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A Missão Sangrenta de uma Guerreira

Capítulo 1 — As Cinzas do Começo

O cheiro de fumaça foi a primeira coisa que ela sentiu.

Kaori acordou com o som distante de cavalos e gritos. Ainda envolta pela escuridão do seu quarto, por um instante pensou estar sonhando. Mas os gritos não cessaram. Eles cresciam. Se tornavam reais, como o calor que já começava a invadir as tábuas do chão.

— “Kaori!” — a voz da mãe veio urgente, cortando a noite como uma lâmina. — “Debaixo da casa, agora!”

A garota obedeceu sem pensar. Desceu pela pequena abertura no assoalho, onde o pai escondia ferramentas e suprimentos. Lá embaixo, o mundo ficou abafado, apertado, sufocante. Ela mal conseguia respirar — não por falta de ar, mas por medo. Medo do que estava por vir.

Por entre as frestas de madeira, Kaori viu a silhueta dos soldados chegando, tochas erguidas, espadas reluzindo. Homens com o brasão real estampado nos ombros: um lobo negro em um fundo de sangue. Os mesmos que deveriam proteger os cidadãos. Mas ali, naquela noite, eles vieram para matar.

— “Por ordem da rainha Lysandra, o clã Takara é acusado de traição. Toda a linhagem deve ser erradicada.”

Aquelas palavras seriam marcadas para sempre na memória da menina.

O pai de Kaori tentou resistir. Ela ouviu sua voz, firme, gritando algo sobre honra, sobre inocência. Mas as palavras foram cortadas por um som seco — uma espada atravessando carne.

A mãe gritou. Depois, silêncio.

Kaori mordeu os próprios dedos para não gritar também. Sentiu o gosto de sangue e lágrimas. O coração batia tão forte que parecia ecoar pelo porão inteiro. Tudo o que conhecia estava sendo queimado. Tudo o que amava... se esvaía em fumaça.

Horas depois, quando o som dos soldados desapareceu, ela emergiu das cinzas. Caminhou por entre os corpos. As casas da vila estavam reduzidas a esqueletos carbonizados. Não chorou. Seus olhos pareciam secos, mesmo com o rosto manchado de fuligem e sangue. Apenas segurou o pingente que a mãe usava no pescoço — um dragão de jade, símbolo do seu clã — e correu para a floresta.

Foi lá que desmaiou, exausta, ferida, sozinha.

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Kaori acordou dias depois em uma cabana simples, envolta em peles. Um garoto de olhos atentos e rosto endurecido cuidava de seus ferimentos.

— “Você é uma Takara, né?” — ele perguntou, sem rodeios.

— “Sou a última.” — ela respondeu, com voz rouca.

O nome dele era Ryo, filho de um ferreiro que também havia perdido tudo naquela noite. Mas ao contrário dela, ele não fugiu — ele lutava. Ele fazia parte dos Sombras do Norte, um grupo rebelde que se opunha à tirania da rainha Lysandra, e que há anos escondia sobreviventes e treinava guerreiros.

Nos anos que se seguiram, Kaori se tornou um deles.

Aprendeu a lutar, a sobreviver, a matar. Suas mãos, antes delicadas, agora seguravam a espada com naturalidade. Seu olhar, antes doce, se tornou firme, duro. A dor que a destruiu virou fogo. O fogo virou propósito.

Ela não esquecia o cheiro da fumaça.

Nem o som da lâmina atravessando o corpo do pai.

Nem o grito da mãe que nunca mais voltaria.

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Dez anos se passaram.

A jovem, agora com dezoito, ajoelhou-se diante da líder do grupo rebelde, a velha Maestra Saphira, uma mulher de olhar agudo e mente estratégica.

— “Está pronta, Kaori?” — ela perguntou.

— “Sempre estive.”

Saphira lhe entregou um mapa do castelo real e um novo nome: Aya, uma identidade falsa. Ela se infiltraria como serva nas câmaras do palácio, ganharia a confiança da corte, descobriria os pontos fracos do trono... e então, vingaria seu clã com as próprias mãos.

— “Mas cuidado,” disse Saphira. “O castelo não guarda apenas soldados. Ele guarda verdades que podem te despedaçar mais do que qualquer espada.”

Kaori não hesitou.

Naquela noite, cortou os longos cabelos diante de um espelho quebrado. Olhou para si mesma — não mais a menina assustada sob as tábuas, mas a guerreira que o fogo forjou.

Vestiu-se com roupas simples, guardou o pingente da mãe em seu pescoço e caminhou sozinha pela estrada coberta de névoa.

Ao longe, entre as montanhas, o castelo de Esharion surgia como uma fera adormecida — imponente, ameaçador. Um lugar onde destinos se cruzariam. E onde, talvez, o sangue que corre em suas veias mudaria o curso da história.

