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Maneiras de Te Reconquistar

UM

...Clara Amorim | Alexandre Monteiro ...

...Personagens secundários...

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...Alexandre Monteiro....

^^^Florianópolis, Santa Catarina 🇧🇷^^^

Encaro a vista que tenho do terraço da minha empresa. Daqui, consigo apreciar um vislumbre magnífico de Florianópolis, e é quase impossível acreditar que aquele garotinho de canelas finas, que cresceu no interior, se tornaria o dono da maior empresa de tecnologia da América.

Se eu contasse essa história, muita gente riria. E eu entendo. Porque é mesmo difícil de acreditar.

Minha mãe era pobre. Trabalhava como faxineira na casa de um homem rico, Emanuel Martínez. Ele era casado e, na época, sua esposa também tinha acabado de anunciar que estava grávida. É claro que ele jamais colocaria em risco a imagem de família perfeita que cultivava. Então, a gravidez da minha mãe foi mantida em segredo.

Ela me teve sozinha. Cresci ajudando-a no trabalho na mesma casa em que minha irmã, Luíza Martínez, vivia como uma princesa. Enquanto eu carregava baldes e aprendia a me virar, Luíza era tratada como uma criança prodígio. Aos sete anos, falava cinco línguas e era bajulada por todos. Cresceu sob o brilho da validação acadêmica e do status que jamais nos pertenceram.

Foi nessa fase que minha mãe engravidou de novo do meu pai. Eles continuaram se vendo às escondidas. Mas, quando Angélica, a esposa dele, descobriu, tudo desmoronou. A frágil estabilidade que tínhamos desapareceu. Mamãe estava prestes a dar à luz, e Angélica fez questão de nos colocar para fora.

Quando minha irmã caçula, Cibele, nasceu, eu tinha apenas oito anos. Não sabia o que fazer. Mamãe estava sem emprego, com a saúde debilitada após complicações no parto. Foram semanas dormindo em bancos de hospital enquanto ela se recuperava. Quando finalmente voltamos para casa, já estávamos quase sendo despejados.

Meu pai pagou quatro meses de aluguel e também custeou minha escola, para que eu continuasse estudando. Cibele ainda lutava contra a desnutrição.

Passei fome ao lado da minha mãe. Ela voltou a trabalhar como garçonete e levava Cibele com ela. De tarde, eu cuidava da minha irmãzinha. E assim foi até meus 14 anos, quando minha mãe morreu afogada na piscina da casa da patroa. Ela não sabia nadar, porque nunca teve tempo para aprender.

No velório, apareceram meu pai, Angélica e Luíza. A madame veio só pela aparência. Beijou meus cabelos com falsidade e nos convidou para morar com eles.

Por obrigação legal, meu pai teve que nos acolher, já que éramos menores de idade. E ali começou nosso verdadeiro inferno. Angélica só fingia bondade quando ele estava por perto. Quando não havia testemunhas, mostrava sua verdadeira face. Era uma víbora até com a própria filha.

Luíza vivia sob regras absurdas: tinha que comer pouco, estar sempre impecavelmente vestida como uma adulta e falar com dicção perfeita. Bastava um erro e sua mãe se transformava em uma fera. Eu não entendia como ela suportava aquilo. Mas, no fim, era a mãe dela.

Cibele, com apenas seis anos, era tratada como uma boneca na frente do nosso pai. Por trás, Angélica fazia questão de repetir que ela não era sua mãe e partia o coração da minha irmãzinha em mil pedaços.

Aos 18, depois de noites intermináveis de estudo, passei no vestibular da USP e me mudei para São Paulo. Enquanto eu construía meu caminho, Luíza já havia sido enviada para Harvard e Cibele continuava no ensino fundamental, aprendendo a sobreviver em meio às ruínas de uma família que nunca foi de verdade.

Na mesma época, o avião em que meu pai e a mãe de Luíza viajavam caiu, matando todos os passageiros. A família Martínez se desfez de uma hora para outra, e sobraram apenas os três herdeiros legais — nós — que herdamos não só propriedades, carros, lanchas e aviões, mas dinheiro suficiente para três vidas inteiras.

Eu me formei em Administração e abri minha própria empresa de tecnologia, lançando meu primeiro projeto. Luíza assumiu as empresas do nosso pai. Foi só aos 24 anos, depois de muito silêncio, que nós dois voltamos a conversar como pessoas civilizadas. E juntos fizemos a fusão das companhias.

