A mansão Valemont era muito mais imponente do que Cecília havia imaginado. Muros altos cercavam toda a propriedade, e dois seguranças armados estavam posicionados no portão principal. Ela parou diante da entrada, apertando o papel com o endereço como se aquilo pudesse lhe dar coragem.
O coração batia acelerado. Era só uma entrevista de emprego, mas para ela parecia uma prova de fogo. Se conseguisse aquela vaga, poderia pagar as dívidas que consumiam a vida do seu pai. Se não conseguisse… bom, essa opção não existia para ela.
A campainha soou suave, e em poucos segundos, um dos seguranças a recebeu com um olhar sério.
– Cecília Morelli?
– Sim, sou eu. – respondeu, a voz quase engasgada de nervosismo.
Ele falou algo em um rádio preso ao ombro, e o portão se abriu lentamente.
– Pode entrar. O senhor Valemont está esperando.
Atravessar aquele caminho parecia entrar em outro mundo. Jardins perfeitamente podados, fontes iluminadas e um caminho de pedras brancas levavam até a porta da mansão. Cecília se sentiu deslocada, quase como se estivesse invadindo um espaço proibido.
A porta abriu-se antes que ela pudesse bater. Um homem alto, de terno preto impecável, a observava com olhos que pareciam analisar cada detalhe dela.
– Cecília Morelli? – perguntou ele, com a voz firme e profunda.
– S-sim, senhor. – respondeu, ajeitando o cabelo atrás da orelha.
– Entre.
Ela obedeceu, sentindo que cada passo dentro daquela casa a aproximava de um destino desconhecido. O hall principal era enorme, com mármore reluzente e um lustre de cristal que parecia ter o preço de um apartamento inteiro.
Victor Valemont caminhava à frente, com passos calculados, e a levou até um escritório elegante, onde ela se sentou diante de uma mesa de madeira escura.
Ele pegou seu currículo e passou os olhos rapidamente pelas informações.
– Você é brasileira. – afirmou, sem entonação de pergunta.
– Sim, senhor. Vim com meu pai para tratamento médico.
– Experiência com crianças?
– Dois anos em uma creche, mais alguns trabalhos como babá particular. Também sou formada em pedagogia, mas ainda não consegui validar o diploma aqui.
Ele fechou a pasta e cruzou os braços, encarando-a diretamente.
– Por que quer trabalhar cuidando da minha filha?
A pergunta soou quase como um desafio. Cecília respirou fundo.
– Porque amo crianças… e porque preciso muito desse emprego.
Um som infantil ecoou no corredor antes que ele pudesse responder.
– Papai!
A menina surgiu correndo, os cabelos loiros e cacheados balançando com cada passo. Aurora, a filha de Victor, abraçou sua perna com a naturalidade de quem confia plenamente.
O semblante frio dele suavizou, ainda que por um instante.
– Aurora, querida, cumprimente a senhorita Cecília.
Aurora olhou para a mulher com os olhos grandes e curiosos.
– Você vai brincar comigo?
Cecília se abaixou, sorrindo gentilmente.
– Vou sim, se você me deixar.
Aurora sorriu de volta e segurou a mão dela. Victor observava a cena em silêncio, com uma expressão impossível de decifrar.
– Comece amanhã. – disse, quebrando o silêncio.
Cecília piscou, surpresa.
– Já?
– Sim. Mas há uma condição. – ele a olhou com seriedade ainda maior. – Minha filha precisa de atenção em tempo integral. Por isso, você vai morar aqui na casa.
Cecília engoliu em seco. – Morar… aqui?
– Sim. – Victor ajeitou a gravata. – Terá um quarto só seu e folga aos domingos. Fora isso, quero você disponível o tempo todo para Aurora. Aceita?
O coração de Cecília acelerou ainda mais. Era mais do que um simples emprego; significava viver sob o mesmo teto de um homem que ela mal conhecia, mas cuja presença já a intimidava profundamente.
Ela respirou fundo e assentiu. – Aceito, senhor.
Aurora riu baixinho e apertou ainda mais a mão de Cecília.
– Gosto dela, papai.
Victor desviou o olhar para a filha, e depois para Cecília.
– Está contratada. Seja pontual amanhã.
Cecília queria sorrir, comemorar, mas algo naquele homem a deixava inquieta. Havia algo de perigoso nele, algo escondido sob a imagem perfeita de pai e empresário.
Ela ainda não sabia, mas aquela entrevista não era o início de um simples emprego. Era o começo de uma mudança irreversível em sua vida.
