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Sombra Em Detroit

Capítulo 1 - Negócio Perdido

Existem coisas que se esquecem com o tempo.

E outras... que a gente escolhe apagar.

Detroit, para Eve Wong, era mais do que uma cidade podre de concreto e fumaça. Era o túmulo de quem ela foi.

O nome antigo, os documentos, os rostos da infância — tudo foi queimado numa madrugada silenciosa, quando ela tinha apenas dezesseis anos e sangue inocente nas mãos. Não por escolha. Por sobrevivência.

O pai batia. A mãe se calava. Os vizinhos fingiam não ouvir.

Até o dia em que Eve pegou a faca da cozinha, com as mãos ainda trêmulas, e nunca mais foi a mesma.

Não houve lágrimas. Só silêncio.

Ela sumiu. Virou um número, uma sombra nos sistemas.

E aos poucos, se moldou em algo que nem o próprio inferno ousaria encarar.

Durante anos, treinou com mercenários, atravessou fronteiras sem nome, aprendeu a matar rápido, sem barulho, sem culpa.

Seu nome passou a circular em sussurros entre os que contratam a morte como se pedissem um café.

Mas ninguém sabia quem ela era. Só sabiam de uma coisa:

Quando a fantasma aparecia... alguém ia desaparecer.

Durante o dia, ela usava outro rosto. Um sorriso leve, um cabelo preso, um avental com cheiro de café.

Durante a noite, era a lâmina na garganta, o gatilho puxado com precisão, a sentença final.

Eve Wong não nasceu má.

Ela foi moldada.

Desenhada para não sentir.

E, até hoje, não havia nada que a fizesse vacilar.

 

Detroit, 9h12 da manhã.

A fumaça do café fresco subia em espirais suaves sob a luz dourada que entrava pela vitrine da Brew Bliss, a cafeteria localizada numa esquina discreta da Jefferson Avenue. O cheiro de café moído se misturava com o som ambiente de talheres, passos apressados e a música jazz suave que tocava ao fundo.

Eve Wong estava atrás do balcão, de avental preto e cabelos presos em um coque frouxo. Os olhos negros escaneavam o salão com naturalidade. Ela sorria com a mesma expressão de todos os dias, gentil, mas distante. Sabia ser simpática o suficiente para passar despercebida. Invisibilidade era uma arte.

— Latte com leite de aveia para a mesa cinco — disse ela, empurrando a xícara na direção de Lívia.

— Nossa, você faz isso parecer fácil demais — comentou Lívia, loira dos olhos azuis, enquanto colocava o pedido na bandeja. — Você não cansa de ser tão... eficiente?

Eve deu um sorriso de canto.

— Só faço o que precisa ser feito. E rápido.

— Frase de serial killer, sabia? — brincou a amiga, rindo. — Você devia sair mais, viver um pouco... talvez dar uma chance a um encontro?

— Encontro? — Eve ergueu a sobrancelha. — Já saio o bastante à noite.

Antes que Lívia pudesse soltar mais um comentário provocativo, o celular de Eve vibrou discretamente no bolso do avental.

Número oculto.

O mundo ao redor pareceu desaparecer. Ela virou-se de costas, caminhando até o estoque com passos calmos. Atendeu.

— Fale.

— Alvo identificado. Alto escalão, dívida com agiotas pesados. Pagamento: cinquenta mil adiantado. O restante na finalização.

Eve ficou em silêncio por um segundo.

— Nome?

— Dominic Keller. Está escondido num galpão nos arredores da zona industrial. Hoje à noite.

— Enviar localização.

Click. A ligação terminou. Ela guardou o celular, pegou uma caixa qualquer e voltou ao balcão como se nada tivesse acontecido.

— Tudo certo? — perguntou Lívia, notando sua expressão levemente alterada.

—Só lembrei que preciso fazer umas entregas mais tarde. Nada demais.

 

22h49 – Zona industrial de Detroit

Dominic Keller respirava com dificuldade. Estava encostado na parede úmida do galpão, mãos trêmulas, revólver em punho, olhando para o portão fechado.

Ele sabia que tinha inimigos... mas não esperava que eles o encontrassem tão rápido.

Quando o portão se abriu com um estrondo, ele apontou a arma.

— Nem tenta. — disse uma voz fria.

Lian Owen entrou primeiro. O terno impecável contrastava com a sujeira do lugar. Atrás dele, Ivan e Lino se posicionavam como sombras silenciosas.

Dominic engoliu em seco.

— L-Lian... eu juro que vou pagar. Só preciso de mais tempo...

— Você teve tempo. Dois meses e três dias. — Lian retirou uma faca curta do bolso interno do paletó e a girou nos dedos com precisão. — E agora vai pagar de outra forma.

Antes que Dominic pudesse reagir, Lino o desarmou e o prendeu contra a parede.

Dominic gritava. Lino não demonstrava nenhuma pressa ao cortar o rosto dele com precisão clínica, apenas o suficiente para causar dor, não morte.

Lian observava tudo em silêncio, braços cruzados, a sombra de um cigarro recém-acendido iluminando brevemente seus olhos escuros.

— Onde está o restante do dinheiro? — perguntou, sem alterar o tom. — Ou prefere que a gente continue brincando?

Dominic soluçava, sem conseguir responder, quando o portão do galpão rangeu de leve. Todos os olhos se voltaram para a figura que entrou.

Eve Wong. Capuz abaixado, rosto à mostra, expressão entediada como se estivesse atrasada para uma reunião chata. As botas sujas de poeira batiam contra o chão com passos firmes.

Ela parou a uns quatro metros do grupo, mãos nos bolsos do casaco.

— Af... lá se foi minha grana — murmurou. — E eu que quase torci o tornozelo descendo aquele telhado.

Ivan ergueu a arma por reflexo, mas Lian levantou uma mão, ordenando silêncio. Os olhos dele se fixaram nela com interesse. Não era surpresa. Não quando você está cara a cara com uma lenda.

— Você. — disse ele. — A fantasma de Detroit. Nunca imaginei que fosse... tão pequena.

— Engraçado. Eu ia dizer o mesmo de você. Esperava alguém mais… difícil de alcançar.

Lino deu um passo à frente, já irritado, mas Lian fez um leve gesto com o dedo. Silêncio total.

Eve caminhou mais perto, ainda relaxada.

— Dominic era meu. Contrato legítimo, depósito feito. Mas pelo visto, vocês chegaram antes. Podem ao menos me dar a parte dele em carne?

Ela apontou o queixo em direção a Dominic, que agora choramingava no chão.

Lian deu um pequeno sorriso.

— Você cobra por cabeça ou por estilo?

— Depende. Se o cliente for idiota, cobro mais.

O olhar dele demorou um pouco demais no rosto dela. Avaliando. Lendo. Como se estivesse tentando desmontá-la mentalmente.

— Qual o seu nome?

— Isso não estava no pacote, chefe.

— Mas eu gosto de saber o nome das pessoas que me impressionam.

Ela cruzou os braços.

— Vai continuar jogando charme mafioso ou vai pagar o que eu perdi?

— Que tal um acordo? — Lian deu dois passos em sua direção. Ela não recuou. — Você me deve uma explicação por tentar matar um homem que me devia. E eu... talvez tenha um trabalho maior que renderia mais do que esse idiota.

— Estou ouvindo.

— Não aqui. — ele disse, colocando um cartão de metal fino no bolso do casaco dela sem nem tocar na pele. — Amanhã. À meia-noite. Se vier... conversamos.

Ela tirou o cartão e girou entre os dedos.

— E se eu não for?

— Então continuo caçando você... mas de outro jeito.

Eve sorriu. Um sorriso frio, afiado.

— Boa sorte com isso.

Ela deu meia-volta, como se não estivesse cercada por três homens armados, e desapareceu na escuridão do beco como fumaça.

