Meu nome é Ângela. Minha vida é simples, sem luxo algum. Trabalho como garçonete em um restaurante modesto da cidade.
Moro sozinha em uma pequena casa — meus pais vivem em outra cidade — e meus dias seguem sempre a mesma rotina: casa e trabalho, trabalho e casa.
Naquela manhã, enquanto caminhava apressada, sabia que estava atrasada.
Jack me recebeu logo na porta. — Oi, Ângela. Atrasada hoje?
— Desculpe, senhor Jack. Acabei perdendo a hora.
— Tudo bem. Vá cuidar do salão.
(Ele é sempre rigoroso. Poucas palavras, olhar severo.)
Luana surgiu logo atrás, sorridente. — Oi, Ângela.
— Oi, Luana. Como foi a sua noite?
— Por que a pergunta? — ela ergueu a sobrancelha.
— Pela sua cara de cansada.
(Luana não é exatamente minha amiga, mas uma colega de trabalho espirituosa... e falante demais.)
— Minhas noites são sempre agitadas, você sabe como eu sou.
— Sei... tudo acaba em festas e noitadas. Cuidado para não cochilar pelos cantos. O senhor Jack
está irritado hoje?
— E quando não está? Ele é um velho rabugento.
— Não fale assim, ele só vive estressado.
— E nós? Como vivemos? — ela rebateu. — Temos que lidar com todo tipo de cliente aqui.
— Eu sei.
(Luana falava sem parar, sem perceber que o senhor Jack estava parado bem atrás dela, ouvindo tudo.)
— Ângela? Você está me ouvindo?
Jack pigarreou. — Sim. Assim como eu também, senhorita Luana. Vá trabalhar. E parem de conversar, as duas.
O rosto dela ficou vermelho. — Ah... desculpe, senhor Jack. O senhor está aqui há muito tempo?
— O suficiente para saber que sou o centro da conversa de vocês.
Nesse instante, Matt, o chefe de cozinha, apareceu com duas bandejas cheias.
— Oi! Os pratos estão prontos para servir. O que houve, Luana?— O senhor Jack...
Matt sorriu de canto. — Ângela, o que a Luana falou dessa vez?
— Ei! Por que a culpa é sempre minha? — protestou Luana.
— Porque você sempre fala demais.
— E você é um péssimo colega de trabalho.
— Nossa, fiquei muito triste... com quem será que você anda falando de mim? — retrucou ele,
rindo.
(Penso comigo: Matt é um amor de pessoa. Sempre sorridente, carismático, engraçado... e sim,
muito sexy. É quase impossível sentir raiva dele. Aqueles olhos negros profundos, combinando
com os cabelos igualmente pretos, parecem esconder segredos. E o corpo forte, músculos bem
definidos mesmo sob as roupas largas que usa... difícil não notar. Ele foi meu ombro amigo desde
o dia em que cheguei a esta cidade chamada Mistério. Sim, é realmente esse o nome dela:
Mistério.)
Matt piscou. — Aposto que a Ângela não pensa assim. Não é, Ângela?
Sorri. — Você sabe que eu adoro você. Agora vamos trabalhar, antes que o senhor Jack volte a
pegar no nosso pé.
— Certo. Aqui está o pedido da mesa quatro, e este é o da mesa oito.
Luana bufou. — Tudo bem, chefe.
(Respiro fundo e começo a servir as mesas. O restaurante está cheio. Conversas se cruzam,
risadas, talheres batendo. Até que um diálogo chama minha atenção.)
Homem — Estou sabendo que tem uma casa na nossa rua que está para alugar...
Mulher — Qual delas?
Homem — Aquela no fim da rua. A assustadora.
(Engulo em seco. Aquela casa... fica a duas casas da minha. Ouvi dizer que alguém morreu lá
muitos anos atrás. Pessoas tentaram morar, mas não resistiram. Relatavam vozes, vultos, coisas
que não podiam explicar. Com o tempo, o lugar ganhou fama de mal-assombrado.)
Mulher — É preciso coragem...
Homem — Para morar em uma casa que já foi palco de um crime até hoje misterioso.
A mulher me encara. — O que foi, garçonete? Perdeu alguma coisa?
— Não, desculpe. Aqui estão os pratos de vocês.
(Respiro fundo, mas não consigo me segurar. Pergunto:)
— Vocês sabem quem vai se mudar para a casa fantasma?
Mulher — Não sei. Mas você é a garota que mora a duas casas dela, não é?— Sim.
Homem — Nós moramos no começo da rua.
— Já vi a senhora por lá. Desculpem, preciso voltar ao trabalho. Aqui está a refeição de vocês.
(Sigo adiante, mas a pergunta não me abandona: quem teria coragem de morar naquela casa?)
(Tudo termina bem, como sempre. A Luana levou uma bronca do senhor Jack, Matt foi elogiado pelos clientes
pela comida deliciosa e eu... eu não quebrei nada hoje — o que, convenhamos, já é uma vitória.)
