[Olívia]
Acordar cedo não era um problema. O problema era acordar cedo com esperança. E hoje, mais uma vez, lá estava eu, tentando convencer a mim mesma de que aquela era só mais uma entrevista. Que eu não me importava com a resposta.
Mas eu me importava. Muito.
Vesti a calça social emprestada, prendi o cabelo em um coque improvisado e beijei a testa da minha mãe adormecida no sofá. O aluguel atrasado, a luz para vencer, o remédio dela quase acabando… Eu não podia fracassar de novo.
O ônibus estava lotado, como sempre. Me equilibrei entre dois ombros desconhecidos, segurando com firmeza o currículo impresso na lan house do bairro.
Ao descer, meus olhos buscaram um refúgio. A entrevista só começaria em meia hora, mas meu estômago roncava há horas. Vi uma cafeteria elegante na esquina. Eu não podia pagar por um combo, mas… talvez um café simples.
[Leo]
Estava atrasado. Algo raro para mim. Mas aquela manhã, o motorista havia adoecido, e Luca, meu irmão, havia esquecido de avisar. Dirigir eu mesmo não era um problema. A questão era aguentar o trânsito, as buzinas, e a rotina que eu já dominava há anos, mas que, ultimamente, andava me sufocando.
Parei na cafeteria de sempre. Precisava de cafeína antes da reunião com o conselho.
Leo: Um latte com canela. Para viagem. — Sentei num canto afastado, respondi alguns e-mails, e em poucos minutos, a atendente chamou:
Atendente: Latte com canela!
Fui até o balcão, mas antes que eu alcançasse o copo, uma mão feminina o agarrou com firmeza.
Olívia: Esse é meu. — Levantei os olhos. Uma jovem. Morena, cabelo preso, olhar direto. Desgastada, mas com uma postura firme.
Leo: Perdoe-me, mas esse é o meu pedido.
Olívia: Eu pedi o mesmo. Latte com canela. Confundiram, só isso.
Leo: Confundiram, ou você se confundiu?
Olívia: Quer saber? Pode ficar com o café. Deve precisar mais que eu… para manter o ego em pé. — Pegou sua bolsa e saiu com o que restava de dignidade, deixando-me com um copo de papel e um gosto estranho na boca — e não era só o gosto da bebida errada.
[Olívia]
Idiota. Arrogante. Nariz empinado. Que homem insuportável! O tipo que nunca vai entender o que é pegar dois ônibus pra chegar numa entrevista. O tipo que acha que o mundo gira ao redor do próprio café caro.
Segui caminhando com passos firmes. A empresa era imensa, cheia de vidro espelhado, e o nome na entrada dava arrepios: Walker Motors. A entrevista era para recepcionista. Eu sabia que seria difícil. Mas era uma chance.
Na sala de espera, olhei ao redor. Mulheres elegantes, unhas impecáveis, bolsas de grife. Engoli seco. Respirei fundo.
Recepcionista: Olívia Cooper? — Levantei de imediato. Fui conduzida por um corredor longo e luxuoso até uma sala com vista para a cidade. Ao entrar, o coração parou por um segundo.
Ele estava lá.
O homem do café.
Leo (olhando para a mesa): Pode sentar, senhorita Cooper.
[Leo]
O destino é irônico. Quando a secretária disse que a próxima candidata era “Olívia Cooper”, o nome não me soou familiar. Mas quando ela entrou…
A garota do café.
Sorri internamente. Ela empalideceu, mas não vacilou. Manteve o queixo erguido.
Leo: Vejo que tem experiência em atendimento. Onde trabalhou por último?
Olívia: Em uma agência de turismo. Mas cortaram funcionários durante a pandemia. Desde então, venho fazendo freelas, mas busco algo fixo.
Leo: Entendo. E por que a Walker Motors?
Olívia: Porque quero crescer. Não estou apenas atrás de um salário. Quero aprender, mostrar que posso mais do que só atender telefonemas. — Direta. Objetiva. Nada de bajulações. Ela me surpreendia a cada resposta.
Leo: A vaga exige pontualidade, discrição e resistência à pressão. Acredita estar pronta para isso?
Olívia: Com todo respeito, senhor… se tem alguém aqui pronto pra pressão, sou eu. — Olhei para ela por mais um segundo. Havia verdade ali. Sinceridade crua. Algo em Olívia Cooper era diferente.
[Olívia]
A entrevista foi rápida. Ele era direto, quase frio. Eu queria desaparecer. Que vergonha! Ele deve ter achado que eu sou uma barraqueira qualquer. Saí com o coração na mão, certa de que nunca mais ouviria falar daquela empresa.
