LUNA
“Eu nunca mais vou me apaixonar.”
As palavras escaparam baixas, como uma confissão embriagada, enquanto eu virava o copo de vodka e sentia o líquido queimar minha garganta.
O bar estava lotado. Música alta, risadas espalhadas, garçons correndo de um lado para o outro. Mas, para mim, tudo parecia em câmera lenta. Como se o mundo lá fora tivesse dado uma pausa só para que eu pudesse afundar naquele vazio.
O fim com Gabriel ainda latejava feito ferida infeccionada. Ele não só terminou comigo… ele praticamente me destruiu. Disse que eu era intensa demais, ciumenta demais, difícil demais de amar. Três anos jogados fora, como se eu fosse uma fase ruim que ele superou.
E, para coroar minha humilhação, hoje mesmo ele postou fotos com outra garota — em Londres. Uma dessas influencers loiras e perfeitas. Sabe? Daquelas que parecem feitas sob medida pra substituir alguém como eu.
Tremi, mais de raiva do que de frio. Outro gole. Outro suspiro.
— Bebida forte pra uma mulher sozinha. — a voz masculina soou ao meu lado.
Desviei o olhar e vi um homem de terno, sorriso fácil e olhos que pareciam julgar. Ele era bonito. Em outro momento, talvez eu o achasse interessante. Mas ali… algo no modo como ele me olhava fazia minha pele se arrepiar — e não de forma boa.
— Eu gosto forte. — respondi, seca.
Ele riu. — Isso diz muito sobre você.
— Duvido que você saiba o que diz. — murmurei.
— Que tal eu te mostrar? — Ele sinalizou para o barman. — Mais uma rodada.
Foi rápido demais. Um copo novo apareceu na minha frente. E eu, tola e magoada, virei o drink sem pensar.
O gosto estava diferente. Levemente adocicado.
Alguns minutos se passaram e… algo estranho aconteceu. O bar parecia ainda mais nebuloso. As vozes ecoavam longe. As luzes giravam. Minha cabeça pesava como se estivesse cheia de chumbo.
Meu corpo ficou mole. Minhas mãos, trêmulas. Tentei me levantar, mas minhas pernas não obedeciam.
— Ei… acho que você precisa de ajuda. — o homem disse, tocando meu braço.
Tentei recuar, mas minha visão embaçava.
“Não. Alguma coisa está errada.”
Senti pânico. Um medo frio me apertando o peito. Eu queria gritar, mas a voz não saía. Ele me segurou firme, tentando me erguer, como se eu fosse um boneco sem força.
— Calma, docinho. Vamos só ali fora, pegar um ar.
Não. NÃO.
Foi quando uma outra voz surgiu. Firme. Baixa. Inquestionável.
— Solta ela. Agora.
O homem virou-se bruscamente, surpreso.
— Quem diabos é você?
— Alguém que viu você colocando algo na bebida dela. E que não vai deixar você dar mais um passo.
Meus olhos piscavam devagar, mas ainda assim consegui ver. Um homem alto, de jaqueta preta, barba por fazer, olhos como aço frio. Havia algo de perigoso nele. Mas um perigo diferente. Um que fazia o chão parecer seguro sob meus pés.
— Sai do meu caminho. Isso não é da sua conta. — o homem do terno sibilou.
— Agora é. — respondeu o estranho, já puxando o celular. — Ou você quer sair daqui algemado?
Tudo aconteceu rápido. O homem do terno soltou meu braço com raiva, praguejou algo e sumiu pela porta dos fundos.
A última coisa que vi antes de desmaiar foi o desconhecido se aproximando com calma. Seus braços me ampararam e sua voz sussurrou no meu ouvido:
— Já passou. Eu te peguei.
Acordei com a cabeça latejando, como se uma britadeira estivesse funcionando dentro do meu crânio.
As pálpebras pesavam, e a luz suave que atravessava a cortina me cegou por um instante. Pisquei devagar, tentando entender onde estava.
Teto branco. Lençóis escuros. Ar-condicionado. Um quarto estranho. Grande demais para um hotel barato. Limpo demais para ser meu.
Levantei os olhos, confusa. Então olhei para baixo.
Estava nua. Completamente nua sob os lençóis.
Meu coração parou por dois segundos antes de disparar, desenfreado.
A última coisa que eu lembrava era... o bar. A bebida com gosto esquisito. Um cara insistente demais. A tontura. A voz de alguém me chamando de volta à realidade.
A voz dele.
Silas.
Lentamente, as memórias voltavam como flashes. A briga. A minha vergonha. Minha insistência. Eu tocando o rosto dele... puxando sua camisa...
“Não.” Eu sussurrei, sentindo o calor subir pelo rosto.
