Me chamo Antonella Rossi.
Sou a filha mais nova da família Rossi, uma das famílias mais antigas e respeitadas da máfia italiana. Cresci em meio a jantares silenciosos com códigos não ditos, olhares que diziam mais do que palavras, e uma etiqueta que nos era ensinada desde os primeiros passos: falar baixo, sorrir na medida, obedecer sempre.
Me acostumei a observar. A ser a sombra nas festas, o rosto esquecido entre tantos vestidos reluzentes e vozes encantadoras. Diferente de minhas irmãs, nunca soube como encantar um salão.
Valentina, a primogênita, é o orgulho da família. Brilhante, elegante, persuasiva. Consegue o que quer com um simples olhar. Ela é respeitada entre os homens da máfia, mas não por medo. Por admiração. É o tipo de mulher que as famílias desejam como esposa para seus herdeiros.
Bianca, a do meio, é o oposto. Competitiva, afiada, ambiciosa. Sempre me olhou com um misto de tédio e desprezo. Crescemos lado a lado, mas ela sempre me fez sentir... menor. Para ela, ser sensível é ser fraca. Ser gentil é perder tempo.
E então tem eu. A filha silenciosa, de passos leves e coração mole.
Gosto de flores, de costura, de piano. Nunca aprendi a atirar, nem me interesso pelas estratégias da máfia. Meu mundo é feito de detalhes – uma xícara de chá quente, uma peça de porcelana, o cheiro da lavanda no jardim.
Talvez por isso ninguém jamais me olhou duas vezes.
E eu estava em paz com isso. Nunca desejei ser notada. Nunca imaginei ser a escolha de ninguém.
Muito menos... dele.
A reunião da cúpula aconteceu numa noite fria, no salão da mansão Vitalle.
Os principais chefes da máfia italiana estavam presentes. Sentados em uma longa mesa de madeira escura, os patriarcas discutiam com vozes firmes o futuro do império.
— A sucessão está próxima — disse Don Alberto Vitalle, chefe da família e pai de Giancarlo. — E o herdeiro precisa de uma esposa.
Todos se entreolharam.
— Giancarlo é eficiente, respeitado, tem os punhos de ferro que essa organização precisa. Mas falta-lhe uma mulher ao lado. Alguém que una famílias, que traga equilíbrio, que produza herdeiros.
— Concordamos — disse Don Matteo. — Mas ele escolherá sozinho?
— Claro que não — respondeu Don Alberto. — Preparamos uma festa. Um baile formal. As famílias aliadas serão convidadas. E suas filhas... também.
Que ele observe. Que ele escolha. Ou... que ela o conquiste.
O anúncio correu como fogo pelas famílias mafiosas. A notícia chegou às mansões, às mulheres, aos salões de costura. Era oficial: Giancarlo Vitalle buscava uma esposa.
E todas queriam ser a escolhida.
Menos eu.
Antonella
O salão da nossa casa virou um desfile de tecidos, joias e perfumes. As costureiras se multiplicavam pelos corredores, trazendo modelos sob medida para mim e minhas irmãs. Valentina sorria com malícia enquanto experimentava vestidos provocantes. Bianca revirava os olhos e exigia algo mais ousado, algo que “chamasse a atenção de Giancarlo”.
— Você vai mesmo, Antonella? — perguntou Bianca, com um tom que mais parecia deboche do que curiosidade.
— Mamãe pediu. Não é uma escolha minha — respondi, mantendo os olhos na renda azul-clara que segurava.
Bianca deu uma risada seca.
— Você pode ir... mas sabe que não tem chances, não é? Ele vai escolher alguém que se imponha. Que tenha presença.
Valentina interrompeu, sentada diante do espelho, retocando o batom.
— E se ele quiser justamente o oposto? Às vezes os homens se cansam de brilho demais.
Elas discutiam, competiam, disputavam um trono que eu nem queria. Para mim, aquele baile parecia mais um leilão disfarçado de sonho.
Mas o que eu ainda não sabia era que, mesmo tentando me esconder, alguém já havia notado minha ausência no centro do salão.
Giancarlo
Festas. Sorrisos falsos. Roupas caras. Farpas escondidas entre brindes.
Nada disso me interessava.
Desde que meu pai anunciou a ideia do baile, fui bombardeado por conselhos, pressões e “sugestões” de nomes.
Filhas de aliados, moças influentes, belas como bonecas de vitrine. Era assim que me descreviam as candidatas. Nenhuma delas me despertava nada além de tédio.
— É necessário, Giancarlo — dizia meu pai. — Precisamos fortalecer alianças. Você precisa de uma esposa. Uma que saiba obedecer e representar bem nossa família.
Concordei em silêncio. Eu faria o necessário. Sempre fiz.