Luíza é orgulhosa, metida e calada. Observa tudo ao redor, fala apenas quando algo a incomoda. Angélica sempre tentou transformá-la em um projeto pessoal, e eu juro que tentei mudar isso desde que nos reaproximamos.

Ela também não fala com Cibele. Sempre culpou minha irmã caçula por ter sido o motivo das brigas entre nossos pais. Mas Cibele era só uma criança.

— No que tá pensando? — ouço a voz de Cibele atrás de mim e me viro.

— Oi, Bele. Pensando no quanto a vida foi boa e cruel conosco ao mesmo tempo.

— Mas é assim mesmo — disse, ficando ao meu lado. — Primeiro os obstáculos, depois as conquistas. Acabei de chegar. Deixei a Alice na casa da avó.

— Como minha sobrinha está?

— Bem. Hoje caiu o primeiro dentinho — fala, orgulhosa. — Minha garotinha tá crescendo. Mas o que você estava fazendo aqui em cima sozinho?

— Vim esfriar a cabeça.

— Muito trabalho?

— Demais. A Luíza foi para a Suíça resolver um problema com um dos nossos aparelhos. O cliente reclamou de mau funcionamento, e ele é importante demais pra perdermos.

— E a Clara? — perguntou, olhando ao redor. — Não vi ela por aqui hoje. Já foi?

Clara tinha mandado uma mensagem mais cedo, dizendo que não estava se sentindo bem e perguntou se podia faltar. Eu disse que sim e que passaria lá assim que possível.

Nosso caso já durava muito mais do que havíamos combinado. Tínhamos deixado claro que seria só uma noite, mas já se passaram oito meses desde aquele primeiro encontro movido por puro desejo.

— Não estava bem, não veio hoje — expliquei.

— Mas ela já tá melhor? — perguntou, preocupada.

— Vou ver como ela está quando sair daqui.

— Humm. Todo preocupado com alguém que é só um “casinho” — provocou, com aquela expressão curiosa que ela sempre fazia quando queria me tirar do sério.

— Ah, cala a boca, Cibele — falei, revirando os olhos. — Vai cuidar da sua vida, que também não anda lá essas coisas.

— Poxa, magoou — disse, colocando a mão no peito de forma dramática.

Cibele tinha engravidado de um homem mais velho, um jogador de futebol. Alice nasceu e Daniel até assumiu a paternidade, mas eles nunca chegaram a ficar juntos de verdade. Ele se mudou para outro país e, desde então, só manda dinheiro, como se a única coisa que minha sobrinha precisasse fosse isso.

— Alex?

— Oi.

— Tu gosta dela? — perguntou do nada, e eu encarei a Cibele, meio sem saber de onde tinha vindo aquilo.

— Mas que pergunta é essa, guria?

— Tô te perguntando se tu gosta dela, ora. Tu e a Clara tão nesse rolo faz uns oito meses, eu não vi teu nome em fofoca nenhuma com outras mulheres desde que começaram a se enroscar. Mas também nunca vi tu criar vergonha na cara e pedir ela em namoro.

— Eu respeito ela, Bele.

Minha irmã deu aquele sorrisinho de canto, bem safado, como quem já sabe o que eu não quero admitir.

Nesse instante, minha secretária me chamou por chamada pra resolver uma treta, e a gente desceu pro andar da presidência. Era umas três da tarde, eu ainda tinha minha última reunião às cinco.

Peguei o celular e mandei uma mensagem pra Clara, perguntando se ela tava melhor. A falta de resposta dela o dia inteiro me deixou em alerta. Eu ia dar uma passada na cobertura dela mais tarde, só pra ver se tava tudo certo.

Dei início à minha penúltima reunião do dia. Assim que terminou, fui até a cafeteira e preparei um café bem forte pra espantar o cansaço. Depois, voltei pra mesa e passei um tempo revisando relatórios, me organizando para a última reunião que ia acontecer mais tarde.

.........

...Vou tentar carregar a foto dos personagens depois. Boa leitura!...

DOIS

...Clara Amorim:...

Esquentei mais um pouco de água para colocar no saco térmico. A cólica estava insuportável, e detalhe, nem estou nos meus dias. Pensando bem… estou atrasada faz mais de um mês. Já marquei uma consulta com minha ginecologista para amanhã. Ela recomendou repouso e compressa quente para aliviar as dores.

Essa cobertura era enorme, mas mesmo assim me sentia apertada dentro de mim mesma. Alfi, meu cachorro, dormia mais do que eu, encolhido na caminha macia do quarto enquanto eu me revirava na cama, tentando encontrar uma posição confortável.

