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Enlouquecendo o Mafioso Sedutor.

Gaiola de ouro.

Mirella – 14 anos

A bicicleta era minha fuga. Subia nela descalça, com os cabelos ao vento e o coração pulsando como tambor de guerra. Eu queria velocidade, barulho, liberdade. Queria tudo o que minha vida me negava, e negaria quando estivesse com 18 anos.

Enquanto outras meninas treinavam sorrisos falsos em frente ao espelho e aprendiam a sentar com as pernas juntas, eu aprendia a correr dos seguranças depois de pichar os muros da propriedade. Tinha a minha assinatura: uma pequena serpente vermelha. Meu pai sabia. E enlouquecia.

Certa vez, joguei uma estatueta caríssima contra a parede porque não me deixaram sair. Não me arrependo. Outra, quebrei o espelho de cristal do salão só porque odiei o que ele refletiu.

Minha mãe dizia que eu tinha o sangue quente da família Sorrentino. Meu pai dizia que eu era um problema em carne e osso. E talvez eu fosse.

— Essa menina vai destruir tudo o que construí! — ouvi ele gritar uma vez, a porta fechada não abafava o suficiente.

Minha mãe sentou-se ao meu lado na cama, o pote de pomada em mãos e aquele olhar cansado, de quem tinha desistido de lutar fazia tempo. Passava o remédio com cuidado, mas sem dizer nada.

— Podia só me deixar ralada, mãe. Eu mereço. — ironizei, puxando o travesseiro para o colo.

Ela suspirou, sem me encarar.

— Você caiu da bicicleta de novo. Não tem mais dez anos, Mirella.

— Melhor cair da bicicleta do que cair num casamento, igual você.

Ela parou por um segundo, os dedos congelados sobre meu joelho. Depois continuou.

— Casamento não é uma queda, Mirella. É uma escolha. Uma responsabilidade.

— Responsabilidade ou prisão? — perguntei, arqueando a sobrancelha.

Ela sorriu. Triste.

— Você ainda não entende. Um dia vai.

— Não, mãe. Eu nunca vou entender. Como é que você aguenta? Ele manda, decide tudo. E você só abaixa a cabeça.

— Ele é seu pai. E tudo o que faz, acredita ser pelo nosso bem.

— Isso não responde a minha pergunta.

Ela levantou o olhar e, pela primeira vez naquela noite, me encarou de verdade. Os olhos dela estavam cheios de uma dor antiga, que eu não sabia nomear na época.

— Quando você for adulta... vai entender o que é proteger quem se ama. Mesmo quando isso custa a si mesma.

— Não quero entender. Não quero ser igual a você.

Ela não respondeu. Apenas terminou de passar a pomada, se levantou em silêncio e saiu do quarto como sempre fazia: quieta, leve, invisível.

E eu fiquei ali, com o joelho ardendo e o coração em guerra, pensando que aquela seria a última vez que me deixaria curar de joelhos.

Eles queriam uma dama. Eu era uma tempestade.

Aos 14 anos, eu já sabia que não era feita para ficar sentada, sorrindo com os olhos baixos e aceitando ordens de homens engravatados. E isso os assustava.

O medo dele não era por mim. Era pelo nome. Pela herança. Pela imagem. Um dia, ele entrou no meu quarto, e o olhar dele… não era de raiva. Era de desespero.

— Você vai para o convento, Mirella.

— O quê? — questionei incrédula.

— É isso ou te perder de vez.

Gritei. Quebrei uma cadeira. Chutei a cama. Eu estava em chamas. Mas nada adiantou.

Naquela noite, me arrancaram de casa como se eu fosse um bicho selvagem. E talvez eu fosse mesmo. Só que o que meu pai não entendeu é que prender uma fera não a doma. Só a deixa com mais fome.

“Querem me ensinar a ser dócil, mas esquecem que não se amansa um furacão.”

Já no convento a sala estava escura, iluminada apenas pela luz fria que atravessava as cortinas pesadas. Meu pai andava de um lado para o outro, como se estivesse prestes a declarar guerra. E estava.

— Você precisa aprender a ser uma dama, Mirella. — A voz dele soou firme, mas cansada. — Você sabe o mundo em que vivemos. Sabe como a máfia é. Não há espaço para... explosões. Para rebeldia. Você precisa estar pronta.

