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Entre Acasos e Promessas

capítulo 01 Antes do acaso

O despertador tocou às 6h20 da manhã, como fazia todos os dias, sem piedade. Aquele som estridente era o primeiro inimigo da rotina de Lívia. De olhos fechados, ela tateou o celular sobre o criado-mudo, desligando o alarme com um resmungo.

— Só mais cinco minutos...

Mas os cinco minutos nunca eram apenas cinco. E ela sabia disso. Sempre sabia.

Lívia levantou-se de uma vez, já atrasada. A água gelada do chuveiro a obrigou a acordar de verdade. Seus pensamentos se misturavam entre o que vestir, o que teria para o café da manhã e se conseguiria chegar ao trabalho sem pegar o trânsito das sete.

Vestiu uma calça jeans de cintura alta, uma blusa branca de botões e prendeu o cabelo em um coque despretensioso. Simples, mas bonita. Era como ela costumava ser — prática, leve, de sorriso fácil, mas de olhar profundo, como quem carrega mais verdades do que compartilha.

Ela morava com a melhor amiga desde os tempos de faculdade, a Mariana — ou Mari, como todos a chamavam. Mari era o oposto de Lívia: espalhafatosa, divertida, escandalosa até quando dizia “bom dia”.

— Mulher, olha esse cabelo! Parece que foi atropelada por um furacão! — gritou Mari da cozinha assim que viu a amiga surgir.

— E bom dia pra você também, flor do dia... — respondeu Lívia, revirando os olhos.

— Já te avisei que sábado tem o casamento da Renata. Não esqueceu, né?

Lívia bufou. Tinha mesmo se esquecido.

— Ai, Mari... sério que tenho que ir?

— É óbvio que tem! Ela é sua prima. E eu já comprei meu vestido, aluguei sapato e até reservei a maquiagem. Você não vai me deixar ir sozinha pra esse ninho de cobras, vai?

As duas riram. Apesar de não gostar muito de festas de família, Lívia sabia que precisava comparecer. Renata era uma das poucas primas com quem ainda mantinha laços. E, mesmo sendo um evento social onde ela se sentiria deslocada, não queria decepcioná-la.

Enquanto tomavam café, conversavam sobre a semana. Mari falava animadamente de um carinha novo do trabalho, enquanto Lívia mal conseguia prestar atenção. Sua cabeça andava cheia. As cobranças no escritório estavam cada vez maiores, e sua chefe parecia ter o prazer mórbido de atormentá-la diariamente.

— Acho que vou pedir demissão — desabafou, bebendo um gole de café.

— De novo com essa história? Lív, você precisa de um plano antes de largar tudo. Não dá pra sair sem ter onde cair.

— Eu sei. Só que às vezes sinto que estou vivendo uma vida que não é minha. Como se tudo estivesse no automático.

Mari se aproximou e apertou o ombro da amiga.

— Sua vida ainda vai virar de cabeça pra baixo. Pode apostar. Mas no bom sentido.

O que nenhuma das duas sabia era o quanto aquela frase se tornaria profética.

A semana passou voando. Quando o sábado chegou, Lívia ainda não tinha escolhido o vestido. Com a ajuda de Mari e uma tarde inteira revirando o guarda-roupa da amiga, conseguiu encontrar um longo vinho de alças finas e decote discreto. Era bonito, elegante e, principalmente, confortável.

Naquela noite, ela estava linda. Seus cabelos soltos em ondas suaves, uma maquiagem leve realçando seus olhos castanhos, e uma confiança estranha dançando em sua pele.

O casamento aconteceria em um espaço de eventos em um sítio na serra. Tudo decorado com flores brancas, luzes amareladas e um clima romântico no ar. O tipo de ambiente que fazia os solteiros desejarem estar em casal — ou ao menos com alguém interessante ao lado.

— Se você não beijar ninguém hoje, eu mesma beijo! — brincou Mari, antes de se afastar para procurar um drinque.

Lívia ficou sozinha por alguns minutos, observando os convidados, o cenário, e a cerimônia prestes a começar. Sentia-se deslocada, como sempre. Até que um olhar pousou sobre ela — intenso, fixo, curioso.

Na lateral do salão, de pé, um homem de terno preto a encarava como se fosse a única pessoa presente naquele lugar. Alto, cabelos escuros perfeitamente penteados, barba bem-feita, olhos cinzentos como nuvens antes da tempestade. Ele não sorria. Mas sua presença causava um arrepio estranho na espinha de Lívia.

Ela desviou o olhar, desconcertada. Mas algo dentro dela já sabia: aquela noite não terminaria como todas as outras.

