🌙 Capítulo 1
“Quem entra na floresta Kain... nem sempre sai.”
O cheiro de sangue é a única coisa que me guia pela escuridão densa da floresta.
Não sei se é humano, animal ou... outra coisa.
Só sei que está fresco. E que algo atravessou essa barreira natural que não devia ter atravessado.
O vento corta minha pele como se tivesse dentes, mas continuo andando.
Passo firme na terra molhada. A floresta é cruel, mas previsível.
Quem entra nela... nem sempre.
Umbra, meu companheiro silencioso, anda à esquerda.
Quase invisível. Só os olhos brilham — duas brasas flutuando na neblina.
Ele não faz som. Não olha pra mim. Só segue.
Como se já soubesse o que vou fazer.
Como se já tivesse feito isso antes.
Essa familiaridade me acalma.
E me deixa em alerta.
Minha mão aperta o cabo da faca.
A lâmina curva, azulada, com os entalhes da minha mãe, brilha com aquele tom frio —
aquele que só aparece quando estou prestes a matar.
Foi com ela que cortei o pescoço do meu primeiro lobo.
Desde então, nunca saiu da minha cintura.
E talvez hoje... ela precise salvar minha vida de novo.
Ou cortar o que quer que esteja na minha frente.
A floresta sussurra.
Não com palavras.
Com estalos. Chiados. Farfalhos.
Os galhos conversam entre si.
As raízes lembram de tudo o que já pisou nelas.
A Kain vive. Ela respira. Ela observa.
Cada pedra tem musgo grosso.
Cada tronco, fungos que brilham no escuro —
um brilho suave, estranho, como um aviso.
Às vezes, você ouve um choro.
E às vezes... o choro é seu.
E você ainda não percebeu.
Piso em algo.
Pegadas. Pequenas demais pra um bicho grande.
Fundas demais pra uma criança.
Correndo? Fugindo?
Merda.
Três gotas de sangue. Frescas.
Depois, nada.
Eu gosto de rastros retos. Pistas claras.
Isso aqui? É provocação. É pessoal.
Umbra para.
Quase um rosnado, mas sem som. Só ar se movendo.
Agacho. Olhos atentos.
E então vejo a fenda.
Um rasgo no ar.
Um portal.
As bordas tremem como carne viva.
Azul escuro, quase preto. Puxando a luz em volta.
A coisa respira. Devagar. Pesado.
Isso não devia estar aqui.
Ninguém me avisou.
Claro que não.
— Filhas da puta — murmuro, entre os dentes.
Me aproximo. Faca na mão.
O chão ao redor está manchado.
Não de vermelho — de um rosa claro, esquisito.
Secando rápido.
Algo saiu dali.
Ou tentou.
O ar pesa.
O cheiro de sangue agora tem algo a mais — algo metálico, estranho.
Quase sintético.
Estalo seco. Respiração presa. Um gemido.
Viro com a faca erguida.
Instinto puro.
E vejo.
Um corpo.
Uma garota.
Ruiva. Branca. Grande.
Roupas estranhas, de tecido que eu nunca vi. Rasgadas, sujas.
Sangue seco nos lábios. Na testa. Nas costelas.
Mas viva.
Quieta. Quase imóvel.
Me aproximo.
Umbra não rosna. Só observa.
E isso me deixa mais nervosa do que se ele tivesse sumido.
Toco o pescoço dela. Dois dedos.
Pulso fraco. Mas presente.
Ela tem cicatrizes. Ombros marcados.
Sinais de quem já apanhou muito e sobreviveu.
E mesmo assim… saiu de um portal.
Inteira. Viva.
— Merda.
Eu devia acabar com isso agora.
É o certo. É o lógico.
Tudo que sai de portal mata.
Ou morre depois de matar.
Mas... não consigo.
Tem algo nela.
Não é magia. Nem sagrado.
É familiar.
Como uma memória esquecida.
Como um déjà vu com gosto de sangue.
“Droga.”
Pego a mochila.
Água. Raiz de cura. Tecido limpo.
Ela respira rápido.
Como se o corpo todo lutasse só pra continuar existindo.
Umbra se senta ao lado dela.
Fica ali.
Nunca fez isso. Nem comigo.
Ele aceitou ela.
A faca pesa na minha cintura.
Foi da minha mãe. Com ela, aprendi a sobreviver.
Mas agora... ela pesa como se perguntasse:
Você ainda sabe por que luta?
Não sou curandeira.
Não sou exemplo.
Não sou heroína de ninguém.
Mas cá estou.
No meio da floresta. No frio da noite.
Com um portal atrás de mim.
Salvando uma estranha.
E eu sei — no fundo da pele arranhada —
isso vai me custar.
Vai doer.
Vai virar história ruim depois.
Mas quando olho pra ela…
Não me arrependo.
---
(A neve começa a cair. Silenciosa. A cena congela.)
> 🐾 Umbra: “Ela vai ferrar com tudo.”
🎗️ Kaia: “Você disse isso da última vez.”
🐾 Umbra: “E eu estava certo.”
