NovelToon NovelToon

Espelhos Partidos.

Palavra da Autora

Palavra da Autora

Sentada no meu cantinho, ouvindo Sheridan Brass, me peguei pensando sobre identidades.

Pensei mil vezes: quem é essa tal de G. Sandles?

E por que escrever... se eu nem estou sendo vista?

A verdade é que este livro nasceu da dor.

Nasceu de noites em claro, de memórias que sangram e de cicatrizes que nunca sumiram por completo.

Nasceu no dia em que me olhei no espelho e quase não reconheci mais quem eu era.

Tentaram roubar minha identidade.

Meu passado insistiu em não passar por mim.

E eu… eu apenas insisti em sobreviver.

Por muito tempo, não tive amor dentro do peito.

Bastava uma palavra, um olhar ou um silêncio para me fazer acreditar que eu era pouco.

Ou pior: nada.

Mas escrever me salvou.

E talvez, só talvez, de alguma forma, eu escreva também para salvar outras.

Esta história é sobre monstros — reais e internos.

Sobre silêncios que gritam. Sobre medos que travam o peito.

Mas também é sobre amor, cura, resistência.

Sobre a força escondida em cada mulher que já pensou em desistir.

Dedicado a todas as mulheres que já foram chamadas de fracas.

Àquelas que se calaram quando queriam gritar.

Àquelas que engoliram o choro para não incomodar.

Àquelas que sobreviveram quando tudo dizia que não iriam.

Nesta história, não vou prometer um mafioso irresistível, nem um bilionário com sua babá.

Mas quero te entregar algo mais arriscado:

Gente real.

Com traumas profundos.

Com dores antigas.

Tentando, apesar de tudo, viver uma vida tranquila.

Porque meu objetivo, ao final de cada página, é simples:

Que você também tenha uma vida tranquila.

Espero que você encontre, em espelhos partidos mais do que uma história.

Que você encontre um abrigo. Um reflexo.

Um espelho — mesmo que trincado — do que é ser humano.

Que este livro te abrace nas entrelinhas.

E que você nunca mais se esqueça:

Você não é fraca. Você é sobrevivente.

Escrever essa história foi como abrir feridas e costurá-las com palavras.

Cada personagem carrega um pedaço de mim — da mulher que fui, das que conheci e das que ainda estou descobrindo dentro de mim.

Eles não são perfeitos. São falhos, contraditórios, intensos. Como todos nós.

Se este livro chegou até você, é porque talvez nossas dores se reconheçam.

Que bom que você está aqui.

Que bom que você ainda está tentando.

Que bom que você resistiu até hoje.

Este livro é um sussurro que diz: você não está sozinha.

***

E sim, sou completamente apaixonada por fuzileiros. Não pelos uniformes ou músculos, mas pela coragem de enfrentar guerras — externas e internas.

Nesta história, tem sangue, tem suor, tem cicatriz.

Mas também tem ternura.

Porque às vezes, a guerra mais difícil... é amar e ser amado de verdade.

Com carinho,

G. Sandles

P.S.: Falei que sou apaixonada por fuzileiros, né? 😉❤️

"Nesta vida, temos muitos professores e poucos mestres; a diferença é que os professores ensinam por palavras e os mestres com ações e exemplos. E dificilmente erramos quando aprendemos por meio de exemplos."

" vidas perdidas"

Espelhos Partidos

Prólogo — G. Sandles

"A liberdade tem muitos rostos. Alguns ferem, outros salvam."

Alicia correu.

A plataforma da estação estava quase vazia, tomada pela névoa da manhã e pelos sons mecânicos do trem prestes a partir. O capuz escondia os cabelos desgrenhados, os olhos fundos e os lábios rachados. Carregava uma mochila leve — e um mundo inteiro de dor nas costas.

Seu corpo tremia, mas ela não parava.

Não podia.

Tinha fugido de novo. Mas, dessa vez… não havia para onde voltar.

Seu marido não batia em público. Ele sabia como e quando ferir. Dizia que ela era louca. Que ninguém a ouviria. Que ninguém a ajudaria.

E ele quase estava certo.

Mas ela correu mesmo assim.

Sem destino.

