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Recomeçando uma Nova Vida e Me Superando para um Novo Amor.

Capítulo 1 — Laura Menezes: Entre Letras e Sonhos

O despertador tocou às 6h30min, emitindo um som suave, quase como uma melodia calma que preenchia o quarto em tons de aconchego. Era como se a manhã dissesse, em sussurros, que o mundo ainda podia ser gentil. Laura Menezes abriu os olhos lentamente, como quem reluta em deixar o mundo dos sonhos. O teto branco do seu quarto parecia mais pálido naquela manhã, como o reflexo exato do seu humor: leve, mas coberto por uma neblina de incerteza.

Ainda deitada, sentiu o frescor da brisa entrar pela janela entreaberta, acompanhada da luz dourada do sol nascente, que projetava sombras delicadas nas paredes e nas cortinas floridas. O canto tímido de um passarinho pousado no parapeito a fez sorrir, mesmo que fosse um sorriso contido. Era nesses pequenos detalhes que Laura buscava motivos para continuar.

Ela suspirou, abraçando o travesseiro, tentando reter um pouco mais daquela paz fugidia antes que o peso do cotidiano a chamasse de volta.

— Só mais cinco minutos... — murmurou, com a voz rouca de sono.

Mas cinco minutos rapidamente se transformariam em trinta, e ela sabia disso. Então, reuniu coragem, afastou o edredom e sentou-se na cama, apoiando os pés no chão frio de madeira. Sentiu um arrepio subir pelas pernas, fazendo-a encolher os ombros. Ela olhou pela janela para a rua que começava a despertar. O vai e vem das pessoas, os carros engatinhando no trânsito leve da manhã e o cheiro irresistível de pão saindo do forno da padaria da esquina — tudo isso era a vida seguindo em frente, com ou sem ela.

“Mais um dia corrido, hein?”, pensou, abraçando os próprios joelhos por um instante antes de se levantar.

No espelho do guarda-roupa, observou sua imagem. Cabelos castanhos bagunçados, olhos claros ainda marcados pelo cansaço, e um semblante sereno, embora levemente triste. Não era tristeza profunda — era algo mais delicado, como uma saudade de algo que ela não sabia nomear.

Caminhou até o banheiro, os pés descalços fazendo barulho suave contra o piso. Ao acionar o chuveiro, esperou alguns segundos até que o vapor preenchesse o ambiente, criando uma névoa úmida e acolhedora. Deixou a água morna escorrer pelos ombros, como se pudesse lavar não só o corpo, mas as dúvidas e cansaços dos últimos meses. E como haviam sido difíceis.

Enquanto ensaboava os cabelos, seus pensamentos voltaram-se à sua maior paixão: a escrita. Trabalhar na revista cultural VivaCidade era uma conquista pela qual lutara com unhas e dentes. Era ali que ela encontrava refúgio, traduzindo em palavras o que os outros sentiam, mas não sabiam dizer. Mesmo que, no fundo, nem sempre conseguisse escrever sobre si mesma.

— Hoje vai ser um bom dia. Vai sim. — repetiu como um mantra, enquanto desligava o chuveiro.

De volta ao quarto, escolheu sua blusa azul clara favorita, aquela que realçava o brilho de seus olhos. Vestiu uma calça jeans confortável, prendeu o cabelo ainda úmido em um coque simples e ajeitou a bolsa sobre o ombro. Antes de sair, parou mais uma vez diante do espelho do corredor.

— Você consegue, Laura — disse a si mesma, com voz firme, como se falasse para a mulher que ainda estava se reconstruindo por dentro.

Na rua, o mundo parecia mais colorido. As flores nos canteiros da praça central balançavam delicadamente com o vento. O som das buzinas, dos risos apressados e dos passos apressados compunham uma sinfonia urbana familiar. Laura gostava da cidade naquele horário: era quando ela parecia respirar junto com as pessoas, como um organismo vivo pulsando possibilidades.

