Sienna Alfieri era fogo envolto em pele.
Ruiva como a chama que carregava nos olhos, indomável como o sangue que corria nas veias da máfia.
Cresceu cercada por segredos, luxo e perigos — mas foi no silêncio de um coração quebrado que ela descobriu o verdadeiro peso da lealdade e da mentira.
Agora, tudo nela doía. Tudo nela queimava.
E pela primeira vez… ela não sabia se conseguiria perdoar.
…
O sinal havia tocado.
Sienna Alfieri, a segunda filha da família Alfieri, estava, naquele momento, sinceramente arrependida por não ter optado pelo colégio da máfia.
Apesar de algumas matérias serem semelhantes, o colégio mafioso tinha outro ritmo — mais ágil, direto, envolvente. Nada daquela monotonia civil. Mas Sienna nunca quis seguir carreira na máfia. Por sorte, não era a filha mais velha, não era herdeira. Seu pai sempre lhe deu liberdade para escolher o próprio caminho.
Queria estudar Relações Públicas. Aprimorar o que já corria naturalmente no sangue da família.
Após as aulas, foi direto para a Villa Serpente — a fortaleza dos Alfieri. Uma mansão clássica em Boston, com jardins simétricos impecáveis, seguranças à paisana e túneis secretos escondidos sob pisos de mármore frio.
Ela cumprimentou todos por onde passou até chegar ao escritório, onde uma passagem secreta se revelou após um gesto preciso. O elevador a levou direto ao subsolo.
Ao sair, encontrou seu irmão mais velho, Lorenzo, dando ordens a seus homens.
— Oi, foguete — disse ela com um sorriso.
O apelido arrancou outro sorriso dele. “Foguete” e “Foguinho” eram como se chamavam desde crianças, por causa dos cabelos vermelhos herdados da mãe.
— Oi, foguinho. Não posso falar agora, estou indo pra uma reunião no conselho — respondeu Lorenzo, sem esconder sua impaciência.
— Estão te pressionando para casar, de novo?
— Sim. E não sei por quanto tempo mais consigo segurar isso.
— Então resolve logo e casa — provocou, com um sorriso debochado.
O olhar de raiva que ele lançou fez Sienna rir por dentro.
Lorenzo não pensava em casamento desde que Amber, sua ex, o traiu. Desde então, confiar em alguém se tornara quase impossível.
— Olha a Talia, ai… — Sienna falou, notando ele revirar os olhos — ela é linda, inteligente, de boa família . Não falo isso só porque ela é minha melhor amiga, ela seria uma ótima esposa. Gosta de você.
— Sienna, foguinho, desista. Não vou ficar com a Talia.
Sienna seguiu em direção a ala de luta, rindo.
— Então querido irmão… vai acabar com um casamento arranjado.
Ela se trocou no vestiário feminino, vestindo roupas confortáveis.
Apesar de não querer ser uma mafiosa, amava treinar lutas corporais.
— E aí, Dean. Preparado para apanhar hoje?
Dean era o treinador da fortaleza. Ele para de socar o saco de pancadas, assim que ouve Sienna falar.
— Você sumiu, Sienna. Desistiu de lutar?
— Só andei ocupada com o colégio.
Dean disfarçou o desgosto no rosto.
Ninguém entendia a escolha de Sienna de estudar num colégio civil. Nem mesmo ela, às vezes.
— Não faça essa cara, Dean. Vamos treinar.
— Vinte minutos de aquecimento.
Ela começou o treino e, depois de aquecer, os dois seguiram para o tatame.
Mas tarde naquele dia, Sienna e sua família estavam jantando.
— Como está o colégio, filha? — perguntou Salvatore, o chefe da máfia.
— Está bem, pai. Já vamos começar a organizar nossa formatura.
— Aquele colégio não é digno de uma Alfieri. — Alfinetou Donatela, sua mãe.
Ela nunca aceitou bem o fato da filha querer seguir como uma civil. Desde que Salvatore permitiu que a filha estudasse num colégio civil, a relação entre Donatela e Sienna piorou. Com os ataques constantes, Sienna se afastou.
— Donatela, meu amor… — Salvatore falou baixinho, tentando amenizar.
— Bom, meu dia foi legal! — disse Dante, o mais novo, animado. — Treinei e tô melhorando com as armas!