Lian ficou olhando por alguns segundos o ponto por onde ela saiu.

— Essa mulher... — disse Ivan.

— Perigosa. — completou Lian, apagando o cigarro no próprio paletó como se o calor não o incomodasse. — E perfeita.

 

23h18 – Rua lateral, zona industrial

A noite seguia molhada e pesada, com as luzes dos postes falhando em iluminar as poças espalhadas pelo asfalto rachado. Eve caminhava com passos firmes até a lateral do prédio abandonado onde sua moto a esperava — uma Ninja preta, silenciosa, veloz como um raio e tão discreta quanto ela.

Parou diante da moto. Preta, fosca, silenciosa. Sua única companheira verdadeira.

Ela tirou o celular do bolso e discou.

Número salvo: J.

Chamou duas vezes. A linha atendeu, sem cerimônia:

— E aí? Tá feito?

Eve girou a chave da moto no contato. O painel acendeu.

— O seu rato foi pego por uma ratoeira maior. — disse com a voz seca. — Estou te enviando de volta a grana. Já que não fui eu que o matei, não aceito pagamento.

— O quê? Como assim...? Ei, espera aí!

Click.

Ela desligou antes que a frase terminasse. Digitou os comandos no aplicativo de transferência criptografado e, em menos de dez segundos, o valor estava devolvido.

Sem apego. Sem espaço para drama.

Guardou o celular no bolso interno do casaco, pegou o capacete pendurado no guidão e o encaixou com um estalo firme. O visor espelhado refletia a rua vazia — fria, cinza, igual ao que sentia.

Eve girou o acelerador, o motor da moto rugindo como uma fera acordando, E partiu.

O vento cortava a noite, mas ela já não sentia frio.

Dentro do bolso do casaco, o cartão queimava feito um fósforo aceso.

 

00h04 – Apartamento de Eve, centro de Detroit

A porta do apartamento se abriu com um empurrão seco. Eve entrou sem acender nenhuma luz. A cidade brilhava lá fora, e isso era mais do que suficiente para guiar seus passos.

Jogou o capacete no sofá com força. Ele quicou e caiu entre duas almofadas.

— Perdi meu pagamento de hoje... — murmurou, bufando.

Largou o casaco numa poltrona e foi direto até a cozinha minúscula, abrindo a geladeira. Pegou uma cerveja, girou a tampa com os dentes, cuspiu no lixo sem olhar, e voltou para o sofá com a garrafa na mão.

Sentou com um suspiro longo, deixando o corpo afundar nas almofadas gastas. A TV estava desligada, a única companhia era o som abafado do trânsito distante e o tic-tac do relógio de parede.

Bebeu um gole. Fez uma careta leve. Estava quente.

No bolso do casaco jogado, algo brilhava. Ela esticou o braço e pegou o cartão que Lian havia lhe dado.

Ficou olhando por alguns segundos.

Preto, metálico. O símbolo do dragão com olhos vermelhos parecia quase pulsar na luz fraca do apartamento.

— Meia-noite... — murmurou, lendo o verso.

Ela girou o cartão nos dedos, pensativa. Um convite. Um desafio. Um jogo.

Riu, abafado, e jogou o cartão sobre a mesa de centro. O cartão preto bateu com força na mesa.

— É melhor não me envolver com ele. — disse Eve em voz baixa, como se repetir aquilo fosse torná-lo menos perigoso.

Deu outro gole na cerveja, agora quase no fim. Seus olhos ainda estavam fixos no cartão, como se ele pudesse pular e arranhar sua pele. Por fim, levantou-se, tirando a camiseta ao passar pelo corredor estreito, indo direto para o banheiro.

O vapor quente logo tomou conta do espelho embaçado. Eve entrou no chuveiro, deixando a água escorrer sobre os ombros, tentando lavar o resto da tensão — ou quem sabe o pensamento insistente daquele olhar escuro que parecia tê-la atravessado.

"Ele me viu."

Pensou nisso, e odiou a ideia.

Depois de longos minutos embaixo d’água, saiu enrolada em uma toalha, pingando pelo chão frio de cimento queimado. Entrou no quarto, pegou o celular no criado-mudo e desbloqueou.

4 mensagens de James.

James [01:36]

"Rastreamento no armazém. Teve atividade antes da sua chegada. Vídeo incluído."

James [01:36]

“Você chegou depois deles. Três homens. Um é o Owen. Confirmado.”

James [01:37]

“Quer que eu puxe mais sobre ele?”

James [01:37]

“Você está se metendo com coisa grande, Eve. Muito maior do que aquele contrato.”

Ela franziu o cenho, sentando-se na beira da cama.

James era um hacker tão recluso quanto ela — os dois se conheciam há uns três anos, ele era sua ponte para o mundo digital. O cara certo pra apagar rastros, invadir câmeras, e te avisar quando alguém muito poderoso começava a se interessar por você.

Eve digitou lentamente, os dedos ainda úmidos.

Eve [01:40]

“Puxa tudo que puder sobre Lian Owen. Quero saber onde pisa, com quem anda e quem já tentou derrubá-lo.”

Eve [01:40]

“E vê se descobre por que ele me deixou sair viva.”

James está digitando...

Eve jogou o celular na cama e passou a toalha pelo rosto. Olhou para o espelho de canto, o reflexo distorcido da própria expressão.

O celular vibrou outra vez na escrivaninha, interrompendo o breve silêncio do quarto.

Eve virou o rosto, ainda deitada, e esticou o braço para pegar o aparelho.

James [01:55]

“Eve… Lian é um dos maiores mafiosos de Detroit. Se encontrar com ele foi MUITO azar.”

Ela ficou olhando para a tela por alguns segundos. A luz azul refletida nos olhos negros não denunciava emoção. Mas por dentro, o alerta disparava. Eve não era do tipo que se assustava fácil — mas respeitava as sombras mais escuras do submundo.

— Hm… mais um motivo pra não me envolver. — murmurou com um meio sorriso irônico, jogando o celular de volta na escrivaninha.

Deitou-se de lado, puxando o lençol cinza até o ombro. O teto escuro parecia girar devagar enquanto os pensamentos insistiam em martelar. Aqueles olhos. A forma como ele a olhou. A frieza… e a curiosidade perigosa.

Ela odiava curiosidade.

Fechou os olhos e suspirou fundo.

Pelo menos por aquela noite, escolheria o silêncio.

Logo, o sono a venceu — pesado, sem sonhos, do jeito que Eve gostava.

Enquanto isso, do outro lado da cidade, o nome dela já havia sido sussurrado mais de uma vez.

E Lian Owen não esquecia um rosto tão fácil assim.

 

Detroit, 02:30.

A fumaça do cigarro dançava preguiçosa no ar, recortada pela luz amarelada do abajur no canto do escritório. Lian Owen estava sentado à frente da grande janela envidraçada, observando a cidade silenciosa lá fora.

O céu carregava nuvens pesadas, como se Detroit estivesse sempre à beira de uma tempestade.

Entre um trago e outro, os olhos dele se perderam no reflexo do vidro, e então… lá estava ela outra vez — a sombra de movimentos certeiros, a voz calma, o olhar afiado. A mulher que apareceu como um borrão… e ficou como uma tatuagem.

— E não é que ela é incrivelmente atraente? — murmurou com um meio sorriso, jogando a fumaça para o lado.

A porta do escritório se abriu sem pressa. Ivan entrou, com as mãos nos bolsos e o andar sempre calmo, mas preciso.

— Ainda pensando na assassina? — perguntou, com aquele tom meio irônico, meio curioso.

Lian nem se virou. Apenas ergueu o cigarro e assentiu com a cabeça.

— Sim… digamos que ela me cativou. — respondeu, sorrindo como quem já previu um jogo longo.

Ivan se sentou em um dos sofás de couro do escritório, cruzando as pernas.