Apenas com o desejo absurdo de viver.

Na mesma estação, a poucos metros dali, Isabel descia de um carro preto com ar-condicionado e música alta. Ela vestia uma jaqueta de couro cara, óculos escuros e um sorriso que não alcançava os olhos. Era bonita. Jovem. Livre.

Tinha deixado para trás um marido que a amava, uma filha pequena que dormia com uma boneca feita à mão, e uma casa com cheiro de bolo e lençóis limpos.

Mas nada disso bastava.

Ela queria mais — mais noites, mais bebidas, mais homens. Mais tudo.

Ser esposa e mãe nunca coube nela.

Ela tentara. Deus sabe que sim.

Mas, no fundo, ela era feita de vento.

E vento não cria raízes.

O bilhete comprado dizia “segunda classe”. Ela odiava isso. Mas estava de ressaca e sem paciência para discutir. Entrou no vagão e colocou os fones de ouvido, ignorando o mundo.

O trem partiu.

Durante os primeiros quilômetros, foi silêncio.

Um silêncio denso.

Como se o destino estivesse respirando fundo...

antes de fazer sua jogada.

A colisão veio num estrondo.

Gritos. Vidro. Chamas.

Fumaça.

Ferros retorcidos. Vidas despedaçadas.

Quando os bombeiros chegaram, havia apenas uma sobrevivente — inconsciente, ensanguentada, com o rosto desfigurado e os documentos de Isabel Nogueira no bolso.

A outra mulher estava irreconhecível. Morta.

Sem nada que a identificasse.

Dias depois, em um hospital, Alicia acordou.

Dopada. Ferida. Confusa.

— Isabel… está me ouvindo? — disse uma enfermeira, com ternura na voz.

Ela tentou protestar. Mas sua boca não respondeu.

Seu corpo parecia alheio.

Naquela mesma manhã, uma menina de olhos castanhos entrou no quarto. Segurava uma boneca pela perna, arrastando-a como quem já sabia do peso do abandono.

— Mamãe?

Alicia olhou para a menina.

Algo apertou dentro do peito.

Não era sua filha.

Mas o olhar... o olhar era.

A imprensa divulgou:

“Jovem mãe sobrevive a acidente trágico de trem. Isabel lucchese segue hospitalizada sob cuidados especiais. Família aguarda com esperança.”

Na cidade pequena onde Isabel morava, Dante lucchese aguardava. No fundo com o coração na mão

Um ex-fuzileiro. Treinado para reconhecer mentiras.

Mas vulnerável ao amor.

E à esperança de que Isabel estivesse viva.

Alicia não sabia o que fazer.

Dizer a verdade? Ser internada, presa, julgada?

Ou aceitar aquela nova vida que, mesmo sendo um engano, era também um abrigo?

Aquela menina chamava por amor.

A casa tinha cheiro de paz.

E talvez, apenas talvez… aquele homem ainda soubesse amar.

Mas quanto tempo uma mentira pode ser sustentada…

quando a verdade já está viva e caminhando em sua direção?

****

Espelhos Partidos — G. Sandles

A cidade estava quieta demais para quem carrega tanto ruído por dentro.

O vento soprava pelas vielas estreitas, misturando o cheiro de terra molhada com lembranças.

Aquela hora da noite era a única em que eu conseguia respirar.

Meu nome é Dante Lucchese.

E se você está esperando um herói, pode parar por aqui.

Na infância, fui espancado por um homem que insistia em se chamar de pai.

Vi aquele desgraçado bater na minha mãe com a mesma facilidade com que acendia um cigarro.

Pior que os socos, eram as humilhações.

Ele a obrigava a sair com outros homens — só pelo prazer de destruí-la.

Quando ela tentou fugir comigo, ele a encontrou.

E o que fez...

Quebrou o braço dela de um jeito que o osso estufou sob a pele — como se tentasse escapar também.

Na última surra, ela me empurrou para trás, tentando me proteger.

Morreu nos meus braços.

Foi ali que prometi:

nunca mais seria fraco.

Fui para o exército porque precisava de disciplina.

Ou talvez só de um lugar onde minha raiva tivesse alguma utilidade.

