As luzes vermelhas refletiam nos espelhos dourados, criando um jogo hipnótico de sombras que pulsavam como um coração prestes a explodir. O cheiro de uísque importado, perfume caro e adrenalina pairava no ar como um veneno doce, convidativo o chão de mármore negro brilhava sob os saltos das mulheres e os sapatos lustrados dos homens, enquanto as notas de jazz sensual preenchiam o ambiente com luxúria e decadência. As roletas giravam como feitiços, cartas deslizavam com precisão nas mesas de pôquer, dinheiro trocava de mãos com a mesma facilidade com que segredos eram vendidos naquela casa era um templo para os vícios mais bem vestidos de Las Vegas.
Cassiano estava na mesa de bacará, com as mãos trêmulas, o paletó amarrotado e a alma escorrendo pelos poros o suor perlava sua testa apesar do ar-condicionado impecável ele havia apostado a casa, o carro, os investimentos, e agora, agora apostava o que não podia.
— Mais uma mão, murmurou, quase sem voz.
O crupiê olhou para os seguranças antes de continuar as fichas vermelhas e pretas já não significavam mais nada, Cassiano perdeu de novo e de novo até que suas mãos estavam vazias e sua garganta seca.
— Eu… eu não tenho mais nada — disse, num fio de voz.
Dois homens engravatados se aproximaram altos, imponentes, com expressões sem emoção, um deles tocou o ombro de Cassiano.
— O senhor vai nos acompanhar.
A sala privada era um contraste brutal com o brilho do salão ali, o silêncio era pesado, cortinas negras cobriam as janelas um lustre de cristal projetava sombras afiadas nas paredes de madeira escura e sentado atrás de uma mesa de mogno impecável, estava ele o próprio diabo em pessoa Salvatore o homem que movimentava milhões em tráfico de armas, jogos clandestinos.
A luz dourada tocava seu rosto como um carinho profano, alto, com mais de um metro e noventa, ele usava um terno marrom escuro feito sob medida, que moldava o peito largo e os ombros de quem carregava o mundo e o dominava o lenço no bolso, dobrado com perfeição, era cor de vinho, como sangue seco o seus cabelos castanho-escuros estavam perfeitamente penteados para trás, revelando um rosto anguloso, um maxilar firme e olhos que pareciam cortar a alma: cinzentos, frios, perigosos, beleza brutal uma estátua de pecado vivo.
E Cassiano soube, ao vê-lo, que estava diante do próprio diabo.
— Cassiano Bonetti — disse Salvatore, sua voz baixa, rouca, com um sotaque italiano tão sensual quanto letal. — Chegou ao fim da linha.
— Eu… por favor, senhor… Salvatore… Eu posso pagar.
— Pode? — ele se recostou na cadeira com um sorriso lento, como se saboreasse o desespero. — Com o quê? Você já perdeu tudo, inclusive a dignidade.
Cassiano caiu de joelhos. — Me dá tempo, só preciso de mais um mês, duas semanas eu juro por Deus!
— Não jure por Deus em minha presença. — A voz dele desceu como uma lâmina. — E tempo é um luxo que não ofereço a dívida é grande o prejuízo, maior ainda. Sabe o que normalmente faço com ratos como você?
Cassiano chorava. — Por favor…
— Você não tem nada que me interesse a não ser que…
O silêncio caiu como um trovão abafado.
— a não ser que tivesse algo… ou alguém… valioso o bastante para servir como garantia. — Ele olhou direto nos olhos do homem ajoelhado. — Tem alguém, Cassiano? Uma filha? Uma mulher? Uma sobrinha?
Cassiano hesitou e isso foi sua condenação.
Salvatore sorriu devagar. — Hm. Você tem uma sobrinha, não tem?
— Tecnicamente ela não é minha sobrinha de sangue. É… é filha de uma amiga da minha esposa. Nós cuidamos dela desde os catorze anos.
— É bonita?
Cassiano engoliu em seco. — Muito. Jovem, americana, a mãe dela era francesa, então os traços são belíssimos, olhos claros. É… é como uma filha pra mim.
Salvatore se levantou devagar, seus passos firmes como um juiz aproximou-se até que estivesse diante do homem caído.
— Você a entregaria para salvar sua pele, Cassiano?
Ele não respondeu, mas seus olhos já tinham confessado.
Salvatore se inclinou e sussurrou:
— Um homem que entrega a própria família… merece viver só o suficiente para sofrer.