— Gostou da cerimônia? — perguntou a prima Renata depois da festa, quando encontraram um momento para conversar.

— Foi linda. Você estava maravilhosa, Rê. Desejo toda felicidade do mundo.

Renata a abraçou apertado.

— Você merece isso também, Lív. Não desiste do amor, tá? Um dia ele aparece... geralmente quando a gente menos espera.

A frase ficou ecoando na mente de Lívia. E à medida que a noite avançava, os olhares entre ela e o homem misterioso continuavam se cruzando. Cada vez mais demorados. Cada vez mais intensos.

O que ela não sabia — ainda — era que o nome dele era Cael Monteiro. Que ele era CEO de uma das maiores empresas de tecnologia do país. Que ele não era um convidado qualquer, mas sócio do noivo da prima. E que aquele encontro seria o ponto de partida de uma reviravolta impossível de evitar.

Na volta para casa, já de madrugada, Lívia encostou a cabeça no vidro do carro. Estava cansada, mas inquieta. Sentia que algo estava prestes a acontecer — algo maior que ela, que suas escolhas, que tudo o que planejou até aquele momento.

Ela só não sabia ainda que, dentro de poucas semanas, estaria diante de um teste de farmácia com duas linhas vermelhas. E uma vida nova pulsando em silêncio dentro de si.

Capítulo 02 – O Homem do Olhar Cinzento

O salão de festas estava envolto por um brilho suave das luzes penduradas como pequenas estrelas artificiais. Músicas românticas embalavam o ambiente enquanto garçons se movimentavam com bandejas equilibradas entre taças de espumante e canapés delicados.

Lívia observava tudo com certa admiração. O casamento de Renata parecia ter saído de uma revista. Detalhes impecáveis, flores brancas em profusão, cadeiras em madeira clara, e uma pista de dança elegante ao fundo. Era, de fato, lindo.

Mas por mais que o cenário impressionasse, sua atenção não conseguia se manter nos arranjos. Seus olhos teimavam em buscar aquele homem — o mesmo que a observava desde o início da cerimônia. E não demorou para ele surgir novamente, dessa vez mais perto.

Lívia se virou para pegar uma taça na bandeja de um garçom, e ao se virar de volta, deu de cara com o estranho.

— Desculpe... — murmurou ela, surpresa com a proximidade.

Ele apenas sorriu de leve, mas seu olhar parecia atravessar sua alma.

— Não tem por que se desculpar — disse, com uma voz grave, firme e ao mesmo tempo calma. — Eu que deveria me apresentar. Cael.

Lívia demorou um segundo para processar. Apenas retribuiu com um aperto de mão breve, porém inesperadamente firme.

— Muito prazer.

— O prazer é meu, Cael responde sem tirar o olhar do dela.

A maneira como ele fala, fez algo vibrar dentro dela. Aquilo não era apenas um cumprimento social. Era como se cada sílaba fosse escolhida com intenção.

— Você é da família da noiva ou do noivo? — ela perguntou, tentando soar casual.

— Sócio do noivo. Rodrigo e eu temos uma empresa juntos. Mas confesso que não sou muito fã de eventos assim... até hoje.

Ela franziu levemente a testa.

— E o que mudou hoje?

Cael inclinou a cabeça com um meio sorriso.

— Digamos que hoje eu tive bons motivos pra sair de casa.

Lívia mordeu o lábio inferior, tentando conter o rubor que subia por sua pele. O homem não era apenas bonito. Era magnético. Sua presença preenchia o ambiente com uma força difícil de ignorar.

— E você? — ele perguntou. — Amiga da noiva?

— Prima. A gente cresceu juntas. Mesmo quando a vida nos afastou um pouco, sempre mantivemos uma ligação.

Cael assentiu.

— Gosto disso. Laços verdadeiros. São raros hoje em dia.

A conversa, ainda que simples, se desenrolava com fluidez. Não havia esforço, apenas um fluxo natural entre olhares, palavras e sorrisos disfarçados.

— Posso te oferecer uma bebida decente? — ele disse, levantando ligeiramente a taça.

Lívia hesitou por um instante, olhando ao redor em busca de Mariana. A amiga, no entanto, estava do outro lado do salão, rindo com outros convidados.

— Pode — respondeu, enfim. — Desde que não seja champanhe barato.

Ele sorriu, genuíno. Era a primeira vez que ela o via sorrir de verdade. E, por algum motivo, aquele gesto fez seu coração acelerar.

Os dois caminharam juntos até o bar. Cael fez questão de pedir ele mesmo os drinques, trocando algumas palavras com o barman, demonstrando familiaridade com o ambiente. Quando retornou com um coquetel avermelhado, estendeu para ela.

