozinha.

— Costuma andar pela casa à noite?

A voz masculina soou baixa e rouca atrás dela, mas ainda assim, fez sua espinha se arrepiar.

Luna virou-se devagar.

Bernardo estava encostado no batente da porta, de braços cruzados. Usava apenas uma calça de pijama cinza, sem camisa. O cabelo levemente bagunçado e o peito exposto revelavam músculos bem definidos e cicatrizes discretas.

Ela engoliu seco.

— Sede. Não imaginei que alguém mais estaria acordado.

— Essa casa quase nunca dorme. Eu, muito menos.

Ele deu alguns passos para dentro, e Luna se afastou instintivamente, sem saber por quê.

— Algum problema com o trabalho? — ele perguntou, parando a poucos metros dela.

— Nenhum. Estou me adaptando.

— Rápido demais. A maioria dos novos erra nos primeiros dias.

Ela sustentou o olhar dele, mesmo sentindo o ar rarefeito entre os dois.

— Eu não posso me dar ao luxo de errar.

Bernardo a analisou com aquele olhar que parecia atravessar camadas. Como se tentasse entender o que havia por trás da calma dela. Do tom firme. Da boca que dizia pouco, mas dizia o suficiente.

— Por que está aqui, Santiago?

— Por que o senhor me contratou?

— Não. Por que aqui. Por que essa cidade, essa vida?

Ela hesitou. Por um instante, pensou em mentir. Mas havia algo na vulnerabilidade silenciosa daquela hora que a fez baixar um pouco a guarda.

— Porque eu precisava recomeçar. Longe de tudo o que me quebrava. E porque minha mãe me ensinou que dignidade a gente carrega na mala, não importa onde esteja.

Ele ficou em silêncio. Era raro alguém mencionar família perto dele. Raro ouvir algo com verdade nos olhos.

— E o que você fazia antes? — perguntou, mais baixo.

— Tentava sobreviver. Com mais coragem do que dinheiro.

Um silêncio se instalou entre os dois. Não era constrangedor. Era… denso. Intenso. Como se ambos se reconhecessem ali, naquela madrugada silenciosa e crua, onde ninguém estava fingindo.

Bernardo se aproximou mais um passo. Ela não recuou.

— Você me intriga, Santiago.

— Isso não soa como um elogio.

— Não é. Mas também não é uma crítica.

Ela sorriu de canto. E foi aí que ele notou pela primeira vez o brilho verdadeiro nos olhos dela. Não era só beleza. Era algo mais.

Algo que ele não conseguia nomear. E detestava não entender.

— Volte pro quarto. Funcionários devem descansar para render no dia seguinte.

Ela assentiu e passou por ele com calma, o ombro quase roçando no dele. Sentiu o calor da pele dele a milímetros da sua. E soube sem que precisasse olhar pra trás que ele também havia sentido.

Na porta, ela parou e virou o rosto de leve.

— Boa noite, senhor Vilela.

— Bernardo.

Ela arqueou uma sobrancelha, surpresa.

Ele a fitou, ainda parado no meio da cozinha.

— Pode me chamar de Bernardo… quando não tiver ninguém por perto.

Luna apenas sorriu.

E desapareceu pelo corredor.

Mas naquela noite, nem ela, nem ele, dormiram bem.

E pela primeira vez, o silêncio da mansão… parecia cheio demais.

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