Salvatore voltou para sua cadeira, o sorriso ainda pendia nos lábios como veneno, o plano havia sido mais fácil do que ele esperava, nem precisou forçar muito o que a ganância não fazia com um homem. Meses antes, quando investigava um jogador problemático em um dos seus cassinos em Las Vegas, foi levantado todo o histórico do Cassiano família, amigos bens tudo, mas o que chamou atenção foi aquela garota assim que o você foi entregue ao Salvatore e ele viu a foto dela ele sentiu que já havia visto aquela garota e então veio o choque: era ela, a mesma garota que, anos atrás, o havia encontrado em um beco, ensanguentado, entre a vida e a morte ela deveria ter fugido, mas ficou Salvatore pediu para ela não ligar para a ambulância ou então a polícia se envolveria ele estava sangrando desorientado era uma cena de dá medo mas ela ficou, ao invés de fugir ela ajudou ele a se levantar e caminharam até um galpão abandonado lá ela limpou a ferida, costurou a pele deu a ele uma segunda chance. Se ela não tivesse aparecido ele concerteza teria morrido sagrando naquele beco escuro sem honra sem mérito sozinho ela desapareceu antes que ele pudesse saber seu nome mas ele lembrava do seu rosto dos seus olhos da sua presença ele jurou retribuir o favor.
Agora, o destino colocava Elise novamente no seu caminho, ele não tinha certeza absoluta de que era ela, mas não precisava de certeza, precisava de posse e agora teria ela viria para ele e não como sua possível salvadora e sim como a sua propriedade e no momento que ele estiver cara a cara com ela ele tara a certeza que ela e a mulher daquele beco e mesmo que não seja o destino dela já estar traçado ela não saiada a não ser ficar ao seu lado viva ou morta.
Havia algo quase etéreo em Elise Seraphine Lila, uma beleza que oscilava entre a delicadeza de uma flor de lótus e o perigo silencioso de um felino na espreita, seus olhos, de um azul tempestuoso e profundo, pareciam conter os segredos de um mundo inteiro e talvez contivessem mesmo a pele era alva, quase translúcida, com um brilho natural que desafiava qualquer cosmético os seus lábios eram macios e fartos, sempre cerrados em uma linha de cautela, como se ela pesasse cada palavra antes mesmo de pensar em dizê-la seu cabelo, escuro como a noite, caía em ondas suaves até a cintura, muitas vezes preso de forma despretensiosa, mas sempre emoldurando o rosto com perfeição.
Ela não passava despercebida, desde nova, era seguida com os olhos às vezes com admiração, outras com obsessão, homens a observavam com fascínio, e mulheres alternavam entre inveja e curiosidade a sua beleza era um presente e uma maldição, um escudo e uma armadilha mas ninguém imaginava o peso que ela carregava nos ombros frágeis.
Aos quatorze anos, Elise teve sua vida dilacerada em uma única noite, seus pais, Daniel e Isabelle Lila, estavam voltando de uma viagem de fim de semana, comemorando o aniversário de casamento, quando o carro deles foi atingido em alta velocidade por um motorista embriagado, Elise estava em casa, esperando ansiosa por uma lembrança da viagem um colar de pedras do litoral, talvez, ou apenas o abraço caloroso da mãe ela só queria os pais ao seu lado como sempre, mas naquela noite, o telefone tocou, e tudo o que ela recebeu foi o som trêmulo de uma voz informando o acidente o seu mundo desmoronou a dor tomou conta de seu corpo a miséria devastou a sua alma o brilho dos seus olhos havia se apagado a chama de seus sonhos havia se esfriado ela ficou fria e gélida a partir daquele momento. O velório foi enevoado, a garota não chorava como os outros os seus olhos estavam secos, mas arregalados era como se sua alma tivesse saído do corpo e ficasse pairando sobre o caixão, tentando entender por que o mundo continuava girando se seus pais não estavam mais nele no enterro, ela segurava a aliança da mãe em punho fechado, sem saber que aquele seria o último símbolo de amor genuíno que teria por muitos anos, o mundo estava mostrando o quarto era cruel o quanto ela ainda estava preste a sofre a enfrentar mas ela seria forte por seus pais iria mostrar para eles o quanto o amor deles a tornariam uma grande mulher com um grande futuro pela frente ela conseguiria por eles. Sem parentes próximos, Elise foi acolhida por uma antiga amiga da mãe, Evelyn, e seu marido, Cassiano, Evelyn era uma mulher distraída, ausente, quase sempre mergulhada em novelas e séries antigas mas era uma boa mulher o seu carinho era raso, mais por obrigação do que afeto já Cassiano... Cassiano era outra história viciado em jogos e sempre endividado, o homem via Elise como um fardo e, ao mesmo tempo, uma beleza que poderia se tornar útil ele dizia que a via como sua filha mas eram apenas palavras vazias ele queria mostrar para o mundo que era um salvador um bom homem que abrigou uma órfã mas no fundo era só uma boca a mais para ele sustentar. O apartamento onde passaram a viver era pequeno e escuro, com paredes amareladas pelo tempo e mobília velha que rangia a cada passo o quarto de Elise era minúsculo, com uma cama estreita, uma cômoda de madeira desbotada e uma janela que mal se abria não havia espaço para sonhos ali, apenas para sobrevivência diferente da sua antiga casa que era grande com jardim janelas onde entrava a luz do sol havia vida, amor naquele lar mas o seu tio Cassiano vendeu a casa e perdeu o dinheiro em jogos de azar. Apesar da frieza do lar, Elise decidiu que não seria uma vítima do destino, trabalhou em lanchonetes, limpou casas e estudou à noite até se formar como técnica em enfermagem os livros eram sua fuga, e os plantões em lares de idosos, sua salvação ela ouvia com atenção cada história dos pacientes que atendia, como se tentasse se agarrar a cada fio de humanidade que o mundo ainda oferecia.
