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Não É Só Porque É Família

Capítulo 1 – A casa onde eu não me sentia segura

“Lar é onde a gente respira em paz.

E por muito tempo, eu só soube prender o ar.”

Quando a gente fala em “casa”, muita gente imagina um lugar de descanso. Um lugar onde o corpo pode soltar o peso do mundo e a alma se refaz. Mas nem todo mundo tem esse privilégio.

A minha casa não era assim.

Desde muito nova, aprendi a andar em silêncio, com cuidado, medindo palavras e passos. Aprendi a observar o rosto das pessoas para adivinhar o humor delas, como quem lê um mapa para fugir de um desastre. Minha infância não foi feita de brincadeiras despreocupadas — foi feita de vigilância, tensão e medo de errar.

Eu morava na mesma casa de quem dizia me amar, mas que fazia questão de me lembrar — diariamente — que eu só era aceita se me encaixasse. Se fosse obediente. Se calasse a boca. Se não incomodasse. E quando eu tentava expressar minha dor, diziam: “Mas você tem comida, tem roupa lavada. Tem casa.”

Como se isso apagasse o fato de que eu crescia com o coração apertado e o estômago embrulhado.

🌪️ Quando o teto não protege

Minha mãe vivia num modo de sobrevivência silencioso. Engolia muita coisa calada, e isso me ensinou a fazer o mesmo. Vi ela ser diminuída, desprezada, ignorada — por gente da nossa própria família. E o mais cruel é que ela foi ensinada a agradecer mesmo assim.

Eu cresci vendo a mulher mais forte que conheço chorando escondida.

E aprendi que, naquela casa, a dor não tinha nome. A raiva não tinha espaço. O grito não podia sair. Então, a gente sorria no café da manhã, mesmo depois de uma noite de lágrimas. A gente fingia normalidade enquanto se partia por dentro.

Às vezes, o pior lugar do mundo é dentro da casa onde você mora.

🧊 O medo em forma de silêncio

O silêncio era ensurdecedor. Não era um silêncio tranquilo — era aquele silêncio tenso, que grita sem palavras. Aquele que você sente nos ossos. Quando alguém ficava bravo, não precisava levantar a mão. Bastava se calar. Bastava olhar de um jeito.

Eu aprendi a decifrar olhares como quem decifra um código de guerra. E esse tipo de convivência esgota a gente por dentro.

“Meu pai nunca me bateu. Mas o silêncio dele era um castigo que durava dias.”

— Depoimento anônimo de G.C., 27 anos

👣 Andar na ponta dos pés

Criança não deveria andar na ponta dos pés dentro de casa. Mas eu aprendi a fazer isso. Eu sentia que qualquer coisa que eu dissesse ou fizesse poderia ser mal interpretada. Poderia causar um clima, uma briga, um castigo.

Eu queria muito ser invisível.

E às vezes, quando consegui, era até melhor. Invisível do que rejeitada. Invisível do que machucada. Invisível do que usada como válvula de escape de gente que nunca lidou com as próprias frustrações.

“Meu pai me dizia: ‘Eu te boto pra fora’. Eu tinha 9 anos.”

— Depoimento de J.A., 31 anos

🧠 As marcas que não aparecem

O problema é que ninguém vê essas feridas. São traumas que a gente carrega escondido, que só aparecem em forma de ansiedade, pânico, dificuldade de confiar, medo de dizer o que sente, medo de amar e de ser amada.

Tem adulto hoje que ainda se sente culpado por comer a última bolacha do pacote. Tem gente que se desculpa o tempo todo porque cresceu ouvindo que tudo era culpa dela.

“Me chamavam de ‘boca suja’ só por expressar opinião. Hoje tenho medo até de conversar.”

— Depoimento anônimo, TikTok

💬 "Você reclama demais"

Eu me lembro como se fosse hoje: uma vez, aos 13 anos, comentei com minha mãe que me sentia triste em casa. Ela estava esgotada, cansada, ferida pelas próprias dores. E disse:

“Você reclama demais. Tem menina que nem casa tem.”

