O som do alto-falante ecoava suave pelo saguão do Aeroporto Internacional de Guarulhos, anunciando partidas e chegadas com a frieza habitual das máquinas. No entanto, para Camila, cada anúncio carregava um toque de poesia. Ajeitou a alça da bolsa no ombro enquanto observava a movimentação frenética ao redor — famílias se despedindo com lágrimas nos olhos, casais se abraçando como se o tempo fosse um inimigo cruel, crianças animadas com a ideia de voar. Era um cenário que, para muitos, era rotina, mas para ela sempre foi pura magia.
Desde pequena, Camila se encantava com aeroportos, não pelos destinos em si, mas pelas histórias que eles escondiam. Era como se cada mala carregasse segredos e cada olhar apressado escondesse uma saudade, um sonho, uma lembrança. E naquele dia em especial, ela não era apenas uma observadora da vida dos outros — ela estava prestes a viver sua própria virada.
Aos 29 anos, Camila trabalhava como jornalista para uma revista de viagens de prestígio. Depois de anos escrevendo matérias sobre cidades que só conhecia pelas fotos, finalmente recebera a chance de cobrir uma reportagem internacional. O destino? Paris. A cidade dos amantes, dos artistas, da luz e das paixões efervescentes. Mal conseguia acreditar que aquele sonho de infância estava se tornando realidade.
Mas, o que ela não sabia, era que o verdadeiro destino daquele voo não estava apenas nas avenidas elegantes de Paris, nem nos cafés da Rue de Rivoli. O que realmente mudaria sua vida estava prestes a cruzar seu caminho antes mesmo da decolagem.
Do outro lado do saguão, o comandante Gabriel Santana, 38 anos, fazia o caminho habitual em direção à aeronave. Tinha o porte elegante de quem nasceu para liderar, e os olhos de quem já viu muito mais do que gostaria. Viúvo há três anos, Gabriel havia mergulhado no trabalho como forma de lidar com a dor. Voar era sua maneira de continuar respirando. Nos céus, ele se sentia livre. Em terra, o passado pesava demais.
Gabriel era conhecido entre os colegas por sua postura firme, mas gentil. Comandava aviões com a mesma calma com que escutava os relatos da tripulação ou orientava passageiros inseguros. Ainda assim, seu coração permanecia fechado como a cabine que pilotava — seguro, silencioso e inalcançável.
Enquanto Camila caminhava em direção ao portão de embarque, distraída entre notificações no celular e ideias para sua matéria, não percebeu que estava prestes a colidir com o próprio destino. Um esbarrão leve, quase imperceptível, a fez parar de repente. Ao levantar os olhos, encontrou-se diante de um homem alto, de uniforme impecável, com as asas douradas no peito e um olhar que parecia ver além.
— Desculpa! — disse ela, ajeitando a bolsa, levemente corada.
— Sem problemas, senhorita. Está tudo bem? — respondeu Gabriel, com um leve sorriso nos lábios e um brilho curioso nos olhos.
Camila assentiu, ainda impactada com a presença dele. Algo no tom da voz, na segurança do olhar, causou nela um breve arrepio — daqueles bons, que avisam que algo inesperado está prestes a acontecer.
— Só distraída... Como sempre — completou, sorrindo de lado.
Gabriel estava prestes a seguir seu caminho, mas não o fez de imediato. Havia algo diferente naquela mulher. Talvez a leveza. Talvez a naturalidade. Ou talvez o destino estivesse brincando com ele mais uma vez. Afinal, em tantos anos de voo, já vira rostos demais. Mas aquele não era apenas mais um.
Já na cabine, minutos depois, Gabriel retomava seus procedimentos com profissionalismo. Mas, por mais que tentasse, sua mente insistia em retornar ao encontro com a mulher do vestido vermelho. Aquela que parecia estar num universo próprio, onde o tempo corria de forma diferente.
Camila, por sua vez, já acomodada na poltrona 5A, observava a pista pela janela. Sentia um frio na barriga, mas sabia que não era o medo do voo. Era algo mais intenso, mais sutil. Uma sensação de que aquele avião não a levaria apenas a Paris, mas a um capítulo completamente novo da sua vida.
Quando a voz firme e acolhedora do comandante ecoou pela cabine, o coração dela acelerou.