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Fim do Capítulo 1

Capítulo 2 – Sombras na Estrada

O sol mal havia surgido entre as montanhas quando Kaori desceu do esconderijo rebelde. O frio da madrugada era cortante, mas nada comparado ao gelo que ela sentia por dentro. Cada passo na trilha irregular ecoava em sua mente como um tambor de guerra. Não havia retorno. Ela não era mais uma aprendiz. Era uma arma.

As florestas do Norte ainda estavam adormecidas, mas Kaori estava alerta. Sempre estivera. Os anos com os Sombras do Norte haviam ensinado que um instante de descuido era o suficiente para morrer. Ou pior: para falhar.

Ela vestia uma túnica simples, sem qualquer insígnia do clã Takara. Seu cabelo, agora mais curto, era escondido sob um lenço escuro. Nenhuma parte de si poderia denunciar quem ela era. Ela era Aya agora — uma serva, uma camponesa órfã que buscava trabalho nas cozinhas reais. Essa era a história que contaria.

A estrada até o castelo era longa e traiçoeira. Levaria três dias a pé se evitasse as patrulhas. Ela conhecia as trilhas escondidas, os rios estreitos e os sons da floresta. O que ela não conhecia era o peso da solidão agora que havia deixado Ryo e o clã para trás.

Ryo…

Ela se lembrava de sua expressão antes de partir. Ele havia tentado esconder o medo, mas ela viu. Ele nunca disse com todas as palavras, mas estava claro nos olhos dele: não queria que ela fosse. Queria protegê-la. Mas Kaori não podia ser protegida. Não mais.

“Não me espere,” ela havia dito. “Eu só voltarei quando o sangue da realeza tiver tocado o chão.”

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Ao final do primeiro dia de viagem, Kaori se abrigou sob uma árvore morta, perto de um rio silencioso. Enquanto mastigava um pão duro e frio, ouviu algo: passos. Dois, talvez três.

Ela apagou rapidamente sua fogueira e se escondeu atrás de uma rocha coberta de musgo. O som ficou mais claro. Era uma patrulha.

— “Disseram que uma moça suspeita saiu das montanhas hoje cedo,” murmurou um dos guardas, parando para urinar perto da árvore.

— “Esses camponeses mal sabem o que é ‘suspeita’. Qualquer um de olhar sério já vira ameaça,” disse outro, rindo com desprezo.

Kaori prendeu a respiração. A espada curta presa em suas costas pesava como chumbo. Se fosse descoberta, teria que matar. Mas mortes agora chamariam atenção. E ela precisava entrar no castelo… invisível.

O terceiro guarda parecia inquieto. Olhou em direção à pedra onde ela se escondia. Seus olhos brilharam sob a luz da lua.

— “Ei, vocês ouviram isso?”

Kaori já se preparava para atacar quando um som mais forte veio do outro lado: um galho quebrando, seguido de um uivo.

— “Lobos!”

— “Maldição, vamos voltar!”

Os homens correram assustados para o sul. E Kaori ficou ali, sozinha — mas não por acaso.

Ela se virou lentamente. No alto da pedra, havia uma figura. Um velho com capa cinzenta e olhos que pareciam saber mais do que deveriam.

— “Você tem sorte que os lobos respondem melhor a mim do que a você,” disse ele com um sorriso torto.

— “Quem é você?”

— “Alguém que viu o passado se repetir muitas vezes. Mas você… você carrega uma chama diferente.”

Kaori não confiava em palavras misteriosas. Apontou a espada para ele.

— “Se me seguir, vai sangrar.”

— “Não pretendo segui-la. Só quero lhe dar um aviso: dentro dos muros do castelo, há mais prisões do que celas. E nem toda prisão tem correntes.”

Antes que ela pudesse responder, ele desapareceu como se nunca tivesse estado ali. Nenhum som, nenhum passo. Apenas o vento.

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Na manhã seguinte, Kaori prosseguiu pela trilha até alcançar a estrada principal de Esharion. Dali, o castelo já era visível à distância — enorme, reluzente, com muralhas douradas e torres altas que tocavam as nuvens. Um símbolo de poder. E de corrupção.

Ela esperou até ver uma pequena comitiva passando: carroças carregadas de mantimentos, servos e lavradores. Misturou-se a eles como se fosse apenas mais uma. A entrada da cidade estava próxima. E o castelo… logo abriria suas portas.

Mas ao cruzar os primeiros portões da capital, algo inesperado aconteceu. Entre os guardas, havia um jovem cavaleiro observando o grupo com atenção. Seus olhos eram diferentes — não tinham a frieza dos soldados comuns.

Quando o olhar dele cruzou o de Kaori, houve um instante de hesitação. Ela desviou imediatamente. Ele, no entanto, pareceu intrigado.

Arven.

O príncipe, disfarçado como guarda, patrulhava os portões para “observar o povo com os próprios olhos”. E naquele breve momento, embora nenhum soubesse ainda, o destino dos dois começava a se entrelaçar.