No caminho para a redação, parou na banca de jornais, como fazia todas as manhãs.

— Bom dia, Helena! — saudou com um sorriso sincero.

— Bom dia, minha flor! Hoje tem caderno de cultura novo, viu? Tem uma matéria sobre um escritor independente que tá fazendo sucesso com contos sobre amor e perda. Achei sua cara! — respondeu Helena, com seu avental colorido e um brilho animado nos olhos.

Laura pegou o jornal, folheou rapidamente e sorriu.

— Obrigada. Vou ler com carinho no intervalo.

— E olha, menina... não se esquece de cuidar de você também, tá? Palavra de quem já viu muita gente boa se perder de si mesma.

Essas palavras bateram em um ponto sensível. Laura apenas assentiu, guardando o jornal na bolsa.

— Pode deixar. Um passo de cada vez.

Já na redação da VivaCidade, o ambiente era agitado. A mistura de café fresco, som de teclados, ligações telefônicas e ideias voando criava um clima criativo e um pouco caótico.

Ricardo, seu colega de trabalho e amigo de longas conversas na hora do almoço, levantou o olhar da tela.

— Laura, o chefe quer o roteiro da matéria até o fim do dia, lembra? A edição vai fechar e ele tá com a corda toda.

— Eu lembro, sim. Já comecei a montar algumas ideias ontem à noite — respondeu, sentando-se na cadeira giratória e ligando o computador.

— Você nunca decepciona. Mas tenta não se afundar demais, tá? A gente também respira fora da pauta. — disse ele, piscando o olho com cumplicidade.

Laura riu, mesmo sabendo que, nos últimos tempos, vinha se escondendo atrás do trabalho. Era mais fácil lidar com os textos do que com o próprio coração.

Enquanto digitava, pensava na matéria que queria escrever — algo leve, poético, que falasse sobre recomeços. Sobre como encontros inesperados podem transformar vidas, mesmo sem grandes promessas. Era uma espécie de espelho do que ela desejava para si: uma história que curasse, tocasse e inspirasse.

Mas, no fundo, também era um pedido. Um pedido silencioso para que a vida lhe surpreendesse.

Nesse momento, o celular vibrou. Era uma mensagem de Ana, sua melhor amiga desde os tempos de faculdade.

“Encontro marcado no restaurante ‘Sabores da Rua’ às 20h. Não falte. — Ana”

Ela sorriu.

— Ana e seus jantares não negociáveis... — disse em voz baixa, deixando escapar uma risada suave.

Lembrou-se de quantas vezes Ana estivera ao seu lado — nos choros inesperados, nas tardes de vinho e desabafos, nos silêncios respeitados. Ana era seu ponto de equilíbrio, seu lembrete constante de que a vida não era só feita de obrigações.

Ricardo se inclinou na direção dela.

— Jantar com a Ana hoje?

— Sim. Ela marcou por mensagem. Acho que sabe que eu precisava disso.

— Ela é esperta. Cuida de você como ninguém.

Laura olhou para o monitor por um instante, depois para o relógio. Ainda era cedo, mas o dia prometia ser intenso. Pegou seu caderno de anotações e começou a esboçar as primeiras linhas da matéria. Escreveu:

"Às vezes, tudo o que precisamos é de um olhar diferente sobre as pequenas coisas. É lá, nos detalhes quase invisíveis, que moram os verdadeiros recomeços."

De repente, sentiu vontade de escrever mais — não só para o trabalho, mas por si mesma. Pensou em retomar seu antigo projeto: um livro de contos que começara ainda na época da faculdade, mas que nunca teve coragem de terminar.

— Quem sabe não é hora de voltar a escrever para mim? — sussurrou, mais para o próprio coração do que para qualquer outro ouvido.

Enquanto o dia avançava entre e-mails, cafés e reuniões improvisadas, Laura manteve consigo um novo tipo de energia. Algo como uma brisa fresca depois de dias de tempestade.