Sentei na cama, puxando o lençol para cobrir o corpo. Sobre a cômoda, havia uma garrafa de água, uma camisinha usada no lixo, e — o mais chocante — duas notas de cem dólares dobradas com cuidado.
Meus olhos se arregalaram.
Cento e... duzentos?
O estômago se revirou.
Era isso? Ele... cobrou?
Era esse o preço?
Não... não podia ser. Mas também... por que mais haveria dinheiro ali?
Engoli seco. Um gosto amargo subiu pela garganta.
Me levantei devagar, com as pernas trêmulas. A camiseta dele estava dobrada sobre uma cadeira. Vesti depressa, evitando o espelho. Não queria me ver agora. Não queria me encarar.
Me aproximei da porta do quarto, rezando para que ele não estivesse acordado. Queria sair dali antes que ele me visse. Antes que jogasse alguma piada cruel, ou confirmasse o que eu já temia.
Mas o destino não colaborou.
Quando abri a porta devagar, lá estava ele.
Silas.
Cabelo bagunçado, camiseta cinza, sentado no sofá com uma caneca de café na mão e o celular na outra. Ele levantou os olhos quando me viu.
E sorriu.
— Dormiu bem?
Minha garganta fechou.
— Eu... eu preciso ir.
— Não vai tomar café? Fiz ovos. E torradas. — Ele apontou com o queixo para a cozinha.
O que ele estava fazendo? Aja como um idiota. Seja escroto. Me deixe odiar você.
— Prefiro não me alongar, sabe... depois de pagar pelo serviço, acho que não tenho direito ao café da manhã. — A frase saiu fria. Quase cortante.
Ele franziu o cenho.
— O quê?
Apontei para a cômoda. — Duas notas de cem. Você deixou à vista. Fica difícil fingir que não entendi.
Ele ficou em silêncio por um segundo. Depois soltou uma risada baixa, incrédula.
— Você acha... que eu cobrei?
— Olha, não estou aqui pra discutir ética. — Cruzei os braços, tentando parecer mais firme do que me sentia. — Foi uma noite ruim. Eu estava vulnerável. Eu fui estúpida. E você... bom, você viu a oportunidade. Cobrou. Tudo bem. Não precisa fingir que foi outra coisa.
— Luna. — Ele se levantou lentamente, a voz firme. — Você me pediu. Literalmente implorou. Você me beijou. Você tirou a própria roupa. E depois desabou chorando no meu peito. Dormiu em segundos.
Engoli seco.
— Então... não aconteceu nada?
— Não. Nada que justificasse seu julgamento. Nada que merecesse pagamento. — Ele se aproximou da cômoda, pegou as notas e estendeu para mim. — Isso é seu. Caiu da sua bolsa quando você desmaiou. Eu só dobrei e deixei ali.
As pernas amoleceram. O rosto queimava.
Meu Deus. Que tipo de pessoa eu estou me tornando?
— Eu... sinto muito.
— Você tem todo o direito de se sentir perdida. Mas não me use como espelho da sua bagunça. Eu não te toquei. Não te cobrei. E não vou te julgar.
As palavras dele me atingiram mais forte do que eu esperava.
Por um momento, quis sentar, chorar, pedir pra ficar. Mas não fiz nada disso.
Apenas peguei o dinheiro, envergonhada, e caminhei até a porta.
Antes de sair, ouvi sua voz novamente.
— Da próxima vez que quiser desaparecer, tente não fugir de quem acabou de te salvar.
A porta se fechou atrás de mim com um estalo.
E eu desci as escadas sem saber se queria voltar algum dia.
Ou se era exatamente isso que mais temia.
LUNA
O café da recepção estava morno, e o sabor era tão amargo quanto a lembrança daquela manhã. Fazia três dias desde... aquilo. Desde que acordei no apartamento de um estranho, sem roupas, sem memória e com vergonha enfiada até os ossos.
Ou melhor, não tão estranho assim.
Silas.
Aquele nome ainda ecoava na minha mente como uma provocação. Eu tinha me enganado sobre ele. Acusei. Fugi. Deixei um rastro de constrangimento no ar e desapareci sem olhar para trás.
Agora, aqui estava eu. Sentada na minha estação de trabalho, respondendo e-mails com um nó na garganta, tentando parecer uma adulta funcional.
— Luna, você viu o aviso no grupo? — sussurrou Amelie, minha colega de mesa, inclinando-se em minha direção.
— Que aviso?
— Novo CEO. Chega hoje. Reunião geral no auditório em quinze minutos. Disseram que o presidente do conselho trouxe ele de fora. Totalmente inesperado. Um recomeço pra empresa.
Suspirei, apoiando o queixo na mão.
Novo CEO. Grande coisa. O último ficou seis meses e desapareceu após um escândalo envolvendo viagens superfaturadas.