Cruzei os braços, com o queixo erguido.

— Pronta para quê? Para ser vendida em casamento como uma peça de porcelana?

Ele parou, me encarando.

— Pronta para sobreviver. — disse, seco. — Se um dia eu não estiver aqui... quem vai te proteger? Você precisa ser... apresentável. Controlada. Você precisa ser uma Sorrentino digna. E no estado em que está... você é um perigo para si mesma.

— Eu não sou você. Eu não sou essa gente. E não sou um objeto para ser moldado!

— Você é minha filha! E vai aprender, mesmo que seja à força!

Minhas mãos tremiam. Meu coração batia tão forte que doía. Eu não sabia se queria chorar ou quebrar tudo de novo. Mas não tive tempo para nenhuma das duas coisas.

Ele me deixou. Sem aviso. Sem conversa.

O portão do convento rangeu quando se fechou atrás de mim. Um som frio, metálico. Final.

As freiras estavam alinhadas como bonecas sem alma, sorrindo demais. Mas eu via através dos olhos delas.

— Bem-vinda, filha — disse a que parecia ser a superiora. — Aqui você encontrará paz.

— Aqui eu vou apodrecer, pensei, mas me calei.

Meu pai apertou meu ombro.

— Seja obediente. Por favor, Mirella. Me obrigue a não me arrepender disso.

— Já é tarde demais para isso.

Ele desviou o olhar e foi embora. E assim que o carro sumiu, os sorrisos sumiram também.

— Essa aí tem o diabo nos olhos — murmurou uma das freiras.

— Vai dar trabalho... mas vai sair daqui como uma princesa recatada.

— Toca em mim de novo e te mostro o que é o inferno, disparei.

As freiras se entreolharam, surpresas.

— Impertinente! — gritou a mais velha, e em menos de um segundo, a mão dela estalou contra o meu rosto. O som ecoou como trovão. Minha cabeça virou, o gosto de sangue tomou minha boca, e minha alma pegou fogo.

— Aqui, não falamos com insolência. Aqui, ajoelhamos e aprendemos.

— Vocês vão se arrepender de me prender aqui, cuspi com raiva.

— Milho no chão. — ela gritou e ambas correram para fazer se cumprir a ordem — Ajoelhada. Agora.

Tentei resistir. Duas freiras me seguraram. Me empurraram até aquele chão frio, espalharam o milho seco sob meus joelhos e me forçaram a ficar. Mãos juntas. Coluna reta. Boca fechada.

As lágrimas vieram silenciosas, não de dor, de raiva, de ódio puro.

Eu jurei naquele momento: nunca mais vou amar meu pai. Nunca vou perdoar minha mãe por se calar.

E nunca, nunca vou ser uma mulher que se abaixa. Nem por joelhos sangrando. Nem por ninguém.

Domar a fera.

Sou o homem que as pessoas temem em silêncio.

Na superfície, advogado. CEO da Salvatore & Associados. Um império jurídico que limpa a sujeira de figurões engravatados com mais pecados do que orações. Mas por trás do terno sob medida e dos relógios importados... sou lâmina. Sou sombra. Sou o subchefe da família López.

Letal, preciso, e completamente no controle. Sempre.

Eu gosto de facas. Curtas, longas, com punho em osso ou aço. Cada uma tem sua alma. E eu sei usá-las todas. Gosto de lutas limpas e mortes silenciosas. Barulho é para amadores. Meu prazer é ver o medo escorrer pelos olhos do inimigo antes do último suspiro.

Mulheres? Já tive muitas. Nenhuma ficou. Talvez porque nenhuma suportou o peso do que sou. Ou porque nenhuma era forte o suficiente para tentar domar o monstro que me habita.

Mas naquela noite... tudo mudou, depois da festa sabia que a reunião viria, e traria um nome... Mirella.

Estávamos reunidos na mansão López. Carlo, meu amigo, irmão, chefe, sentado ao centro, sempre com o olhar de quem já sabe o final do jogo. Ao lado, Lorenzo o Don, poderoso e letal, que cheira a pólvora e whisky envelhecido. Eu me sentei sem cerimônias, mas com respeito.