No fim do expediente, quando finalmente desligou o computador, sentiu que havia cumprido mais do que uma meta profissional. Havia se aproximado de si mesma. E isso, para quem estava recomeçando, era um passo enorme.

Antes de sair, pegou o jornal que havia guardado na bolsa mais cedo. Passou os olhos pela matéria indicada por Helena. O título dizia: “Do fundo do poço ao topo da estante: como recomeçar depois de perder tudo”.

Laura respirou fundo.

— Acho que esse vai ser o tema da minha próxima coluna.

E saiu, pronta para um jantar com risadas, memórias e, quem sabe, o início de uma nova versão de si mesma.

Capítulo 2 — Gabriel Souza: Sabores e Recomeços

O aroma de cebola dourando na panela se misturava com especiarias quentes, azeite fresco e pão recém-saído do forno. A cozinha do restaurante Sabores da Rua era um universo à parte — quente, aromático e ritmado como uma sinfonia bem ensaiada. Panelas tilintavam, os fornos apitavam com assados prontos, facas deslizavam contra tábuas com precisão, e os cozinheiros se moviam com uma sincronia quase coreografada.

Gabriel Souza estava no centro de tudo. Vestindo o avental escuro com o logo do restaurante bordado em laranja, os olhos atentos percorrendo bancadas, ingredientes e rostos, ele parecia ter nascido para aquele lugar. Cada movimento seu era firme e meticuloso. Mexia o molho branco com uma mão, enquanto, com a outra, indicava ajustes na disposição dos pratos já finalizados. Os aromas que saíam das panelas eram irresistíveis, mas para Gabriel, mais do que sabor, ali havia redenção.

— Marcos, verifica a mise en place das saladas, por favor. Quero tudo impecável para o almoço executivo. — disse sem desviar a atenção da frigideira onde salteava cogumelos.

— Sim, chefe. Já finalizei a de grão-de-bico e tô terminando a de rúcula com manga. — respondeu Marcos, com o cenho franzido e o suor escorrendo da testa, visivelmente focado.

Gabriel assentiu com um breve aceno, sem perder o ritmo do trabalho. Mesmo com o ambiente agitado, sua mente era um redemoinho silencioso. Carregava tensões nos ombros como se fossem parte do uniforme. O restaurante era o seu mundo — mas também era a muralha que ele construíra entre ele e o que mais temia: o amor, o passado e tudo o que doía lembrar.

O telefone fixo tocou. Ele limpou as mãos no avental, aproximou-se e atendeu com o tom de voz firme, calmo, profissional:

— Sabores da Rua, Gabriel falando.

Do outro lado, a voz precisa e prática de sua assistente, Ana:

— Gabriel, confirmaram a reserva para o evento beneficente de sexta-feira. O buffet tá em andamento, a decoração fechada, o som contratado. Só falta o seu aval no cardápio.

— Perfeito, Ana. Me dá até o fim do dia. Vou finalizar os ajustes agora. — disse ele, já se virando para pegar a prancheta onde anotava os ingredientes do jantar especial.

— Ótimo. Vai ser um sucesso, como sempre. — completou ela, encerrando a ligação.

Ele apoiou as mãos na bancada de inox e respirou fundo. Observou por um instante a janela da cozinha que dava para a rua movimentada. Do lado de fora, o mundo parecia vibrante e leve — crianças rindo, um senhor empurrando um carrinho de pipoca, jovens conversando alto. Um casal caminhava de mãos dadas, sorrindo, como se o mundo fosse um lugar seguro.

Gabriel apertou os lábios e desviou o olhar, tentando afastar o aperto que crescia no peito. Aquela dor era antiga, mas ainda insistia em visitar. Doía ver a vida seguindo tão facilmente para os outros, enquanto ele travava batalhas diárias com fantasmas que não deixavam de assombrá-lo.

— Foca no presente, Gabriel... — murmurou para si mesmo, quase como um lembrete diário.