Mas, por algum motivo… parte de mim sentia que aquele não era o fim.
[Olívia]
Eu já estava de pijama, com o rosto afundado no travesseiro, quando o celular vibrou. Quase ignorei — nenhuma boa notícia chega depois das sete da noite. Mas era um e-mail com o título: “Walker Motors – Seleção Recepcionista”.
O coração disparou. Abri o corpo da mensagem com os dedos trêmulos.
“Prezada Olívia,
Agradecemos sua presença na entrevista e informamos que foi selecionada para a vaga de recepcionista.
Favor comparecer nesta segunda-feira às 8h, com traje formal.
Atenciosamente,
Recursos Humanos – Walker Motors.”
Pulei da cama. Literalmente. Assustei minha mãe, que estava na cozinha com uma caneca de chá.
Ellie: Meu Deus, filha! O que aconteceu?
Olívia (sorrindo): Mãe… eu consegui!
Ela deixou o chá de lado e me abraçou com força. O cheiro do sabonete de camomila e o calor do abraço dela fizeram meu peito se encher de esperança. Pela primeira vez em muito tempo, eu sentia que o vento tinha virado — mesmo que um pouco.
[Leo]
Mabel: Você contratou ela? — disse cruzando os braços com um sorrisinho cético.
Estávamos na sala de reuniões revisando a nova equipe da recepção. Mabel, minha secretária há anos, era boa no que fazia — mas não deixava escapar uma oportunidade de comentar decisões que não passavam por ela.
Leo: A senhorita Cooper demonstrou raciocínio rápido, firmeza e… personalidade. Acredito que será útil à empresa.
Mabel: Personalidade demais pode ser um problema, senhor Walker.
Leo (frio): Problemas são oportunidades, Mabel. Eu lido com eles todos os dias. — Ela mordeu o lábio e recuou um passo. Fim da discussão.
[Olívia]
Na segunda-feira, lá estava eu. Cabelos alinhados, blazer azul-marinho emprestado e saltos que faziam meus pés gritarem desde a calçada. Respirei fundo diante das portas de vidro da Walker Motors.
Recepcionista: Bom dia. Nome?
Olívia: Olívia Cooper. Fui contratada para a recepção.
Recepcionista: Ah, claro. Me acompanhe, vou te apresentar ao setor.
Fui levada a um balcão moderno, com duas estações. Recebi meu crachá, login no sistema e um breve treinamento. Tudo era muito tecnológico, silencioso e… formal. Até demais.
Por volta das dez da manhã, ouvi passos decididos no corredor. A atmosfera pareceu mudar, como se o ar ficasse mais denso.
[Leo]
Ela estava lá. Postura impecável, olhos atentos. Quando passei pelo saguão, ela se levantou discretamente.
Olívia: Bom dia, senhor Walker.
Leo (com um leve aceno): Senhorita Cooper.
Notei que ela me observava com neutralidade — nenhuma risadinha, nenhum olhar prolongado. Apenas profissionalismo. Isso era raro.
[Olívia]
Ele passou como se fosse um general entrando no campo de batalha. Frio, elegante, no controle. E eu… tive que admitir: aquele homem impunha respeito.
Durante o intervalo, fui ao refeitório. Levei meu sanduíche embrulhado num papel de pão. Sentei num canto, até ser interrompida por uma voz animada.
Luca: Você é a nova recepcionista, né?
Levantei os olhos e vi um rapaz loiro, de sorriso fácil, terno desabotoado e olhar curioso. Ele parecia o oposto do CEO gélido.
Olívia: Sou. Olívia Cooper.
Luca (sentando sem cerimônia): Luca Walker. Irmão do Leo. Não se preocupe, sou bem mais legal que ele. —Arregalei os olhos. Irmão? Ótimo. Como se já não bastasse lidar com um Walker, agora tinha dois.
Olívia (sorrindo): Então… não brigam por café, imagino.
Luca (rindo alto): Ah, então foi você! A garota do café! Eu soube que alguém roubou a bebida dele semana passada. Ele ficou reclamando o dia todo. — Eu corei.
Olívia: Não roubei. Foi mal entendido. Mas… foi engraçado.
Luca: Você já é minha favorita aqui. — E com isso, Luca se despediu com uma piscadela, me deixando entre o riso e o constrangimento.
[Leo]
Da minha sala, vi pela câmera do corredor ela conversando com Luca. Rindo.
Não me pergunte por quê, mas algo me incomodou.
Mabel (batendo na porta): Posso?