Essa frase ficou comigo. Não como julgamento dela — mas como exemplo do quanto a dor vai sendo passada de geração em geração.

A gente normaliza o insuportável, porque nos ensinaram que "é assim mesmo".

Mas não é.

🔁 Não é lar se você precisa se esconder

Quantas vezes eu me tranquei no quarto chorando em silêncio para não preocupar ninguém?

Quantas vezes me senti culpada por sentir dor?

Quantas vezes ouvi que “família briga, mas se ama”, como desculpa para agressões, abusos e omissões?

Não é amor quando te encolhe.

Não é lar quando te machuca.

Não é família quando só um lado faz esforço para existir.

“Na minha casa, amar era aguentar tudo calado. Eu só fui entender que isso não era amor quando saí de lá.”

— Relato real de C.D., 24 anos

🧷 O peso da obrigação

“Mas é sua família.”

Essa frase vem como chicote pra quem tenta se proteger. Como se o fato de compartilhar sangue fosse motivo suficiente para aceitar tudo.

Mas não é.

Família é quem cuida, quem acolhe, quem respeita. Quem erra e tenta reparar. Não quem se esconde atrás do título pra fazer o que quiser sem consequência.

“Meu padrasto me humilhava. Minha mãe dizia que era só jeito dele. Hoje entendo que ela tinha tanto medo de ficar sozinha, que preferiu me deixar sozinha com a dor.”

— Anônimo

📖 Um capítulo que precisa ser contado

Muita gente vai passar a vida toda achando que o que viveu foi normal. Que "toda casa é assim". Que todo pai grita. Que toda mãe machuca com palavras. Que todo silêncio é castigo. E que reclamar disso é ingratidão.

Mas se você está lendo isso e sentiu um nó na garganta: saiba que você não está só.

Você pode contar essa história.

Pode dar nome à sua dor.

Pode escrever um novo capítulo.

E pode se recusar a repetir tudo isso com seus filhos — se escolher tê-los.

Você pode curar o que viveu. Mesmo que nunca ouça um pedido de desculpas.

“O que você viveu foi real. Foi errado. E não precisa se repetir.”

🧭 Check-in prático: Será que minha casa é/foi um lugar inseguro?

Responda com sinceridade:

Você sentia que não podia ser você mesmo(a) dentro de casa?

Você tinha medo constante de errar ou causar brigas?

Você se sentia ignorado, invisível ou só era notado quando fazia algo “errado”?

Existia cobrança demais e afeto de menos?

Você se sentia mais em paz fora de casa do que dentro dela?

Se respondeu "sim" para três ou mais perguntas, esse capítulo é seu também.

💬 Frase final do capítulo:

“Não é lar se você precisa se esconder.”

Capítulo 2 – Silêncios que gritam mais alto

Na minha casa, o silêncio era uma regra não escrita.

Não havia cartazes colados nas paredes nem ninguém dizendo em voz alta o que podia ou não ser dito. Mas a gente sabia. Sabia que havia um limite invisível entre o que era possível expressar e o que precisava ser engolido — como se emoções demais fossem um risco de explosão.

A gente ouvia os gritos — mas nunca falava sobre eles depois.

Eles ecoavam pelas paredes como uma tempestade que passava e deixava tudo fora do lugar. Mas ninguém recolhia os destroços. Era como se, depois do barulho, um manto de negação fosse cuidadosamente estendido sobre tudo.

A mesa era posta. Os talheres batiam no prato. A televisão ligada tentava fingir que o caos de minutos atrás não tinha existido.

Mas ninguém olhava nos olhos de ninguém.

A primeira vez que vi minha mãe chorar, ela virou o rosto com pressa. Como se chorar fosse um crime, como se a lágrima que escapou fosse um descuido imperdoável.

Ela enxugou rápido, apertando o pano de prato no rosto como se limpasse algo sujo.