Ele caminhou de volta para o fogão, onde um risoto de açafrão exigia sua atenção. Mexia o arroz com delicadeza, mantendo a cremosidade exata. Enquanto o aroma se espalhava, sua mente o traiu mais uma vez.

"No passado, eu era outro homem..."

Era inevitável. Vanessa. O nome ecoava como uma ferida que nunca cicatrizava. Sua ex-noiva, sua ruína silenciosa.

“Vanessa...”

O nome sozinho trazia imagens: o sorriso sedutor, a voz doce e afiada, os olhos que prometiam mundos e entregaram desilusões.

— Egoísta... interesseira... — murmurou, enquanto mexia o risoto como se quisesse dissolver aquela lembrança no caldo espesso.

Vanessa fora seu amor mais profundo e sua decepção mais destruidora. Durante dois anos, ele viveu por ela. Reformou o apartamento para os dois, investiu no futuro, confiou cegamente. E foi justamente essa confiança que o destruiu. Descobriu a traição por acaso — um e-mail aberto no computador dela. Uma mensagem curta, crua, com risos e fotos que ele nunca poderia apagar da memória.

— Fui um idiota. — murmurou, com os punhos cerrados. — Um cego apaixonado.

— Chefe? Tá tudo bem? — perguntou Marcos, ao notar a expressão dele.

Gabriel voltou ao presente num sobressalto.

— Tudo certo. Concentra no molho da salada, tá ficando muito ácido. Ajusta com um fio de mel e limão.

— Pode deixar.

Voltando ao preparo, ele respirou fundo. Apesar das mágoas, ainda havia uma parte sua que desejava voltar a sorrir com leveza. Uma parte que não se deixava apagar. E, por mais que não admitisse em voz alta, sonhava sim, com o amor verdadeiro — com uma mulher que fosse simples, autêntica, e que não mentisse.

"Quero alguém que me veja com verdade. Que não precise de promessas vazias. Que ande ao meu lado, não à minha frente nem atrás."

Ele via os casais felizes com certo ceticismo, mas também com inveja. Não uma inveja amarga, e sim... uma esperança discreta de que talvez, algum dia, ele também reencontrasse esse tipo de alegria.

— Gabriel? — chamou Ana, entrando na cozinha.

— Pode falar.

— Só um lembrete: hoje às 20h tem uma reserva da Ana Clara pra duas pessoas. Mesa perto da janela, como sempre.

— Ah, sim. Aquela sua amiga jornalista, né?

— Isso. Vai vir com uma amiga nova hoje. Disse que é especial. — Ana sorriu de lado. — Acho que você vai gostar dela.

Gabriel arqueou uma sobrancelha.

— Desde quando você acha que eu vou gostar de alguém?

— Desde que você parou de viver e começou só a trabalhar. Você precisa de uma pausa, chefe.

Ele sorriu de canto — um gesto raro, mas sincero.

— Uma pausa... — repetiu como quem não sabia mais o que isso significava.

— Só lembra de não se fechar. Às vezes, o novo começa numa conversa simples. Numa noite qualquer.

Ela saiu, deixando-o pensativo.

Gabriel olhou para a bancada. O risoto estava pronto. Os legumes grelhados no ponto. A sobremesa — um creme brulée com baunilha artesanal — já descansava na geladeira. Ele sabia cozinhar para centenas, mas ainda não sabia se era capaz de abrir o coração para uma única pessoa novamente.

"Será que um recomeço é mesmo possível?"

Ele enxugou as mãos lentamente, limpando o suor da testa. Fitou o reflexo na janela da cozinha. Viu ali um homem forte, mas cansado. Um homem que já amou com tudo e caiu feio. Mas que, no fundo, queria — ainda que não admitisse — recomeçar.

"Quero algo diferente. Alguém que me ensine a confiar de novo, sem pressa. Alguém que entre devagar e fique. Que toque meu caos com delicadeza."