Mas, no fundo, sabia que aquela festa seria mais uma noite vazia. Um desfile de interesse e aparência. E eu odiava aparência. Detestava bajulação.
Até ouvir o nome dela.
— As irmãs Rossi virão, claro — comentou um dos capos durante a reunião de planejamento da festa. — Valentina, Bianca... e a mais nova... como é mesmo o nome?
— Antonella — respondeu outro. — Quieta demais. Parece até muda. Uma pena... tem um rosto delicado.
Antonella. Nunca ouvi esse nome com atenção antes.
Delicada. Quieta. Invisível.
Curioso.
Algo em mim se incomodou. Não pelo elogio sutil. Mas porque... diferente das outras, ela parecia não querer estar ali. E isso, para mim, era uma novidade.
As outras me desejavam.
Ela, ao que tudo indicava... não me queria.
E talvez por isso, pela primeira vez, eu realmente quisesse vê-la.
FIM DE CAPÍTULO!
A mansão Vitalle jamais estivera tão cheia.
Lustres de cristal lançavam reflexos dourados sobre os salões revestidos de mármore. Havia música ao fundo — um quarteto de cordas discreto — e dezenas de garçons desfilando com taças de vinho tinto e bandejas de iguarias. As famílias da máfia estavam todas ali: homens imponentes, esposas maquiadas como bonecas de porcelana e filhas em seus melhores vestidos, sorrindo como se o mundo fosse um palco.
E naquela noite, era mesmo.
A expectativa pairava como névoa: todas esperavam ser vistas por Giancarlo Vitalle.
Antonella
Segurei firme a barra do meu vestido. roxo, delicado, quase etéreo — escolhido por Valentina, que jurava que era “o único tom que não te apaga completamente, Antonella”.
Bianca desceu a escadaria principal como se fosse la dona do baile. Valentina vinha logo atrás, com passos leves e sorriso cativante. Eu fiquei por último. Como sempre.
Meu coração batia forte. Eu não queria estar ali. A festa, os olhares, as vozes altas — tudo me sufocava. Mas os olhos da minha mãe, firmes e orgulhosos, me diziam que eu precisava cumprir meu papel.
Aos poucos, fui me afastando para perto das colunas laterais do salão, onde a penumbra oferecia algum alívio.
Foi quando senti.
Alguém me observava.
Virei o rosto devagar... e o vi.
Giancarlo
Estava entediado.
As moças passavam diante de mim como peças de uma vitrine: sorriam, se curvavam, ofereciam conversas vazias, elogios ensaiados. Algumas eram lindas, outras confiantes. Mas todas... previsíveis.
— Bianca Rossi — anunciou uma mulher ao meu lado, como se aquilo devesse me impressionar. — Uma das mais cotadas.
Observei. Bonita. Intensa. Sorria com dentes perfeitos, mas havia algo de agressivo em seu olhar.
— E ali, Valentina. Diplomática, elegante. Muito influente entre as esposas dos chefes.
Mais uma vez, olhei... e desviei. Elas queriam demais. Quase suplicavam.
Foi então que meus olhos pousaram nela.
Antonella.
Não dançava. Não sorria. Não se exibia. Estava parada, em silêncio, próxima a uma coluna, como se implorasse para ser esquecida.
Mas não havia como esquecê-la.
O vestido roxo desenhava seu corpo com leveza. Os cabelos estavam presos num coque solto, com algumas mechas escapando como se não tivessem sido domadas. Ela não era uma beleza escancarada. Era... sutil. Frágil. Real.
E, acima de tudo, ela não me olhava como os outros.
Não com medo. Nem desejo.
Apenas... curiosidade cautelosa.
Aproximei-me devagar, sem pressa. Meus passos calculados, como sempre.
Quando parei diante dela, Antonella ergueu os olhos.
Límpidos, firmes, mas não arrogantes.
Pela primeira vez naquela noite, senti algo vibrar por dentro.
— Antonella Rossi — falei, como quem confirma uma descoberta.
Ela hesitou por um instante antes de responder, com a voz doce:
— Senhor Vitalle.
Meu sobrenome nunca soou tão... humano.
Antonella
— Senhor Vitalle.
Foi tudo o que consegui dizer.
Ele estava perto. Alto, impecável em seu terno escuro, com um olhar cortante que me analisava como se tentasse me decifrar. Não parecia um homem acostumado a ouvir “não”. Mas, curiosamente, não me intimidou. Me desconcertou, sim. Mas não me amedrontou.
— Você não dança? — perguntou, sua voz grave.
— Prefiro observar — respondi.
— Observar é uma arte... poucos fazem bem.
Seu olhar baixou discretamente até minhas mãos — firmes, entrelaçadas. Em seguida, voltou aos meus olhos. Quieta, sustentei o olhar. Por fora, calma. Por dentro, caos.