O quarto estava gelado, como sempre, mas a bolsa térmica ajudava um pouco. Eu usava uma camisa do Alexandre — bem maior do que eu — e meias grossas para proteger do frio das cerâmicas. Em dias normais, estaria na empresa, trabalhando ao lado dele. Hoje, só conseguia resmungar de dor e desconforto.

Acabei pegando no sono. Não sei por quanto tempo dormi, mas acordei com mãos quentes tocando minha testa. Abri os olhos devagar e vi Alexandre sentado à beira da cama, me olhando com aquele olhar preocupado.

— Tá se sentindo melhor, linda? — ele perguntou, a voz num sussurro gentil, como se não quisesse assustar meu cansaço.

— Um pouquinho… — me sentei devagar, ainda tonta. — Acabei pegando no sono.

— O que foi que te derrubou assim? — perguntou, afastando delicadamente uma mecha do meu cabelo e colocando atrás da orelha. Seu toque era uma promessa de cuidado.

— Cólica. Muita cólica... — confessei com a voz baixa.

— E você não me falou nada, Clara? — ele disse, quase num tom de bronca doce. — Se tivesse me avisado, eu teria trazido remédios, chá, seus chocolates preferidos... qualquer coisa pra te ver melhor.

— É que… não tô menstruada, Alex. — falei, hesitante. Seus olhos arregalaram na hora.

— E... é normal sentir tanta dor assim, mesmo não estando nos seus dias?

— Eu costumava sentir quando a menstruação estava pra vir… mas já tem mais de um mês de atraso. — confessei, meio envergonhada. Não costumávamos falar sobre coisas femininas com tanta naturalidade, mas com ele, tudo parecia mais fácil.

Ele não se incomodou. Pelo contrário, olhou pra mim com ainda mais cuidado.

— Você já comeu alguma coisa hoje? — perguntou com aquela preocupação que me fazia sentir tão amada.

Neguei com a cabeça.

— Então faz o seguinte: toma um banho bem quente, relaxa, e eu vou preparar algo gostoso pra gente comer. E depois, se você quiser, a gente deita no sofá e assiste qualquer coisa que te faça esquecer essa dor, nem que eu tenha que decorar todos os episódios de alguma série boba.

Ele sorriu e beijou minha testa com ternura, como se aquele gesto pudesse me curar. E saiu do quarto.

E eu fiquei ali, com o coração derretendo, tentando entender como esse homem que entrou na minha vida pra ser só uma noite… virou abrigo.

Fui para o banheiro, deixando de lado as roupas que usava, e entrei debaixo da ducha quentinha. A água caiu sobre meus ombros como um alívio temporário. Enquanto passava o sabonete líquido pelo corpo, apoiei a mão sobre a barriga. Um arrepio me percorreu inteira.

Estava um pouco inchada. Talvez fosse só por causa da cólica forte… mas, no fundo, uma parte de mim se perguntava se poderia ser outra coisa. Eu não podia estar grávida… Eu tomava o anticoncepcional certinho, todos os dias no mesmo horário, e Alexandre não podia ter filhos.

Respirei fundo e tentei afastar aquele medo da cabeça.

Depois do banho, vesti um pijama de moletom macio, tentando me livrar do frio que insistia em me deixar arrepiada. E olha que eu já tinha desligado o ar-condicionado e ligado os aquecedores.

Caminhei até a cozinha. Alexandre estava lá, cozinhando como se fosse a coisa mais natural do mundo. Usava só uma calça de moletom cinza. Suas costas largas e definidas estavam expostas, e só de olhar meu peito se apertou. Me sentei na ilha da cozinha e ele se virou, revelando aquele peitoral que eu já conhecia tão bem.

— Tô fazendo macarrão com queijo ao molho — avisou, com aquele jeito calmo que sempre me desarmava. — Era a única opção mais rápida.

— Tudo bem — murmurei, sentindo o rosto esquentar.

— E tuas dores, melhoraram?

— Graças a Deus… tão fraquinhas agora, quase sumiram.

— Que bom — ele disse, soltando um suspiro discreto. — Como você não tava bem, só reforcei o suco de maracujá que a Francinete preparou hoje cedo. Pra ver se te ajuda a ficar tranquila.

Sorri, sem conseguir disfarçar.

