O silêncio na sala do advogado era tão cortante quanto o salto agulha que Lara martelava contra o mármore. Ela encarava a cláusula final do testamento como se pudesse queimar o papel só com o olhar.
— “Para assumir oficialmente a presidência da Albuquerque Group, a neta legítima, Lara Albuquerque, deverá estar casada civilmente até o fim do trimestre.”
Ela bufou, jogando a papelada de volta na mesa.
— Isso é uma piada. Meu avô sempre teve um senso de humor doentio.
— Ele chamava de tradição, doutora — disse o advogado, sem levantar os olhos. — E ele deixou uma lista de possíveis pretendentes com perfil adequado…
Lara se levantou de um pulo.
— Eu não vou casar com um estranho só pra assinar um papel! Isso é arcaico, machista e absolutamente ridículo!
— Concordo. — disse uma voz masculina, vinda da porta entreaberta.
Ela congelou.
Lentamente, virou o rosto, o coração batendo no ritmo de uma bomba-relógio. E lá estava ele.
Santiago Ferraz.
Gravata solta no pescoço, blazer sob medida, sorriso de canto de boca. O maldito olhar de quem sabia exatamente o estrago que causava.
— Mas se quiser um marido de mentira, com prazo de validade e memória fresca do seu gosto por controle... — ele deu dois passos à frente. — Eu posso considerar a proposta.
— O que você tá fazendo aqui? — ela cuspiu, entre raiva e pânico.
— O mesmo que você, Lara. Heranças são engraçadas. Às vezes, nos colocam de volta no tabuleiro. E adivinha? Eu tô jogando pra ganhar.
Ela estreitou os olhos, o sangue fervendo.
— Você quer me humilhar, é isso?
— Não. Quero te devolver o favor. Mas com elegância. — Ele se aproximou, devagar, como um predador que saboreia o medo da presa. — Um contrato. Seis meses. Casamento real aos olhos da mídia. E no final, tchau e benção.
Ela o encarou. Aqueles olhos castanhos, agora mais frios. E mesmo assim, tão perigosamente familiares.
— E o que você ganha com isso?
Santiago sorriu.
— Digamos que ter você me devendo é um bônus. E ver a princesa de gelo engolir o orgulho... é o lucro.
Lara cruzou os braços, os dedos tremendo de raiva.
— Você ainda é um babaca.
— E você ainda é linda quando finge que tem o controle.
Lara folheava o contrato com o maxilar travado. Os dedos apertavam a caneta com tanta força que pareciam querer quebrá-la. Cada cláusula que lia era um tapa no ego. Santiago estava se vingando com classe, e ela sabia disso.
Ele estava sentado na frente dela, casualmente recostado na cadeira de couro, com aquele sorrisinho cínico e insuportavelmente sexy.
— “Nada de quartos separados”? — ela leu em voz alta, quase engasgando. — Tá brincando comigo, né?
— Claro que não. A imprensa vai nos vigiar. Um escorregão, uma fotinho da empregada revelando que você dorme no quarto de hóspedes... e o plano vai por água abaixo.
— Eu não vou dividir cama com você.
— Você já dividiu, Lara. E bem mais do que isso. — ele rebateu, sem sequer piscar.
Ela corou. Maldito.
— E essa cláusula aqui? "O casal deverá participar de pelo menos dois eventos públicos por semana, agindo como um casal apaixonado"? Isso inclui beijo?
Santiago fingiu refletir.
— Beijo não é cláusula. É bônus. Mas sim, inclui. Eu gosto de autenticidade. E você precisa da herança.
Ela lançou um olhar mortal. Ele estava aproveitando cada segundo.
— Ah, tem mais uma coisinha — ele disse, pegando a caneta e rabiscando mais uma linha ao final da página. — Nova cláusula.
— O quê agora?
Ele empurrou o contrato na direção dela, com a nova frase escrita à mão:
"Caso Lara tente desistir antes do prazo de seis meses, pagará uma multa de vinte milhões de reais a Santiago Ferraz."
— Isso é extorsão! — ela se levantou, furiosa.
— Não. Isso é prevenção. Você sempre foi boa em fugir quando as coisas apertam. Agora, você vai ficar até o fim.
Ela o encarou. Um duelo de orgulho em silêncio. Nenhum dos dois piscou.
Então, devagar, Lara puxou o contrato de volta, assinou com a mão firme e levantou o queixo com altivez.