– Ele te contratou? – Brenda quase derrubou a xícara de café. – Assim, do nada?
– Assim mesmo. – Cecília jogou a bolsa no sofá e afundou na almofada. – Disse que começo amanhã.
– E... – Brenda a olhou com os olhos semicerrados. – Qual é a pegadinha?
– Eu tenho que morar lá.
Brenda arregalou os olhos. – O QUÊ?
– É... tempo integral, folga só no domingo. – Cecília suspirou, passando a mão pelo rosto. – Ele tem uma filha pequena, precisa de atenção total.
Brenda apoiou as mãos na cintura, andando de um lado para o outro. – Cecília, você sabe que isso parece aquelas histórias de sequestro chique, né?
– Para, Brenda. – ela riu nervosa. – É só um emprego.
– “Só um emprego”? Você vai morar na casa de um homem que você mal conhece. – A amiga parou de andar, cruzando os braços. – Ele é bonito pelo menos?
– Brenda! – Cecília riu, mas sentiu o rosto esquentar. – Ele é... sério. Muito sério.
Brenda deu um sorriso malicioso. – Então é bonito.
– Não vou responder isso. – ela desviou o olhar. – Mas, sim, é meio intimidador.
– E a filha dele?
– Uma fofura. – Cecília sorriu lembrando da pequena Aurora. – Me abraçou logo de cara.
Brenda se jogou no sofá ao lado dela, soltando um suspiro dramático. – Então é isso... você me abandona por uma mansão e uma criança loira.
– Vou vir nos domingos, prometo. – Cecília sorriu. – E você sabe que eu preciso disso. O emprego paga bem, Brenda, muito bem.
A amiga pegou a mão dela, apertando de leve. – Eu sei. Mas... promete que vai me ligar se qualquer coisa parecer estranha? Tipo, qualquer coisa mesmo.
– Prometo.
– Tá. – Brenda se levantou, indo para o quarto. – Então vou te ajudar a arrumar as malas. Mas ó... – ela apontou com o dedo. – Se esse cara mexer um fio de cabelo seu, eu mesma chamo a polícia.
Cecília riu. – Relaxa, Brenda. Vai dar tudo certo.
Por dentro, porém, o nervosismo ainda queimava no estômago.
Cecília fechou a mão em torno da blusa que segurava, sentindo a maciez do tecido entre os dedos. Aquilo não era apenas arrumar uma mala; era um pedaço da vida dela sendo colocado em outra prateleira.
Brenda cruzou os braços, encostada no batente da porta, observando cada movimento da amiga. – Você fala isso como se fosse férias.
– É só um emprego, Bren. – Cecília dobrou a blusa com cuidado exagerado, tentando parecer calma. – Eu preciso fazer isso.
– Você já faz o suficiente, Ceci... – a voz de Brenda saiu mais baixa, quase um sussurro. – Sua família devia se sentir sortuda por ter você.
Cecília engoliu em seco, desviando o olhar. – Não é sobre eles serem sortudos. É sobre eu não conseguir ficar parada vendo tudo desmoronar.
Brenda suspirou, vindo se sentar ao lado da mala. – Você sabe que isso pode ser perigoso, né? Morar lá... com ele.
– Eu sei. – Cecília respirou fundo, sentindo o peito apertar. – Mas se eu conseguir me manter firme, pagar as contas da minha mãe, talvez... talvez eu consiga respirar um pouco também.
Brenda segurou a mão dela com força. – Então me promete que vai cuidar de você primeiro. Se alguma coisa parecer errada, você sai.
– Prometo. – Cecília forçou um sorriso, mas os olhos marejaram contra a vontade dela.
Brenda soltou um riso nervoso e limpou discretamente a própria lágrima. – Pronto, agora eu tô chorando. Que mico.
Cecília riu baixinho, puxando a amiga para um abraço apertado. – Você é um desastre.
– E você é teimosa. – Brenda respondeu com a voz abafada contra o ombro dela. – Mas eu te amo, tá?
– Eu também te amo.
Quando se soltaram, as duas voltaram a dobrar as últimas peças em silêncio. O quarto ficou carregado de uma tensão estranha: metade despedida, metade expectativa. Cada zíper fechado parecia um ponto final em uma fase da vida de Cecília.
– Pronto... acho que é isso. – disse ela, passando a mão pelo cabelo em um gesto nervoso.