Não tinha como não se apaixonar por esse homem. Essa era a versão dele que quase ninguém conhecia. Era a skin premium do Alexandre Monteiro, e eu tinha consciência de que não eram todos que podiam tocar essa parte tão boa dele.

Ele não tinha obrigação nenhuma de estar aqui. Afinal, nós éramos — ou pelo menos fingíamos ser — apenas um caso casual, feito de sexo e algumas noites quentes que sempre acabavam sem promessas.

Mas ele estava aqui. Cozinhando pra mim, cuidando de cada detalhe, mesmo tendo milhões de outras coisas mais importantes pra resolver.

Senti meus olhos se encherem de lágrimas quando ele colocou o prato à minha frente e ajeitou o copo de suco do meu lado.

Eu não era uma pessoa tão sensível assim, mas vê-lo desse jeito, tão genuinamente preocupado comigo, desmontou qualquer defesa que eu ainda fingia ter.

— Ei… — ele disse, a voz baixa, os olhos verdes presos nos meus. — Por que tá chorando, minha linda?

— Alex… obrigada — sussurrei, tentando conter o nó na garganta.

— Por fazer o mínimo? — ele perguntou com um sorriso pequeno, quase triste.

— Por cuidar de mim. Mesmo não tendo obrigação nenhuma… — respirei fundo, sentindo meu peito apertar. — Porque, no fim das contas, eu sou só… — engoli seco. Eu não sabia nem que palavra usar. Eu não queria dizer que era só a mulher que ele procurava quando queria se esquecer do mundo na cama.

— Para com isso, Clara — ele interrompeu, a voz firme e suave ao mesmo tempo. Ele se aproximou e segurou meu queixo com delicadeza, me obrigando a olhar pra ele. — Para de se martirizar assim. Eu tô aqui porque eu quero. Porque me importo com você. Não tenta diminuir o que existe entre a gente, por favor.

Meu peito doeu de um jeito doce. Ele se sentou na minha frente e se serviu também. Comecei a comer devagar, sentindo o gosto maravilhoso da comida. Era impossível negar: Alex cozinhava tão bem que até a dor parecia se distrair.

— Eu tenho um evento nos Estados Unidos — ele começou, mexendo no garfo antes de me olhar. — Um projeto importante vai ser apresentado, e você, como minha diretora de criação… bem, precisaria estar lá comigo. Mas… — ele fez uma pausa, o olhar mais suave — eu queria que fosse como minha acompanhante.

— Acompanhante? — ergui as sobrancelhas, surpresa.

— Sim — ele disse, dando de ombros, como se fosse óbvio. — Não quero chegar numa festa de alto padrão sozinho. Tenho certeza que vai ter mulher se jogando em cima de mim a noite inteira, e… — ele respirou fundo, olhando direto nos meus olhos — eu prefiro estar bem acompanhado. Com você.

Soltei um riso baixo pelo nariz, tentando disfarçar o jeito que meu coração disparou.

— Se você quiser, claro — completou, com aquela voz mais baixa que ele usava quando ficava meio sem jeito. — Está convidada.

— Quando? — perguntei, a boca ainda meio trêmula.

— Hm… esse final de semana. A gente pega o voo sábado de manhã. O evento é domingo à noite — explicou.

Eu assenti devagar. Ele sorriu, e aquele sorriso me deu a sensação estranha de que, por alguns instantes, não existia nada além daquela mesa, daquela cozinha, e daquele homem olhando pra mim como se eu fosse a única pessoa que importava.

— Obrigado — disse, baixinho, como se minha resposta tivesse sido mais importante do que qualquer negócio.

Depois do jantar, ajudei Alex a colocar a louça na máquina de lavar. Tudo parecia tão natural que por alguns minutos quase esqueci que, tecnicamente, éramos só um caso casual.

Quando terminamos, fomos juntos para o quarto. Ele se acomodou na cama comigo e aceitou assistir qualquer série boba que eu quisesse, sem reclamar, como se não tivesse nada mais urgente pra fazer no mundo.

Eu me aconcheguei no peito dele, sentindo seu corpo quente me envolver como um cobertor vivo. O coração dele batia calmo, num compasso que me deixava em paz.

Ali não havia maldade, não havia malícia. Não precisava. Era só cuidado, silêncio e uma presença que me fazia esquecer de tudo.

Dormimos assim. Como se aquilo fosse a coisa mais certa que já fizemos.

TRÊS

...Alexandre Monteiro:...