Por alguns segundos, ficamos em silêncio. Mas não foi desconfortável. Foi... denso.
Quando ele se afastou, não disse mais nada. Apenas seguiu entre os convidados. Mas não sem antes lançar um último olhar para mim.
E eu percebi: ele voltaria.
Valentina observava.
Disfarçada entre um grupo de moças que riam alto, ela viu Giancarlo parar diante da irmã mais nova — a invisível — e trocar palavras com ela. Poucas, mas significativas.
Valentina apertou os lábios, pensativa.
Bianca viu.
E não gostou.
Se aproximou rapidamente de Giancarlo minutos depois, oferecendo-lhe um sorriso sedutor.
— Senhor Vitalle — disse, com o mesmo tom de quem já se sentia parte dele. — Posso lhe fazer companhia?
Ele aceitou. Conversaram por alguns minutos, até outra moça o puxar. Ele foi, educado, mas impessoal.
E, de tempos em tempos, olhava para Antonella.
Não importava onde ela estivesse — próxima ao piano, à mesa de doces, ou num canto discreto do jardim.
Seus olhos a buscavam.
Don Alberto Vitalle, ao longe, observava o filho.
Com um copo de uísque na mão e expressão atenta, percebeu rapidamente o padrão. O filho cumprimentava todas, sorria para algumas, falava com outras. Mas olhava só para uma.
Antonella Rossi.
— Interessante — murmurou ao ouvido de Don Enzo, patriarca de outra família.
— A filha mais nova? Pensei que fosse apenas uma sombra das irmãs.
— Talvez seja justamente isso que chama atenção de Giancarlo — disse Don Alberto, com um sorrisinho quase imperceptível. — Uma sombra é difícil de capturar. Mas quando se consegue… torna-se valiosa.
Mais tarde, no fim do baile
A música diminuiu. As despedidas começaram. Os criados recolhiam bandejas vazias. O salão ainda reluzia, mas o encanto da noite começava a se dissolver.
A decisão não foi anunciada.
E isso gerou rumores. Comentários. Tensão.
No carro da família Rossi, antes da partida, Bianca não se conteve. Virou-se para Antonella com um sorriso forçado e um olhar venenoso.
— Você não deve se aproximar de Giancarlo, entendeu? — sussurrou. — Ele não é para você. Ele pertence a outra mulher. Uma que saiba lidar com o poder, não uma ratinha de biblioteca como você.
Antonella engoliu seco, mas não respondeu.
Valentina bufou, impaciente:
— Não comecem. Estamos todos sendo observados.
A mãe delas, Dona Francesca, estava sorridente. O tipo de sorriso que só aparece depois de um bom pressentimento.
— Que noite, não é? — disse, animada. — Antonella, você estava linda. Você chamou atenção. Eu vi!
O pai, Massimo Rossi, falou por fim:
— As minhas filhas não brigarão por um homem. Quem ele escolher, está escolhido. E isso basta.
O carro seguiu em silêncio pelo caminho de paralelepípedos, levando consigo não apenas três irmãs, mas três corações inquietos. Um por ciúme. Um por cálculo. E um... por algo que ainda não sabia dar nome.
Reunião na mansão Vitalle
O salão oval estava mais cheio do que da última vez.
Chefes de famílias sentavam-se em suas cadeiras talhadas, com expressões tensas e olhares atentos. Era a hora de alinhar alianças. Giancarlo permanecia de pé, mãos nas costas, ouvindo calmamente o que cada um dizia — até que o nome dela surgiu.
— Antonella Rossi — mencionou Don Matteo, com uma sobrancelha arqueada. — A mais nova. Dizem que chamou sua atenção.
— Dizem... muitas coisas — respondeu Giancarlo, impassível.
Seu pai, Don Alberto, acompanhava tudo em silêncio, mas não deixou de notar que seu filho não negou.
— Está na hora de visitar as famílias. Olhar nos olhos. Sentir o ambiente onde essa mulher foi criada — disse Don Alberto.
Giancarlo assentiu. Não era contra a ideia. Na verdade... já tinha em mente por onde começar.
Casa dos Rossi
A chegada do carro preto foi suficiente para mobilizar toda a casa.
Giancarlo Vitalle havia vindo em visita formal.
Ele foi recebido com respeito. Trocou palavras com Massimo, respondeu com educação às perguntas de Francesca e, com um leve aceno, cumprimentou as irmãs Rossi.
Mas seus olhos procuravam outra pessoa.
— Antonella ainda não voltou do campo — disse Valentina, com um sorrisinho quase provocador.
— E o que ela faz no campo? — perguntou Giancarlo.
— Ela cavalga — respondeu Don Massimo, antes das filhas. — Sempre gostou da natureza. Gosta de se afastar da agitação. É o jeito dela.
