...Aurora Alencar...
Sou Aurora Alencar Marinho, tenho dezenove anos e sou filha de Alex e Paloma. Sou a caçula de três irmãos. Meus pais são incríveis e muito amorosos conosco, meus irmãos e eu temos muita sorte por tê-los em nossas vidas. Na verdade, temos sorte por pertencer a essa grande família, todos são maravilhosos.
Hoje vim à Ilha Paraíso para o pedido de casamento das minhas primas, Clara e Cecília, Clara inclusive foi pedida em casamento pelo meu irmão mais velho, Théo.
Vim junto com minha irmã do meio, Luna, minhas primas, Clara, Cecília, Manu e também com a amiga delas, a Maria.
Alessandro organizou tudo para pedir Cecília em casamento e Théo aproveitou para pedir Clara também. O mais legal foi ver a cara de surpresa dela, pois ela achava que estava ajudando no pedido de casamento da irmã, mas na verdade ela também foi pedida.
Agora estamos aqui em mais uma reunião animada e barulhenta da Família Alencar e de seus agregados.
As meninas estão com seus noivos e as outras com seus namorados e eu aqui sozinha, já que não tenho namorado e nem tenho vontade de ter, ninguém nunca despertou meu interesse.
— Maia está muito agitada. — minha irmã diz sentando ao meu lado.
— Deve ser o barulho, ela passa a maior parte do tempo só ouvindo sua voz e a do pai dela. Vai se acostumando pequena, essa é sua família. — digo passando a mão na barriga da minha irmã e Maia chuta forte e eu sorrio. — Calma! Daqui há um mês e meio você sai daí.
— Saudade do meu amorzinho. — Luna diz e eu reviro os olhos.
— Vocês só vivem grudados!
— Hoje é sexta Aurora, ele viajou na quarta, só volta amanhã, estou muito carente.
— Dramática!
— Quero só ver quando for você.
— Eu não! Estou muito bem assim.
— Ainda vou te ver apaixonada.
— Quem sabe um dia, não custa nada sonhar.
— Tem certeza que você não gosta de mulheres? Porque se for isso tudo bem, sabe que ninguém vai te julgar por isso, principalmente eu, sabe que não me importo com isso, pra mim todas as formas de amor são válidas. — minha irmã diz e eu sorrio. — Não precisa ter medo de se assumir, se ninguém te apoiar, eu apoio.
— Obrigada irmã, é bom saber que posso contar com você, mas eu não sou lésbica não e se fosse tudo bem, eu não teria vergonha de assumir e ser quem eu sou, na verdade eu gosto de olhar para os homens, mas nenhum deles despertou meu interesse. Quem sabe isso nunca aconteça e eu não vou ficar com ninguém só por ficar, tenho que me sentir no mínimo atraída, não precisa rolar nem sentimentos nem nada, só uma atração já basta, mas isso não aconteceu ainda.
— Você é jovem irmã, deveria estar aproveitando e pegando uns gatinhos.
— Eu não! Os caras da minha idade são todos uns idiotas sequelados, eu não tenho paciência pra ouvir o quanto eles são bons e fazem tudo bem, me poupe, eu detesto isso com todas as forças do meu coração.
— E um mais velho então?
— Nunca encontrei um que me despertasse interesse.
— Aquele deus de ébano ali não tirou os olhos de você desde da hora em que chegamos.
— Ah não! Ele é tipo os caras da faculdade, se acha muito, dá pra ver de longe o tamanho do ego dele.
— O ego eu não sei, mas o restante deve ser bem grande.
— Luna! Pelo amor de Deus, você é casada.
— Mas não sou cega.
— Ele é bonito, mas tem esse grande defeito, não dá pra mim.
— Ele veio atrás da gente quando chegamos e falamos com Alessandro, mas você não deu chance nem de ele se aproximar.
— É porque eu não quero que ele se aproxime mesmo, não quero ter que ser grossa com ele.
— Ele não tira os olhos de você.
— Ele que não venha, eu conheço muito bem o tipo dele, é daqueles que acham que todas as mulheres se jogam aos pés deles.
— Ouvi dizer que ele ajudou muito com a solução do caso do filho do Santorinni.
— Ele é policial, é o trabalho dele.
— Você nem falou com ele ainda para saber se ele é assim ou não.
— Não preciso falar para saber, eu conheço exatamente o tipo dele.
— O que as duas princesas estão fazendo ai? — minha mãe pergunta se aproximando.