— Eduardo, — Carlo começou com um sorriso que sempre precede algo perigoso. — Temos um presente para você.

— Se for outro relógio suíço, já tenho um armário cheio.

Ele riu. Lorenzo também. Mas então, o senhor Vittorio Sorrentino entrou. Velho, elegante, e parecendo doente.

— Senhor Salvatore. — ele me olhou como quem olha para uma última chance. — Obrigado por me receber.

— Eu que agradeço por dispor do seu tempo, — eu disse, cruzando uma perna com calma. — O que o senhor quer comigo após a festa de ontem?

— Minha filha. — a palavra pesou no ar. — Mirella.

Olhei para Carlo, depois de volta para o velho.

— Aquela doce menina que você trancou num convento? — falei rindo, lembrando da sinceridade quando se referia a “fera”.

Ele suspirou fundo, os olhos vermelhos de quem já não dorme bem.

— Quatro anos ali... e não serviram de nada. — ele passou a mão no rosto. — Ela é uma fera. Não fui mais a ver, mas as freiras sempre se referem a ela como impulsiva, cheia de ódio nos olhos. Mas bela. Orgulhosa. Inteligente. O tipo de mulher que atrai e destrói homens fracos.

Sorri de canto.

— Sorte minha que não sou fraco.

— Eu sei. — ele assentiu. — É por isso que estou aqui. Estou doente, Salvatore. Não tenho muito tempo. E não posso deixá-la sozinha. Ela precisa de um nome. De um protetor. De um homem que consiga... domá-la.

— Ou enlouquecer tentando. — murmurei, interessado em conhecer mais dela e sentindo a tensão ao mesmo tempo.

— Ela não pode liderar sozinha. Mas com você... ela poderia sobreviver. Ser útil. Ter um papel, e nossa aliança fará ter uma razão para tudo que construí.

Lorenzo tossiu.

— É um casamento, Eduardo. Político, estratégico... e com uma mulher que todos dizem ser impossível de controlar.

Eu me levantei. Fui até o bar. Enchi um copo com bourbon.

— Impossível? — bebi em silêncio. — Adoro um desafio. E se ela for uma fera, talvez precise de um monstro à altura.

— Então aceita? — Sorrentino perguntou, com voz embargada.

Me virei lentamente, olhando cada homem na sala.

— Eu aceito. Caso com sua filha Vittorio. — falei vendo o alivio dele — Mas vou fazer isso do meu jeito.

O silêncio na sala foi cortado pelo som dos dedos de Sorrentino batendo no braço da poltrona.

— Ela completou dezoito anos há poucos dias. — disse enfim, a voz mais fraca do que antes. — E ainda não sabe da morte da mãe.

Ergui o olhar devagar, apoiando os antebraços nos joelhos. Não era surpresa o controle que esse homem tentava manter sobre a filha, mesmo à distância. Mas esconder a morte da mãe?

— Ela merece saber. — falei mais intrigado que deveria, só a menção dela mexe comigo.

— E vai saber. — Sorrentino assentiu. — Eu mesmo vou buscá-la. Amanhã. E no sábado... haverá um jantar em minha casa. Você será apresentado.

— Apresentado como o quê? — perguntei com um meio sorriso. — Como o futuro marido ou como o homem que vai transformar a vida dela num campo minado com ternos caros e olhos frios?

Sorrentino respirou fundo.

— Como um aliado. Por enquanto. Ela sempre foi rebelde. Mas não é uma menina inconsequente. É forte. Orgulhosa. Só precisa de direção.

Me levantei e fui até o bar, enchendo o copo com calma. Pensei por um instante antes de responder.

— Direção, eu dou. Mas nos meus termos. — Virei de volta para ele. — Não me interessa um casamento de fachada. Se for para fazer isso, vai ser do meu jeito. Com minha voz dando os comandos, com minha casa ditando as regras.

— Entendo. — ele disse, e apesar do meu tom e da tensão no ar, havia alívio em seu rosto. — Só peço que tenha paciência. Mirella foi criada como uma tempestade. Ela não confia facilmente.