— Você acha que ela vai vir? — perguntou, erguendo uma sobrancelha.

Lian soltou mais uma nuvem de fumaça antes de apagar o cigarro no cinzeiro de vidro.

Virou o rosto lentamente para Ivan, os olhos verdes refletindo uma faísca de interesse sincero.

— Não tenho certeza… — respondeu, com a voz baixa, carregada de algo entre fascínio e desafio.

— Mas se vier... — ele inclinou a cabeça, com aquele sorriso lento e perigoso — …eu estarei esperando.

E então o silêncio tomou o lugar de novo. A cidade dormia, mas ali dentro, os predadores estavam acordados.

 

Detroit – 9:30 da manhã

O cheiro de café fresco e pão amanteigado pairava no ar, misturando-se com o som baixo de jazz que tocava na velha vitrola perto do balcão. A luz do sol entrava tímida pelas janelas embaçadas pela umidade da manhã, refletindo nos azulejos brancos da pequena cafeteria da esquina.

Eve estava atrás do balcão, concentrada enquanto preparava dois cappuccinos com leite vaporizado. Seu cabelo estava preso em um coque alto, alguns fios soltos caíam em volta do rosto. A expressão era serena, quase entediada. Aquela era sua vida de fachada… rotineira, controlada. Invisível.

Lívia, com seu avental florido e um sorriso encantador, passava pelas mesas servindo os clientes — a maioria rostos habituais.

— Dois expressos duplos na mesa quatro, Evie! — avisou ela, pegando uma caneca limpa.

— Já estou terminando. — respondeu Eve, sem levantar os olhos.

Assim que colocou as xícaras na bandeja, o celular vibrou no bolso da calça jeans. Eve tirou a luva de vapor e olhou a tela com os olhos já frios.

Número desconhecido.

O coração não acelerou — nunca acelerava. Ela atendeu.

— Fale. — disse em voz baixa, afastando-se discretamente para perto da máquina de lavar louças, onde o barulho abafava tudo.

A voz do outro lado era distorcida, digitalizada. Profissional.

— Serviço novo. Alvo fácil. Apartamento na zona sul. Valor: 20 mil adiantados. Precisa ser feito ainda hoje. Ele vai fugir da cidade à meia-noite. Está interessada?

Eve passou o pano na bancada enquanto ouvia, olhos semicerrados.

— Nome, endereço e motivo? — perguntou fria.

— Louis Brandon. Comerciante. Foi dedo-duro pra polícia. Está escondido em um apartamento registrado no nome do primo. Quarto andar, sem seguranças, entrada pelos fundos é mais fácil.

Ela girou a colher de aço no copo de vidro.

— Mande os dados pro número do James. Eu avalio.

— Só se o pagamento cair primeiro.

— Vai cair em 10 minutos. — disse a voz. E desligou.

Eve colocou o celular no bolso com calma e voltou ao balcão.

— Algum problema? — perguntou Lívia, notando o jeito sério dela.

Eve apenas respondeu com um leve sorriso, quase imperceptível.

— Só mais um café… só que um pouco mais amargo.

Ela se virou e continuou seu trabalho — mas por dentro, a caçadora já estava acordada de novo.

Capítulo 2 - Então você tem nome.

Detroit – 17:50

O céu começava a escurecer, tingido de tons azulados e laranja queimado. As ruas da zona sul estavam mais silenciosas do que o habitual, como se até os becos soubessem que algo perigoso caminhava por ali.

Eve estacionou sua moto preta, discreta, em uma viela lateral próxima ao endereço. Estava vestida com calça jeans escura, jaqueta de couro, botas de sola macia e luvas finas. Os cabelos estavam presos em um rabo de cavalo apertado. Nenhuma peça de roupa denunciava sua identidade — como sempre.

Ela tirou do bolso um pequeno dispositivo com visor digital. Verificou o layout do prédio: quatro andares, sem elevador, entrada pelos fundos com uma escada de emergência. A câmera de segurança estava desligada — cortesia de James, que enviara a confirmação poucos minutos antes.

Com passos leves, ela subiu os degraus da escada de emergência até o quarto andar. A janela estava ligeiramente entreaberta. Eve puxou uma pequena lâmina de sua bota, deslizou-a entre o vão e destravou o fecho com agilidade.

Silêncio.

Ela entrou no apartamento escuro como uma sombra. Ouviu o som baixo da TV em outro cômodo. O alvo ainda estava acordado.

Pela fresta da porta, viu o homem — Louis Brandon — deitado no sofá, comendo algo em uma tigela. Despreocupado. Inocente demais para quem estava jurado de morte.

Eve sacou a faca, aproximando-se sem um ruído sequer. Estava a poucos passos quando o celular dele tocou — e ela congelou ao ouvir o nome na tela iluminada.

“Lian Owen – número pessoal.”

Eve arqueou uma sobrancelha. O nome ecoou em sua mente como uma explosão silenciosa.

— Tsc... — ela murmurou, recuando um passo.

Louis atendeu sonolento:

— Alo? Senh-

Ele não terminou a frase.

Num movimento rápido e certeiro, Eve surgiu da escuridão e passou a lâmina de uma adaga curva pela garganta do homem. O som da carne rasgando foi seguido por um gargarejo sufocado. O sangue espirrou na Tv enquanto o corpo caía, convulsionando.

O celular escorregou da mão dele, ainda com a ligação ativa.

Eve o pegou, limpando o sangue da tela com a manga da jaqueta. Levou até o ouvido, ouvindo uma respiração calma e controlada do outro lado.

— E aí, quanto tempo, mafioso.

Houve uma pequena pausa.

— Ah… a senhorita sombra. — Lian respondeu, com um tom debochado e divertido. — Vejo que continua afiada.

Eve sorriu, olhando o corpo no chão.

— Foi mal… não tava afim de perder outro pagamento.

Lian deu uma risada abafada do outro lado da linha.

— Entendo. Trabalho é trabalho. E o nosso encontro de hoje… ainda está de pé?

Eve gargalhou, um riso soprado e sarcástico.

— Pode sonhar, Owen. — E desligou, sem dar chance para resposta.

Com frieza, limpou a lâmina na camiseta do próprio morto e guardou-a de volta na bota.

Antes de sair do apartamento, sacou seu próprio celular. Discou o número do contratante.

— Está feito. Faça o restante do pagamento. — disse, e saiu porta afora como se nada tivesse acontecido.

Do outro lado da cidade, Lian Owen ainda segurava o telefone, sorrindo no escuro.

— Ela é mesmo diferente de tudo que já vi.

---

O motor da moto roncava sob Eve enquanto ela cruzava as ruas molhadas de Detroit. A noite já caía de novo, e as luzes da cidade piscavam sobre seu capacete preto como olhos vigilantes.

Ao chegar em casa, ela estacionou na garagem apertada do pequeno prédio, subiu os dois andares até seu apartamento e entrou.

Jogou as chaves no balcão da cozinha como quem descarrega um peso.

Sem tirar a jaqueta de couro, foi direto até o sofá, pegou o celular e abriu o aplicativo do banco.

Quando viu os 20 mil dólares caídos na conta, um sorriso de vitória se formou em seus lábios.

— Agora sim…

Ela buscou o contato de James e fez a ligação.

— E aí, cabeção. Vamo sair pra beber? Eu pago.

Do outro lado da linha, James gritou:

— OPA! VAMO NESSA!

— Você sabe que não precisa me chamar duas vezes, né?

— Onde? Quando? Agora? Eu tô com a calça, a carteira e a sede prontas!

Eve riu e disse:

— Te mando a localização. Vinte minutos.

— Fechado. Hoje é por tua conta, então eu vou pedir as caras.

— Você sempre pede as caras, James. — ela respondeu, já indo para o quarto se trocar — Mas tudo bem. Hoje eu deixo.