🎗️ Kaia: “Talvez. Mas dessa vez... ela salvou.”
🐾 Umbra: “Ainda assim. Vai ferrar com tudo.”
🎗️ Kaia: “Você fala demais pra um gato feito de sombra.”
🐾 Umbra: “E você fala pouco pra um ser com coração.”
🎗️ Kaia: “Que ótimo. Já começamos bem.”
🌕 Entre Lobos e Portais
Capítulo 1- 20 prontos
🌕 ENTRE LOBOS E PORTAIS
🐺 Capítulo 2
A noite ficou mais fria depois que ela chegou.
Um frio que não vinha apenas do ar gélido da floresta, mas de uma premonição estranha que se instalou em mim — como um peso que não se via, só se sentia.
Levei a estranha até um abrigo de pedra coberto de raízes e musgo — um refúgio natural que uso nas rondas.
Longe o suficiente do portal pra me dar uma falsa sensação de segurança.
Perto demais pra eu ficar tranquila.
A respiração dela era curta, ofegante, como se o ar queimasse por dentro dos pulmões.
O corpo, trêmulo, indicava febre alta.
Ela devia estar morta.
Pela lógica, pela ferida, pela queda.
Mas não estava.
E isso me incomodava profundamente.
---
Acendi uma fogueira pequena, com gravetos secos que escondo debaixo da terra.
Cada chama lutava contra o frio da floresta, dançando e projetando sombras distorcidas nas paredes rochosas.
Ela ainda não abriu os olhos, mas se mexe às vezes — um tremor no ombro, um suspiro rouco.
Umbra fica ao fundo, enrolado em silêncio, os olhos de brasa fixos nela.
Até ele parece nervoso.
E quando Umbra se inquieta... eu escuto.
Ajoelho ao lado dela. Toco o tecido da roupa estranha.
Molhado, sujo, colado na pele.
Parece feito de... sei lá. Alguma magia antiga.
Puxo minha faca de meia-lua. A lâmina familiar na mão.
Corto com cuidado.
A pele dela é branca demais, quase brilhante. Um contraste absurdo com a minha.
Parece alguém que nunca pisou numa floresta.
Alguém de outro sol.
Mas o corpo...
Tem cicatrizes.
Longas.
Algumas antigas. Outras recentes.
Fundos roxos nos braços. Um corte aberto na costela.
Ela lutou com algo antes de cair aqui.
Ou com alguém.
---
A curiosidade me fisga como espinho no peito.
Me pego olhando demais.
Analisando demais.
— Não viaja, Nix.
Repreendo minha cabeça.
Não posso ficar reparando no quadril da desgraçada enquanto ela tá derretendo de febre.
Pego uma folha curativa. Esmago com os dedos.
Passo no ferimento.
Curativo rápido. Firme. Sem frescura.
A mão dela se move.
Só um pouco.
Toca meu pulso.
Reflexo. Instinto.
Mas me arrepia até o pescoço.
Uma sensação elétrica, estranha. Familiar demais.
Me afasto. Rápido.
— Nem tente — murmuro, áspera. — Se for uma criatura disfarçada, me ataca logo. Não tenho paciência pra suspense.
Ela não responde. Só respira.
Mas tem algo ali. Algo que não é só humano.
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Lavo o rosto com água gelada. Esfrego até a pele arder.
Olho meu reflexo numa poça entre as raízes.
Distorcido.
Olheiras fundas.
Rosto sujo de sangue seco.
E o piercing no lábio — aquele prateado, vertical, no centro.
Brilhando com a luz da fogueira.
Toco nele.
Hábito antigo.
É o que sobrou de quem eu era.
Ou o que me forçou a ser.
Volto pro abrigo.
Ela ainda está ali.
Respirando quente demais pra esse frio.
Me sento do outro lado da fogueira.
Mas meu corpo reage à presença dela.
Calor. Raiva. Curiosidade. Tudo junto.
O tipo de mistura que dá merda.
— Se você morrer, vai me poupar um belo de um problema.
Penso.
— Se viver... também vai.
Quase sorrio com a ironia.
Ela mexe a cabeça. Lento.
Os olhos se abrem.
Pesados. Perdidos.
Mas direto em mim.
O fogo parece que sobe pelas minhas costas.
Olhar Verde intenso. Esquisito.
Quase... errado.
Como se não fosse só dela.
Ela tenta falar. A boca se mexe.
Mas nada sai.
Só os olhos.
Na minha cara.
Na minha boca.
Porra.
Me levanto.
A faca ainda na mão.
— Se for tentar me matar, faz logo — digo, tensa. — Tô cansada e com sono.
Ela... sorri.
Quase nada.
Mas é um sorriso.
— Ótimo. Tá rindo.
Então não vai morrer agora.
Me viro de costas, irritada.
Odeio não ter controle.
Odeio o que ela me faz sentir.
Essa incerteza.
Essa coisa.
Paro. Respiro.
— Faísca — murmuro. — Vou te chamar assim, até você lembrar quem é.
— Porque você chegou caindo do céu e bagunçou tudo.
— E porque, se me queimar... eu te apago.