— O que foi, Luana? — perguntei, ajeitando a bandeja.
— Estou cansada de levar bronca do senhor Jack, ele só reclama. E você, ele não pegou no seu pé hoje? Que
sorte a sua. — Luana resmungou.
— Nossa, você quer que eu leve bronca como você? Eu não quebrei nada hoje — respondi, rindo por dentro.
— Você está com sorte hoje. Já eu... — ela suspirou.
— Você vive em festas e noitadas. Quase não dorme. Acho um milagre você conseguir vir trabalhar. — observei.
— Como nós, reles mortais! — Matt entrou na conversa, provocando.
— Sério? Até você, Matt? Vai pegar no meu pé também? Você também curte uma festa! — Luana retrucou.
— Sim, como todos. Apenas não viro a noite como você; tenho que estar aqui cedo. — disse Matt, com aquele
sorriso fácil.
— Nós também, meu caro Matt — rebati, brincando com os dois.
Eles pareciam um casal de velhos brigando — se dão bem, mas às vezes parecem cão e gato: um sempre
provoca o outro. Cuidado, amor e ódio andam de mãos dadas. Percebi Luana fazendo uma careta; Matt mandou
um beijo de canto para ela, e eu sorri, cúmplice.
— O que é tão engraçado, senhorita Ângela? — Jack perguntou, surgindo à distância.
— Ah, senhor Jack, são só a Luana e o Matt. O senhor está bem? — respondi.
— Sim... Pode ir para casa. E você, Luana, nada de ficar em festa a noite toda e vir trabalhar só para dormir. —
Jack advertiu.
— Desculpas, senhor Jack — murmurou Luana.
(Ao sairmos, cochichei para Luana.) — Se você não fosse sobrinha dele, já estaria na rua.
— Sei — respondeu ela, com um sorriso sem graça.
— Então, por que você não muda, Luana? — perguntei, curiosa.
— Quero aproveitar a vida ao máximo. Já vou. — ela respondeu com a impetuosidade costumeira.
— Ela vai mudar um dia? — Matt perguntou, observando.
— Não sei, Matt. Você gosta dela? — perguntei.
— Como uma irmã mais nova. Quer uma carona? — ele ofereceu, gentil.
Matt, com o visual de roqueiro, parecia outra pessoa fora da cozinha.
— Sim, por que não? — aceitei.
— Então vamos. A minha 'bebê' espera por nós. — Matt chamou, rindo.
— Bebê? Sério, Matt? Você chama sua moto assim? — brinquei.
— Sim. Por quê? Está com ciúmes? — ele retrucou. — Tenho um coração grande.— Parece que fala de uma mulher, não de uma máquina. — provoquei.
— Não, minha querida. As mulheres são minhas princesas; a moto é minha bebê. — Ele disse isso com um
sorriso de canto que me derreteu.
No caminho, Matt comentou: — Essa rua sempre dá um certo medo. Por que você ainda mora aqui?
— O aluguel é mais barato — respondi, sem conseguir esconder um encolher de ombros.
— Já sei por quê. — ele riu.
— E por que seria? — perguntei.
— Pela casa. Ela dá uma vibe de mistério, mas também de escuridão e medo. Você não tem medo de ver um
fantasma? — Matt provocou.
— Procuro não pensar nisso, meu caro Matt. — respondi, beijando sua bochecha em despedida. — Até amanhã.
Acenei e parei diante da minha casa. Sempre me senti atraída por coisas misteriosas, mas aquela casa... algo ali
me inquietava.
— O que é isso? Não acredito que o cachorro do vizinho bagunçou meu jardim de novo! — exclamei.
— Desculpas, Ângela. O meu cachorro fugiu e bagunçou suas flores. — Gustavo já vinha pedindo desculpas com
ar debochado.
— De novo? Essas desculpas estão ficando repetitivas demais, senhor Gustavo. Prenda o seu pulguento. —
respondi, revirando os olhos.
— Mas ele tem que ser livre, senhorita. — Gustavo defendeu, acariciando o animal.
— Eu sei, mas o senhor pode cuidar melhor dele. Vou dar uma olhada no estrago. — disse, aborrecida.
Para minha surpresa, o dano não era grande: um buraco aqui, outro ali. Então ouvi um miado — um som distinto,
diferente. Procurei a origem. Não era um gato comum. Seus olhos brilhavam com uma intensidade quase
selvagem; o pelo lembrava o de um tigre. Aproximei-me devagar, esperando que ele recuasse; em vez disso, o
felino parou e me observou sem medo.
— Você tem dono, gatinho? — perguntei, acariciando hesitante.
Angela. Não vejo coleira. Para meu espanto, o gato salta aos meus braços; os pelos são tão macios que parecem
seda. — Posso cuidar de você hoje à noite? — sussurrei, mais para mim do que para ele.
Longe dali, em outro lugar, os irmãos conversavam em voz baixa, como quem fala de presas e riscos.