Brenda assentiu devagar, sem conseguir dizer nada. Apenas pegou a mala e colocou ao lado da porta, como se deixá-la ali fosse mais fácil do que olhar para ela por mais um minuto.
– Vou tomar um banho, tudo bem? – Cecília disse, pegando a toalha.
– Vai lá. Eu termino o almoço. – respondeu Brenda, tentando soar normal.
Cecília foi até o banheiro. A água morna escorrendo pela pele trouxe um breve alívio, como se pudesse lavar também a ansiedade que se agarrava a ela desde cedo. Mas, mesmo com os olhos fechados, a mente não parava: a mansão enorme, o olhar sério de Victor, a pequena Aurora segurando sua mão... e a estranha sensação de que aquele emprego ia mudar tudo.
Quando voltou, de cabelos úmidos e roupa confortável, o cheiro de tempero fresco já vinha da cozinha. Brenda estava de avental, mexendo uma panela.
– Senta aí, Ceci. – disse ela, tentando sorrir. – Hoje eu vou cozinhar direito, porque depois você só vai comer comida chique.
– Você não existe. – Cecília riu, sentando-se à mesa.
O almoço foi simples, mas carregado de silêncio em alguns momentos. As duas tentavam manter conversas leves, mas a cada troca de olhares parecia que uma verdade maior se impunha: aquele era o último almoço comum delas juntas por um bom tempo.
Depois, Cecília ajudou a lavar a louça, embora Brenda insistisse para que ela descansasse. Mas Cecília só balançou a cabeça. – Me deixa fazer alguma coisa. – disse, com um sorriso tímido.
A tarde passou lenta. Ela deitou no sofá, com o celular na mão, mas acabou cochilando por alguns minutos, o corpo cansado pela tensão emocional. Brenda também se jogou na poltrona, passando os canais da TV sem realmente assistir nada. O tempo parecia parado, como se o dia estivesse deliberadamente preguiçoso, esperando a hora da despedida real.
Quando o sol começou a se pôr, uma tonalidade alaranjada invadiu o apartamento. O cheiro de tempero novamente veio da cozinha; Brenda tinha decidido preparar o jantar mais cedo.
– Última refeição oficial. – disse ela, tentando brincar, mas sua voz falhou no meio da frase.
Cecília olhou para ela e sorriu, mas havia uma pontada no peito. Sabia que aquela rotina, aquela paz quase doméstica com Brenda, ia ficar para trás.
– Então... vamos comer antes que esfrie. – Brenda disse, tentando quebrar o clima.
Sentaram-se à mesa e, por um momento, parecia um dia comum. Brenda começou a falar de um vídeo engraçado que tinha visto na internet, e Cecília riu, mesmo sem achar tanta graça assim, mas querendo guardar aquele som da amiga falando qualquer coisa como quem tenta ignorar o peso no ar.
– Você ainda vai me ligar, né? – Brenda perguntou de repente, apontando o garfo para ela. – Porque se você sumir, eu invado aquela mansão ridícula, juro por Deus.
Cecília riu, balançando a cabeça. – Vou ligar, prometo.
– Bom. – Brenda suspirou, satisfeita. – Porque se eu te perder de vista, vou virar aquelas mães de filme, desesperadas, colando cartaz na rua.
– Você é exagerada demais. – Cecília respondeu, ainda rindo.
– Sou mesmo. – Brenda deu de ombros, um pequeno sorriso vencendo a tensão.
Depois do jantar, lavaram a louça juntas. O barulho da água na pia e os pratos batendo levemente parecia estranhamente acolhedor, como se cada som dissesse “ainda estamos aqui, juntas”.
Mais tarde, as duas se jogaram no sofá com uma tigela de pipoca entre elas e colocaram um filme qualquer, nem lembraram de anotar o nome. O enredo pouco importava; o objetivo era só estarem juntas, fingindo que era uma noite comum.
Brenda se acomodou com a cabeça encostada no braço do sofá, enquanto Cecília, deitada com as pernas dobradas, abraçava uma almofada. Em algum momento, os diálogos do filme foram sendo substituídos por risadas tímidas, depois por silêncio confortável.
Quando os créditos subiram, Brenda bocejou alto. – Vou pro quarto, senão amanhã ninguém me acorda pra ir trabalhar. – disse, levantando-se preguiçosamente.
– Vai lá. – Cecília sorriu, ajeitando o cabelo atrás da orelha. – Boa noite, Bren.
– Boa noite, Ceci. – respondeu Brenda, e antes de desaparecer pelo corredor, acrescentou: – Te amo, viu?