A empresa precisava mesmo de um recomeço.
Terminei meu café, fechei o notebook e segui com os outros funcionários para o auditório. Estava lotado. Murmúrios enchiam o ar como nuvens de fumaça — todos curiosos, empolgados, e como sempre, julgadores.
Sentei na ponta de uma das fileiras, cruzando as pernas e tentando parecer minimamente interessada.
O presidente da empresa, Sr. Hamilton, subiu ao palco com aquele seu sorriso institucional e voz embargada de falsa empolgação.
— Bom dia a todos! — disse, batendo palmas. — Obrigado por virem. Hoje damos início a um novo capítulo. Alguém com ideias ousadas, visão de longo prazo e um histórico impecável foi escolhido para liderar a HudsonTech nesta nova era. Sem mais delongas, gostaria que dessem as boas-vindas ao novo CEO...
O mundo desacelerou.
Minha pele arrepiou antes mesmo de ouvir o nome.
— ...Silas Bennett.
Minha espinha congelou.
Não. Não, não, não.
Meus olhos se arregalaram e, como em câmera lenta, vi Silas subindo os degraus do palco com aquele andar confiante e tranquilo.
Terno escuro, cabelo bem penteado, olhar focado.
O mesmo rosto que vi sobre mim naquela noite.
A mesma voz que me disse, com firmeza, que não tinha me tocado.
O mesmo homem que eu acusei de ser... um prostituto.
Ele pegou o microfone, olhou para a plateia e sorriu com serenidade. Os aplausos ecoaram, mas eu só conseguia ouvir a batida frenética do meu coração.
Ele não me viu.
Não ainda.
— É uma honra estar aqui. Sei que mudanças podem gerar resistência, mas quero que saibam que estou aqui para construir, não destruir. Respeito o que essa empresa representa. — Sua voz era firme, clara. — Meu objetivo é elevar o que temos de melhor, e consertar o que precisa de coragem para ser corrigido.
Algumas pessoas bateram palmas, impressionadas com o discurso breve e objetivo.
Eu, por outro lado, tentava enfiar meu corpo dentro da poltrona.
Ele olhou novamente para o público. Percorreu a sala com o olhar.
E então... ele me viu.
Nossos olhos se encontraram.
Meu estômago revirou.
Não houve hesitação no rosto dele. Nenhuma surpresa. Apenas uma sobrancelha ligeiramente arqueada. E um sorrisinho quase imperceptível. Quase sarcástico.
— Espero que todos estejam dispostos a escrever esse novo capítulo comigo. Inclusive... velhos conhecidos. — Ele disse, sem desviar os olhos de mim.
Quase engasguei.
O desgraçado estava se divertindo com aquilo.
Quando a reunião terminou, tentei escapar discretamente, mas, claro, fui convocada à sala de reunião do 16º andar com mais alguns funcionários. O tipo de "bate-papo estratégico" para os departamentos-chave.
E lá estava ele de novo, agora mais próximo. Mais real.
Quando todos se sentaram, ele começou a falar sobre metas, equipes, reestruturação. Seu tom era profissional, direto. Mas sempre que nossos olhos se cruzavam — e isso aconteceu mais do que eu gostaria — havia algo ali.
Alguma coisa entre sarcasmo e provocação.
Quando tudo acabou, ele se aproximou da porta... e a trancou.
Fiquei sozinha com ele.
Me virei devagar, sentindo o sangue fugir do rosto.
— Você não pediu demissão ainda. — Ele disse, sem rodeios.
— Não vejo por que deveria.
Ele sorriu. Um sorriso perigoso.
— Porque trabalhar para alguém que você acusou de cobrar por sexo deve ser desconfortável.
Engoli em seco.
— Eu já pedi desculpas.
— Ah, pediu? Engraçado... não lembro de ouvir isso.
— Silas...
— Sr. Bennett. — Ele me corrigiu, o olhar frio.
Fechei os olhos, frustrada.
— Me desculpe. Eu estava confusa, vulnerável. Achei que tinha... acontecido algo. Você me salvou. E eu te acusei. Foi horrível. Mas, por favor, não me mande embora.
Silas me observou em silêncio. Seu olhar parecia atravessar minhas defesas.
— Eu não vou te demitir, Luna. — Disse, por fim.
Meus ombros relaxaram.
— Mas... — ele se aproximou, ficando perigosamente perto — eu adoraria saber como pretende me compensar por isso.
— Compensar?
— Claro. Você me chamou de prostituto, ignorou que eu te salvei, fugiu como se eu fosse um criminoso e agora está aqui... me chamando de chefe. Acho que estou em posição de exigir, no mínimo... um pedido de desculpas digno.
— Já pedi.
— Quero um que pareça verdadeiro.