— Falando sobre homens. — Luna diz.
— Hum… o que exatamente?
— Eu estava dizendo para Aurora que o deus de ébano ali não tira os olhos dela. — Luna diz movendo a cabeça discretamente para indicar quem é ele para minha mãe.
— Ele é muito bonito mesmo. — minha mãe diz.
— Gente, ele é bonito sim, ok! Ele é! Mas eu não ficaria com alguém como ele.
— Como assim filha?
— Alguém que se acha demais.
— Eu não acho que ele seja assim, ouvi ele conversando com a família do Santorini e ele me pareceu muito gente boa. — minha mãe diz.
— Vocês estão viajando, só pode, ele deve ter a idade do Santorinni e com certeza um homem com mais de quarenta anos não vai querer nada com uma mulher de dezenove que acabou de sair da adolescência.
— Não estamos falando de compromisso Aurora. — Luna diz.
— Eu sei! Só que se as senhoras não lembram, eu sou virgem de tudo e eu não pretendo que seja ele o primeiro. E é mais do que óbvio que um homem vai querer muito mais do que conversar e muito mais do que um beijo.
— Sem pressão filha, faça o que achar melhor, se um dia encontrar alguém que te interesse você vai em frente e se não encontrar tudo bem também, só faça o que te fizer bem e te deixar a vontade, eu até comentei sobre isso, mas sabe que no final suas escolhas é que vão prevalecer e eu estarei aqui sempre ao seu lado.
— Obrigada mãe, a senhora é a melhor. — digo e ela me abraça.
— Eu vou ali ver as crianças das meninas. — Luna diz e vai até onde estão as trigêmeas do tio Caio para ver os filhos delas.
— E eu vou ajudar suas tias na cozinha, hoje as meninas que trabalham aqui estão de folga e temos muita gente para alimentar hoje.
— Quer ajuda?
— Não precisa amor, pode ficar aí e aproveitar a companhia das suas primas.
— Tá mãe. — digo, ela me dá um beijo e entra em casa.
Fico observando os trigêmeos da irmã da tia Raquel brindando, eles são muito bonitinhos, os meninos são idênticos e a menina até parece com eles, mas não muito.
— A família de vocês é muito grande. — o alvo da nossa conversa de agora a pouco diz e senta ao meu lado.
— É! — digo tentando ser simpática.
— Aurora não é? — ele pergunta.
— Sim.
— Você é muito bonita.
— Obrigada.
— Você vai seguir a linha da sua família e ser advogada também?
— Exatamente.
— E fora o direito, o que você gosta de fazer?
— Praticar tiro ao alvo.
— Hum… gosta de atirar.
— Gosto, desde os 14 que pratico, meu pai tem porte de arma e eu sempre me interessei.
— Eu sou policial, sabia? Sou um grande entendedor de armas.
— Interessante.
— Se quiser eu posso te mostrar minhas armas.
— Hum…
— Todas elas, tenho muitas.
— Sei… mas tenho uma leve impressão de que não estamos falando só de armas.
— Eu estou!
— Sei… olha vou ser bem sincera, eu não quero o mesmo que você quer, então pode poupar seu tempo e sua lábia, porque comigo não vai rolar, se rola com as outras mulheres por mim ok, mas comigo não vai rolar.
— Calma aí sereia, eu só queria ser gentil com você.
— Não preciso da sua gentileza e se puder me deixar sozinha, eu agradeço.
— Ok então! Então nem rola pedir seu número de telefone?
— Não!
— Ok, mas ainda vamos nos ver de novo sereia. — ele diz e sai de perto de mim
Ele para na metade do caminho e se vira para olhar para mim, manda um beijo no ar e volta a andar e eu sorrio e reviro os olhos.
Comigo não, deus de ébano!
Aurora Alencar
Estou na festa de casamento das minhas primas, as gêmeas da tia Raquel e do tio Caio, uma delas se casou com meu irmão mais velho, o Théo. Anna Clara e eu tivemos nossas desavenças no passado, em uma época onde eu era muito imatura e achava que era a dona da razão, mas agora as coisas são diferentes e eu gosto muito dela e da relação que ela tem com o meu irmão, os dois se gostam desde a adolescência, não é muito comum na nossa família ficarmos com nossos primos, pois somos criados como irmãos, mas nas coisas do coração ninguém manda e nem tem controle, então Théo e Clara são o segundo casal primos que ficam juntos, primeiro foi Luíza e Ruan, que são casados faz alguns anos e agora, Théo e Clara.