Dante tinha 14 anos e sonhava em seguir os passos do pai e do irmão.
— Que orgulho de você, meu filho. — disse Donatela, orgulhosa.
— Aproveitando… vou precisar viajar. — anunciou Lorenzo.
— Pra onde? — Salvatore ergueu uma sobrancelha.
— É um assunto meu. Algo que pode fortalecer alianças.
— Você sabia disso? — Donatela olhou para o marido, surpresa.
— Definitivamente, não. O que está aprontando, Lorenzo?
— Nada demais, pai.
— Posso ir com você? — perguntou Sienna.
— Não. É um assunto delicado, não posso envolver mais ninguém… ainda.
— Espero não receber nenhuma reclamação por causa de você! — avisou Salvatore.
— Pai, será que não dá pra confiar em mim? Vou assumir tudo logo, preciso resolver as coisas sozinho!
— Deixa ele, Salvatore. Nosso filho está agindo como um líder — interveio Donatela.
O jantar seguiu em silêncio depois disso.
…
Alguns dias haviam passado.
Sienna estava no pátio lateral da fortaleza, acompanhada de Talia, sua melhor amiga.
— Meu irmão chegou de viagem anteontem, Tal. — comentou Sienna, casual.
Talia, que já foi apaixonada por Lorenzo, hoje fingia não se importar. Isso incomodava Sienna, que no fundo torcia pelos dois.
— E daí? — Talia perguntou, erguendo uma sobrancelha.
— Achei que fosse querer saber. Como foi no Inferno Strip ontem? Não conseguir ir.
— Pare Sie, não quero mais saber do seu irmão. Mas ontem foi legal. Rocco ganhou a corrida de motos. Vincent estava lá…
Ela disse a última parte mais baixo, quase hesitante. Sabia que Sienna gostava dele.
— Ele estava com alguém?
— Sim.. com a Riley. — Talia fica tentando captar a reação da amiga, que não faz nada além de olhar para as flores que haviam ali — Ele é um idiota, amiga! Não sei como gosta dele.
— Ele não é idiota. Mas também não me importa, não temos nada, ele pode ficar com quem quiser.
— Tudo bem.
Talia finaliza dando de ombros. Ela evitava discutir sobre Vincent com Sienna, só torcia para que a amiga percebesse que merecia mais.
Sienna se recostou no parapeito de pedra, distraída com uma garrafa de água.
Foi então que ouviu vozes masculinas.
Ergueu os olhos. Viu Lorenzo... com alguém desconhecido.
Caminhando ao lado de Lorenzo, o garoto novo parecia deslocado do mundo ao redor — como se a paisagem, as pessoas e até mesmo o tempo fossem meros detalhes, e ele, a única coisa nítida. Ele tinha os cabelos pretos e encaracolados, como sombras que se curvavam naturalmente ao redor da cabeça. Os olhos castanhos acinzentados eram frios, quase metálicos, penetrantes.
Assustadoramente atentos, mesmo em silêncio. Sua mandíbula era marcada, traçando uma linha firme que reforçava sua expressão impassível. Vestia-se de preto — nada chamativo, nada que gritasse poder, mas com uma presença tão sólida que parecia impossível ignorá-lo.
— Quem é aquele? — Sienna perguntou, num tom baixo, virando ligeiramente o rosto para Talia, que estava mexendo no celular.
Talia levantou os olhos, seguiu a direção do olhar de Sienna e fez uma careta despreocupada.
— Ah, é o tal Nicolás Esposito. Chegou ontem. Dizem que é parente distante da família Esposito, da Itália. Lorenzo ficou responsável por apresentar os lugares para ele. Não fala muito.
Sienna arqueou uma sobrancelha.
— Nicolás... Esposito?
Talia deu de ombros.
— A Nina viu ele no Inferno Strip na noite passada. Tá suspirando até agora. Disse que ele parece saído de uma série de espiões — e, convenhamos, tem um quê mesmo. Mas parece meio fechado. Frio. Intimidador.
Sienna não respondeu de imediato. Seus olhos haviam voltado para ele. Havia algo naquele garoto que prendia mais que a atenção — era como se ele carregasse um mundo inteiro nos ombros, e mesmo assim andasse com os pés firmes no chão.
Bonito não era suficiente.
Ele era uma tempestade vestida de silêncio.