— Como seria isso, exatamente?
— Isso... — ele sorriu — vou te mostrar depois.
Ele destrancou a porta e saiu, deixando no ar um cheiro suave de colônia e a certeza de que aquele emprego... nunca mais seria o mesmo.
LUNA
Se alguém me dissesse há uma semana que o homem que me salvou de um predador num bar, que depois aceitei erroneamente como um prostituto, se tornaria meu chefe… eu teria gargalhado. E chorado logo em seguida.
Mas lá estava ele. No topo da cadeia alimentar corporativa.
E eu? Um cisco administrativo tentando desaparecer na sala de reuniões.
— Luna? — a voz da Amelie me tirou do transe. — Você vai mesmo fingir que não percebeu que o homem dos seus pesadelos e sonhos molhados é o novo CEO?
— Shhh! — cobri a boca dela com a mão. — Quer ser demitida com som ambiente?
— Quer saber? Eu aceitaria ser demitida por ele. Já viu aquele terno cinza? Ele nasceu para usar poder como perfume.
Revirei os olhos e voltei a digitar, focando em qualquer coisa que não fosse os passos pesados vindos do corredor.
— Bom dia. — a voz profunda ressoou na sala.
Meu estômago deu um duplo twist carpado.
Silas.
Por que ele tinha que ter essa presença de predador de elite?
Ele passou direto por mim, mas sua mão — discretamente — tocou o encosto da minha cadeira enquanto passava. Um gesto rápido, mas suficiente para me dar um curto-circuito mental.
Ele seguiu para a sala da presidência sem dizer mais nada.
Eu quase desabei sobre o teclado.
— Ok, você vai me contar tudo. Agora. — Amelie sussurrou. — Ele falou com você na reunião de ontem? Ele olhou pra você de um jeito que me deu calor. Vocês se conhecem?
Neguei com a cabeça, sorrindo nervosa. Mentira número um da semana.
Ela estreitou os olhos.
— Então por que você parece uma garota que dormiu com o lobo?
Quase engasguei com o café.
— Amelie, por favor. Só me deixa... sobreviver até o almoço.
Duas horas depois, meu pesadelo voltou com um nome.
Reunião com o CEO — 14h — Participantes: Sr. Silas Bennett, Luna F. Harper.
Sozinha.
Com ele.
Claro.
Revisei o e-mail três vezes, esperando que fosse erro do sistema.
Não era.
Às 13h55, subi os andares com o coração na garganta. As portas do elevador se abriram e lá estava ele, sentado atrás da mesa de mogno como se governasse o mundo.
E talvez governasse mesmo.
Silas ergueu os olhos e acenou para que eu entrasse.
Fechei a porta atrás de mim, com tanto cuidado quanto quem está entrando numa jaula.
— Sente-se, Srta. Harper. — ele disse, sem sequer olhar para mim, os olhos focados em um documento.
Engoli em seco e me sentei.
O silêncio era tão espesso que dava para cortar com um grampo de cabelo.
— Não precisa parecer tão desconfortável. — ele disse, finalmente me encarando.
— Estou apenas... tentando manter o profissionalismo.
— Aprecio isso. Principalmente vindo de alguém que me deixou duzentos dólares na mesa.
Fechei os olhos por um segundo.
— Já pedi desculpas por isso.
— Pediu. E depois bateu a porta na minha cara.
— Eu estava com vergonha.
— E agora?
— Estou em estado de negação, pra ser honesta.
Ele riu. Um som baixo, arrastado. Quase... perigoso.
— Sabe por que pedi para você subir?
— Porque... eu trabalho aqui? E você é meu chefe?
— Porque gosto de ver você desconfortável.
Olhei para ele, surpresa.
Ele não sorria.
— Gosto de observar quem me subestima. Você teve uma imagem sobre mim. E agora precisa se desfazer dela toda vez que entra nesta empresa. Deve ser exaustivo.
Cruzei os braços.
— E você? Está tentando se vingar? Me deixar desconfortável de propósito?
— Eu prefiro "equilibrar o jogo". — ele respondeu com aquele ar de quem sempre está um passo à frente.
Silas se levantou e caminhou lentamente até minha cadeira.
Fiquei paralisada. Ele se abaixou ao meu lado, até ficarmos frente a frente.
— Da próxima vez que me chamar de qualquer coisa além de "senhor Bennett", vou lembrar disso, Harper. E... talvez mande você servir café para o prédio inteiro.
Ele piscou.
Levantou-se e voltou para a mesa, como se nada tivesse acontecido.
— Você está dispensada.
Saí sem dizer uma palavra, mas meu sangue fervia.
Ele era o homem mais irritante que já conheci. E o mais irresistível. E agora, parte da minha rotina.
O que poderia dar errado?
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