Ela desligou, trocou de roupa para algo mais casual — ainda com a jaqueta, claro — e se olhou no espelho.

Ainda era a Sombra de Detroit. Mas por uma noite…

ela queria apenas ser Eve.

---

Lian ainda sorria, o cigarro aceso entre os dedos, enquanto o telefone descansava sobre a mesa. A voz dela — firme, debochada e deliciosa — ainda ecoava em sua mente.

“Pode sonhar...”, ela dissera.

E ele faria exatamente isso.

Três batidas na porta o tiraram de seus devaneios. Sem desviar os olhos da janela, ele disse calmamente:

— Entre.

A porta se abriu e Ryan entrou, sempre preciso, sempre pontual. Era o homem encarregado de buscar informações confidenciais, localizar alvos e apagar rastros. Alto, magro, discreto, usava óculos de aro fino e carregava uma prancheta.

— Senhor... — disse ele, parando diante da mesa de Lian — Consegui encontrar algo sobre a mulher que procurava. A... sombra.

Lian se virou com um sorriso satisfeito, apagando o cigarro no cinzeiro de cristal.

— Me diga o que achou sobre a gatinha arrisca.

Ryan pigarreou antes de continuar, com o tom sempre profissional:

Ryan abriu a pasta, tirando alguns papéis com fotos e anotações.

— Nome: Eve Wong. Vinte e sete anos. Mora sozinha em um pequeno apartamento na região norte da cidade, perto da linha do trem.

Trabalha em meio período numa cafeteria no centro chamada Brew & Soul, sob o nome registrado no sistema.

Lian arqueou uma sobrancelha, interessado.

— Eve Wong... bonito nome. Continue.

— Ela é extremamente cuidadosa. Quase nenhum rastro. Mas consegui confirmar que a única pessoa que mantém contato frequente com ela é James Carter, 25 anos, hacker conhecido nos círculos ilegais por trabalhos limpos e discretos.

É ele quem, ao que tudo indica, apaga qualquer vestígio que ela possa deixar nas cenas dos assassinatos.

As câmeras somem, os registros digitais desaparecem, e até mesmo laudos médicos são alterados quando necessário.

Ryan suspirou, como se relatar aquilo fosse um misto de orgulho e frustração profissional.

— Tentei puxar o passado dela… escola, histórico médico, parentes... Mas é como se alguém tivesse apagado tudo.

Nem mesmo o sistema da prefeitura tem registros anteriores aos últimos três anos.

É como se Eve Wong tivesse surgido do nada.

Lian ficou em silêncio por alguns segundos, absorvendo cada palavra. Então se levantou, caminhando até a janela. O céu de Detroit estava cinzento, pesado.

— Um nome... um endereço... e um fantasma no passado. — Ele sorriu de lado. — Isso só me deixa mais curioso.

— Uma mulher que sabe matar e desaparecer. Que ri na minha cara ao telefone.

— Ela não é só uma sombra, Ryan. Ela é um blecaute completo.

Ryan apenas assentiu.

Lian então voltou à mesa, pegou a foto de Eve na cafeteria e passou os dedos sobre ela, como se pudesse sentir sua energia através do papel.

— Continue observando. Mas sem se aproximar. Ainda não.

Quero saber mais sobre esse James também. Verifique os acessos, redes, conexões dele.

E… — ele sorriu, quase em tom íntimo — descubra se a senhorita Wong tem algum ponto fraco.

Ryan guardou a pasta.

— Sim, senhor.

Lian ainda segurava a foto de Eve entre os dedos, os olhos fixos no retrato dela atrás do balcão da cafeteria. O sorriso dela era sutil, discreto, quase como se soubesse que estava sendo observada mesmo ali.

Ele murmurou, como se falasse apenas para si:

— Eve Wong... — repetiu lentamente. — Um nome tão bonito quanto a dona dele.

Deu um leve sorriso torto, inclinando a cabeça, ainda hipnotizado pela imagem.

— Estou mais ainda curioso sobre você, Eve...

Quem é você, afinal? De onde veio essa sombra que dança entre as luzes de Detroit?

— Uma assassina que desaparece sem rastros. Uma mulher que me encara sem medo... — ele deu uma risada baixa. — Isso não acontece todo dia.

Lian se recostou na cadeira, ainda segurando a foto como se fosse uma peça rara, algo precioso. O interesse dele estava cada vez mais longe de ser apenas profissional. Havia algo nela — algo que ele precisava entender. Ou talvez, no fundo, ele só queria ver até onde aquela mulher podia ir... e se um dia ela chegaria até ele por vontade própria.

Ele olhou pela janela novamente, os prédios refletindo a luz opaca da manhã.

— Vamos ver até onde você consegue correr, sombra.

---

Detroit – 20:15

Eve parou sua moto em frente ao pequeno prédio onde James morava. Nem precisou buzinar — ele já estava na porta, descendo os degraus aos pulos, como uma criança empolgada indo para a loja de brinquedos.

— Aí vem ele... — murmurou Eve, rolando os olhos por baixo do capacete, contendo um sorriso.

Quando ele se aproximou, ela tirou um segundo capacete da garupa e o jogou na direção dele.

— Suba logo, cabeção.

James pegou o capacete no ar com um movimento desengonçado, mas certeiro.

— Vamos, vamos! Hoje é histórico: a Eve tá pagando!

Ele subiu na moto com um salto animado, colocando as mãos na cintura dela para se segurar.

— Cuidado com essa mão, James. — disse Eve num tom seco, mas com um meio sorriso no canto da boca.

— Qual é, você quer que eu caia e quebre os dentes? — rebateu ele, rindo. — Aí você que vai pagar meu plano dentário.

Eve soltou uma risada, deu partida na moto e os dois partiram em meio às luzes da cidade.

O vento cortava os sons da noite enquanto a moto avançava pelas ruas de Detroit. Por um momento, parecia que Eve podia esquecer o sangue, as sombras... e apenas aproveitar a companhia daquele maluco que sempre a fazia rir, mesmo nos piores dias.

---

Assim que estacionaram a moto, James saltou da garupa como se estivesse prestes a entrar num parque de diversões.

— Esse é o melhor bar da cidade, Eve. Confia! — disse com os olhos brilhando, abrindo os braços em direção à fachada iluminada em neon vermelho.

Eve arqueou uma sobrancelha por baixo do capacete, tirando-o com calma.

— Hm... espero mesmo, senhor entendedor de bebidas baratas.

Ambos entraram. O ambiente era envolto em luzes quentes, com uma mistura de rock suave e blues preenchendo o ar. O som das conversas e dos copos se chocando criava uma atmosfera viva, mas ainda íntima.

Eve olhou em volta, instintivamente mapeando saídas, ângulos e rostos. Um velho hábito que nunca desaparecia.

Foram direto ao balcão.

— Uma tequila, por favor. — disse Eve com voz firme.

O barman assentiu com um aceno.

— E pra mim, uma cerveja gelada. — completou James, apoiando-se no balcão com um sorrisinho bobo.

Ele então se virou para Eve com aquele olhar curioso de sempre.

— E aí... como foi seu encontro com o maior mafioso de Detroit?

Eve pegou o copo assim que a tequila chegou, deu um gole generoso, seco. O álcool queimou como uma lembrança.

Ela se virou calmamente para James, seus olhos carregando o tédio de quem já viu demais.

— Hm... normal. Só era mais um no ramo. Nada diferente. — disse com indiferença, como se estivesse falando de um cliente de cafeteria que reclamou do açúcar.

James soltou um assobio baixo, impressionado com a frieza.

— Você é de outro planeta, mulher. — disse, tomando um gole da cerveja. — Mas tá mentindo mal, hein.

Eve apenas sorriu de lado, voltando a olhar o bar, atenta... como se algo ainda estivesse por vir.