– Também te amo.
Cecília ficou ali por um instante, olhando para a tela apagada da televisão, com a sala mergulhada em um silêncio diferente. Não era mais o silêncio de rotina; era um silêncio de fim de capítulo.
Ela se levantou devagar e foi para o próprio quarto. Sentou-se na beira da cama, encarando a mala pronta no canto. Um frio percorreu sua espinha. Respirou fundo, desligou o abajur e se deitou, abraçando o travesseiro com força.
O sono veio devagar, pesado, trazendo sonhos confusos com jardins enormes e olhares intensos que ela ainda não conseguia decifrar.
O despertador tocou às cinco e meia, quebrando o silêncio do quarto com um som agudo demais para aquela hora. Cecília abriu os olhos devagar, sentindo o coração acelerar antes mesmo de sair da cama. Era o dia.
Levantou-se devagar, espreguiçando-se com um leve arrepio no corpo. Pegou a toalha e foi direto para o banho, tentando acordar de vez sob a água morna. Por alguns segundos, deixou a água cair no rosto, como se pudesse lavar a ansiedade que insistia em ficar.
Depois do banho, vestiu uma calça jeans confortável e uma blusa clara. Prendeu o cabelo num coque simples, olhando rapidamente para o próprio reflexo no espelho. “É só um emprego, Ceci. Só um emprego...” murmurou baixinho. Mas o aperto no peito não diminuía.
Na cozinha, pegou a frigideira e começou a preparar um beiju de tapioca, aquele clássico que sempre fazia quando precisava de algo rápido. Adicionou um pouco de queijo coalho, deixando o cheiro invadir o pequeno apartamento. Enquanto o café coava, ela se sentou e comeu devagar, saboreando a simplicidade do café da manhã brasileiro como se fosse um último gesto de conforto antes do desconhecido.
Quando levantou a cabeça, Brenda estava encostada na porta da cozinha, ainda com o cabelo bagunçado e usando um short de pijama.
– Você tá mesmo acordada a essa hora? – Brenda resmungou, a voz rouca de sono.
– Dia importante, né? – Cecília tentou sorrir, mas saiu meio torto. – Quer um café?
– Quero. – Brenda se aproximou, sentando à mesa. – Meu Deus, vou sentir falta desse seu beiju...
– Você também sabe fazer. – Cecília deu uma risada curta.
– Sei, mas o seu é melhor. Tem gosto de... você. – Brenda disse, apoiando o queixo na mão. – Ai, vai ser estranho tomar café sem você.
Cecília não respondeu de imediato, apenas estendeu a xícara para a amiga. O silêncio entre as duas era confortável, mas carregado de uma melancolia nova.
Quando o relógio da parede marcou sete horas, o peito de Cecília apertou. Ela se levantou, pegou a mala que já estava encostada no corredor e voltou para a sala, onde Brenda já estava de pé, olhando para ela com os olhos marejados.
– Não chora... – Cecília disse, sentindo a própria garganta arder.
– Não tô chorando. – Brenda respondeu, enxugando uma lágrima teimosa. – Só entrou um cisco.
As duas riram baixinho, e então se abraçaram com força.
– É só até domingo. – Cecília sussurrou. – No domingo eu venho, prometo.
Brenda fungou, apertando ainda mais o abraço. – E quando você vier, a gente vai na balada, ouviu? Primeira folga é festa!
– Tá prometido. – Cecília sorriu contra o ombro da amiga. – Mas você que paga a bebida.
– Pago, só pra te ver feliz. – respondeu Brenda, rindo entre as lágrimas.
Elas se soltaram devagar, os olhos vermelhos, mas com um sorriso compartilhado.
– Vai. – disse Brenda, abrindo a porta. – Antes que eu desista e te tranque aqui.
Cecília pegou a mala, deu uma última olhada no apartamento e saiu. O táxi já a esperava na frente do prédio.
Enquanto o carro se afastava, ela olhou pela janela e viu Brenda acenando com força, pequena à distância. Um nó se formou na garganta, mas ela respirou fundo, enxugou uma lágrima e encarou a rua à frente.
A cidade parecia diferente naquele dia, como se cada semáforo, cada prédio, estivesse a lembrar a ela que tudo ia mudar. E ia mesmo.
O táxi subiu uma rua ladeada por árvores e mansões enormes até parar diante do portão imponente da propriedade Valemont. O coração de Cecília deu um salto no peito quando reconheceu a fachada elegante e intimidadora.