Meus irmãos agora são casados, os dois, a primeira foi Luna, que é minha irmã do meio, ela se casou antes de Théo, ela se casou aos vinte e três anos, logo depois que se formou e já tem uma filhinha, a Maia que tem quase um ano, ela é uma doçura, amo muito minha sobrinha.
Enquanto meus irmãos já são casados e uma já é mãe, por outro lado, eu nunca namorei na vida, nunca apareceu ninguém que despertasse meu interesse.
Sou virgem de tudo, inclusive nunca beijei ninguém, nunca tive vontade em vinte anos de vida. Já me questionei várias vezes sobre minha sexualidade e me perguntei se não era assexuada, mas eu sei que não sou, pois os homens despertam meus olhares, gosto de olhar para um homem bonito, mas nunca encontrei um que me fizesse querer algo a mais.
Pego um champanhe e sento um pouco afastada das pessoas, eu amo esses momentos com minha família, mas também gosto de silêncio e de ficar sozinha.
— Sozinha porquê? — o homem pergunta com uma mão no bolso e outra segurando uma bebida, que eu acho que deve ser whisky e eu dou de ombros. — Se quiser companhia estou aqui. — controlo minha vontade de revirar os olhos.
Olho bem para o homem parado à minha frente, ele é muito bonito, bem alto e forte, tem uma pele negra muito bonita, ele é muito bonito na verdade, o conjunto da obra é bonito, mas não gosto do jeito dele, sei lá, acho que o santo não bate.
— Há quanto tempo. — ele diz quando eu não falo nada.
— E você é? — pergunto, mesmo sabendo exatamente quem ele é.
Depois do dia do noivado das meninas nós nos vimos algumas vezes, mas em nenhuma delas eu dei papo para ele, sempre fiz questão de me manter bem longe e mal trocamos algumas palavras, foram só cumprimentos vazios.
— Romeu, amigo do noivo, nos conhecemos no noivado, mas não tivemos oportunidade de nos conhecer melhor, você me deu fora. — ele diz e eu sorrio me lembrando do dia em que isso aconteceu.
— Ah!
— Onde costuma ir pra eu poder passar a ir lá também para te ver com mais frequência.
— Tem certeza que quer ir onde eu frequento?
— Sim! Se isso vai me fazer te ver mais vezes, sim, eu quero ir.
— Eu danço balé, vai entrar no balé, policial?
— Por você eu topo! Se é para aprender a dançar balé,eu aprendo. Mas você é bem interessante e suas atividades são bem distintas uma da outra, você me falou que praticava tiro ao alvo e também faz balé, isso é bem interessante.
— Uma coisa não tem nada a ver com a outra, eu amo tiro ao alvo, mas também amo balé. Fazer o quê? Eu gosto das duas coisas.
— Pode me convidar para ir ao clube de tiro com você, vai ser um prazer te ensinar tudo que eu sei. — ele faz questão de dizer isso dando ênfase nas palavras ensinar e prazer e eu sorrio de lado.
Mal sabe ele que o que ele está falando faz todo sentido, pois se eu chegasse a ficar com ele, ele teria que realmente me ensinar tudo.
— E o que seria seu tudo policial? — pergunto dando corda.
Não estou fazendo nada de interessante mesmo, vou ao menos me divertir um pouco com ele, no final ele vai continuar na vontade e eu vou poder dar umas boas risadas disso tudo.
— Tudo que você quiser sereia, o que quiser aprender eu te ensino.
— Hum… É um grande conhecedor de armas policial?
— Sou! Não costumo errar meu alvo.
— É mesmo?! Nenhuma vez?
— Erro raramente, quando eu miro, eu acerto.
— É mesmo?! E o que acontece quando erra e o bandido foge?
— Eu tento uma e outra vez e sempre o capturo, pode não ser na mesma hora ou dia, mas pode ter certeza que quem está sob minha mira é capturado.
— Sei…
— Posso passar meses observando meu alvo e no momento certo ele é capturado.
— Isso funciona com as mulheres também?
— Sim.
— Então quer dizer que escolhe uma mulher e fica com ela na mira?
— Exatamente!
— E costuma demorar para serem “capturadas”?
— Na maioria das vezes não!
— Então não costuma levar um fora?
— Não costumo!
— E quando leva?
— Isso nunca aconteceu antes.
— Ah! Então quer dizer que você é irresistível? Quer dizer que as mulheres não resistem a você?