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> ⤿ O silêncio domina. A neve começa a cair. Cena congela.
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🐾 Interlúdio:
Umbra:
— Elas vão se matar ou se comer. Ainda não sei qual vem primeiro.
Kaia:
— Você sempre tão romântico...
Umbra:
— Ela mexeu no piercing. Você viu? É sempre assim.
Kaia:
— Você acha que isso é sinal?
Umbra:
— Quando ela começa a mexer no piercing... ou vai sangrar, ou vai gemer.
Kaia:
— …Inferno, Umbra.
Umbra:
— Eu só observo. Alguém tem que fazer isso direito.
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...🌙 Capítulo 2 – Fim....
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A respiração dela estava calma demais.
Suave. Constante.
Como se o corpo já soubesse que alguma coisa estava prestes a acontecer.
A febre tinha baixado.
Rápido demais.
Meus olhos — azuis, quase brancos — estavam fixos nela.
Umbra também observava, deitado no canto da caverna.
Mas sua cauda se moveu. Uma única vez. Curta. Tensa.
Algo estava errado.
O estalo da madeira no fogo ecoou nas paredes úmidas.
As chamas projetavam sombras dançantes no teto de pedra.
Virei o peixe seco na brasa, tentando manter a mente ocupada.
Eu não comia direito há dias.
E ainda assim... estava dividindo o que tinha com uma estranha.
Uma que caiu de um portal instável.
Uma que sobreviveu ao impossível.
Uma que tem aquele maldito rosto.
Bonito. Firme. Vivo.
E agora... estranho demais.
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Meus cabelos curtos balançaram com a brisa que entrava pela fenda.
A trança solta descia pelas costas, roçando meu pescoço.
Me lembrando quem eu era.
E quem eu precisava continuar sendo.
Um som. Pequeno.
Não veio dela.
Veio do chão.
Um movimento contido. Um suspiro engolido.
Virei no mesmo instante — e lá estava ela.
De pé.
Tonta.
Com uma faixa de pano curativo na mão... como se fosse uma arma.
Ridícula.
Mas determinada.
— Você vai desmaiar de novo — avisei, sem me levantar.
Ela não respondeu. Tentou correr.
Quase.
Antes que alcançasse a saída, eu já tinha me movido.
Segurei seu braço. Puxei sua cintura.
O corpo dela bateu no meu — quente, instável.
Ela girou com dificuldade.
Caiu de costas.
E eu caí por cima.
---
Meus joelhos travaram suas coxas.
Minhas mãos nos ombros dela.
O rosto dela a dois dedos do meu.
Olhos vermelhos, intensos.
Respiração falha.
Boca entreaberta.
Ela me olhou.
Pra minha boca.
Pro piercing.
E não desviou.
— Você... também é feita de gelo.
A voz saiu baixa. Rouca.
Sotaque estranho.
Mas firme.
Aquilo me travou.
Não pelas palavras.
Pelo tom.
Como se ela soubesse. Sobre mim. Sobre... isso aqui dentro.
— Não sabe nada sobre mim — retruquei, seca.
— Sei sim — ela murmurou.
— Eu vi você... antes de cair.
---
O chão tremeu.
Não um terremoto.
Uma vibração profunda.
Como se a floresta tivesse tossido.
Ou cuspido algo de volta.
Umbra se ergueu num salto.
Os olhos dele brilharam — não azuis.
Mas escuros. Quase prateados.
Ele rosnou.
Me levantei no mesmo segundo.
A faca já na mão.
Foi aí que vi.
Saindo da neblina...
Entre as sombras...
Um lobo.
Mas não um lobo.
Torto. Desalinhado.
Como se os ossos tivessem sido montados às pressas, um dos braços estava cortado o sangue escorria, mas ele parecia não notar.
E os olhos? Humanos.
Cheios de dor.
E fome.
Umbra avançou.
Um salto. Um rugido.
Mas antes que alcançasse a criatura...
Ela falou.
Uma palavra.
Só uma.
Em uma língua que eu não entendi.
Mas a floresta entendeu.
O lobo... parou.
Umbra quase o rasgou no ar —
Mas eu gritei:
— UMBRA, NÃO!
Ele congelou.
Me olhou.
Como se eu tivesse traído algo entre nós.
Num segundo... ele sumiu.
Nada de pegadas.
Nada de sangue.
Nada de som.
Nem lobo.
Nem Umbra.
---
A garota ainda estava no chão.
O olhar preso em mim.
Eu queria gritar.
Empurrar. Questionar.
Mas tudo que saiu foi:
— Por que me salvou?
Ela respirou fundo.
— Não sei — respondeu.
— Men_ti_ra — sibilei.
Ela não retrucou.
Só me olhou.
Como se soubesse demais.
---
> 🐾 Umbra (voz distante):
— Ela é perigosa.
Kaia:
— Você também.
Umbra:
— Não no mesmo sentido.
Kaia:
— Você tá com ciúmes?
Umbra:
— Não. Tô com medo.
Kaia:
— ...Isso é novo.
Umbra:
— Exato.
---
🌙 Capítulo 3 – Fim.
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