Ele dizia que assim eu me tornaria homem.

Na verdade...

me tornei uma máquina de matar.

Quase matei aquele desgraçado antes de partir.

Só não o fiz porque precisava de uma ficha limpa para ser aceito.

Mas...

não posso dizer o mesmo depois.

Quando conheci Isabel, por um tempo, eu acreditei que talvez... só talvez... houvesse redenção para monstros como eu.

Mas a vida adora nos lembrar quem realmente somos.

E ela se foi.

Simplesmente partiu.

Deixando para trás uma garotinha de três anos chamando pela mãe todas as noites.

Mas ela queria liberdade.

Seis meses atrás, o divórcio saiu.

Ela nunca ligou para saber da filha.

Agora, aqui estou eu...

Segurando o telefone, sem saber se desejo que o inferno a engula ou se devo vê-la no hospital.

O monstro dentro de mim acordou.

O ódio que sinto por essa mulher — só por ter feito minha filha sofrer — é gigantesco.

E o pior...

é que, desta vez...

eu não quero segurá-lo.

E agora ela está ali.

Dizendo que é minha mulher.

Olhando para minha filha.

E sorrindo como se nada tivesse acontecido.

Mas eu nunca fui bom em esquecer.

"A mulher que voltou a vida"

Alicia despertou com o barulho de uma máquina. O cheiro de álcool impregnava suas narinas. Seu corpo doía. Respirar ainda era difícil. Tentou abrir os olhos, mas a luz do teto queimava suas retinas. Fechou-os de novo.

Quis chorar.

Não por estar ali. Mas porque já estivera antes.

Por outro motivo. Por outra dor. Pela mesma violência.

Daquela vez, tinha sido o marido.

Mas quem escolhera a punição fora a sogra.

Uma vozinha a puxou de volta:

— Mamãe, está me ouvindo?

Alicia.

Não.

Isabel.

— Emily, filha, a mamãe ainda está dormindo. Ela precisa descansar.

A menina se aproximou. Alicia forçou os olhos a abrirem. A claridade ainda ardia. Um sorriso trêmulo escapou. Um reflexo da dor.

— Oi, Emily — a voz saiu rouca, arranhada. Como se tivesse atravessado um túnel de dor.

— Você não esqueceu meu nome! — ela sorriu e levantou a boneca. — Olha, a Luna também tá com saudade.

— Desculpa, filha... a mamãe... — Alicia engoliu seco — bateu a cabeça. Esqueci o nome da Luna, mas... nunca o seu.

Emily encostou a testa na dela. E sussurrou:

— O nome do papai é Dante. Caso você tenha esquecido também.

Alicia sentiu o coração falhar. O olhar da menina era doce demais. Direto demais. Machucava de tão inocente.

— Fiquei preocupada, mamãe — disse, alisando os cabelos dela com as mãozinhas.

— Vai ficar tudo bem, meu amor. Prometo. Quando eu melhorar, vou te encher de beijos.

Do batente da porta, Dante observava. Uniformizado. Os braços cruzados. A expressão fechada.

Alguma coisa estava errada.

A mulher na cama sorria demais para Emily. Se esforçava para parecer bem. Mesmo com dor, tentava manter o olhar doce, a voz firme.

Mas os olhos... os olhos observavam tudo.

Ele conhecia Isabel.

E aquela mulher, embora parecida, não era ela.

Mas por Emily...

Ele ficou em silêncio.

Sua filha estava sorrindo.

---

Três dias depois, Isabel saía do hospital amparada por Dante. O braço e as costelas doíam. Cada passo era uma batalha.

Mas não era a dor que a fazia tremer.

Era ele.

Ele era policial. Ex-fuzileiro. Um homem treinado para reconhecer mentiras.

Ela lembrou de quando fugiu da primeira vez.

Uma viatura a encontrou.

Os policiais a levaram de volta pra casa.

E, ali mesmo, diante deles, veio o primeiro soco.

— Isabel, você está pálida — murmurou Dante. — Vamos voltar pro hospital.

Emily arregalou os olhos. Agarrou com força a mão da mãe.

— Eu estou bem — Alicia forçou um sorriso.