— Não! Também não é assim, não tenho um ego tão grande assim, mas geralmente não tenho dificuldade para ficar com quem quero, já que são pessoas bem resolvidas e que sabem o que querem, assim como eu.
— Sexo sem compromisso!
— Isso.
— Sempre mulheres mais velhas?
— Porque está me fazendo essa pergunta?
— Curiosidade. Não pode matar minha curiosidade?
— Posso! Posso “matar” tudo que você quiser.
— Só a curiosidade mesmo.
— Digamos que sim.
— Como assim?
— São mulheres mais novas que eu no geral.
— Mais novas quanto?
— Quantas perguntas à toa, pode me perguntar coisas mais interessantes e eu terei o prazer de responder cada uma das suas perguntas.
— No momento, quero a resposta para essa pergunta.
— Ok, eu respondo! Geralmente são mais novas que eu, a partir dos vinte e oito, mas também já houve mais velhas que eu, tipo uns cinquenta e cinco. Satisfeita?
— Sim!
— Por que está me perguntando isso?
— Só para comprovar minha tese.
— Que tese?
— Deixa quieto policial.
— Não! Eu vou querer saber, respondi todas as suas perguntas, agora responda a minha.
— Quem sabe um dia policial… — digo me levantando. — Foi um prazer. — digo me afastando dele.
— Isso não vai ficar assim sereia. — o ouço dizer e sorrio, mas não me viro para olhar para ele.
Como eu suspeitava, ele é daquele tipo de homem que nunca levou um fora e por isso se acha bom demais.
Agora não entendo o interesse dele em mim, já que disse que fica com mulheres mais velhas.
Deve ser algum tipo de fetiche.
Mas aqui não deus de ébano!
A festa foi noite adentro e eu estou aqui observando o jardim da casa iluminado com luzes penduradas entre as árvores e velas nas mesas compridas de madeira. Tudo está impecavelmente decotado, não canso de admirar a obra prima que minha tia Beatriz conseguiu fazer aqui.
Estou usando um vestido verde-escuro simples, de alcinhas, o cabelo preso num coque elegante com alguns fios loiros soltos na testa. Estou encostada perto da cozinha externa, com um copo de suco na mão, observando todos dançando e se divertindo.
Ergo os olhos e o vejo, o deus de ébano está com os olhos em mim.
Ele está com o paletó escuro contrastando com a informalidade do ambiente. Alto, cabelos pretos levemente bagunçados, barba bem feita, ombros largos e um olhar... pesado, com esses olhos verdes penetrantes.
Ele não tem o olhar de um homem comum — mas de alguém acostumado a ler perigos, a perceber o que os outros não dizem.
Olho em volta, observando tudo, rostos e rotas de fuga, até que os olhos dele encontraram os meus e eu prendo a respiração.
Não foi um olhar demorado. Um segundo, talvez dois. Mas intenso o suficiente para me fazer desviar os olhos, como se tivesse feito algo errado. Como se tivesse sido pega nua diante de um estranho.
Romeu apertou a mão de alguns dos meus familiares, sorriu para Anna e recebeu um tapa amigável de Théo, que aparentemente já o conhece. E então, como se atraído por alguma força invisível, voltou a olhar para mim.
Finjo que não vi. Ou tentou fingir. Mas sinto o peso do olhar dele mesmo de costas.
Durante o jantar sentamos distantes. Romeu entre Alessandro e Théo, e eu entre Luna e minha mãe. Em determinado momento comentam sobre o meu futuro.
— Está no segundo ano de Direito, né, minha filha? Já pode começar a treinar defesa dos tios na ceia de Natal! — meu pai brinca.
— Só espero que ela arrume tempo pra viver também, né? — uma daquelas tias avós bem chatas, que nem sei porque está aqui comenta. — Nunca foi beijada! Vai acabar virando uma monja!
Minha fama de virgem e BV roda a família inteira e muitas vezes isso acaba virando piada. Não que eu me importe, afinal eu sou por opção.
Todos sorriem e eu sinto vontade de socar a cara dessa velha enxerida.
— Se eu quisesse beijar alguém, pode ter certeza que já teria beijado! Era só eu estalar os dedos e teria muitos aos meus pés! —digo e ela abaixa a cabeça.
— Desculpa Aurora, só estava brincando. — dou de ombros.
Minha irmã olha para mim e sorri e sussurra para eu me acalmar.