— Morango com hortelã. Sem álcool, caso precise dirigir.

Lívia ergueu uma sobrancelha, surpresa.

— Sem álcool?

— Gosto de observar as pessoas sóbrias. Elas revelam mais do que acham — disse ele, tomando um gole da própria bebida.

Ela riu, divertida.

— E o que acha que descobriu sobre mim até agora?

Cael a olhou demoradamente antes de responder.

— Que você prefere os cantos a estar no centro. Que não confia em elogios baratos, mas retribui quando são sinceros. E que está, de algum jeito, tentando fugir de alguma coisa — talvez de si mesma.

Lívia sentiu a respiração falhar por um segundo. As palavras dele bateram fundo, como se ele tivesse lido algo dentro dela que nem ela mesma sabia que estava lá.

— E você, Cael... — disse com a voz um pouco mais baixa. — De que está fugindo?

Ele demorou mais para responder. Seu olhar ficou mais denso, como se pesasse entre o que dizer e o que calar.

— Do mundo. Do vazio de conexões falsas. E... de mim mesmo, talvez.

O silêncio entre os dois não foi desconfortável. Foi intenso. Elétrico. Como se palavras fossem desnecessárias naquele instante. Eles se encararam, e ali havia mais do que atração física. Havia um reconhecimento silencioso — como se, de alguma forma, suas almas tivessem se esbarrado antes mesmo de seus corpos.

Mais tarde, quando a música tomou conta da pista e os convidados começaram a dançar, Mari finalmente reapareceu, puxando Lívia pelo braço.

— Você sumiu! Tava te procurando... — parou subitamente ao ver Cael. — Ah... agora entendi.

— Mari, esse é o Cael. Cael, essa é minha amiga e colega de apartamento.

— Ah, colega de apartamento? Já gostei. Alguma história boa deve ter. — disse ele, sorrindo com charme para Mari.

Mari sorriu de volta, desconfiada.

— Mantenha suas intenções puras, Cael. Ela é preciosa pra mim — disse, apontando para Lívia.

— Não se preocupe. Eu também não gosto de desperdiçar o que é raro.

Mari se afastou devagar, deixando-os sozinhos novamente.

— Eu gosto dela — disse ele.

— Todos gostam. Ela é meu anjo e meu demônio particular — brincou Lívia, olhando para a pista de dança. — E agora ela vai me fazer dançar com alguém que não quero.

— E se eu for esse alguém?

A pergunta foi direta. Simples. Mas carregada de algo difícil de nomear.

Lívia olhou para ele por alguns segundos. Então estendeu a mão.

— Vamos dançar, senhor Cael.

No centro da pista, a música mudou para uma batida suave, lenta. Os corpos se aproximaram. Ele a envolveu com firmeza, mas sem invadir. Ela pousou as mãos em seus ombros, sentindo o calor dele atravessar o tecido da camisa.

Dançaram em silêncio. O mundo ao redor parecia se dissolver. E pela primeira vez em muito tempo, Lívia não pensou em trabalho, responsabilidades ou no amanhã. Apenas no presente. Na sensação das mãos dele em sua cintura, no cheiro amadeirado que vinha de seu pescoço, na forma como os olhares se grudavam e se recusavam a se desviar.

Se houve palavras naquela dança, elas foram ditas com os olhos. Se houve promessas, foram feitas com o toque.

E quando a música acabou, e eles se afastaram um pouco, Lívia sentiu que algo dentro dela havia mudado. Algo que não sabia nomear. Mas que já havia começado a crescer.

E não havia mais volta.

Capítulo 03 – Desejo Silencioso

A música voltou a animar o salão, e outras pessoas ocuparam a pista de dança com movimentos desajeitados ou exagerados, mas Lívia e Cael não voltaram para seus lugares. Permaneceram à margem da pista, como dois intrusos num universo paralelo, onde só eles pareciam existir.

— Você dança bem — comentou ela, ainda sentindo a presença das mãos dele na cintura.

— Só quando a pessoa me inspira — respondeu Cael, com aquele meio sorriso que mexia mais com ela do que deveria.

Lívia abaixou os olhos, tentando conter o rubor em suas bochechas. Ela estava acostumada a manter o controle, a ser centrada, racional. Mas com ele, tudo parecia flutuar fora do eixo. E o pior — ou melhor — é que ela gostava disso.

— Preciso de um pouco de ar — disse, apontando para o jardim externo.

— Eu também — respondeu ele, no mesmo instante.

Saíram juntos pela porta lateral que levava a um corredor iluminado por pequenas lanternas. A brisa noturna era fresca e trazia o cheiro das flores misturado à grama molhada. O céu, limpo, deixava ver as estrelas com clareza. Era como se o universo tivesse parado para observar aquele momento.