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Fim do Capítulo 2

Capítulo 3 – O Coração do Inimigo

O castelo de Esharion era uma fera dourada adormecida — majestoso, impenetrável, e perigosamente silencioso por dentro.

Kaori, agora vestindo um vestido modesto de tecido cinza e um avental limpo, caminhava de cabeça baixa, como lhe foi ensinado pelos rebeldes. Cada passo seu dentro dos corredores de pedra era calculado, cada gesto contido. A guerreira treinada havia se escondido por trás da criada obediente.

Seu nome agora era Aya. Uma jovem órfã da vila de Verholm, enviada pelas cozinhas do distrito leste. Essa era a identidade que usaria. Falsa, mas construída com cuidado: possuía até documentos e selos forjados com perfeição por um dos mestres do clã rebelde.

— “Você foi sorteada para os andares superiores,” disse a supervisora de criadas, uma mulher rígida chamada Marla. — “Não olhe ninguém nos olhos. Não fale a menos que seja chamada. E não se esqueça de que neste lugar, os muros ouvem.”

Kaori assentiu. Mas por dentro, seu espírito já explorava cada canto. Janelas, rotas de fuga, posições de guardas, horários da troca de turnos. O castelo era mais do que uma construção: era uma máquina — e ela estava pronta para desmontá-la, engrenagem por engrenagem.

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Nos corredores da ala norte, o mármore branco refletia a luz das tochas. Os vitrais coloridos contavam histórias do “nobre passado” da dinastia Dareth — conquistas, coroações, guerras vencidas… mentiras glorificadas. Kaori sentia um nó no estômago ao passar por cada uma delas.

Enquanto limpava o chão ao lado de outras criadas, ouviu murmúrios sobre o príncipe herdeiro.

— “Dizem que o príncipe Arven voltou das fronteiras esta manhã.”

— “Ele patrulha disfarçado entre o povo. Um verdadeiro cavaleiro.”

— “Mas nunca sorri. Dizem que guarda um segredo sombrio.”

Kaori escutava, mas não comentava. O nome dele já havia cruzado seu destino uma vez — aquele olhar rápido no portão, como se ele a enxergasse por trás do disfarce.

Mas era apenas impressão. Ela não podia se distrair.

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Na tarde do segundo dia, Kaori foi enviada às estufas reais. Uma construção envidraçada no pátio interno, onde cresciam flores exóticas, frutas raras e ervas medicinais. A maioria das criadas não gostava de ir até lá — diziam que era o lugar mais silencioso do castelo, quase... assombrado.

Kaori gostava do silêncio. Era onde podia pensar sem olhares sobre ela.

Enquanto limpava as folhas secas, ouviu passos leves se aproximando. Discretos, mas firmes. Ela continuou seu trabalho sem erguer os olhos, até ouvir a voz:

— “Você é nova.”

Ela parou. A voz era firme, jovem, e sem arrogância — mas havia nela uma estranha melancolia.

— “Sim, senhor.” — respondeu, sem olhar.

— “Qual o seu nome?”

— “Aya, senhor.”

— “Não precisa me chamar de senhor aqui.”

Ela o encarou então, rápida, mas com cautela. E confirmou sua suspeita: Arven.

Ele estava sem armadura, vestindo apenas roupas leves de treino. Os cabelos castanhos escuros estavam presos atrás da cabeça, e seus olhos, de um azul cinzento, eram mais observadores do que ela gostaria.

— “Sabe cuidar de ervas?” — perguntou ele.

— “Aprendi com minha mãe.”

— “Então pode me ajudar. Estas mudas estão morrendo e ninguém aqui parece notar.”

Ela assentiu. Ajudou a regar, podar e reorganizar as raízes. Arven trabalhava em silêncio ao seu lado, sem ordens, sem gestos superiores. Kaori observava sem parecer observar. Seus movimentos eram ágeis, e havia uma calma genuína nele.

Quando terminou, ele sorriu levemente. Um sorriso pequeno, mas real.

— “Você escuta bem, Aya. E fala pouco. Isso é raro neste castelo.”

Kaori fez uma reverência e saiu. Por fora, era a criada exemplar. Por dentro, seus pensamentos estavam inquietos.

O príncipe não era como ela imaginava.

Mas isso não mudava o fato de que ele era filho da mulher que assassinou sua família.

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Naquela noite, Kaori voltou ao quarto simples compartilhado com outras três criadas. Enquanto todas dormiam, ela se levantou em silêncio, puxou o tapete e removeu uma das pedras soltas do chão. Ali escondeu uma pequena adaga, embrulhada em pano.

Ela olhou para o teto de pedra acima de si.

Estava dentro do coração do inimigo.

Mas algo dizia que o castelo também começaria a entrar dentro dela.

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Fim do Capítulo 3

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