Olho de relance e Romeu me observava com atenção, mas sem deboche. Sem riso. O olhar dele é... sério demais. Intenso demais.
Como se essa informação tivesse criado algo novo entre nós.
Após o jantar escapo para o quintal lateral, querendo silêncio. Sento-me na mureta baixa de pedra e olho para o céu.
Minutos depois, ouço passos.
Romeu.
— Achei que você tinha ido embora — digo sem olhar para ele.
— Eu deveria... Mas parece que não consegui.
Viro o rosto, encontrando aquele olhar outra vez.
— Seu nome é mesmo Romeu? — ele sorri de canto.
— Parece nome de cafajeste, né? — ele pergunta arqueando as sobrancelhas.
— Com toda certeza!
— E o seu? Aurora... nome de princesa.
Fico em silêncio. O jeito que ele disse meu nome... parece uma confissão.
Romeu se aproximou um pouco mais, mas respeitou a distância. Não me tocou. Não insistiu. Mas os olhos diziam tudo: ele queria. E eu... também queria. Mesmo sem entender.
— Boa noite, Aurora. — ele disse e foi embora.
E eu fiquei aqui, com o coração acelerado e os lábios formigando, como se tivesse sido beijada apenas com um olhar.
...Romeu Souza...
A delegacia está mergulhada no barulho rotineiro de telefones tocando, passos apressados e vozes cruzadas. Estou sentado em minha sala, fito os papéis à minha frente, mas não estou de fato lendo nada. O relatório de ocorrência aberto sobre a mesa é apenas um borrão. Esfrego os olhos e me recosto na cadeira, soltando um suspiro impaciente.
Aurora.
O nome dela ecoa como um sussurro constante em minha mente.
Maldita garota!
Essa sereia me enfeitiçou.
Mas ela é jovem demais. Correta demais. Inocente demais.
Eu não tenho o direito nem de pensar nela desse jeito.
Mas p*rra se não penso!
Penso tanto que chega a doer.
Ela não faz ideia do efeito que causa em mim. Aqueles lindos olhos azuis e desconfiados, a forma como enrugou a testa quando eu tentei provocar uma reação, a voz suave, firme e... inatingível. É exatamente isso que me enlouquece — ela não me quer. E eu não estou acostumado a ser rejeitado.
— Capitão? — A voz do investigador Marcos me tira do transe. — O delegado já despachou os autos do caso de ontem. — assinto, pegando os documentos com um aceno distraído.
— Algum problema, chefe?
— Nenhum — respondo seco.
Marcos hesitou por um segundo, depois se retirou, deixando a porta entreaberta.
Passo a mão pela nuca. Já enfrentei bandidos armados, interrogatórios longos, perseguições tensas. Mas nada disso me desestabilizou como a lembrança daquela garota de 19 anos, com os cabelos presos num coque elegante e a boca que ainda não foi beijada.
Descobri isso por acaso, no dia da festa de casamento do Santorinni. Quando alguém comentou: "Aurora nunca foi beijada! Vai acabar virando uma monja" e ela não abaixou a cabeça, atrevida como ela é, deu uma resposta a altura. Disse que se ela quisesse beijar não faltariam opções, que era só ela estalar os dedos e tirando por mim isso é bem verdade, se ela estalasse os dedos eu seria o primeiro da fila de opções.
Essa informação me atingiu com força e, desde então, a imagem dela não me abandonou mais.
Que diabos você está fazendo comigo, Aurora Alencar?
Já faz dois anos desde que a conheci e desde então ela me evita a todo custo. Quando chego ela vai embora, quando tento me aproximar ela foge, mas a danada entrou na minha cabeça de um jeito que não sai da minha mente.
Me levanto, atravesso a sala e me apoio no batente da janela. A cidade lá fora fervilhava em tons alaranjados sob o fim do dia. Era para eu estar pensando em estratégias, casos, operações.
Mas só consigo me perguntar... se terei coragem de me aproximar dela de novo. E pior: o que eu faria se ela dissesse sim.
Saio da delegacia e hoje estou indo jantar na casa da mãe do Santorinni, que tenho como mãe também, já que a minha me chutou quando eu tinha apenas 4 anos, me deixou com meu pai, que na época trabalhava no supermercado da mãe do Santorinni e ela facilitava a vida do meu pai, para ele poder trabalhar, no caso ela e o pai do Santorinni que na época administrava tudo e a esposa dele só o ajudava. Eles conseguiram para mim uma bolsa na mesma escola dos filhos deles e assim começou minha amizade com aquele p*to.