Mas os olhos de Dante eram perigosos.

Vigiavam. Pesavam. Julgavam.

Ela se virou para Emily:

— Eu vou ficar bem, meu coraçãozinho.

No banco de trás do carro, Alicia se acomodou devagar. Abraçou Luna contra o peito.

E olhou pelo retrovisor.

Ele estava encarando.

Firme. Silencioso.

Analisando.

Buscando a verdade.

E ela... cada dia mais afundada em mentiras.

Porque mentiras, quando começam, crescem.

E já era tarde demais para voltar atrás.

***

Espelhos Partidos — Chegada à Vila e à Casa

A vila era pequena, escondida entre montanhas cobertas por neblina, onde o som da chuva era mais constante que o canto dos pássaros. As casas, feitas de pedra escura, tinham janelas iluminadas por dentro — como se cada lar guardasse segredos antigos e lembranças esquecidas.

As ruas eram estreitas, serpenteavam entre as construções e viravam riachos sempre que a tempestade chegava — como agora. A água escorria pelas calçadas irregulares, refletindo a luz dos postes antigos, enquanto folhas secas dançavam com o vento.

Os sons do mundo haviam desaparecido quilômetros atrás. 

Ali, tudo era silêncio. 

Exceto pelas batidas do coração dela.

Alicia caminhava com os ombros encolhidos, como quem entra em território sagrado… ou amaldiçoado.

E então ela a viu.

A casa.

Feita de madeira escura e pedra, com janelas de vidro grosso e luzes amareladas tremeluzindo lá dentro como velas. Da chaminé, saía uma fina coluna de fumaça.

Era aconchegante. 

E intimidava. 

Era o lar de outra mulher.

E agora… era o dela.

A porta rangeu quando Alicia entrou.

O cheiro era de lenha queimada, couro envelhecido e café esquecido no bule. O chão de tábuas estalava sob seus passos. Um tapete felpudo cobria a sala, e o sofá de couro marrom parecia tão vivido quanto os quadros na parede.

Os porta-retratos, alinhados com delicadeza, contavam a história de uma família:

Emily, ainda bebê. 

Emily aos dois, três, quatro anos. 

Dante com ela nos braços, sorrindo em algumas fotos.

Apenas uma imagem mostrava Isabel. Mas era antiga. Distante. 

Quase ausente.

Alicia suspirou.

Ali, tudo carregava a marca de quem já se foi. 

E agora, ela era apenas a sombra da mulher que deixou aquele espaço vazio.

Seria mais fácil falar a verdade. 

Tentar explicar o que nem ela compreendia: como os documentos de Isabel foram parar em seu bolso… como ela sobreviveu…

Mas Dante não acreditaria. 

Quem acreditaria?

E se ela fosse embora, seu marido a encontraria. 

E a surra — sim, ela sabia — seria muito pior do que da última vez. 

Ela não sairia viva.

E havia Emily.

Ela queria estar perto da menina. 

Gostava de segurar seu corpinho pequeno, de ver aqueles olhos grandes e atentos. 

Desejava, de coração, ser a mãe daquela criança. 

Mesmo que não fosse.

Dante a observava em silêncio.

Seus olhos escuros e intensos a mediam. 

Procuravam rachaduras. 

Vasculhavam verdades não ditas.

Os olhos dele a assustavam… e a fascinavam ao mesmo tempo.

Quando Alicia entrou no quarto, parou por um instante.

As paredes de pedra davam ao ambiente um ar sólido. Quase eterno. 

A cama era de madeira maciça. A lareira ainda guardava brasas vivas. Um tapete espesso cobria metade do chão.

Sobre a cômoda, uma única foto: 

Dante com Emily nos ombros. 

Rindo. 

Leves. 

Felizes.

Nada ali era dela.

Ela era uma impostora. 

Uma mentirosa.

Mas sabia — com a mesma certeza silenciosa que a fazia respirar — que mais cedo ou mais tarde, Dante pediria respostas.

E ela só não sabia quantas mentiras ainda conseguiria contar.

Para mais, baixe o APP de MangaToon!

novel PDF download
NovelToon
Um passo para um novo mundo!
Para mais, baixe o APP de MangaToon!