Eu não perguntei.

Porque naquela casa, perguntar era como acender dinamite.

Meu pai era o oposto barulhento da minha mãe silenciosa.

Mas o silêncio dele também falava — talvez até mais.

Ele entrava mudo, saia calado, mas cada passo dele fazia o chão ranger de tensão. A gente sabia, pelo jeito que ele batia a porta ou deixava a chave cair na mesa, se era um dia bom… ou um dia perigoso.

Era um tipo de ameaça sem som, mas com presença.

Como se dissesse: “não respire alto demais”.

E a gente aprendia.

Aprendia a andar leve, a se mover como sombra, a esconder emoção.

Eu virei especialista em interpretar expressões, em evitar perguntas, em medir cada palavra antes de soltar.

E quanto menos eu falava, mais pareciam gostar de mim.

Crescer ali era viver em um teatro mudo.

Todo mundo com roteiro decorado: sorrisos curtos, frases neutras, gestos calculados.

Eu fingia que nada doía.

Minha mãe fingia que nada estava errado.

Meu pai fingia que era respeitado.

A verdade é que o silêncio virava muros.

Muros entre mim e meus pais.

Muros entre mim e eu mesma.

Porque existe algo cruel no silêncio quando ele é imposto.

Ele não é só ausência de som — ele é ausência de cuidado.

Ele é o "não quero saber", o "não me conte", o "engole isso aí".

E quando ninguém fala, ninguém cura.

Durante muito tempo, eu achava que estava exagerando.

Que talvez aquilo fosse normal.

Que toda casa tivesse seus segredos, seus dias ruins, suas dores sem nome.

Mas fui crescendo, fui vendo o mundo lá fora, e comecei a entender: o silêncio da minha infância não era proteção.

Era abandono.

A gente guarda o que não pode dizer.

Guarda a raiva, o medo, a vergonha.

Guarda o abuso com nome de "educação".

Guarda a tristeza com nome de "drama".

E tudo isso fermenta por dentro.

Vira ansiedade, vira culpa, vira uma sensação permanente de que tem algo errado com você.

Por muito tempo, eu não tive palavras para contar o que doía.

E sem palavras, parecia que nem doía de verdade.

Mas doía.

E muito.

Hoje, eu entendo: silêncio também é violência.

Porque quando não se fala, não se protege.

Porque quando não se escuta, não se salva.

Hoje, eu escolho falar.

Mesmo com a voz tremendo.

Mesmo com medo de que ninguém escute.

Porque cada palavra que sai da minha boca é uma parte minha que se cura.

E cada silêncio que eu quebro é uma corrente que deixo para trás.

> “O que a gente finge que não vê, às vezes machuca mais que o tapa.”

🧠 Como lidar:

Escreva o que você não consegue dizer.

Transforme sua dor em palavras, mesmo que ainda não saiba como organizá-las.

Fale com o papel, com um amigo, com você mesma.

A cura começa quando a gente se permite nomear o que nos machucou.

Não é exagero se te fez chorar escondido.

Não é drama se te deixou com medo.

Não é mimimi se você precisou se calar pra sobreviver.

O silêncio pode ter sido sua prisão.

Mas sua voz pode ser sua liberdade.

Capítulo 3 – Meu pai: o homem que partiu e nunca voltou

Meu pai saiu de casa num domingo à tarde.

Estava de chinelo, calça jeans e uma mochila pequena nas costas. Disse que ia “dar um tempo”.

Eu tinha nove anos e, naquele dia, fiquei sentada no sofá até o sol ir embora, esperando ele voltar.

A cada carro que passava na rua, meu coração disparava. A cada chave que batia no portão do vizinho, eu prendia a respiração. Eu achava, com toda a inocência de uma criança, que aquilo era só uma briga, que ele logo voltaria com um sorriso sem graça, dizendo que estava com saudade.

Mas ele nunca voltou.