Hoje, com 25 anos, ela trabalhava atendendo idosos a domicílio, paciente, firme e silenciosa, ganhava a confiança de todos com seu olhar seguro e mãos habilidosas, mas seu verdadeiro refúgio era outro Krav Maga a arte da sobrevivência começou por curiosidade, mas logo virou necessidade. A academia era o único lugar onde ela se sentia forte ali, cada golpe era uma forma de extravasar a dor contida no peito, seus movimentos eram ágeis, precisos, ferozes. Seu instrutor dizia que ela se movia como um gato preto silenciosa, imprevisível, selvagem e era verdade Elise dominava a técnica com uma intensidade inquietante não era só habilidade física: era a fúria que carregava por dentro, disfarçada por uma beleza angelical.
Agora, ela buscava um apartamento só dela sonhava com um cantinho pequeno, mas seu com plantas na janela, paredes claras, uma estante cheia de livros e um espaço onde pudesse treinar sem medo de ser julgada queria paz liberdade recomeço, mas o destino, mais uma vez, tinha outros planos e Elise ainda não sabia queque os seus olhos azuis os mesmos que um dia fitaram um estranho ferido em um beco escuro haviam sido reconhecidos. Que o homem que ela salvara em segredo, ignorando os riscos, agora a observava das sombras que aquele gesto de compaixão inocente havia mudado o curso de duas vidas e que, em breve, ela seria levada para o centro de uma teia escura, onde o amor e o perigo dançavam lado a lado, e onde a sua força e não sua beleza seria o único escudo entre ela e o abismo, mas ela não iria se entregar facilmente isso não era do seu feitil não fazia parte da sua personalidade.
O cheiro de café passado se espalhava pela cozinha minúscula quando Elise acordou a chaleira chiava no fogão, e o céu além da janela derramava tons azul-acinzentados, prenunciando chuva a casa estava silenciosa nem Evelyn nem Cassiano haviam dormido ali de novo e Elise, embora preocupada, já não se surpreendia. Suspirou, servindo-se do café forte e amargo, como o dia que começava ao abrir a porta do apartamento, um volume pesado caiu a seus pés, envelopes, muitos cor branco sujo, papel grosso e timbres impessoais: bancos, financeiras, cobranças judiciais, ela os recolheu com a expressão fechada, como quem já esperava por aquilo, voltou para dentro, empilhou os papéis na mesa da cozinha e decidiu ignorá-los por hora.
O apartamento era pequeno e abafado, com móveis antigos e desgastados as paredes eram pálidas, manchadas em alguns cantos pela umidade o sofá afundava no centro, e a TV de tubo insistia em chiar, mesmo assim, Elise mantinha o ambiente limpo, com algumas flores artificiais nas prateleiras e uma vela aromática quase no fim em cima da mesinha de centro era o que ela podia chamar de lar mesmo que não fosse acolhedor, ela tomou o seu café checou as notícias e finalmente ela estava pronta para mais um dia de trabalho.