Devo muito a família do meu amigo e nunca poderei agradecer o suficiente. Estou onde estou, graças ao meu pai que não desistiu de mim e dos Santorinni.
— Boa noite. — digo entrando na casa, pois tenho acesso livre a casa deles e tenho até a chave.
— Oi filho. — tia Caterina me recebe com um abraço.
— Oi tia, sua benção.
— Que Deus te abençoe meu bem. Está se alimentando bem?
— Quando dá sim.
— Estou te achando mais magro.
— Não tenho tido muito tempo para treinar tia.
— Nem tudo na vida é treino, às vezes um bom prato de macarronada resolve.
— Principalmente se for a sua tia. — digo beijando a testa da mulher que tenho maior respeito e amo como uma mãe.
— Por isso mesmo preparei macarronada, porque sei que é a sua preferida.
— Que eu saiba seu filho sou eu! — meu melhor amigo e irmão diz entrando.
Ele está acompanhado da esposa — a loirinha ninfeta que amarrou as bolas dele, mas verdade seja dita, essa mulher o faz feliz, nunca tinha visto meu irmão tão feliz quanto agora — e com ele também estão Henry, que já está com seus dezessete anos, um homem feito e de mãos dadas com ele, a namorada Olivia.
— Sabe que eu sou mais legal que você não é? — digo e meu amigo revira os olhos e dá um soco no meu braço.
— Aí! Filho da... — tia Caterina pigarreia e eu me calo. — Desculpa tia.
— Vocês parecem crianças! — a ninfeta, vulgo esposa do meu amigo diz. — Até a florzinha é mais madura que vocês. — florzinha é a filha de Rebeca.
— Eu concordo. — Henry diz. — Falando nela, onde ela está vó?
— Foram visitar a família do João.
— E a senhora está sozinha aqui?
— Sim.
— Poderia ter me ligado, eu teria vindo pra cá ficar com a senhora vó, não gosto que a senhora fique sozinha. — tia Caterina sorri olhando para Henry.
O moleque é incrível, não há o que dizer sobre ele, só que ele é uma das minhas pessoas preferidas do mundo.
— Você é um menino de ouro, meu amor. — tia Caterina diz e Henry a abraça e deixa um beijo em sua testa.
— Eu amo a senhora vó.
— E eu a você meu bambino lindo. — ela diz acariciando a bochecha dele. — Você tem sorte bambina, seu futuro marido é um menino de ouro e você bambino cuide bem dela, porque ela é preciosa demais. — ela diz e Olívia se junta ao abraço.
— Eu vou cuidar bem dela vó.
— E eu dele, como a senhora disse, eu tenho sorte.
— Eu que sou sortudo. — Henry diz.
Santorinni e Cecília observam a cena e sorriem emocionados. É nítido o quanto a loirinha ama meu amigo e o filho dele e não é à toa que o moleque a chama de mãe.
Nos sentamos à mesa e depois de fazermos uma oração, o que é tradição aqui na casa deles, nós começamos a comer e a macarronada está divina como sempre. Sem dúvidas e sem exageros é a melhor que já experimentei.
— O que há de novo na vida desse casal de advogados criminalistas? — pergunto.
— Muitos casos difíceis. — meu amigo diz.
— Eu ainda estou estagiando. — ela diz.
— Vocês já pensaram na possibilidade de em algum momento vocês terem que atuar um contra o outro? Vocês são de escritórios diferentes, há uma grande possibilidade. — digo e ela dois se olham.
— Espero que isso não aconteça. — ele diz. — Deveria vir trabalhar comigo.
— Eu amo você amor, mas o programa de estágio do escritório Alencar é bem melhor.
— Terei que melhorar isso.
— Faça isso, seus estagiários agradecem.
Observo os dois, meu amigo olha para a ninfeta dele com a maior cara de bobo, só falta escorrer a baba. Santorinni segura a mão dela e leva aos lábios deixando um beijo nela.
— Mudando de assunto... — a loirinha diz. — Vai ter meu aniversário e da minha irmã e eu gostaria que vocês fossem, você também Romeu.
— Estarei lá! — digo.
Após o jantar conversamos um pouco mais e logo depois me despedi deles e fui para casa.
Até poderia estender a noite em alguma balada e encontrar uma mulher para f*der, mas a verdade é que hoje não estou no clima da caçada e também não quero recorrer a agência.
Melhor ir para casa e relaxar…
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