— Não sei... — ela murmurou, com um sorriso pequeno e quase irônico nos lábios. — Tem cara de encrenca.
Talia riu.
— Sienna, você diz isso de todo cara que acha bonito.
Mas Sienna não respondeu. Ela continuava olhando, como se tentasse decifrar aquele estranho de olhos impassíveis.
E por um breve segundo, ele virou o rosto. Os olhos de Nicolás cruzaram os dela — um olhar direto, preciso, como se já soubesse que estava sendo observado.
Sienna sentiu um frio no estômago.
E pela primeira vez em muito tempo... foi ela quem desviou o olhar primeiro.
Nicolás Reyes foi treinado para matar.
Desde cedo, aprendeu a obedecer ordens e a silenciar emoções com a mesma frieza com que puxava um gatilho. Herdeiro do Cartel Del Sol, ele era o filho do medo — moldado em aço, criado para liderar, destinado a destruir.
Nunca amou. Nunca confiou. Nunca hesitou.
A Colômbia o viu crescer como lenda — mas foi o luto que o empurrou para o mundo.
E então... encontrou Sienna.
Ela era caos. Ela era ruído onde só havia cálculo.
Ela era o primeiro erro que ele não teve coragem de corrigir.
E agora, pela primeira vez, Nicolás não sabia se conseguiria matar — sem antes ser destruído por dentro.
…
Nicolás Reyes jamais imaginou que um dia faria negócios com a família Alfieri.
Único filho da família Reyes, criado para ser uma máquina de matar — frio, calculista, silencioso.
Não podia prever que sua vida mudaria para sempre ao se infiltrar nos Estados Unidos como um suposto parente distante da máfia italiana Esposito.
Ele e Lorenzo Alfieri haviam firmado um acordo.
Uma vingança em troca de um traidor.
E a primeira etapa do plano exigia que Lorenzo o apresentasse à nova realidade em que operariam — o submundo dos herdeiros da máfia.
Estavam agora no Inferno Strip.
Corridas ilegais.
Noite, luzes de néon, motores roncando, cheiro de gasolina e fumaça queimando o ar.
Era a primeira vez que Nicolás observava aquele lugar de verdade. Havia estado ali com Lorenzo no dia anterior, mas não prestou atenção. Hoje, tudo era análise.
Apesar de estar infiltrado, não demonstrava tensão — seu olhar frio percorria o local com avaliação calculada. Ele estava ao lado de Lorenzo, que parecia em casa no meio das motos reluzentes, carros turbinados e jovens gritando empolgados.
— Bem-vindo ao Inferno Strip, Esposito. — Lorenzo disse com um sorriso de canto, usando o sobrenome falso dele. — Aqui é onde os filhos da máfia quebram as regras… entre eles mesmos.
Nicolás não respondeu. Apenas observava.
Até que seu olhar se fixou em uma figura. Uma garota caminhava até o carro mais estilizado da noite — vermelho, reluzente.
Cabelos ruivos presos em um rabo de cavalo alto, macacão de corrida colada ao corpo, expressão confiante.
Ela girou as chaves no dedo, subiu no capô e anunciou com voz firme:
— Próxima corrida: eu contra qualquer um que tenha coragem!
— Sienna tá impossível hoje — comentou um dos rapazes perto deles.
Nicolás arqueou uma sobrancelha.
— Sério que vão deixar ela correr?
Lorenzo se virou lentamente, mas Sienna já tinha escutado.
— Ela tem nome, machista de merda — ela rebateu, olhando diretamente para Nicolás. — E já que você duvidou, por que não entra na pista comigo e leva uma surra?
Um murmúrio se espalhou pela multidão. Nicolás cruzou os braços, sem se abalar.
— Eu não corro com quem precisa provar algo o tempo todo.
— Ótimo — ela respondeu, descendo do carro e caminhando até ele, o dedo em riste. — Assim sobra espaço pra eu mostrar como se corre de verdade.
Ele manteve a calma, mas os olhos cinzentos cintilavam de leve.
— Boa sorte, princesa.
— Vai precisar mais que sorte pra engolir o resultado, Esposito.
Ela deu as costas e entrou no carro, deixando o ambiente em chamas. Lorenzo soltou uma risada abafada.
— Você acabou de se tornar inimigo da pessoa errada.