Acordei com um barulho vindo do banheiro. Virei o rosto, confuso, e vi no relógio da mesa de cabeceira que ainda eram seis da manhã. Passei a mão pela cama e percebi que Clara não estava lá.

A porta entreaberta revelou a cena que me fez levantar num pulo: ela estava ajoelhada perto do vaso, se curvando enquanto colocava pra fora todo o jantar da noite anterior.

Entrei depressa, ajoelhando ao lado dela, e segurei seu cabelo com cuidado, afastando-o de seu rosto pálido.

— Sai... - ela conseguiu dizer, com a voz fraca e embargada. - Sai daqui, Alexandre.

— Eu não vou sair - respondi baixo, firme.

Ela fechou a tampa e deu descarga, antes de se sentar sobre ela, segurando uma toalha molhada contra o rosto. Seus ombros tremiam de cansaço.

— O que você tem, Clara? - perguntei, mantendo a paciência que ela sempre despertava em mim, mesmo nos momentos mais difíceis.

— Eu... eu vou numa consulta hoje. - Ela se levantou devagar, apoiando a mão na parede, e foi até a pia para escovar os dentes.

Fiquei só observando aquela mulher teimosa, cuidando dela mesma como se não precisasse de ninguém. Quando terminou, saiu do banheiro sem olhar pra mim. Respirei fundo e fui tomar meu banho. Ainda bem que eu sempre deixava roupas ali.

Vesti um terno - sem gravata, porque eu detestava - e a encontrei sentada na penteadeira, passando a base no rosto com calma. Usava um vestido longo verde, que destacava os cabelos castanhos caindo sobre os ombros. Por um instante, fiquei parado só olhando. Linda, mesmo depois de uma noite difícil.

— Eu vou te deixar na clínica da tua médica - falei, ajeitando o paletó.

— Não vai te atrasar?

Balancei a cabeça, negando.

— Obrigada. - Sua voz saiu baixinha.

Esperei até que terminasse a maquiagem e pegasse a bolsa. Descemos juntos no elevador silencioso que nos levou até o hall. Abri a porta da BMW e esperei que ela se acomodasse antes de contornar o carro e entrar no banco do motorista.

Ela digitou o endereço da clínica no GPS e colocou uma música baixinha, que preencheu o silêncio. Dirigi pelas ruas já movimentadas de Florianópolis, atento a cada sinal, até estacionar em frente à clínica da doutora Estela Figueiredo.

— Me avise quando sair. Vou mandar o Rubens vir te buscar.

— Eu vou pegar um Uber.

— Me avise, Clara - repeti, num tom que deixava claro que não era um pedido.

Ela apenas assentiu, respirou fundo e saiu do carro. Fiquei observando enquanto caminhava até a entrada da clínica. Só depois que a vi entrar é que respirei fundo e dei partida, seguindo rumo à empresa.

Assim que pus os pés no andar da presidência, Betina, minha secretária, surgiu no corredor com o ipad em mãos e aquele jeito prático de quem sempre sabe tudo antes de mim.

— Bom dia, senhor Monteiro. Já organizei sua agenda de hoje. A Luíza também está quase chegando. O jatinho dela vai pousar aqui no prédio.

— Mas ela não viria só amanhã? - perguntei, entrando no elevador com ela.

— Sim, mas na Suíça não encontraram a peça que falta pro concerto do Kocki. Então ela resolveu antecipar o retorno.

O Kocki era nosso mini-robô assistente, criado pela Luíza e desenvolvido com a Clara. Ele auxiliava pessoas com deficiência visual, um dos projetos mais importantes que tínhamos.

O elevador se abriu no terraço, e subimos juntos até a área de pouso. Fiquei parado ali, com o vento frio batendo no rosto, esperando o jatinho da minha irmã tocar o solo.

Assim que avistamos o jatinho se aproximando, nos afastamos alguns metros por causa do barulho ensurdecedor das turbinas. O vento bagunçou meu cabelo e levantou a barra do vestido de Betina, que segurou os papéis contra o peito com cuidado.

O avião tocou o solo com a precisão que sempre impressionava, típico da Luíza. Esperei até que a porta fosse aberta e a escada, posicionada. Ela surgiu no topo dos degraus com a mesma postura impecável de sempre: costas retas, queixo erguido, os cabelos escuros presos num coque firme, como se nada no mundo conseguisse tirá-la do eixo.

Carregava apenas uma pasta de couro preta e o celular na outra mão. Quando seus olhos encontraram os meus, não havia calor nem saudade ali. Apenas aquele profissionalismo gelado que ela cultivava como uma armadura.