— Senhoras e senhores, aqui quem fala é o comandante Gabriel Santana. Em nome de toda a tripulação, desejamos um excelente voo com destino a Paris.
Camila fechou os olhos e sorriu. O nome. A voz. A coincidência. Ou talvez, não fosse coincidência alguma.
Enquanto o avião subia cortando o céu em meio às nuvens, dois corações, separados por fileiras e uniformes, começavam a bater em sintonia. Ela ainda não sabia, mas o amor, aquele que tantas vezes descreveu nas páginas de suas reportagens, estava prestes a pousar bem no centro de sua própria história.
E nas alturas... tudo pode acontecer.
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Camila acordou do leve cochilo com o sol atravessando a janela da aeronave. As nuvens formavam desenhos quase surreais no céu azul, como se o universo pintasse delicadamente o caminho até Paris. Ela bocejou discretamente, observando o movimento ao redor. Passageiros conversavam em sussurros, alguns liam, outros dormiam. Mas, em sua mente, só uma cena se repetia: o encontro com o comandante antes do embarque.
“Gabriel Santana.” Ela repetia mentalmente, como se o nome tivesse se entranhado em sua pele. Não era comum se impressionar com alguém à primeira vista. Ela era cética quanto a amores repentinos. Mas havia algo no olhar dele — uma serenidade que parecia tocar fundo, como se dissesse que ali havia um mundo inteiro a ser descoberto.
Na cabine, Gabriel mantinha sua expressão serena, mas por dentro sentia algo incomum. Após anos de voos sem se permitir distrações emocionais, aquela mulher misteriosa do portão de embarque voltava à sua mente com insistência. Ele mal sabia seu nome, mas a lembrança daquele sorriso leve já era suficiente para provocá-lo.
— Pensando alto, comandante? — brincou o copiloto Marcos, notando o leve sorriso de Gabriel.
— Não... Só apreciando o céu — respondeu, desviando o olhar rapidamente para os instrumentos do painel.
— Sei... céu ou alguma passageira?
Gabriel apenas balançou a cabeça, tentando esconder o rubor discreto que lhe subia pelo rosto. Ele nunca se envolvia com passageiros, nem fora o tipo de homem que se deixava levar por paixões rápidas. Mas aquilo... aquilo era diferente. Uma energia que ele não sentia havia muito tempo.
Horas depois, com a aproximação do pouso em Paris, Camila sentia as mãos suando levemente. Ela conhecia o motivo. Não era nervosismo comum. Era expectativa. Desejo. Curiosidade. Quando o avião tocou suavemente a pista do Charles de Gaulle, ela sentiu o coração acelerar. Uma parte sua queria encontrar Gabriel novamente. Outra, mais tímida, tentava ignorar o sentimento que crescia a cada minuto.
Após o desembarque, já no terminal, ela caminhava em direção à esteira de bagagens quando ouviu a voz novamente — não pelo alto-falante, mas em pessoa.
— Espero que o voo tenha sido tranquilo — disse Gabriel, aproximando-se com discrição.
Camila virou-se, surpresa e encantada. Ele estava ali, sem a cabine para separá-los, sem microfones, apenas ele e aquele sorriso calmo.
— Foi perfeito... Melhor do que eu imaginava — respondeu, tentando disfarçar o nervosismo.
— Que bom. A cidade luz está prestes a te receber com tudo que tem de melhor. — Ele hesitou por um instante, depois completou: — Mas se me permite... acho que o melhor ainda está por vir.
Camila sentiu o mundo parar por um breve segundo. Não era só um charme passageiro. Era algo mais profundo, algo sincero.
— Quem sabe? — respondeu ela, com um sorriso enigmático.
Enquanto sua mala surgia na esteira, Gabriel entregou-lhe um cartão discreto com seu nome e número.
— Caso precise de algo durante sua estadia... ficarei por alguns dias na cidade. Boa sorte com sua matéria, Camila.
Ela o encarou, surpresa por ele já saber seu nome.
— Você sabia meu nome?
— Jornalista da Revista Destinos. Poltrona 5A. Eu presto atenção em detalhes — respondeu ele, antes de se afastar.
Camila segurou o cartão com firmeza, como se fosse um convite silencioso para o desconhecido. Ali, entre malas e despedidas, o destino mais uma vez se manifestava. Paris seria mais do que uma viagem. Seria o início de uma história que ela jamais ousaria escrever — até agora.