Nicolás franziu o cenho, desconfiado.
— Quem é ela?
Lorenzo apenas sorriu, sem responder.
A corrida foi brutal.
Sienna dominava o volante com ferocidade e estilo. Nicolás, que assistia da arquibancada improvisada, não conseguia tirar os olhos dela. Ela cortava curvas com precisão milimétrica, ignorando os limites como se tivesse nascido para aquilo.
Quando cruzou a linha de chegada em primeiro, deixando todos para trás — inclusive o filho de um chefão italiano com um ego do tamanho da pista — a multidão explodiu.
Sienna saltou do carro como se nada tivesse acontecido, tirou o capacete com um giro elegante e olhou diretamente para Nicolás. Não disse nada. Apenas sorriu com escárnio e piscou.
Ele franziu o cenho. Pela primeira vez em muito tempo, se sentiu provocado de verdade.
— Impressionante, né? — Lorenzo disse, surgindo ao lado dele.
Nicolás assentiu com um som gutural.
— Quem diabos é essa garota?
Lorenzo deu um tapinha nas costas dele.
— Minha irmã mais nova.
Nicolás virou lentamente para ele, os olhos arregalados por um segundo.
— O quê?
— Sienna Alfieri — Lorenzo completou, com um sorriso divertido. — Agora imagina o inferno que você arrumou para si.
Nicolás olhou de volta para Sienna, que agora falava com algumas pessoas, ainda radiante pela vitória.
Ele não disse nada, mas pela primeira vez em muito tempo… sentiu o coração acelerar.
Ela chamava atenção.
Nicolás manteve os olhos fixos na garota de cabelos ruivos vibrantes, que se destacavam como chamas sob as luzes do Inferno Strip. O vermelho dos fios era tão ousado quanto o jeito com que ela dirigia, falava… e desafiava.
Sienna estava cercada por um pequeno grupo, rindo com as amigas, ainda com a adrenalina da corrida percorrendo o sangue. O macacão de corrida aberto até a cintura revelava uma blusa colada no corpo — não pela provocação, mas por pura praticidade. Mesmo assim, chamava atenção. E Nicolás não conseguia desviar os olhos.
— Você não disse que tinha uma irmã — comentou, num tom seco, tentando disfarçar a surpresa.
— Você nunca perguntou — respondeu Lorenzo, com um riso contido. — E preferi evitar. Ela é bonita demais e você tem exatamente a cara do tipo que ela gosta.
Nicolás estreitou os olhos.
— Não me interessa.
— Claro que não — Lorenzo respondeu, irônico. — Só ficou encarando ela o tempo inteiro.
Antes que Nicolás respondesse, viu Sienna se aproximando com um copo de energético na mão e o olhar afiado como uma navalha.
Nicolás a observava sem dizer uma palavra, a mandíbula marcada contraída — não pelo desconforto, mas pela frustração de ter subestimado alguém que claramente não aceitava ser colocada em segundo plano.
Sienna se aproximou com passos lentos, mas determinados. Alguns fios do seu rabo de cavalo escapando pelo rosto ainda levemente suado da corrida.
Ela parou ao lado de Lorenzo, que apenas suspirou e cruzou os braços, antecipando a faísca que sabia que viria.
— Nicolás — disse Lorenzo, fazendo um gesto com a mão. — Essa é minha irmã mais nova, Sienna.
Sienna sorriu com ironia, inclinando levemente a cabeça para o lado.
— E eu sabia que você tinha amigos idiotas, irmão. Mas não esperava que fosse um idiota machista.
Lorenzo quase engasgou com a bebida.
— Sienna…
Nicolás manteve o olhar preso nela, impassível. Seus olhos castanho-acinzentados encontraram os dela como lâminas silenciosas, mas afiadas.
— Então, ‘Esposito’ — ela disse, fazendo aspas no ar com os dedos —, o que achou do desempenho de alguém que “não deveria correr”?
Ele respirou fundo. Manteve a postura firme, mas sua voz saiu mais rouca do que o normal.
— Admito que você surpreende.
Ela arqueou uma sobrancelha, desafiadora.
— Esperava o quê? Que eu batesse o carro tentando passar marcha?
— Talvez que errasse a curva mais fechada — ele respondeu, com um leve sorriso de canto. — Mas você foi precisa. Controlada.