A noite seguia animada. Copos iam e vinham, risadas se misturavam ao som pulsante da música. Eve mantinha a postura firme, mesmo após várias doses — uma veterana nas bebidas. James, por outro lado, já estava praticamente desmaiando no balcão, com a cabeça pendendo para o lado e a língua solta.

— Você é... oficialmente... uma máquina, Eve... — murmurou ele antes de apoiar o rosto no braço como um adolescente derrotado.

Eve soltou uma risada rouca, girando seu copo entre os dedos, quando um homem se aproximou. Era alto, bem vestido, com um charme espontâneo e um sorriso de quem sabia o que queria.

— Está sozinha, princesa?

Eve se virou devagar, medindo o homem com um olhar afiado de cima a baixo. Ele não era de se jogar fora. Corpo atlético, barba por fazer, olhos escuros e confiantes.

"Por que não? — pensou. Ela deu um sorriso de canto."

— Hm... estou sim. Quer me levar pra algum lugar melhor?

O homem sorriu de volta, um pouco surpreso com a resposta direta.

— Acho que posso te surpreender.

Antes que os dois saíssem, James ergueu a cabeça com esforço.

— Eve... você é minha carona...

Ela se virou com naturalidade, pegou uma nota dobrada no bolso e jogou sobre o balcão.

— Táxi, James.

Ele franziu a testa, indignado.

— Eu ia dizer pra você tomar cuidado... — suspirou. — Mas você é uma mulher que não precisa disso.

Eve piscou para ele, divertida, pegou sua jaqueta de couro e se levantou.

— Boa noite, cabeção.

James balançou a cabeça, rindo sozinho.

— Se ele souber quem você é... vai precisar de um milagre.

Do lado de fora, Eve sumiu na noite com o estranho, botas estalando contra o asfalto molhado. Mas mesmo em meio ao desejo impulsivo, seus olhos ainda analisavam os reflexos nos carros e os vultos nas esquinas. Ela nunca estava realmente distraída.

---

Apartamento desconhecido – 03:47

A porta bateu atrás dos dois com um estrondo abafado.

Corpos colidiam pelas paredes do corredor estreito. As mãos dele percorriam o corpo de Eve como se estivesse explorando um território desconhecido — e ela o deixava acreditar nisso. Seus beijos eram vorazes, selvagens, como se o tempo tivesse urgência.

— Nossa... você é gata demais... — murmurou ele entre um beijo e outro, ofegante, sem esconder o fascínio.

Eve sorriu contra os lábios dele, prendendo os dedos na gola de sua camiseta antes de puxá-lo com força.

— É, eu sei... agora só continua.

Ele riu, excitado e um pouco atordoado com a ousadia. Foram se arrastando pelo apartamento, batendo contra móveis, derrubando uma luminária, até que finalmente chegaram ao quarto. A porta se fechou com um chute apressado e as roupas começaram a desaparecer, uma peça após a outra, como parte de um jogo silencioso de domínio e desejo.

Ele sorriu, um sorriso que prometia mais do que palavras, e seus lábios úmidos continuaram o caminho traçado pelo seu olhar, descendo pelo abdômen tenso de Eve. Cada beijo era uma brasa, acendendo um fogo que já crepitava forte entre eles. A respiração dela se tornou um sussurro ofegante, as mãos dela se enroscaram em seus cabelos, puxando-o para mais perto, para mais fundo naquela exploração que incendiava cada fibra do seu corpo.

Quando os lábios dele finalmente alcançaram a região íntima de Eve, um arrepio percorreu-a da cabeça aos pés. Era uma sensação de rendição, de entrega total a um desejo que parecia ter existido desde sempre, esperando apenas o toque dele para explodir. Ele usou a língua com uma perícia que a fez arquear as costas, um gemido rouco escapando de sua garganta.

Os movimentos eram lentos e provocantes no início, explorando cada curva, cada fenda, até que a urgência tomou conta. A respiração de ambos se misturava no quarto, pesada e inebriante.

Ele a possuía com a boca, com a língua, com o calor que irradiava dele, e Eve não conseguia mais conter os sons que borbulhavam em seu peito. Seus dedos se apertavam nos lençóis, suas pernas se moviam, buscando mais, implorando por mais. Ele volta subindo os beijos para cintura de eve então seus olhos param em uma cicatriz diferente das outras.

— O que foi isso? — perguntou, erguendo os olhos para ela. — Parece uma bala...

Eve inspirou devagar, apoiando-se nos cotovelos, encarando-o com um olhar que dizia mais do que qualquer resposta. Seu rosto, por um instante, perdeu o sorriso provocador e assumiu uma sombra de dureza.

— Você não precisa saber. — A voz dela saiu firme, seca, quase um sussurro cortante. Então voltou a sorrir com um toque debochado. — Apenas continue o que estava fazendo.

Ele hesitou por um segundo, mas o tom dela não deixava espaço para perguntas. Sorriu, talvez mais intrigado do que assustado, e retomou o ritmo com ainda mais intensidade — como se quisesse fazê-la esquecer de tudo, inclusive daquela cicatriz.

Mas Eve não esquecia.

Nunca esquecia.

Cada marca em seu corpo era um lembrete.

De onde veio.

E de por que jamais poderia se deixar envolver.

Não com ele.

Não com ninguém.

---

A respiração dele ainda estava pesada quando se inclinou sobre ela. Com um movimento rápido, alcançou a gaveta da escrivaninha ao lado da cama, tirando uma camisinha. Os olhos de Eve o seguiram, atentos a cada gesto, a expectativa crescendo no ar. Ele desenrolou-a com uma destreza familiar e a colocou em seu membro, o olhar fixo no dela, como uma promessa silenciosa do que viria.

Então, sem aviso, ele a penetrou. Foi um impacto repentino, mas que Eve recebeu com um gemido abafado. As estocadas eram rápidas e fortes, um ritmo que a impulsionava contra a cama, roubando-lhe o fôlego. As mãos dele se agarraram às suas coxas, puxando-a para mais perto, a urgência de seus corpos se chocando no quarto.

De repente, Eve o parou. Com uma força surpreendente, ela o inverteu, jogando-o na cama. Subiu sobre ele, assumindo o controle, pronta para cavalgar no mesmo ritmo intenso que ele havia iniciado. Seus quadris começaram a se mover, e os gemidos dela se misturaram aos dele. Ele segurava a cintura dela com firmeza, os polegares massageando a pele macia enquanto ela ditava a cadência.

O corpo de Eve estava iluminado apenas pela luz prateada do luar que entrava pela janela, transformando a cena em um espetáculo de sombras e movimentos. Os gemidos dela, profundos e prazerosos, ecoavam pelo ambiente, preenchendo o quarto com a melodia da paixão. A cada subida e descida, a conexão entre eles se aprofundava, levando-os mais e mais perto do limite.

Ele a empurrava para cima, e ela descia com uma ferocidade deliciosamente controlada, os músculos tensos, o suor brilhando na pele.

A tensão se tornou quase insuportável, um prazer excruciante que os consumia. E então, em um grito abafado e um espasmo final que os percorreu, ambos chegaram ao ápice juntos.

Eve desabou ao lado dele, ofegante, o coração batendo descompassado no peito. O silêncio que se seguiu foi preenchido apenas pelo som de suas respirações pesadas, os corpos entrelaçados na exaustão e na satisfação.

— Uau... você é incrível, — disse ele, ainda ofegante, deitando-se de costas na cama, admirando-a como se fosse uma obra rara.

Eve, porém, não respondeu.

Sem pressa, se levantou, nua, caminhou até onde sua jaqueta estava jogada no chão. Pegou o maço de cigarros no bolso interno, acendeu um com a mesma naturalidade com que eliminava alvos, e voltou a se sentar na beira da cama. Suas costas nuas contrastavam com a fumaça que subia preguiçosa pelo quarto mal iluminado.