Leo: Entre.
Mabel: A recepção está recebendo ligações duplicadas. A senhorita Cooper está atendendo sem verificar o sistema. Já conversei com ela, mas…
Leo: Eu mesmo vou falar com ela.
Levantei e desci com passos calculados. Ela estava ao telefone.
Olívia (ao telefone): Walker Motors, bom dia. No momento o senhor Walker está em reunião. Posso anotar o recado? — Quando desligou, se virou e me encontrou ali, parado.
Leo: Senhorita Cooper. — Ela endireitou os ombros.
Olívia: Sim, senhor?
Leo: Evite atender ligações sem verificar duplicidade no sistema. Reduzimos tempo e evitamos conflitos dessa forma.
Olívia (calma): Entendido, senhor. Não voltará a acontecer.
Leo: Ótimo. — Virei-me para sair, mas ouvi a voz dela, firme e baixa:
Olívia: Eu aprendo rápido. Só não sou perfeita no primeiro dia.
Parei por um segundo, e pela primeira vez naquele dia, sorri — ainda que de costas.
[Olívia]
A primeira semana passou em um piscar de olhos. Entre atender telefonemas, organizar agendas e lidar com os olhares disfarçados de alguns funcionários — a maioria curiosa, outros claramente desconfiados — eu aprendi a me mover como parte da engrenagem fria e precisa da Walker Motors.
Mas nada ali era mais desafiador do que lidar com Leo Walker.
Ele falava pouco. Seus e-mails eram curtos, as ordens diretas. Não sorria. Não se atrasava. E sempre usava os mesmos tons escuros — como se preto, cinza e azul-marinho fossem as únicas cores do seu mundo.
[Leo]
Ela era eficiente.
Mais do que imaginei. Em uma semana, Olívia já entendia o funcionamento da recepção melhor do que muitos que estavam ali há meses. Mabel torcia o nariz, claro. Mas eu observava tudo, mesmo quando ela achava que não.
Na quinta-feira, precisei que alguém organizasse os documentos do evento em Paris. Mabel se recusou, dizendo estar “sobrecarregada”. Chamei Olívia.
Leo: Preciso que prepare esta pasta com os arquivos de apresentação. Inclua os relatórios do primeiro semestre. Pode fazer isso?
Olívia: Claro. Para quando?
Leo: Em três horas. — Ela apenas assentiu, pegou os papéis com calma e saiu. Sem drama. Sem reclamação.
[Olívia]
Passei as três horas imersa em gráficos, planilhas, apresentações em PowerPoint. Era um conteúdo técnico, complicado, mas depois de tantos “freelas” desvalorizados, aquele desafio me empolgava.
Quando entreguei a pasta a Leo, ele a folheou com atenção. Seu rosto não entregava nada. Até que…
Leo: Muito bem feito.
Olívia (surpresa): Obrigada, senhor.
Foi só isso. Duas palavras. Mas vindo dele, pareciam quase… um elogio.
Na sexta-feira, Luca apareceu na recepção com dois cafés.
Luca: Um é meu. O outro é pra você. Adivinha qual tem canela? — Eu ri, mesmo sem querer.
Olívia: Você não desiste, né?
Luca: Não. E você não deveria se acostumar com o silêncio dessa empresa. Tá muito séria.
Sentamos juntos em um canto, conversando baixo. Ele falava de tudo — corridas de carro, música, viagens. Era divertido, leve. Uma pausa bem-vinda.
Mas, por trás das palavras de Luca, eu sentia algo diferente. Um olhar mais atento. Um toque mais próximo. E algo me dizia que Leo não aprovaria aquele café.
[Leo]
Parei na escada e vi Luca e Olívia juntos, rindo. Algo apertou no peito. Irracional. Injustificado.
Mabel apareceu ao meu lado com um sorriso mal disfarçado.
Mabel: Parece que seu irmão se encantou pela nova recepcionista.
Leo (frio): Ele se encanta por uma nova toda semana. — Mas essa não era qualquer uma. E eu sabia disso.
No final do expediente, chamei Olívia na minha sala.
Leo: Preciso que você me acompanhe na reunião de terça-feira com os investidores. Será minha assistente no evento.
Olívia (assustada): Eu?
Leo: Você demonstrou competência. Vista-se adequadamente e esteja pronta às oito.
Ela apenas assentiu. Mas seus olhos, por um segundo, pareceram brilhar.
[Olívia]
Meu coração quase saiu pela boca. A reunião de terça seria com os maiores nomes da empresa. Eu não podia — ou melhor, não queria — falhar.
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