— E rápida — ela completou, sorrindo com superioridade. — Obrigada pelo reconhecimento. Vindo de alguém tão… contido, quase soa como elogio.
— Eu apenas comentei que duvidava da vitória — respondeu, com calma gélida. — Não foi pessoal. Poderia ter sido qualquer um.
— Mas não era qualquer um — ela rebateu sem hesitar. — Era eu. Uma garota. E você achou engraçado duvidar. Azar o seu.
— E sorte a sua que eu estava errado — ele respondeu, o canto da boca erguendo-se ligeiramente. — Você dirige bem.
— Eu sou boa em tudo o que faço — ela disse, encarando-o de volta, os olhos castanhos faiscando. — Mas duvido que você esteja preparado para lidar com isso.
Lorenzo observava a troca como quem assistia a uma bomba sendo armada.
— Vocês dois juntos vão dar trabalho — murmurou para si mesmo.
Sienna se virou para o irmão.
— Me avisa se o seu amigo parar de falar como se estivesse numa entrevista de emprego.
— Me avisa se ela parar de tentar provar que é melhor que todo mundo — Nicolás rebateu, sem pensar.
Sienna virou o rosto devagar, um riso baixo escapando de seus lábios.
— Não tô tentando provar nada. Eu sou melhor.
Por um momento, o silêncio entre os dois pareceu suspender o ar ao redor. O desafio era nítido, mas havia algo mais naquela troca — como duas feras se estudando antes de um embate, com a adrenalina de quem não sabe se vai lutar... ou ceder.
Lorenzo limpou a garganta.
— Ótimo. Maravilha. Agora que terminaram de medir egos, que tal socializar como adultos normais?
Sienna soltou uma risada seca, deu dois tapinhas no ombro do irmão e lançou mais um olhar de canto para Nicolás.
— Não garanto conseguir ser normal perto de gente como ele.
E antes que ele pudesse retrucar, ela virou as costas e foi embora, deixando para trás apenas o rastro do perfume, do sarcasmo — e a promessa de que aquele não seria o último embate entre eles.
Nicolás a seguiu com o olhar, sem dizer uma palavra. Mas Lorenzo notou: ele estava sorrindo.
Um sorriso sutil, contido… e perigoso.
Lorenzo deu uma palmada leve no peito do amigo.
— Boa sorte, irmão. Você acabou de declarar guerra à rainha do Inferno Strip.
Nicolás não respondeu. O que sentia não era exatamente raiva… Era algo mais perigoso.
Interesse.
Sienna e Talia estavam sentadas na área externa de uma cafeteria próxima à Vila Serpente, aguardando os amigos Nina e Rocco.
— E aí, Sie... como estão as coisas com o Vincent? — Talia perguntou, fingindo casualidade.
— Ah… — Sienna hesitou, tentando disfarçar — vamos sair amanhã.
— Você não parece muito animada. O que é estranho…
— Mas é claro que estou! Só tô... ansiosa — respondeu rápido demais.
Talia sabia que a amiga estava mentindo, mas não insistiria sobre o assunto.
Logo depois, Rocco e Nina chegaram.
— Alguém cala a boca da Nina, por favor? Não aguento mais ouvir sobre o Nicolás — resmungou Rocco, bem-humorado.
— Não é culpa minha se ele é tão bonito — respondeu Nina, com um sorrisinho.
Sienna a encarou, incomodada. Só Talia e Rocco perceberam.
— Mas não sei o que fazer para ele me notar. — Nina continuou, sonhadora.
— Tenta falar com ele hoje a noite. — sugeriu Talia, lançando um olhar discreto para Sienna.
— Hoje à noite? O que tem hoje?
— Você não sabe? — Rocco se animou — Lorenzo desafiou o Nicolás para uma corrida. Deve ser alguma aposta entre eles.
— Ah... entendi. Não me interessa mesmo assim — disse Sienna, dando de ombros.
— Estarei lá torcendo e gritando para Nicolás. — Nina soa apaixonada — Que roupa acham que eu devia usar para chamar atenção dele?
A garota falava empolgada, enquanto os amigos escutavam. Mas Sienna estava distante. Havia algo incômodo. Não só por Nina gostar de Nicolás — mas porque ela mesma não entendia mais como se sentia com relação ao Vincent.