Ela cruzou as pernas, tragou fundo e soltou o fumo lentamente, os olhos fixos no vazio — fria, distante, no controle.

Ele se levantou, ajeitando o lençol na cintura, e seguiu em direção ao banheiro.

Eve apenas o observou, sem dizer uma palavra.

Naquele momento, para ela, ele já não existia mais. Era só mais um corpo. Mais uma noite.

Nada além de distração.

Ele voltou do banheiro, deitando-se ao lado de Eve com um sorriso satisfeito no rosto.

— Valeu por isso, — disse ela, fria, soltando o último suspiro de fumaça e apagando o cigarro no cinzeiro improvisado sobre a cômoda.

Ele apenas sorriu, tentando puxar conversa, mas Eve já se virava de costas, fechando os olhos.

Ela não queria papo. Nunca quis.

Era sempre assim.

Antes mesmo de o sol nascer completamente, Eve se levantou devagar, silenciosa como um felino. Se vestiu em poucos minutos, pegando sua jaqueta, as botas, as chaves da moto — e saiu do apartamento sem olhar para trás.

O homem ainda dormia, inconsciente de que aquela mulher que dividiu a cama com ele era mais perigosa que qualquer pesadelo de Detroit.

Ao se aproximar da moto, o celular vibrou.

James: “Eu cheguei vivo, só pra você saber, sua desalmada.”

Eve riu sozinha, sacudindo a cabeça, digitando com uma mão enquanto montava na moto:

Eve: “Tava na minha lista te deixar vivo hoje. Considere-se sortudo.”

Ela então deu partida.

O motor da moto rugiu na madrugada ainda fria, ecoando pelas ruas de Detroit.

Capítulo 3 - Acordo.

Eve chegou em casa ainda com o cheiro da madrugada na pele. Largou as chaves no balcão, tirou as botas e foi direto para o banheiro. A água quente escorria pelos ombros, levando embora o cheiro de cigarro, suor e luxúria da noite passada.

Ao sair, enrolada numa toalha, passou pelo espelho e notou uma marca avermelhada na clavícula.

— Desgraçado... — murmurou, rolando os olhos, e seguiu para o quarto.

Abriu a gaveta para pegar uma camiseta quando ouviu um som abafado na sala.

Passos.

Movimento.

Seu corpo reagiu como sempre: instinto.

Sem pensar duas vezes, puxou a pistola oculta no fundo da gaveta, destravou e seguiu em silêncio. Cada passo medido, respiração contida, até que virou o corredor com a arma apontada para o invasor.

E então... lá estava ele.

Lian.

De pé no meio da sala, impecável em seu terno escuro e sobretudo preto, como se tivesse saído de um desfile. As mãos nos bolsos, o sorriso presunçoso nos lábios.

— Então é aqui que a famosa Sombra mora... Meio pequeno, não acha? — provocou com olhar afiado, observando os detalhes do ambiente.

Eve, ainda com a arma apontada para ele, soltou um riso seco.

— Que isso... Agora você além de mafioso tem hobby de invasor de casa também?

Lian deu um passo à frente, como quem inspeciona uma peça rara.

— Digamos que minha curiosidade venceu minha educação. — os olhos dele deslizaram pelas paredes até pousarem de novo nela. — E também... você me deixou no vácuo. Não achei justo.

— Ah, que pena. Manda flores na próxima vez, talvez eu atenda a porta. — disse ela, sarcástica, ainda sem abaixar a arma.

— Você sempre recebe visitas assim? Só de toalha e com uma pistola na mão?

— Você sempre invade a casa de mulheres perigosas? — retrucou com um arqueamento de sobrancelha.

O clima era como um fio esticado ao máximo — tenso, elétrico e... curioso.

Lian não parecia intimidado.

Eve não parecia surpresa.

Apenas dois predadores se estudando.

— Então, Eve Wong... O que vai ser? Vai me matar aqui mesmo? Ou vai me oferecer um café?

Eve mantinha a arma firme, o dedo no gatilho, o olhar afiado cravado em Lian.

— Tô decidindo se meto uma bala na sua perna ou na sua cabeça. — disse com frieza, sem desviar os olhos.

Lian apenas sorriu, aquele sorriso irritantemente calmo e cheio de malícia. Seus olhos percorreram o corpo dela, ainda coberto apenas pela toalha branca.

— Ah... acho que sem essa toalha seria uma visão bem mais interessante.

Eve soltou uma risada curta, irônica.

— Quer logo dizer o que faz aqui? Ou vai continuar com essas cantadas baratas? Por que invadiu minha casa, Lian?

Ele ergueu uma sobrancelha, tirando lentamente uma das mãos do bolso e mostrando que estava desarmado.

— Relaxa, sombra. Se eu quisesse te matar, não teria entrado pela porta da frente. — deu de ombros e continuou, se aproximando devagar, ainda mantendo uma distância segura. — Eu vim conversar. Só isso.

— Invadir minha casa é o seu jeito de pedir um café?

— Com você, Eve, o tradicional não funciona.

Eve suspirou, sem baixar a arma.

— Última chance: ou fala o que quer, ou vai sair daqui mancando.

Lian a encarou sério por um segundo, então o sorriso voltou aos poucos.

— Eu quero entender você. Saber por que uma assassina tão eficiente trabalha sozinha, sem passado, sem registros, com um hacker limpando seus rastros como um fantasma. Por que você existe, Eve Wong?

O nome dela dito por ele soou quase íntimo, como se ele tivesse saboreado as sílabas.

Eve apertou mais o punho da arma, mas não atirou.

— Você entrou na minha casa só pra dizer isso?

— Não. Eu vim pra fazer uma proposta. — Lian deu mais um passo, ousado, o olhar preso ao dela. — Trabalhe pra mim.

Silêncio.

A tensão era palpável.

Eve ainda estava de toalha, com uma arma apontada para o homem mais perigoso da cidade, e ele... estava sorrindo.

— Vai me deixar falar? Ou vai me dar o tiro agora?

Eve soltou uma risada curta, cheia de sarcasmo.

— Trabalhar pra você? — ela ergueu uma sobrancelha. — Por que eu faria isso, Lian?

Lian encostou casualmente no balcão da cozinha, ajeitando o sobretudo com calma, como se não estivesse com uma arma apontada pra ele.

— Hm… Porque eu posso te pagar melhor. Muito melhor. — ele respondeu com aquele tom confiante que beirava a arrogância.

Eve não se moveu, os olhos cravados nele, ainda segurando a arma firme.

— Dinheiro nunca foi o problema. — murmurou.

Lian sorriu de lado e inclinou o queixo levemente, como quem revela uma carta valiosa.

— É… Mas tem um probleminha que tem me incomodado ultimamente. — disse, enquanto começava a andar devagar em direção ao balcão da sala, como se estivesse em casa.

Eve o seguiu com o olhar, o cano da arma acompanhando cada passo.

— O cara pra quem você faz os serviços… — continuou ele, pegando uma maçã da fruteira com a ousadia de quem sabe que ainda não vai morrer — …ele está tentando me atingir. Pra ser mais específico… ele tá te mandando matar alguns dos meus.

Eve arqueou uma sobrancelha, ainda sem expressão.

— É mesmo? — perguntou, com um tom quase entediado. — E por que eu deveria me importar com a sua treta de mafioso mimado?

Lian deu uma mordida na maçã, mastigando com calma, depois apontou com ela na direção dela.

— Porque você está no meio. E se ele tá te usando pra chegar em mim… significa que você também está sendo manipulada. E eu sei que você odeia isso.

Os olhos de Eve se estreitaram, a menção à manipulação acendendo algo em seu olhar.

— Você não sabe nada sobre mim.

— Ainda não. — respondeu ele, com um meio sorriso. — Mas quero saber. E, sinceramente, Eve… você merece muito mais do que ser uma peça no jogo de outro homem.