O segurança a reconheceu imediatamente e abriu o portão sem dizer uma palavra. O carro entrou, avançando por uma longa alameda até parar diante da entrada principal.
Victor estava parado ali, como se já a esperasse. Ele vestia um terno cinza-escuro impecável, a gravata perfeitamente alinhada. Havia algo na postura dele – firme, impenetrável – que fez Cecília engolir em seco antes de sair do carro.
– Bom dia, senhor Valemont. – ela disse, a voz mais suave do que planejava.
– Senhorita Morelli. – Victor respondeu, apenas com um leve aceno de cabeça. – A Sra. Lena, nossa governanta, vai lhe mostrar a casa e explicar as regras.
Ele olhou o relógio de pulso, já girando os ombros em direção ao carro preto que o aguardava logo atrás. – Tenho uma reunião cedo. Qualquer dúvida, fale com ela.
E, sem esperar resposta, entrou no carro, que desapareceu rapidamente pelo portão lateral.
Cecília ficou parada por um instante, sentindo o peso de já estar ali sozinha, diante de uma casa que parecia grande demais para qualquer ser humano.
– Senhorita Morelli? – Uma voz feminina e firme soou atrás dela.
Virando-se, Cecília encontrou uma mulher de meia-idade, de uniforme impecável, expressão séria mas não hostil.
– Eu sou a Lena, governanta da casa. Vou mostrar seu quarto e o funcionamento da mansão.
– Obrigada. – Cecília respondeu, ajeitando a alça da bolsa no ombro.
Elas entraram, e a visão de Cecília se perdeu por um instante diante do hall principal. Mármore branco no chão, colunas de madeira escura contrastando com lustres de cristal. Um perfume leve de flores pairava no ar.
– Por aqui. – disse Lena, começando a subir uma escada ampla com corrimão trabalhado.
O quarto que a governanta abriu tinha uma cama de casal com colcha bege, cortinas longas e uma pequena escrivaninha perto da janela, que dava vista para o jardim lateral.
– Esse é o seu espaço. Tem banheiro privativo, armário embutido. Se precisar de algo, me avise. – Lena falou, prática.
– É perfeito... obrigada. – Cecília disse, ainda um pouco tímida.
– Organize suas coisas. Depois, vou mostrar a rotina da casa.
Cecília assentiu. Assim que a mulher saiu, ela fechou a porta e se permitiu respirar fundo, sentando-se na cama por um instante. A sensação era estranha: conforto e um frio no estômago ao mesmo tempo. Abriu a mala e começou a guardar as roupas, tentando manter a mente ocupada. Cada peça dobrada era como um pequeno ritual para se convencer de que estava tudo bem.
Pouco depois, Lena voltou e a conduziu pelo corredor.
– Esse é o quarto da senhorita Aurora, a filha do Sr. Valemont. – disse a governanta diante de uma porta com um delicado enfeite de borboletas cor-de-rosa. – Ela ainda está dormindo, mas logo mais você irá conhecê-la.
Continuaram andando até o final do corredor. Lena parou diante da última porta à direita.
– E esse é o quarto do Sr. Valemont. Em hipótese alguma você deve entrar aqui sem permissão expressa dele. Está claro?
– Sim, senhora. – Cecília respondeu rapidamente.
– Ótimo. – A mulher abriu um pequeno sorriso, quase imperceptível, e então desceu com Cecília até a cozinha.
O ambiente ali embaixo era amplo, mas acolhedor, com bancadas de mármore, eletrodomésticos de última geração e um cheiro suave de café recém-passado.
– Sente-se. – Lena disse, puxando uma cadeira. – O Sr. Valemont saiu cedo, mas volta para o almoço. Você e a senhorita Aurora costumam tomar café juntas, mas ela é preguiçosa pela manhã. Hoje provavelmente vai acordar mais tarde.
Cecília sorriu levemente, relaxando um pouco. – Tudo bem.
A governanta serviu uma xícara de café para ela. – Aproveite. A manhã é tranquila, só precisamos manter a casa organizada e acompanhar a pequena quando acordar.
Cecília olhou em volta, absorvendo tudo: o silêncio, a perfeição dos detalhes, e aquela sensação de estar em um lugar tão diferente de tudo que conhecia.
Ela bebeu um gole de café, e pela primeira vez desde que saíra do apartamento com Brenda, respirou com um pouco mais de calma.
Cecília tomou mais um gole do café, deixando o calor reconfortante espalhar pelo corpo. Sentiu os ombros relaxarem um pouco – era como se aquela xícara fosse o primeiro passo concreto para se acostumar com o novo mundo onde havia acabado de entrar.