— Nos vemos no altar, Santiago.
Ele assinou em seguida, sem tirar os olhos dela.
— Com prazer, futura senhora Ferraz.
O cartório parecia mais um campo de guerra silencioso. Nada de convidados, nada de flores, nada de vestidos bufantes. Lara usava um blazer branco impecável com salto agulha. Santiago estava de terno cinza grafite, elegante como o próprio diabo.
A funcionária do cartório, uma senhora sorridente que claramente não fazia ideia da bomba emocional que estava prestes a explodir, leu os papéis com doçura:
— Então vamos à parte oficial... Senhor Santiago Ferraz, o senhor aceita Lara Albuquerque como sua legítima esposa?
Santiago virou o rosto devagar na direção dela. A encarou com aqueles olhos escuros e frios como mármore polido.
— Aceito. Com todas as cláusulas anexas. — E sorriu. Aquele sorriso. O sorriso de quem já venceu.
Lara engoliu em seco.
A mulher continuou, animada:
— E a senhora, Lara Albuquerque, aceita Santiago Ferraz como seu legítimo esposo?
Ela olhou para o teto por um segundo, tentando não rir. Nem chorar. Nem socá-lo. Respirou fundo. Pensou na empresa. No nome da família. No jogo.
— Aceito. — Disse, com a voz firme e o coração uma bagunça.
Os dois assinaram os papéis. Sem emoção. Sem olhar nos olhos. A tensão era tão palpável que até a moça do cartório parou de sorrir por um instante.
— Bom... então estão oficialmente casados! — ela anunciou, hesitante. — Normalmente agora vem o beijo...
Lara virou pra Santiago com um olhar que dizia “nem tente”. Mas ele já estava ali, chegando perto demais.
— Faz parte do contrato, lembra? — sussurrou.
Antes que ela pudesse responder, ele a puxou pela cintura e encostou os lábios nos dela. Foi rápido, controlado, mas com pressão suficiente pra deixá-la sem ar por um segundo. O tipo de beijo que não dizia “te amo” — dizia “te tenho”.
Quando ele se afastou, os olhos dela estavam arregalados e as bochechas coradas. Santiago só ajeitou a gravata e deu um passo para o lado, como se nada tivesse acontecido.
— Bem-vinda ao jogo, esposa.
O jantar estava servido em silêncio. Velas acesas, luz suave, louça de porcelana e taças de cristal. Tudo digno de um casamento de luxo — exceto pelos noivos. Lara e Santiago estavam sentados frente a frente, como dois CEOs prestes a negociar uma fusão que ambos detestavam.
Ela mexia no risoto como se fosse explosivo. Ele, claro, comia com a calma de quem sabia exatamente o que estava fazendo.
— Vai passar a noite aqui ou vai voltar pro seu triplex milionário? — ela disparou, sem levantar os olhos.
— Isso depende — disse ele, limpando a boca com o guardanapo. — Nosso contrato exige convivência íntima, lembra? Vai ficar feio eu dormir em outro endereço na noite de núpcias.
Ela bufou.
— A imprensa não tá dentro da nossa casa, Santiago.
— Mas pode estar do lado de fora. E você sabe que eles adoram uma boa janela acesa e uma sombra suspeita.
Ela largou o talher.
— Você tá adorando isso, né?
— E você tá odiando porque perdeu o controle. — Ele apoiou os cotovelos na mesa, encarando-a. — Não é isso que mais te incomoda? Ter que me pedir ajuda?
— Eu não te pedi nada. Eu fiz uma proposta. Negócio. Frio. Calculado. Do jeito que você gosta.
— E ainda assim, sua voz tremia quando assinou.
Ela se inclinou pra frente, os olhos pegando fogo.
— Eu não vou cair no teu joguinho, Santiago.
— Não precisa. Você já caiu quando disse “sim”.
O silêncio caiu como uma bomba. Eles se encararam. Sem palavras. Só aquele tipo de olhar que arde mais que grito.
Ela levantou, pegando a taça de vinho.
— Vou pro quarto. E sim, o meu. Sozinha. Porque esse casamento é de fachada, mas minha paciência não é.
Ele deu um meio sorriso, sarcástico.
— Boa noite, esposa.
Ela subiu as escadas com o sangue fervendo e o vinho queimando na garganta. Ele ficou ali, sozinho, com o prato pela metade... e o ego pela metade também.