Silêncio. A tensão entre os dois agora era uma linha fina prestes a se romper.

— Então? Vai me ouvir ou me matar? — perguntou Lian, dando outro passo à frente, desafiador.

Eve respirou fundo… mas não respondeu de imediato.

— Então quer dizer que eu acabei envolvida nessa merda de guerra entre mafiosos… — disse Eve, soltando uma risada seca e cheia de sarcasmo. — Que maravilha.

Ela finalmente abaixou a arma, mas seus olhos ainda estavam cravados em Lian com desconfiança.

Lian, confortável demais no ambiente que não era dele, deu mais uma mordida na maçã e falou com a calma de quem já sabia que venceria aquele argumento:

— É, Eve. Aquele desgraçado tava te colocando na linha de fogo. — ele deu de ombros. — Te mandando fazer o serviço sujo que ele não tem coragem de sujar as próprias mãos.

Eve se encostou na parede, cruzando os braços, ainda só de toalha, como se ponderasse a informação — mas por dentro, sua mente já trabalhava a mil por hora.

— Covarde. — ela murmurou, mais pra si mesma.

Lian assentiu, jogando o resto da maçã fora na pia como se fosse lixo irrelevante.

— E pior… ele sabia que, se desse errado, quem estaria com o rosto na mira seria você. Não ele. — Lian a encarou com seriedade agora. — Ele já sabe que você é boa. Boa demais. O tipo de arma que se usa até o fim e depois descarta.

Eve apertou o maxilar, o olhar ficando mais duro.

Ela odiava ser usada. Mais ainda, odiava perceber que estava sendo usada há muito mais tempo do que imaginava.

— Então você tá aqui por empatia, é isso? — disse com ironia. — Veio salvar a alma da pobre assassina contratada?

Lian riu, sacudindo a cabeça.

— Não me faça rir. Eu vim porque prefiro você do meu lado do que no time de um covarde.

Ele se aproximou mais um passo.

— E… porque se alguém vai pagar bem pra você fazer o que já faz com perfeição, que seja alguém honesto sobre o jogo.

Eve o encarou por longos segundos. Depois, soltou um suspiro impaciente e foi até o sofá, jogando-se ali como se estivesse cansada do mundo.

— Você não é honesto, Lian.

— Mas sou melhor do que ele. — rebateu, firme.

Silêncio. O relógio da parede fazia tique-taque abafado.

— Você quer que eu mate ele? — perguntou Eve, direto ao ponto.

Lian sorriu de canto, os olhos brilhando com algo perigoso.

— Ainda não. Antes disso, quero que você me ajude a desmontar o império dele. Peça por peça. E quando ele estiver de joelhos… aí sim, Eve, aí é você quem decide o fim.

Ela ficou em silêncio. A proposta estava feita.

Lian se inclinou mais, apoiando uma mão de cada lado do sofá, prendendo Eve entre seus braços. Seu rosto ficou a poucos centímetros do dela. Ele falava baixo, firme, como se cada palavra fosse uma promessa — ou uma ameaça.

— Trabalhe pra mim, Eve. — murmurou. — Sei que vai se sair melhor comigo. Mais dinheiro. Mais liberdade. E zero mentiras.

Eve soltou uma risada abafada, carregada de deboche.

— Ah, que merda... — ela sussurrou, o olhar preso nos olhos dele. — Por que eu deveria acreditar em você, Lian?

Ele sorriu. Aquele sorriso dele, perigoso e cínico, como se já soubesse que ela estava perto demais da beirada.

Lian observou cada traço do rosto dela. Os cabelos ainda úmidos escorriam pela pele quente, e gotas de água desciam pelo pescoço de Eve até sumirem na toalha amarrada em seu corpo. O cheiro adocicado de erva-doce do sabonete tomava conta do ar entre eles.

— Porque, diferente do outro, eu não escondo quem sou. — disse Lian, a voz baixa, quase um sussurro rouco. — Eu não jogo pelas costas. Eu te digo exatamente quem vai morrer. E por quê.

Eve não desviava o olhar. Ela também era predadora, e agora os dois estavam frente a frente, avaliando quem morderia primeiro.

— Você é o tipo de perigo que olha nos olhos, é isso? — provocou ela.

Lian se inclinou mais, o rosto quase colado ao dela. O hálito quente roçando sua pele.

— E você é o tipo de mulher que não corre do fogo. — disse, com aquele tom de desafio.

Silêncio.

O coração de Eve batia firme. A adrenalina misturada com desejo, raiva e curiosidade. Ela sabia que ele era um problema — do tipo que te arrasta até o fundo, mas que você quer provar só pra saber se sobrevive.

Ela encostou a mão no peito dele, firme, como quem mede o limite.

— Você quer que eu trabalhe pra você, Lian?

— Quero. — respondeu ele, sem hesitar.

— Então... — Eve arqueou a sobrancelha, um sorriso debochado nos lábios. — Tira a droga da sua mão do meu sofá e espera eu me vestir.

Lian sorriu e recuou devagar, com as mãos erguidas, como quem acaba de sair ileso de uma negociação com uma fera.

— Sabia que era inteligente.

Eve se levantou com calma, caminhando até o quarto.

Antes de entrar, olhou por cima do ombro.

— Só não me faça me arrepender, Lian. Ou a próxima bala não vai errar.

Ele sorriu. Aquilo soava quase como um flerte entre eles.

— Eu adoraria ver você tentando.

Após alguns segundos de silêncio, Eve saiu da frente dele e desapareceu no corredor. Quando voltou, vestia uma blusa de moletom preta e jeans. Os cabelos soltos, quase secos. Lian desligou o celular ao vê-la.

— Desembucha. Que tipo de trabalho você quer que eu faça?

Lian sorriu.

— Nada que você já não tenha feito... Mas quero devolver pra ele na mesma moeda.

Eve cruzou os braços, desconfiada.

— Ah... Você quer que eu mate os homens dele?

Lian assentiu.

— Sim. Mas não só isso. Você vai me ajudar a pegar ele também. Eu quero matar aquele desgraçado. Ele está fazendo algo que não tolero.

Eve estreitou os olhos.

— Do que você tá falando?

Lian se aproximou da bancada e falou com frieza:

— Ele tem uma casa noturna. Promete a meninas uma carreira como modelos. Diz que vai lançá-las... mas tudo é fachada. Ele trafica essas mulheres. Algumas desaparecem. Outras nunca mais voltam pra casa.

Eve ficou em silêncio por alguns segundos. Sua expressão mudou. O sarcasmo desapareceu. Agora havia ódio.

— Você tá me dizendo que aquele verme... pra quem eu trabalhei... tá traficando mulheres?

— Mais de vinte só no último ano — Lian confirmou.

Eve desviou o olhar. Fechou os olhos com força por um segundo. Quando voltou a encará-lo, sua voz saiu firme e baixa:

— Ele vai pagar por isso.

— Então estamos fechados? — perguntou Lian.

Eve se aproximou, o olhar penetrante.

— Estamos. Mas eu escolho como ele morre. E quero olhar nos olhos dele quando puxar o gatilho.

Lian sorriu.

— Negócio fechado.

Eve se encostou no batente da porta da cozinha, cruzando os braços com o celular na mão.

— Ah, tem mais uma coisa — disse, olhando diretamente para Lian. — O James vai trabalhar comigo. Ele é meu parceiro e ponto final.

Lian sorriu, ainda com aquela calma arrogante que o irritava e atraía ao mesmo tempo.

— Tudo bem. Seu amigo pode vir junto. — Ele se aproximou da janela e abriu um pouco, deixando o vento da madrugada entrar. — Que tal... 80 milhões por serviço feito?

Eve ergueu uma sobrancelha, surpresa, mas sem perder o ar sarcástico.