Nos primeiros dias, minha mãe tentou disfarçar. Dizia que ele estava “resolvendo umas coisas”. Que precisava pensar. Que logo aparecia.

Depois de um tempo, ela parou de falar sobre ele.

E aí, o silêncio tomou conta da casa — aquele velho conhecido que já morava com a gente há muito tempo. Só que agora ele tinha outro cheiro, outro gosto, outro peso. Um silêncio com mais buraco, mais eco, mais vazio.

Eu não sei o que doeu mais: o abandono em si ou a forma como ele foi tratado.

Como se não tivesse acontecido nada.

Como se eu não tivesse o direito de sofrer.

Eu queria perguntar.

Queria saber se ele pensava em mim.

Se ele tinha se arrependido.

Se ele ainda me amava.

Mas cada vez que minha boca se abria, vinha um olhar duro, uma resposta atravessada ou aquele velho “ele teve os motivos dele”.

E eu aprendi a engolir a ausência do mesmo jeito que se engole um comprimido grande demais: sem água, com esforço, entalando na garganta.

O mais cruel é que, mesmo longe, ele continuava presente.

Não no carinho, não nas ligações ou visitas, mas nos fantasmas que ele deixou.

Na raiva que minha mãe segurava e nunca nomeava.

Na comparação dolorosa: “você tem o mesmo gênio dele”.

No medo que eu sentia de repetir os passos de um homem que eu mal conhecia, mas que tinha me deixado uma herança invisível.

Com o tempo, fui entendendo: abandono não é só ir embora.

Abandono também é estar, mas não estar de verdade.

É estar no mesmo teto e nunca perguntar se você está bem.

É olhar pro seu filho e enxergar um peso, uma sombra, uma obrigação.

Tem gente que sofre porque o pai morreu.

Eu sofria porque o meu estava vivo — só que, pra mim, nunca existiu.

Ele não me ensinou a andar de bicicleta.

Não me levou ao cinema.

Não foi nas reuniões da escola.

Não ouviu meu primeiro choro de amor.

Não sabia nem o nome das minhas amigas.

Não fazia ideia de quem eu era.

A verdade é que meu pai partiu muito antes de sair pela porta.

A diferença é que, naquele domingo, ele apenas oficializou o abandono.

Deixou de fingir.

Na adolescência, quando alguém reclamava do pai por coisas pequenas — um conselho mal dado, uma bronca mal colocada — eu só pensava: pelo menos ele está aí.

Porque a ausência não dá conselho. Não briga. Não atrapalha.

Mas também não ama.

E quando me diziam: “mas pelo menos ele nunca bateu em você”, eu só respirava fundo.

Porque tem ausências que deixam buracos tão profundos que é difícil explicar.

Não têm marca roxa, mas têm trauma.

Não deixam cicatriz na pele, mas dilaceram por dentro.

Hoje, eu já não espero ele voltar.

Mas, às vezes, ainda me pego imaginando o que ele diria se me visse.

Se ele reconheceria minha voz.

Se sentiria orgulho.

Ou se continuaria andando, como se eu fosse mais uma na rua.

Aprendi a crescer sem ele.

Mas não vou mentir: foi mais difícil do que muita gente imagina.

Faltou colo.

Faltou referência.

Faltou cuidado.

E mesmo que eu tenha aprendido a ser forte, ainda dói saber que essa força nasceu da falta.

> “Tem ausências que doem mais do que presenças violentas.”

🧠 Reflexão:

Um pai ausente também pode ferir profundamente.

Não estar presente é uma forma de negligência — mesmo quando ninguém grita, mesmo quando tudo parece “em paz”.

Você tem direito de sentir raiva, tristeza, abandono.

Mesmo que os outros minimizem. Mesmo que digam que “poderia ter sido pior”.

Validar a sua dor é o primeiro passo para que ela não defina quem você vai ser.

Você pode crescer sem pai, mas não precisa crescer sem cuidado.

Você merece ser ouvida. E merece recomeçar — do seu jeito, no seu tempo, com a sua voz.

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