**Peter** — O nosso tigre encontrou uma humana.
**Apolo** — Como assim "encontrou uma humana", para dizer o mínimo?
**Hades** — Acho que foi a humana que o encontrou, não o contrário.
**Peter** — Como esse peludo vai sair dessa?
**Apolo** — Não sei.
**Hades** — Nosso irmão devia investigar a casa, não ficar na casa
de uma humana.
**Apolo** — Ele é como você, meu caro; não resiste a um rabo de saia.
**Hades** — Pelo
menos eu não sou um virgem como você. **Peter** — Parem. Não somos humanos. Talvez por isso gostemos
tanto deles.
**Apolo** — Mas por que ele escolheu ficar pequeno, como um tigre doméstico? Poderia ter sido um
gato qualquer.
**Hades** — Ele é exibido como você, só por isso.
Na casa de Ângela, a rotina era estranhamente doce: preparei uma tigela improvisada, embora não tivesse ração
— faz muito tempo que não tenho um animal de estimação — e coloquei o gato sobre o sofá. Quando fui ao
banho, senti aquela sensação incômoda de estar sendo vigiada. "É coisa da minha cabeça", pensei. Mas não
era: o gato me observava da porta do banheiro, os olhos atentos, quase humanos. — Você está observando? —
perguntei, já de toalha. O felino apenas inclinou a cabeça, curioso, como se me entendesse. Decidi ir dormir.
Nos pensamentos do gato, uma voz rouca e antiga:
**Luiz**. _Luiz_ — É a primeira vez que estou em uma cidade só de humanos. Deveria ter voltado para a grande casa no fim da rua, mas aquele cachorro me atacou.
Poderia ter revelado minha forma verdadeira, mas seria perigoso. Fugindo do cão, entrei no jardim desta humana. Ela é bonita. Gentil. Preciso observar a casa. Vou esperar que durma para sair._
Ele a observa tomar banho; sente na pele o chamado dela, algo que não entende totalmente. A doença matou
muitas fêmeas da nossa espécie — agora somos poucos, e o desespero por fêmeas levou-nos a sequestrar de
outras espécies. Muitos morrem não só pela praga, mas por serem disputadas por vários machos. Os filhotes
nascem em sua maioria machos. Não podemos continuar assim. Para os que não têm fêmea — como eu e meus
irmãos — resta a sombra: somos tigres por horas e homens por breves momentos. As orelhas e a cauda
denunciam-nos.
_Vejo-a tomando banho. Sei que ela sente quando é observada. Ela olha, mas eu vou para o quarto dela. Assim
que pegar no sono, saio._
De volta aos irmãos, a conversa retomou no escuro daquela antiga casa de refúgio. **Peter** — Luiz, como você
está?
**Apolo** — Conseguiu sair da casa da humana?
**Luiz** — Sim. Estou aqui fora.
**Hades** — Conte-nos:
como ela é?
**Luiz** — Quer dizer... a casa ou a humana? **Hades** — As duas.
**Luiz** — Aqui de fora, a casa
é grande e carrega uma energia estranha. Ninguém que morou lá ficou em paz. Já imaginava isso?
**Peter** —Já.
**Luiz** — Por que vamos morar aqui? **Peter** — Só por um tempo. Vamos ver se há mais humanas novas
na região.
**Luiz** — Iremos sequestrar humanas agora?
**Peter** — Não muitas. Mas precisamos garantir a espécie, ou ficaremos tigres para sempre.
**Luiz** — Não podemos mais ficar na forma humana
permanentemente?
**Apolo** — Apenas o ato, o sexo, nos permite transitar entre forma humana e animal.
**Hades** — Ele é o equilíbrio. Sem uma fêmea, nossa fera fica perigosa demais. **Luiz** — E teremos cada um
a sua? Ou teremos que dividir?
**Peter** — Luiz, você sabe como escolhemos: pelos odores da fêmea.
**Hades** — Podemos escolher a mesma ou outras; depende delas.
**Luiz** — Podemos esconder a cauda,
mas as orelhas... não tanto.
**Peter** — Apenas nossas fêmeas — e outros da nossa espécie — conseguem
perceber essas marcas.
_Luiz_ hesitou. — Vou entrar na casa agora. **Hades** — Boa sorte.
_Luiz_ — Por que "boa sorte"?
**Peter** —Sabe por que esta cidade se chama Mistério?
_Luiz_ — Não. Por quê?
**Apolo** — Pessoas desapareceram ou
morreram nessa casa.
_Luiz_ — Como vocês sabem disso? **Apolo** — Nosso pai falou da cidade anos atrás.
A noite avançava e, em Mistério, o silêncio parecia guardar segredos prontos a romper. Luiz, pequeno tigre sem
coleira, escorreu pela rua; Ângela, alheia ao perigo que pulsava tão perto, fechou a porta de casa, sem imaginar que a sombra que a observava não era apenas de um gato.
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