E mal sabia ele que naquela mesma noite, às 20h, aquela mesa reservada perto da janela não traria apenas mais uma cliente — traria a chance de um novo capítulo. A presença sutil, mas marcante, de alguém que poderia enxergar além da armadura. Uma mulher com olhos de palavra e alma de poesia.

Laura Menezes.

O destino, calado por tanto tempo, estava prestes a falar. E quando o destino decide agir, nem o coração mais fechado permanece intocado por muito tempo.

Capítulo 3 — Laura: Ecos do Passado e Novos Sonhos

A luz do meio-dia iluminava o pequeno escritório da revista VivaCidade, atravessando a persiana parcialmente aberta e desenhando linhas douradas sobre a mesa de Laura Menezes. Sentada diante do computador, ela digitava com a leveza de quem transformava sentimentos em poesia. As palavras iam se moldando lentamente na tela: uma matéria sobre cores, transformações urbanas e a alma invisível que os grafites imprimiam na cidade.

Mas, embora escrevesse sobre arte e liberdade, sua mente divagava por territórios menos coloridos.

O som das teclas misturava-se ao leve jazz instrumental que tocava em segundo plano. Aquilo — a música suave, o murmúrio dos colegas, o cheiro de café recém-passado — era seu refúgio. Ali, entre ideias e crônicas, Laura encontrava alguma paz.

Enquanto ajeitava uma frase no parágrafo final, seus dedos pararam. Ela leu o trecho mais uma vez: “A arte de rua é um grito silencioso de quem já desistiu de gritar.”

— E se eu pudesse colorir também minha própria vida? — sussurrou, sem perceber.

Olhou para a tela, mas parecia procurar algo além das palavras. Queria encontrar respostas, talvez coragem. Queria sentir que o recomeço que tanto escrevia era também possível dentro dela. Mas o passado... ele ainda vivia ali.

A imagem de Pedro, seu ex-namorado, surgiu como uma névoa escura que insistia em invadir seus dias de sol. Um relacionamento que começou como um sonho romântico e terminou em noites pesadas, olhares de culpa e controle disfarçado de afeto.

Lembrava-se do rosto dele, da forma como sorria em público e como mudava no silêncio da casa. Pedro era intenso — demais. No começo, ela confundiu paixão com zelo. Mas, com o tempo, as palavras doces viraram cobranças, e os carinhos deram lugar a manipulações veladas.

Uma memória, em especial, ainda a fazia estremecer.

Era noite, e ela estava prestes a sair para encontrar Ana. Pedro se irritou por ela usar um vestido novo.

— Tá tentando chamar atenção de quem? — ele perguntara, com a voz baixa e ameaçadora.

— De ninguém. Só queria me sentir bem. — respondeu, tentando manter a calma.

— Você nunca vai encontrar alguém como eu, Laura. Ninguém vai te amar como eu te amo. — disse, os olhos apertados como se o amor fosse uma arma.

Ela engoliu o choro naquela noite, mas no dia seguinte, empacotou a alma e partiu. Não sabia exatamente pra onde estava indo, mas sabia de onde não queria mais estar.

E isso foi o suficiente.

Por fora, parecia forte. Mas por dentro, ainda havia ecos. Vozes que diziam que ela não era suficiente. Que ninguém a amaria de verdade. Que liberdade era um risco.

Há alguns dias, viu uma foto antiga ao rolar o feed do celular. Era ela e Pedro, numa praia. Sorrisos congelados no tempo. Um retrato falso de felicidade. Sentiu uma mistura estranha de nostalgia e alívio. Aquela imagem não era mais ela. Nem ele. Nem o que viveram.

— Não. Eu não sou mais aquela mulher. — disse em voz baixa, como quem reafirma um pacto consigo mesma.

Nesse instante, a porta do escritório se abriu. Ana, com seus cabelos presos em um coque bagunçado e a energia vibrante de sempre, entrou com duas xícaras de café.