– Está melhor? – perguntou Lena, com uma expressão que tentava disfarçar um certo tom maternal.
– Um pouco, sim. Obrigada. – respondeu Cecília, sorrindo de leve.
– Ótimo. Venha, vou apresentar você ao restante da equipe. É importante saber com quem vai trabalhar.
Elas atravessaram a cozinha até uma porta lateral que dava para um amplo quintal. O ar fresco da manhã trouxe um perfume suave de grama molhada. Perto do canteiro de rosas, um homem de boné e luvas de jardinagem parou ao perceber a presença das duas.
– Este é o senhor Oscar, nosso jardineiro. – disse Lena.
Ele tirou o boné em um gesto educado. – Bem-vinda, senhorita.
– Obrigada. – Cecília sorriu timidamente.
Seguindo mais à frente, entraram em uma área de serviço onde uma mulher alta, de cabelos grisalhos presos em um coque, dobrava lençóis com precisão.
– Essa é a senhora Magda, nossa copeira e responsável pela lavanderia.
– Oi. – Cecília acenou, recebendo um sorriso discreto em troca.
Voltando para a cozinha, Lena apontou para uma mulher mais jovem, de avental branco, mexendo em uma panela.
– E essa é Helena, a cozinheira. Você vai ver que ela faz um pão de queijo de cair da cadeira.
– Ah, então vou me dar bem aqui. – Cecília respondeu, rindo, e Helena sorriu de volta.
Terminada a apresentação, Lena olhou para o relógio preso ao pulso. – Acho que podemos acordar a senhorita Aurora agora.
Subiram novamente e entraram no quarto infantil. O espaço parecia saído de uma revista: paredes em um tom suave de lilás, uma cama pequena com uma colcha de bichinhos, e uma prateleira cheia de livros e brinquedos.
Aurora ainda dormia, abraçada a um coelhinho de pelúcia, o cabelo loiro cacheado espalhado pelo travesseiro. Lena fez um sinal silencioso para Cecília.
– Quer acordá-la?
Cecília hesitou por um segundo, mas se aproximou devagar. Sentou-se à beira da cama e falou baixinho:
– Bom dia, Aurora…
A menina mexeu a cabeça, abrindo os olhinhos lentamente. Quando focou em Cecília, sorriu – aquele sorriso genuíno e desarmado que só crianças sabem dar.
– É você… – disse com a voz ainda sonolenta, um tom pequeno e doce.
– Sou eu, sim. Dormiu bem?
Aurora assentiu com um bocejo e ergueu os bracinhos. Cecília a pegou com cuidado, sentindo o corpinho ainda quente de sono se apoiar em seu ombro.
– Vamos tomar um banho pra começar o dia?
A menina apenas aninhou o rosto no pescoço dela, fazendo um barulhinho quase de contentamento. Lena observava da porta, aprovando com um aceno leve.
No banheiro, Cecília foi guiada pela governanta sobre onde ficavam as toalhas, sabonetes e tudo o que Aurora usava. O banho foi rápido, mas cheio de pequenas risadas da criança, que brincava com a espuma enquanto Cecília mantinha uma mão firme na sua segurança.
Quando voltaram, Lena abriu um closet que mais parecia uma loja de roupas em miniatura: vestidos de várias cores, sapatinhos alinhados, pequenos casacos pendurados por tamanho.
– Escolha algo confortável. – disse Lena.
– Pode ser esse aqui? – Cecília apontou para um vestidinho amarelo com pequenos bordados.
– Perfeito. – respondeu a governanta.
Aurora ergueu os bracinhos, deixando Cecília vesti-la. O cheirinho suave de shampoo infantil ainda pairava no ar quando desceram juntas.
– Está com fome, Aurora? – perguntou Lena enquanto iam para a cozinha.
– Pão com… queijo. – disse a menina, devagar, como se procurasse as palavras.
Cecília riu baixinho. – Essa menina sabe o que é bom.
Na cozinha, Helena já havia colocado uma pequena mesa infantil com um pratinho, uma xícara colorida e frutas cortadas. Cecília ajudou Aurora a sentar-se e ficou perto, observando-a pegar os pedacinhos de fruta com uma concentração adorável.
A sensação de estranhamento começou a ceder. Por um instante, Cecília percebeu: aquele poderia ser um bom começo, mesmo que a mansão ainda parecesse um mundo à parte do seu.
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