A casa de repouso onde ela trabalhava em meio período ficava no centro de Boston, em uma rua arborizada e tranquila o prédio antigo, de três andares, exalava um perfume agridoce de talco, lavanda e remédio o piso era encerado, o ambiente iluminado com tons suaves, e havia molduras com fotos antigas nos corredores como se o passado dos moradores fizesse parte da decoração Elise adorava aquele lugar, cada idoso tinha um quarto personalizado, com fotos da família, lembranças de juventude e livros empoeirados. Havia uma pequena biblioteca, um jardim com bancos de ferro enferrujados e um piano desafinado na sala principal o som ambiente era uma mistura de risadas roucas, música clássica em volume baixo e o ranger constante das rodas das cadeiras de enfermagem. Durante a manhã, ela ajudou o senhor Franklin com o banho, fez a senhora Miriam sorrir com uma história inventada, e depois passou uma hora limpando curativos e repondo medicamentos a rotina a mantinha firme cada toque, cada palavra gentil, cada cuidado com os pacientes era como uma âncora era útil era forte era viva. No intervalo, sentou-se em um dos bancos do jardim dos fundos, mordia um sanduíche simples de queijo e tomate quando o celular vibrou, era sua melhor amiga: Jenna.
— “Preciso de uma bebida, e você também. Vamos sair hoje à noite.”
— Jenna, eu tô exausta. E tô cheia de coisa pra resolver…
— “Você sempre tá cheia de coisas, pelo amor de Deus, Elise, vamos viver um pouco? Eu já escolhi o bar, nada de discussão às sete da noite, eu passo aí.”
Elise hesitou olhou para os dedos manchados de pão e pensou na pilha de boletos sobre a mesa da cozinha.
— Tá… ok!Mas só uma bebida.
O bar era um contraste vivo com o dia dela, iluminação âmbar, paredes de tijolos expostos, quadros artísticos e música vibrante, um saxofone tocava ao fundo enquanto o barman preparava drinques com movimentos hipnóticos, havia velas nas mesas, e a fumaça dos vaporizadores se misturava ao cheiro doce de rum e hortelã Elise, com calça jeans escura e blusa preta, mantinha-se discreta, seus cabelos estavam soltos, caindo pelos ombros com naturalidade ao lado dela, Jenna era o oposto: ruiva, falante, com vestido vermelho colado ao corpo e olhos pintados de delineador felino Jenna era um furacão social, sempre sorrindo, flertando, dançando com as palavras.
— Você tá mais linda do que nunca e com essa cara de enterro, Elise.
— Tô cansada, Jen cansada de tudo sabe aquele tipo de cansaço que não passa com sono?
— Você carrega o mundo nas costas desde os quatorze, amiga qualquer uma já teria desabado.
Elise suspirou, bebeu mais um gole do mojito. — Eu só queria paz, só isso um cantinho meu, um pouco de silêncio mas parece que a vida nunca para de cobrar.
Jenna apertou a mão dela sobre a mesa.
— Você é forte demais pra se contentar com pouco e você não nasceu pra viver no meio de dívida alheia, você vai sair disso, Elise vai ver.
Eram quase dez da noite quando Elise decidiu ir embora Jenna ofereceu carona.
— Dividimos um táxi, vai, tá tarde.
— Eu vou de ônibus, só quero andar um poucoe esvaziar antes de dormir.
Jenna fez cara feia, mas cedeu.
— Manda mensagem quando chegar.
A parada de ônibus estava quase deserta, apenas o som distante de um carro e o leve assobio do vento preenchiam o ar Elise se sentia observada olhou discretamente ao redor e nada, sentou no banco e esperou quando o ônibus chegou, subiu rápido, ainda desconfiada. Desceu duas quadras antes de casa, queria evitar o centro e cortar pelo beco que costumava usar andava rápido, os passos ecoando no silêncio e então sentiu: alguém a seguia.Virou-se de súbito, os sentidos em alerta, uma silhueta ela girou o corpo e, com reflexo treinado, desferiu um golpe rápido direto do Krav Maga na costela da figura que se aproximava.
— Ai, caralho, Elise!
Era Brian o seu ex, ela recuou, o peito arfando.
— Você tá me seguindo?
— Eu só queria falar com você…
— A gente terminou há mais de um ano, vai embora.
— Eu ainda gosto de você.
— Pois eu não! E se não parar de me perseguir, da próxima vez eu quebro seu nariz.
Ele hesitou. — Você vai morrer sozinha.
Ela arqueou uma sobrancelha. — Assim espero.
Virou as costas e seguiu, mas bastaram três passos para sentir de novo a presença os pelos da nuca se arrepiaram.
— Já falei pra me deixar em paz, Brian — disse, sem se virar.
Nenhuma resposta foi quando uma mão cobriu sua boca um pano áspero, encharcado com um líquido doce e forte. Ela tentou reagir, lutar, chutar, mordeu, bater, mas os músculos começaram a fraquejar a mente a oscilar o mundo girava em círculos, e o som se tornava abafado, como se estivesse debaixo d’água os olhos lutaram para se manter abertos, mas pesavam a última coisa que viu foi a lua parcialmente escondida pelas nuvens e a sensação sufocante de que, dessa vez, não conseguiria escapar.
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