— Eu não quero obediência cega, Sorrentino. — falei firme. — Mas quero lealdade. E se ela cruzar os limites, vai conhecer as consequências. Toda escolha tem preço. Toda reação, resposta.

— Ela vai testar você. Com certeza, mas sinto que é um bom homem, Carlo confia em você e se o Don Lorenzo dá o aval, aceito o que virá.

Dei um leve sorriso, quase imperceptível.

— Ótimo. Que teste tudo. Só precisa lembrar que... — Pousei o copo sobre a mesa de mármore com um som seco.— ...eu sempre cobro as lições que ensino.

A hora de voltar.

Mirella Sorrentino — 18 anos

Acordei com o coração acelerado, como se meus ossos pulassem dentro da pele.

Hoje... Hoje é o dia.

Três palavras e eu quase grito. Quase danço pelo quarto gelado de pedra. Me levanto num salto, ignorando o colchão fino, os lençóis ásperos, o crucifixo entortado na parede. Nada disso importa mais, nada disso nunca importou.

Meu cabelo claro estava preso num coque alto, bem no topo da cabeça, como uma coroa improvisada — e é assim que me sinto. Rainha do meu próprio retorno.

Quatro anos naquele lugar.

Quatro anos engolindo preces forçadas, castigos absurdos, gritos disfarçados de orações.

Me domaram?

Nãããããããããããão, isso nunca aconteceria.

Mas me quebraram? Um pouco. Várias vezes. Com joelhos no milho, com tapas disfarçados de lição, com palavras que ferem mais que mão, com as frases como “Seu pai te esqueceu" ou "Por isso está sozinha".

Eles machucaram. Mas não apagaram o fogo.

Só deixaram ele mais quente. Mais silencioso. Mais letal.

Hoje faz uma semana que completei dezoito anos. Ele — meu pai — vem me buscar. O atraso? Típico de quem tinha uma tarefa desagradável e deixava para a última hora. Sempre teve tempo para o mundo, menos para mim. Mas hoje, pela primeira vez em anos, estou ansiosa.

Ansiosa... por ver o rosto dele. Por escutar sua voz. Por entender se ele mudou.

E pela minha mãe... ah, minha mãe. Como será que ela está? Ainda tão submissa? Ainda tão calada? Ou será que finalmente criou coragem de me abraçar sem medo?

Não sei.

Mas quero descobrir.

Pela primeira vez em quatro anos, coloco os pés no chão com prazer. Hoje, não importa o tom de voz das freiras. Não importa quantos "pecados" dizem que eu carrego. O que importa é que a porta da minha cela vai se abrir.

E quando ela abrir... Que Deus esteja com quem tentar me trancar de novo.

Ele chegou pontualmente às dez.

Eu estava pronta desde as seis.

Vestido simples, o mais claro que consegui encontrar. Queria sair dali me sentindo leve, livre mesmo com o peso no peito.

Vi o carro preto estacionar pelo vitral do corredor. Reconheci de longe a postura dele: terno impecável, olhar frio, mãos escondidas nos bolsos. O mesmo homem de quatro anos atrás. Só mais velho. Mais pálido.

Desci devagar. As freiras me cercavam como se tivessem medo de que eu mantesse minha promessa de incendiar aquele convento no último dia.

Não estavam erradas.

Meu pai me olhou sem sorriso. Eu também não dei nenhum.

Sem abraço. Sem toque. Sem nem um “como você está, filha?”.

Ótimo. Assim ficava mais fácil manter a distância emocional que aprendi a cultivar.

Ele caminhou até o carro, abriu a porta para mim como se fosse um funcionário. Eu entrei sem olhar para ele. Mas, antes de fechar, girei o corpo, encarei as freiras e mostrei o dedo do meio com a maior satisfação do mundo.

— Isso é por cada milho que ajoelhei, suas infelizes. — murmurei, só para mim.

E ri. Ri de verdade.

Quando o carro começou a se mover, o riso murchou. As mãos suaram. Olhei pela janela tentando adivinhar como seria a casa, como estaria minha mãe, se ela teria me esperado com bolo, com abraço... ou com aquele silêncio constante que sempre a envolvia.

— Ela tá em casa? — perguntei, sem rodeios, encarando a estrada.

Meu pai demorou demais para responder.