O ar do Inferno Strip era uma mistura pulsante de gasolina, adrenalina e música eletrônica. A multidão vibrava — vozes, risos, apostas, motores roncando.
Sienna observava tudo de braços cruzados, encostada em um carro. Talia estava ao lado. Rocco mexia no celular. Nina? Desfilava.
Literalmente.
Vestia um vestido preto colado ao corpo como tinta, curtíssimo, com um decote escancarado. Chamava atenção de todos — menos de Nicolás, que ajustava os retrovisores do carro ao lado de Lorenzo.
— Tá vendo isso? — murmurou Sienna para Talia, sem disfarçar o desgosto.
— Ela tá praticamente jogando o peito no volante. — Talia respondeu com sarcasmo.
— Acha que ele vai cair nessa?
Talia deu de ombros.
— Nicolás não parece o tipo que se distrai com glitter.
Rocco riu.
— Mas o Lorenzo já está quase babando.
Talia fingiu não se importar, mas o incômodo foi real.
Sienna desviou o olhar de Nina, irritada, e fixou em Nicolás. Havia algo hipnotizante na forma como ele testava os pedais, concentrado, quase imperturbável. Mesmo à distância, ela conseguia sentir o magnetismo dele.
Um magnetismo silencioso e irritante.
E odiava aquilo.
Mais ainda odiava admitir que Nina também percebia.
Logo, os carros se alinharam. Nicolás em um Camaro preto, Lorenzo em um Dodge cinza.
A multidão se agitou. Alguém contou em voz alta:
— Três… dois… um!
Os motores rugiram como feras soltas. Pneus chiaram, o asfalto foi engolido pela fumaça. Sienna segurou a respiração, o coração acelerado.
Foi uma corrida insana. Curvas, raspões milimétricos, velocidade absurda. A cada ultrapassagem, a multidão gritava.
E então… cruzaram a linha juntos.
Silêncio por um segundo.
Depois, gritos:
— EMPATE!
Sienna arregalou os olhos. Ninguém empatava com Lorenzo. Ninguém.
Nicolás havia conseguido.
Lorenzo saiu do carro primeiro, rindo. Nicolás tirou o capacete e desceu com calma.
Os dois se encararam, suados, ofegantes, adrenalina pura.
E aí, do nada… bateram as mãos num “toca aí”, cúmplices.
Sienna ficou sem reação.
— Que porra… — murmurou.
Talia deu um gole na bebida, indiferente.
E enquanto Nina caminhava sensualmente na direção de Nicolás, Sienna ficou ali, paralisada. Sentia algo estranho no peito.
Ciúmes? Irritação? Confusão?
Talvez tudo junto.
Sienna se afastou da pista assim que viu Nina se aproximar de Nicolás. O vestido justo, o sorriso provocador, a postura exageradamente sensual. Era impossível não perceber a intenção.
Ela não suportava aquilo.
— Vou pegar algo pra beber. — disse, se virando para Talia e Rocco sem esperar resposta.
Caminhou entre os carros, ignorando os olhares, ignorando o próprio coração acelerado. Não era ciúmes. Não podia ser.
Ou podia?
Pediu qualquer bebida só para ocupar as mãos. Sentia o estômago revirando, o peito comprimido. A imagem de Nina se aproximando de Nicolás rodava na mente como um filme repetido.
Por que aquilo a afetava tanto?
Respirou fundo.
— Idiota. — sussurrou para si mesma.
Ela sabia se defender. Sabia esconder sentimentos. Mas com Nicolás era diferente. Era como se ele arrancasse dela todas as reações que ela não queria sentir.
O bar do Inferno Strip estava mais cheio do que de costume naquela noite. Luzes vermelhas e douradas piscavam no ritmo da música grave, e o cheiro de gasolina misturado ao perfume de couro criava um clima quase sufocante.
Sienna estava sentada sozinha no balcão, girando o canudo dentro do copo com a bebida já quase derretida. Vestia uma blusa preta de alcinhas e jeans escuro, o cabelo preso em um coque bagunçado.
— Posso te pagar outra? — disse uma voz familiar às suas costas.
Ela não precisou se virar para saber quem era. O sorriso preguiçoso de Vincent sempre chegava antes dele.
— Não precisa — respondeu sem muita animação.