Me aproximei quando ela começou a descer.

— Luíza - cumprimentei, com um aceno breve.

— Alexandre - respondeu, seca, antes de pisar no concreto. Seus saltos ecoaram pelo terraço enquanto ela caminhava até mim. - Precisamos conversar imediatamente sobre o Kocki. A Suíça não tem condições de manter o cronograma sem a peça de reposição.

— Já mandei verificar fornecedores alternativos no Canadá - falei, mantendo a voz calma. Eu estava acostumado a lidar com ela assim. - Mas quero que a gente se reúna com a Clara antes de definir qualquer nova entrega.

Ela arqueou uma sobrancelha, num gesto que era quase um sorriso, ou o mais próximo disso que Luíza chegava de demonstrar emoção.

— Clara? Ela vai estar disponível hoje?

— Vai - menti sem pensar. Eu ainda não sabia se ela estaria. Mas alguma coisa me dizia que, se não estivesse, eu daria um jeito de adiar o mundo inteiro até ela voltar.

— Ótimo. - Ela consultou o relógio. - Quero essa reunião no máximo em duas horas. Vou descer para revisar os relatórios. E, Alexandre... - me olhou, por cima do ombro - se for pra assumir novos prazos, que seja com garantias. Eu não tenho tempo a perder com promessas vagas.

— Eu sei disso - respirei fundo. - Eu também não.

Ela apenas assentiu e seguiu em direção ao elevador, sem olhar para trás. Betina me lançou um olhar de cumplicidade, como quem entende que trabalhar com Luíza era um exercício diário de paciência.

E, enquanto a observava desaparecer pelos corredores, pensei na ironia: minha irmã, fria como uma lâmina; Clara, quente como o verão. E eu, preso no meio, tentando manter tudo sob controle, mesmo quando meu coração dizia que, dessa vez, nada mais estava sob controle.

...[...]...

Por volta do meio-dia, saí com Cibele para almoçarmos juntos. Assim que Alice me viu, correu até mim com os bracinhos abertos, pulando nos meus braços. Ainda estava com o uniforme da escola, o cabelo preso de qualquer jeito e o sorriso mais sincero que já vi na vida.

— Você tá ficando pesada, sabia? - brinquei, beijando sua têmpora e inalando aquele cheirinho doce que era só dela.

— Eu tô ficando forte! - ela disse, rindo. - Tio Alex, a gente pode comprar chocolate?

— Se sua mamãe deixar, a gente compra a fábrica inteira só pra você - respondi com um sorriso conspirador.

Cibele me lançou aquele olhar enviesado de sempre, cheia de implicância. Eu e Alice rimos juntos.

Não queria que minha sobrinha crescesse se sentindo limitada ao que podia ou não ter. Eu, na idade dela, sonhava com uma simples barrinha de chocolate. Mas claro, tudo em excesso enjoa.

— Pode comer um pedacinho depois do almoço - Cibele autorizou, fazendo sua típica cara de mãe sensata.

Caminhamos até o carro. Cibele colocou Alice na cadeirinha com a delicadeza de quem já fazia isso no automático, e eu me acomodei no banco do motorista. Esperei Cibele entrar no banco do passageiro e liguei o carro.

Mas antes de dar partida, Alice se agitou no banco de trás.

— Tia Lulu! A tia Lulu! - apontou pela janela, animada.

Segui seu dedinho e vi Luíza atravessando o estacionamento em direção ao seu Porsche, do outro lado da rua.

Do meu lado, senti o corpo de Cibele enrijecer. O nome de Luíza ainda era uma ferida aberta entre as duas. Minha irmã nunca foi hostil com Alice, mas também nunca fez questão de se aproximar. Tratava a sobrinha como uma desconhecida, o que sempre me incomodou - e machucava ainda mais Cibele.

— Podemos falar com ela, tio Alex? - Alice insistiu, esperançosa.

— Princesa... - Cibele interveio com carinho, virando-se para trás - a tia Lu tá cansada, amor. Por que a gente não deixa ela descansar hoje?

Alice fez um biquinho, um pouco frustrada, mas assentiu.

— Tá bom...

Luíza entrou no carro, ajustou os óculos escuros e deu partida como se nada à sua volta importasse.

Esperei até que ela saísse e fui logo atrás, com aquela sensação incômoda de que, por mais que eu tentasse, algumas pontes dentro da nossa família ainda pareciam inalcançáveis.

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