— Gosto de lugares assim — disse Cael, andando ao lado dela. — Longe da cidade, do barulho, das exigências.

— Você parece alguém acostumado com exigências — provocou Lívia, lançando-lhe um olhar curioso.

— Estou. Mas não quer dizer que eu goste disso.

Pararam perto de um banco de madeira. Ela se sentou primeiro, cruzando as pernas, enquanto ele permaneceu de pé por um momento, como se ainda decidisse se ficaria ou não. Depois, sentou-se ao lado dela, mas não muito perto. Havia espaço entre eles, mas também havia uma tensão sutil preenchendo o ar.

— Você parece uma mulher forte — comentou ele, com sinceridade na voz.

Lívia sorriu de lado.

— E isso é bom ou ruim?

— É fascinante. Mas às vezes, pessoas fortes carregam tanto sozinhas que se esquecem de pedir ajuda.

Ela mordeu o lábio inferior. Ele tinha o dom de atingi-la nos pontos mais sensíveis sem soar invasivo.

— Você é sempre assim? — perguntou ela. — Intenso, observador?

— Só quando algo — ou alguém — me desperta.

O silêncio que se seguiu foi mais eloquente do que qualquer resposta. Os olhos de Cael estavam sobre ela novamente, mas agora com uma intensidade mais densa, como se quisesse memorizar cada traço, cada detalhe de seu rosto.

Lívia desviou o olhar, respirando fundo. Sentia seu corpo reagir à proximidade dele de maneira incontrolável. O calor em sua pele, o leve tremor nas mãos, o coração acelerado... tudo parecia gritante, como se seu corpo soubesse o que a mente ainda resistia em aceitar.

— Acho que preciso voltar — disse ela, tentando se levantar.

Mas Cael segurou seu pulso, suavemente.

— Fica só mais um minuto.

Ela congelou. O toque dele não foi agressivo, nem insistente. Mas foi firme. Quente. E carregado de algo quase invisível — desejo contido.

— Está tudo bem? — perguntou ela, tentando entender o que se passava por trás daqueles olhos cinzentos.

— Eu não sei o que está acontecendo aqui — respondeu ele, encarando-a. — Mas sinto que, se eu deixar você ir agora, algo importante vai se perder.

Lívia sentiu o coração se apertar. Ela também sentia. Uma parte dela queria fugir, correr para longe daquilo. Mas outra parte, bem mais forte, queria ficar. Queria entender. Queria... se entregar.

— Às vezes, coisas importantes acontecem quando a gente não planeja — disse ela, sua voz quase um sussurro.

Cael se aproximou, lentamente. Seus rostos estavam a centímetros de distância. Ele não a beijou — ainda — mas seus narizes se tocaram, suas respirações se misturaram, e a expectativa entre os dois era palpável, como eletricidade correndo por fios invisíveis.

Lívia fechou os olhos por um segundo. E quando os abriu, ele ainda estava lá, olhando-a como se ela fosse a única verdade que conhecia naquele momento.

Mas então o som de passos e risadas vindos do salão os trouxe de volta à realidade. Lívia se afastou primeiro, recobrando o fôlego, como quem desperta de um sonho.

— Melhor voltarmos — disse, levantando-se de uma vez.

Cael assentiu, mas seus olhos ainda estavam sobre ela como se marcassem cada passo. Eles voltaram em silêncio, lado a lado, mas com algo diferente entre eles. Uma chama acesa. Um elo criado. Uma semente plantada sem que nenhum dos dois soubesse o que, exatamente, estava começando a florescer.

Dentro do salão, Mari apareceu imediatamente.

— Você sumiu de novo! Me deve uma dança!

— Agora? — perguntou Lívia, ainda meio fora do ar.

— Agora! Antes que eu caia de sono!

Lívia riu e se deixou levar, embora seus olhos ainda procurassem Cael entre os convidados.

Mas ele não estava mais lá.

Horas depois, já em casa, enquanto tirava o vestido e se deitava na cama com os cabelos ainda cheirando a perfume, Lívia se pegou pensando nele. No toque da mão em seu pulso. No calor da respiração. No olhar que dizia mais do que qualquer palavra dita naquela noite.

Ela não sabia seu sobrenome. Não sabia onde ele morava, nem seu número, nem se o veria novamente. Tudo o que sabia era que algo tinha mudado.

E, por mais que tentasse racionalizar, o que sentia dentro de si era real. Um desejo calmo, mas profundo. Uma certeza incômoda de que aquela história — aquela conexão — não tinha terminado ali.

Era só o começo.

E o acaso já começava a agir.

 

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