— Hm... não é um mau valor. — disse, fingindo desinteresse enquanto digitava algo no celular. — Acho que posso lidar com isso.

Lian virou-se para encará-la, apoiando-se no sofá.

— Mas tem um detalhe importante, senhorita Sombra...

Ela levantou os olhos do celular devagar, já esperando algo.

— Você não vai poder ficar aqui.

Eve franziu o cenho, confusa.

— Como assim? Vai pagar um hotel cinco estrelas pra mim?

— Não exatamente — ele respondeu com um sorriso malicioso. — Quero que vá morar comigo.

Eve deu uma risada irônica, quase debochada.

— Você só pode estar brincando. Quer que eu vá morar com você? O mafioso agora quer uma colega de quarto?

Lian se aproximou com passos lentos e confiantes, parando a poucos centímetros dela. Seu perfume forte se misturava ao cheiro do sabonete ainda fresco em sua pele.

— Claro. É melhor ter você por perto. Confiança, Eve, é uma coisa escassa nesse jogo. E você... você é valiosa demais pra ficar solta por aí.

Eve o encarou por longos segundos, avaliando cada palavra, cada intenção oculta por trás daquele sorriso.

Suspirou fundo, desviando o olhar por um instante, pensando em James, na grana e, principalmente, no que aquele outro mafioso tinha feito com tantas mulheres.

Então respondeu num tom neutro, mas com os olhos brilhando de decisão:

— Tá... mas eu levo meu próprio travesseiro. E se roncar, eu atiro.

Lian soltou uma gargalhada.

— Feito. Mas aviso logo: eu falo dormindo.

Eve virou as costas, pegando a jaqueta.

— Vai se preparando, mafioso... porque agora você tem uma sombra dentro da sua casa.

Eve pegou o celular, digitou rapidamente e apertou “enviar”.

Eve: “Vem aqui agora. E traz seu bom humor, preciso de você.”

Minutos depois, o som da tranca digital soando mal ressoou pela sala. Lian, que ainda estava encostado no batente da janela, ergueu o olhar para a porta ao mesmo tempo que Eve.

O painel de senha apitou, a maçaneta girou... e a porta se abriu com um estalo seco.

James entrou como um furacão, já reclamando:

— Eve, sua porta parece que foi atropelada por um caminhão. Tava tão bêbada que quase arrombou a por—

Ele parou, travado no meio do corredor, com os olhos fixos na figura elegante de Lian ali no centro da sala, usando um sobretudo preto e um olhar afiado.

James piscou algumas vezes, virou para Eve, depois voltou o olhar para Lian.

— ...Ué. Tem um mafioso plantado no meio da sua sala ou eu tô sonhando?

Eve caiu na risada, jogando a cabeça pra trás.

— Essa é nova. Mas sim, James. Mafioso. Planta decorativa. Escolhe o que preferir.

James olhou de volta pra Lian, cruzou os braços e disse num tom desconfiado:

— Ah, então é ele o “Lian”? O que tava te oferecendo trabalho?

Lian sorriu com um toque de ironia, inclinando levemente a cabeça.

— O próprio. Prazer.

James olhou de cima abaixo, depois para Eve.

— Tu transou com ele, né?

Eve arqueou uma sobrancelha, com aquele sorrisinho de canto de boca.

— Eu nunca misturo trabalho com prazer... a menos que o prazer venha primeiro.

Lian sorriu, sem negar nem confirmar.

James revirou os olhos.

— Tá. Isso aqui já tá estranho o suficiente. Agora me explica: a gente vai trabalhar pro mafioso agora? Que diabos você andou fazendo enquanto eu dormia?

Eve pegou uma maçã da fruteira e deu uma mordida, andando pela sala como se não fosse nada demais.

— Aparentemente, a gente andou matando gente errada. Lian aqui quer consertar isso. E pagar muito bem, diga-se de passagem.

James suspirou, coçando a nuca.

— Isso ainda soa como uma péssima ideia. Mas se tem pagamento, tô dentro.

Eve sorriu com aprovação.

— Sabia que ia dizer isso.

Lian os observava com atenção, como quem assiste um jogo de pôquer entre dois veteranos. Finalmente, ele se aproximou de James e estendeu a mão.

— Bem-vindo à guerra.

James olhou a mão por um segundo, deu um leve aperto e respondeu:

— Desde que eu possa atirar em alguém, acho que vai ser divertido.

Lian arqueou levemente a sobrancelha ao ouvir a fala de James. Ainda com a mão guardada no bolso do sobretudo, se inclinou um pouco na direção dele, analisando com curiosidade.

— Achei que você fosse só um hacker — disse, com um leve tom de surpresa. — Mas também sabe mexer com armas?

James abriu um sorriso travesso, relaxando os ombros.

— Eve me ensinou — respondeu com orgulho, lançando um olhar de lado para a amiga. — Disse que eu seria inútil se não soubesse me defender sozinho. Como foi que você disse, Eve?

Eve, ainda encostada na bancada da cozinha, mordeu mais um pedaço da maçã e respondeu de boca cheia, com um olhar malicioso:

— "Uma pedra no meu sapato."

Ela mastigou e deu de ombros, como se aquilo fosse a coisa mais natural do mundo.

Lian soltou uma risada genuína, daquela que quase não cabia no personagem frio e controlado que costumava ser. Seus olhos se voltaram para Eve com um brilho divertido.

— Você realmente é um problema interessante, senhorita sombra.

Eve piscou, sarcástica.

— Acha que só você pode ser cheio de surpresas?

James riu, apontando com o polegar para si mesmo.

— E só pra constar, também sei desativar bombas. Às vezes até as que eu mesmo fiz.

Lian olhou para os dois, depois fez um gesto com as mãos como se dissesse “tá bom, me convenceram”.

— Vocês vão me dar dor de cabeça. Mas pelo menos não vão morrer rápido. Isso já é algo.

Eve lançou a maçã pela janela aberta da sala e bateu as mãos como se encerrasse o assunto.

— Ótimo. Agora que já se apaixonou pelo nosso talento e charme irresistível… vamos logo ver esse plano, chefia.

James bufou com humor.

— E vê se não me faz usar terno. Eu odeio terno.

Lian deu um meio sorriso malicioso.

— Vamos ver... depende de como você se comportar.

E os três riram.

O celular de Eve começou a vibrar em cima da bancada. Ela pegou o aparelho e viu o nome na tela: Lívia. Suspirou e atendeu com naturalidade:

— Oi, Liv. Já chego aí. Dez minutos — disse com a voz prática de quem equilibra mundos diferentes com a maior naturalidade.

Sem esperar resposta, desligou.

Então se virou para os dois homens em sua sala com um olhar afiado e tom autoritário:

— Bom… eu tenho uma vida durante o dia. Vocês dois, sumam da minha casa.

James ergueu as mãos em rendição, como se dissesse “tô indo”. Lian, por outro lado, deu um sorriso sacana, quase divertido.

— Eu sei que você já tem meu contato, Lian — Eve disse, pegando sua bolsa. — Se sabe meu nome, provavelmente já pegou meu número também.

Lian deu uma risadinha baixa, confirmando com um aceno de cabeça.

— Claro que sim, sombra.

James apenas bufou e saiu pela porta, murmurando algo como “essa mulher ainda vai matar a gente do coração”. Lian foi logo atrás, mas antes de sair, virou-se para encará-la uma última vez.

— Nos vemos, Sombra — disse num tom baixo e provocante, os olhos percorrendo Eve de cima a baixo mais uma vez.

Eve revirou os olhos, fechou a porta assim que ele saiu e suspirou fundo. Jogou o celular no sofá, amarrou rapidamente o tênis preto, pegou os óculos escuros e saiu também.

Seu destino agora: a cafeteria onde Lívia a esperava — e onde a vida comum, aquela que ela fazia parecer normal, ainda existia… por enquanto.

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