— Alguém aqui precisa de uma pausa e de cafeína. — brincou, entregando uma das xícaras à amiga.

Laura sorriu com gratidão, e Ana logo puxou a cadeira ao lado.

— Como vai o texto da arte urbana? — perguntou, cruzando as pernas e soprando a borda da xícara.

— Quase pronto. Mas acho que ando mais introspectiva do que inspirada. — respondeu Laura, passando a mão pelos cabelos, já um pouco desfeitos pelo vento da manhã.

Ana a observou por alguns segundos, antes de falar:

— Você anda pensativa demais, Laura. Ainda tá presa naquilo que passou, né?

Laura abaixou os olhos.

— Às vezes, sim. É como se... mesmo livre, ainda tivesse correntes invisíveis.

— Eu entendo. Mas sabe, a gente só começa a viver de novo quando para de sobreviver. E hoje, à noite, você vai viver um pouco, nem que eu tenha que te arrastar pra isso. — disse Ana, sorrindo com os olhos.

Laura soltou uma risada fraca.

— Você já sabe como me convencer.

— Jantar marcado às 20h. Restaurante novo. Mesa reservada perto da janela. Nada de trabalho, nada de passado. Só boa comida, risadas e, talvez, vinho.

— Promete não me deixar sozinha nem por um minuto? — perguntou Laura, meio brincando, meio pedindo socorro.

— Prometo. Mas, ó... se surgir alguém interessante por lá, também prometo sair discretamente, tá? — piscou, fazendo Laura rir de verdade.

Durante a tarde, Laura decidiu sair um pouco. Foi caminhar pela praça da cidade. Precisava de ar — e de si mesma.

O céu estava límpido, o ar leve. Crianças corriam atrás de pombos, uma senhora vendia milho cozido sob um guarda-sol florido, e um homem tocava violão debaixo de uma árvore. A melodia era suave, quase triste. Mas bonita.

Laura sentou-se em um banco e fechou os olhos por alguns minutos. Deixou a música entrar, os sons da cidade se misturarem com o cheiro doce dos churros, e sentiu, pela primeira vez em semanas, uma pontinha de esperança.

— A vida continua. E talvez... possa ser boa de novo. — sussurrou para si mesma.

Ao voltar para a redação, estava diferente. Mais leve. As palavras fluíam com mais naturalidade. Começou a rascunhar uma matéria sobre recomeços — não apenas os urbanos, mas os pessoais. Escrevia como quem costura a própria alma com letras.

"Recomeçar não é apagar o passado. É decidir que ele não vai escrever o final."

Estava tão imersa que não ouviu o celular vibrar de imediato. Quando pegou o aparelho, sentiu um calafrio.

“Laura, podemos conversar? Sei que errei.” — Pedro

O mundo pareceu congelar por um segundo. Ela segurou o celular com mais força do que o necessário. Leu e releu a mensagem, como se tentasse decifrar o tom. Arrependimento? Manipulação? Desespero?

Fechou os olhos. Lembrou-se das lágrimas que derramou sozinha, das vezes em que precisou explicar o inexplicável para si mesma, das madrugadas em silêncio absoluto, tentando entender como se perdeu.

E então, digitou:

“Não é hora. Preciso cuidar de mim agora.”

Respirou fundo. E apagou o número da agenda.

Ao olhar para fora, o sol começava a se pôr. A luz laranja invadia o escritório, refletindo nas janelas dos prédios vizinhos. Era um espetáculo silencioso, mas poderoso. Como ela. Como o que estava sentindo.

“O passado não vai me vencer. Não vai me parar. Eu mereço uma nova história — e dessa vez, escrita por mim, com calma, com verdade, com amor. Com alguém que me veja inteira, e não apenas como sombra de algo que já fui.”

Naquela noite, Laura se arrumaria com cuidado. Não para impressionar ninguém, mas para celebrar a si mesma.

O jantar não era apenas um encontro com uma amiga.

Era um encontro com a mulher que ela estava se tornando.

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