Porque por mais que estivesse no controle — ou achasse que estava — Lara ainda era a única que conseguia deixá-lo assim: puto, perdido e... curioso.
Lara estava deitada de lado, lendo o contrato de novo — como se reler fosse aliviar a vontade de arrancar a página onde dizia “convívio íntimo e público”. A porta do quarto estava fechada, o abajur aceso, o quarto perfumado com lavanda. E ela, num robe de cetim preto, tentando achar paz onde só existia caos.
Então, ouviu a maçaneta girar.
— Não, não, não... — murmurou.
A porta se abriu com a audácia de quem sabe que pode. E ali estava ele.
Santiago.
Cabelos úmidos da ducha. Corpo molhado e musculoso como se tivesse saído de uma maldita propaganda de perfume. E o detalhe principal: cueca preta e NADA mais. Calvin Klein, claro. Porque o safado não dava ponto sem nó.
— Esse quarto tem uma vista melhor. — ele disse, entrando sem cerimônia. — E como agora somos oficialmente casados...
— Santiago, o que você tá fazendo aqui?! — Ela se levantou num pulo, agarrando o robe como se aquilo fosse impedir o fogo interno de subir.
— Reivindicando meus direitos de marido. — ele deitou na cama, braços atrás da cabeça, como se estivesse num resort cinco estrelas. — Relaxa. Não vou te tocar. A menos que você peça, claro.
— Você é um cretino.
— Um cretino de cueca, no seu travesseiro. Vai acostumando.
Lara virou de costas, apertando os olhos, mas era tarde. Ela já tinha olhado. Tinha visto cada músculo das coxas, o abdômen definido, os ombros largos. O maldito V da cintura. Ela odiava como o corpo dele parecia esculpido pra provocar raiva... e desejo.
— Esse quarto é meu. — ela disse, entre dentes.
— Esse casamento é nosso. E essa cama... — ele deu dois tapinhas no colchão. — Tem espaço pra dois. Fica tranquila. Vou dormir do meu lado. E de cueca. Sempre.
Ela pegou uma almofada e lançou contra ele, mas ele só riu. A risada grave, arrastada, de quem sabia exatamente o que estava fazendo.
— Boa noite, esposa.
— Vai pro inferno, Santiago.
— Já estou nele. E você é o fogo.
A luz da manhã filtrava-se pelas cortinas, suave e quente, como se o universo quisesse enganar Lara dizendo que aquele dia seria tranquilo.
Mas não seria.
Lentamente, ela começou a se mexer, ainda presa no torpor do sono. Seu corpo estava quente, confortável... e aninhado.
Muito aninhado.
Seus dedos estavam sobre algo... estranho. Firme. Quente. Vivo.
Ela abriu os olhos devagar, sentindo o cheiro amadeirado que conhecia bem demais. O peito largo sob sua bochecha subia e descia devagar. A mão dela estava... onde não devia. Exatamente ali.
Ela travou. E nesse momento, como se o destino quisesse brincar um pouco mais, Santiago abriu os olhos.
Ele não se mexeu. Só a observou por um instante, com um leve sorriso nos lábios, preguiçoso e perigosamente satisfeito.
— Bom dia, esposa. — disse, a voz rouca e grave de sono.
Ela piscou, em pânico, ainda imóvel.
— Sua mão... — ele murmurou. — Tá exatamente onde todo marido gostaria que começasse o dia.
Ela arregalou os olhos.
— MEU DEUS!
Largou o “amigão” dele como se tivesse tocado numa panela fervendo, e rolou pro outro lado da cama em desespero, os cabelos todos bagunçados.
Santiago se espreguiçou, rindo com a calma de um cafajeste olímpico.
— Não precisa se assustar. Você tava indo bem. Achei que ia continuar…
— Cretino! — ela gritou, escondendo o rosto no travesseiro. — Você devia ter me acordado!
— E perder essa cena? Jamais. Você praticamente me acariciava como se estivesse sonhando com um final feliz.
— EU VOU TE MATAR.
— Mas antes, quer um café? — Ele se levantou devagar, cueca ainda no comando da situação, e caminhou até o banheiro. Antes de fechar a porta, virou-se com um olhar maroto.
— Fica tranquila, esposa. Isso acontece nas melhores camas... com os melhores corpos.
A porta se fechou. E Lara gritou no travesseiro.
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