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O aroma do café recém-passado se misturava ao som de passos apressados e risos abafados no pequeno café da Rue Saint-Honoré, um cantinho parisiense charmoso onde Camila decidira começar sua manhã. Tinha chegado no dia anterior e, depois de uma noite mal dormida por conta da ansiedade, finalmente estava pronta para explorar a cidade — e, quem sabe, entender o que se passava em seu próprio coração.
Sentada à mesa da janela, com o laptop aberto e o caderno de anotações ao lado, Camila tentava se concentrar no roteiro da matéria que precisava escrever para a revista. Más, a cada cinco linhas, sua mente voava de volta ao cartão que repousava em sua bolsa. Gabriel Santana. Um nome que surgira como um raio em céu limpo, alterando sua bússola emocional.
Ela pegou o cartão mais uma vez, passando os dedos sobre o nome como se aquele gesto pudesse decifrar o homem por trás da farda. O encontro no aeroporto parecia ter saído de um filme romântico — mas era real. E mais do que real: tinha deixado uma marca. Será que ele havia falado aquilo por educação? Ou sentira o mesmo arrepio que ela?
Camila hesitou por longos minutos, olhando para a tela do celular. Respirou fundo, reuniu a coragem e escreveu:
“Bonjour, comandante. Camila por aqui. Paris está linda, mas admito que fiquei com a impressão de que algumas paisagens só ficam completas com boa companhia. Ainda disposto a mostrar o que há de melhor por aqui?”
Olhou a mensagem por mais alguns segundos antes de apertar "enviar". Quando o fez, sentiu como se tivesse pulado de paraquedas sem saber ao certo onde aterrissaria. Era ousado, talvez impulsivo, mas era sincero.
Não demorou muito para que a resposta viesse. Curta. Direta. E suficiente para fazer seu coração disparar:
“Bonjour, mademoiselle. Estou a cinco quadras de onde você está. Café ou passeio?”
Camila sorriu. Não o sorriso educado que costumava dar em situações formais, mas um sorriso inteiro, daqueles que nascem de dentro. Ela respondeu:
“Passeio. Surpreenda-me.”
Quarenta minutos depois, Gabriel a encontrou na porta do café. Sem o uniforme, vestia uma camisa de linho clara, calça jeans escura e um relógio discreto. Era quase outro homem, mas os olhos... os olhos mantinham o mesmo brilho calmo que tanto a intrigava.
— Está pronta para ver Paris com olhos novos? — perguntou ele, estendendo a mão em um gesto cortês.
Ela a segurou, sentindo uma conexão imediata.
— Com você como guia, acho que sim.
Caminharam pelas ruas antigas, passando por livrarias, pequenas galerias de arte e jardins escondidos entre construções seculares. Gabriel mostrava lugares que os turistas raramente conheciam. Sabia histórias de cada ruela, de cada prédio que resistira ao tempo. Camila, encantada, não sabia o que mais a impressionava — a cidade ou o homem ao seu lado.
— Como você conhece tanto de Paris? — perguntou ela, quando pararam à sombra de uma árvore no Jardim de Luxemburgo.
— Vivi aqui por um tempo, logo no início da minha carreira. Minha esposa era apaixonada por essa cidade... — ele disse com a voz um pouco mais baixa, os olhos perdidos no horizonte por um instante.
Camila percebeu a mudança de tom e respeitou o silêncio. Era como se, naquele instante, Gabriel tivesse deixado uma porta entreaberta para que ela visse um pedaço de sua dor. E ela, em vez de recuar, sentiu vontade de entrar com cuidado.
— Imagino que Paris tenha muitas memórias para você — disse, sem julgamento, apenas com empatia.
— Tem. E agora, com você aqui... talvez novas memórias possam nascer — respondeu ele, virando-se para encará-la.
Os olhos dele buscavam algo nos dela — talvez permissão, talvez cumplicidade. Camila sentiu o ar mudar ao redor. O som dos pássaros, o murmúrio da fonte próxima, o calor do sol filtrado pelas folhas. Tudo se tornou pano de fundo para aquele instante.
Não se beijaram. Ainda não. Mas havia algo mais forte que um beijo ali — havia a promessa. A promessa de que a história deles estava apenas começando.
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