Giancarlo olhou pela janela da sala para o campo aberto que se estendia atrás da propriedade. Lá longe, entre árvores e trilhas de terra batida, algo se movia.
Um cavalo.
E sobre ele, vinha ela.
Antonella
O vento batia em meu rosto. Sentia o ritmo do cavalo sob meu corpo e o cheiro da terra invadir meus pulmões. Eu sempre amei essa liberdade. Era meu refúgio, meu mundo. Só ali eu conseguia respirar de verdade.
Estava de calça, botas de montaria, uma blusa clara e por cima um corset vermelho ajustado ao corpo. Um chapéu escuro protegia meu rosto do sol. Não fazia ideia de que estava sendo observada.
Até que vi.
Ele.
Parado na varanda, ao lado do meu pai e das minhas irmãs, Giancarlo Vitalle me encarava como se estivesse vendo uma miragem. Não havia rigidez no rosto dele naquele momento. Havia... surpresa. E outra coisa que não consegui nomear.
Puxei as rédeas devagar. Meu cavalo diminuiu o passo, até parar.
Meu coração... não.
— Antonella! — chamou meu pai, com a voz alta e firme. — Venha até aqui!
Engoli em seco. com cuidado e caminhei até a varanda, ainda ofegante, os cabelos levemente bagunçados pelo vento, as bochechas coradas. Os olhos de Giancarlo não saíam de mim.
— Senhor Vitalle — murmurei, tirando o chapéu, educada.
— Você cavalga bem — foi tudo o que ele disse.
— Obrigada. É... uma forma de respirar melhor.
Ele deu um leve sorriso. Um daqueles que quase não se vê, mas se sente.
— Talvez seja disso que eu precise — respondeu.
O silêncio que seguiu não foi desconfortável. As irmãs assistiam à cena, Bianca com olhos estreitos, Valentina com expressão atenta. Dona Francesca estava encantada. E meu pai Massimo... apenas observava com o olhar de quem sabe que o destino começa a se cumprir nas entrelinhas.
Ainda no jardim da propriedade Rossi, depois do breve encontro com Antonella, Giancarlo permaneceu em silêncio por alguns segundos, observando-a. Era como se ele estivesse medindo cada gesto, cada palavra que ainda não havia dito.
— Você tem tempo agora? — perguntou, quebrando o silêncio com sua voz grave.
— Para quê? — respondeu Antonella, com um tom contido.
— . Quero ver como é... respirar como você respira.
Ela hesitou, surpresa pela proposta. Não imaginava que ele aceitaria sair da segurança do controle, do concreto da cidade, da tática das reuniões, para algo tão... simples.
Mas apenas assentiu com a cabeça.
—
Minutos depois, já montados em cavalos distintos, os dois cavalgavam lado a lado pelas trilhas que contornavam os limites ,da propriedade Rossi. O silêncio entre eles não era desconfortável — era cheio. Carregado de coisas não ditas.
Antonella mantinha os olhos à frente, tentando controlar a respiração. O perfume dele se misturava ao cheiro da terra e da brisa. E ele… ele a observava com uma calma intensa, como se cada movimento dela revelasse uma verdade nova.
— Você é diferente das outras — disse Giancarlo de repente.
— Isso... é um elogio ou um alerta?
Ele riu, baixo. O riso raro.
— Ainda estou decidindo.
Ela sorriu de canto, surpresa com a resposta. E por um momento, o clima entre os dois ficou leve. Natural. Quase... íntimo.
— Acha mesmo que posso ser uma boa escolha para o cargo de... senhora Vitalle? — perguntou, sem conseguir conter a pergunta que martelava em sua mente.
Giancarlo olhou para ela, e então parou o cavalo.
Ela também parou, virando-se de leve na cela.
Ele inclinou um pouco o corpo na direção dela, os olhos fixos nos dela. O tom da voz dele baixou, quase como um segredo:
— Eu não perderia meu tempo com uma mulher que não considerasse para isso.
Antonella sentiu o coração acelerar. Mas... não havia confirmação. Nenhum “sim, é você”. Nenhuma decisão. Apenas um sinal forte o bastante para abalar suas certezas, e sutil o bastante para deixá-la mais confusa.
— Então... por que não diz de uma vez?
Giancarlo desviou o olhar para o campo.
— Porque às vezes, o que é dito com pressa se quebra com facilidade. Mas o que se constrói em silêncio... dura mais.
Ela não respondeu. E nem ele.
Continuaram cavalgando lado a lado, enquanto o sol descia no céu, tingindo o campo de dourado. Antonella sabia que algo estava nascendo ali — não sabia se era perigo, sentimento, destino ou tudo junto. Só sabia que, pela primeira vez, Giancarlo Vitalle a fazia sentir... visível.
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