Vincent se sentou ao lado, próximo demais, como se o espaço pessoal dela fosse uma sugestão e não uma barreira.
— Está sozinha?
— Estou.
Ele sorriu de canto, confiante.
— Então vem comigo. Lá em casa. Só nós dois.
Sienna o olhou com calma, mas por dentro seu estômago se revirou. O cheiro do álcool na respiração dele, o jeito como falava com uma falsa doçura... algo nela gritava que não estava certo.
— Não, Vincent. Eu... não quero. Não tô pronta pra esse tipo de coisa.
Ele se inclinou, voz mais baixa, insistente:
— A gente já se conhece há anos, Sienna. Sempre disse que gostava de mim. Tá na hora de parar de fugir.
Ela respirou fundo e desviou o olhar.
— Eu só quero ir devagar. É pedir demais?
Vincent ficou em silêncio por alguns segundos. Depois, deu um sorrisinho torto.
— Tá bom. Devagar então.
Antes de sair, puxou o queixo dela e a beijou.
Lento demais.
Longo demais.
Quando se afastou, sussurrou:
— Até amanhã, no nosso encontro rainha.
E saiu.
Sienna ficou ali, sozinha, encarando o copo vazio como se ele tivesse todas as respostas que ela não conseguia dar a si mesma.
Ela havia saído do Inferno Strip antes da festa acabar.
A brisa da madrugada dançava entre os cabelos soltos de Sienna enquanto ela olhava para o céu estrelado do terraço da Villa Serpente. Havia passado as últimas horas evitando pensar no beijo com Vincent — sem sucesso. E pior: evitando pensar no olhar que sentiu sobre si do outro lado do bar. Um olhar que queimava mais que qualquer toque.
Ela ouviu passos atrás de si. Sabia quem era.
— Você vai me odiar por isso — disse Talia, parando ao lado dela com os braços cruzados.
— Por que está aqui?
— Porque você é minha amiga. E porque você precisa parar com isso.
Sienna franziu o cenho, confusa.
— Parar com o quê?
— Com o Vincent.
Sienna virou de frente, tensa.
— Ah não. Lá vem você de novo. Vai dizer o quê agora? Que ele é o diabo disfarçado?
Talia respirou fundo, tentando conter a irritação.
— Não é piada, Sienna. Eu sou irmã dele. Eu conheço ele. Sei como ele trata as garotas quando consegue o que quer. E sei quando ele está forçando uma situação. Eu vi como você ficou desconfortável no bar hoje.
Sienna arregalou os olhos.
— Estava me vigiando?
— Cuidando. É diferente. E não sou só eu. Lorenzo e Nicolás também viram.
— Nicolás? — O nome escapou dos lábios de Sienna antes que ela pudesse controlar.
Talia estreitou os olhos, cruzando os braços de novo.
— É. Ele. E nem vem fingir que não importa.
Sienna deu um passo à frente, ferida e irritada.
— Quer saber, Talia? Você vive dizendo que me apoia, mas sempre tenta se meter. Se você quer ficar com quem quiser, ótimo. Eu nunca me meti quando você saiu por aí ficando com ninguém. Mas eu? Mal olho pro Vincent e você já quer cortar minha cabeça?
— Isso é diferente.
— Por que seria?! — gritou Sienna. — Só porque ele é seu irmão? Eu sempre apoiei você e o Lorenzo.
— Porque eu sei do que ele é capaz, Sienna! Porque eu me importo com você de verdade!
As duas ficaram em silêncio, respirando forte. A tensão entre elas era quase física.
Sienna desviou o olhar, a voz saindo mais fraca:
— Eu não sei mais o que sinto por ele…
Talia suavizou o semblante.
— E por Nicolás?
Sienna ficou muda.
Olhou de volta para o céu, como se as estrelas pudessem lhe dar uma resposta. Mas tudo o que encontrou foi confusão.
— Ele... ele fica na minha cabeça. Quando não tá por perto, eu penso nele. Quando tá perto... é pior ainda. Parece que ele me vê por dentro. E eu odeio isso. Odeio porque não faz sentido.
— Faz, sim — Talia disse mais baixo. — Você só ainda não quer aceitar.
Sienna não respondeu. Apenas ficou ali, com os olhos marejados e o coração em guerra.
Porque tudo estava desmoronando por dentro.
E ela ainda não sabia onde se segurar.
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