— A mãe. — insisti, agora olhando direto para ele. — Tá em casa?

Foi aí que eu vi. O leve cerrar dos olhos. O maxilar tenso. A pele mais pálida.

— Ela morreu, Mirella.

As palavras caíram como um tiro que eu não esperava. O carro parecia pequeno demais de repente.

— O quê...? — questionei, — hoje? Ontem?

— Há um ano. Câncer. Descobriram tarde. Foi rápido.

— Há um ano? — repeti, com a voz afiada, quase num grito. — E ninguém me disse nada? Você... você deixou eu passar um ano aqui dentro achando que ela estava viva?

Ele não respondeu. Porque a culpa estava toda nos olhos dele, mas eu precisava espezinhar, mostrar que sim... a culpa era dele.

— VOCÊ ME DEIXOU AQUI COMO UM CÃO, ENQUANTO ELA MORRIA!

Quis bater no vidro. Quis gritar até perder a voz. Mas engoli o choro como se fosse veneno.

O carro parou diante de casa. Tudo... perfeito.

Limpo. Impecável. Sem balões. Sem flores. Sem vida.

Desci e caminhei direto para o quintal dos fundos, com passos que pareciam explodir no chão.

E então corri.

Corri sem olhar para trás, direto para o mato alto, para o velho jardim de árvores que cresciam como muralhas. Eu sempre fugia para ali quando era criança. Era meu mundo secreto. Meu abrigo. Meu esconderijo.

Caí de joelhos entre as raízes de uma das maiores árvores, e só então deixei o grito sair.

— Você me deixou sozinha, mãe... você foi embora... e eu nem sabia... EU NEM SABIA!

E ali, entre folhas e silêncio, chorei como não chorava desde os quatorze anos.

Meus joelhos doíam. As mãos estavam sujas de terra e o peito… uma bagunça entre raiva e vazio.

O vento balançava as folhas como um sussurro de consolo, mas eu não queria consolo. Queria voltar no tempo. Gritar. Esvaziar o mundo com os punhos.

Ouvi passos. Baixos. Lentos. Não me virei.

— Mirella...

A voz dele quebrou o ar como um vidro trincando.

— Eu devia ter contado antes. Eu devia ter... feito diferente.

Senti ele se ajoelhar atrás de mim. Um peso tão improvável. Meu pai, o homem de aço, ali na terra, ao meu nível. Quando olhei de canto, vi seus olhos marejados, o terno amassado no joelho, e a mão hesitante entre nós.

— Sua mãe te amava, minha filha. Até o último suspiro. Ela... ela falava seu nome dormindo. Me pedia pra tirar você de lá. Mas eu...

A voz falhou.

Pela primeira vez, eu vi meu pai chorar.

Sem esconder. Sem disfarçar. Só... chorar.

— Eu fiquei com medo. Do que você se tornaria sem freios. Do mundo em que vivemos. E quando ela se foi, eu... só restou você. E você tava longe. E tudo ficou escuro.

Meu coração, que estava preso no punho, afrouxou.

Eu devia gritar com ele. Devia dizer que não era suficiente. Que nada apagava o que ele me causou.

Mas naquele instante, eu não queria justiça.

Eu só queria alguém.

Virei devagar e, sem pensar, me joguei contra o peito dele. Forte. Como uma criança que não quer mais fingir que é adulta.

Ele me segurou como se o mundo fosse cair se me deixasse ir.

— Desculpa. — ele repetia baixinho. — Desculpa, filha. Eu te amo. Te amo tanto...

Eu não respondi.

Chorei quieta. Molhei a camisa dele e me permiti, por um minuto, ser filha.

Quando me afastei, os olhos dele estavam vermelhos. Os meus também.

Sem uma palavra, me levantei. Ele levantou junto.

Voltamos para casa em silêncio, lado a lado.

Pela primeira vez em anos, não éramos inimigos.

Só dois corações partidos tentando se manter inteiros.

Não falei nada.

Mas por dentro, algo endureceu de vez.

A dor se transformou em fúria.

E a fúria, em promessa.

Ninguém nunca mais ia me deixar no escuro.

Ninguém nunca mais ia decidir meu destino sem pagar por isso.

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