@Julia🌸
Capítulo 01🌸
A chuva caía pesada naquela manhã, batendo contra a janela do quarto e trazendo uma sensação de preguiça. Aquele som ritmado era quase um convite pra ficar na cama o dia inteiro, enrolada no edredom, com a cabeça longe das responsabilidades. Abri os olhos devagar, sem vontade nenhuma de encarar o relógio, mas sabia que precisava levantar. Três pacientes me esperavam, e mesmo que a preguiça estivesse vencendo, meu compromisso com eles sempre falava mais alto.
Joguei as pernas pra fora da cama, enfiei os pés na minha pantufa felpuda e vesti o roupão que estava pendurado na cadeira. Ainda sonolenta, desci as escadas até a cozinha. A cafeteira já estava ligada, e o cheiro de café fresco invadia o ambiente. Me sentei à mesa, fechei os olhos por um instante e juntei as mãos.
- Obrigada, Deus, por mais um dia. Que eu tenha sabedoria e paciência pra lidar com tudo que vier.
Após meu pequeno momento de oração, tomei o café com calma, aproveitando cada gole quente pra despertar de vez. Em seguida, subi para o banho. A água quente correndo pelo meu corpo era um alívio contra a preguiça que insistia em me acompanhar. Escolhi uma calça de alfaiataria confortável, uma camisa branca de tecido leve e finalizei com um blazer cinza. Um visual que equilibrava conforto e profissionalismo, do jeito que eu gostava.
Assim que entrei no carro, liguei a rádio e deixei tocar. Uma música qualquer começou, e mesmo sem conhecer a letra, me peguei cantando junto, inventando palavras no meio. Ri de mim mesma quando errei o ritmo, mas continuei. O trânsito estava tranquilo, e a chuva tinha virado apenas uma garoa leve. Cheguei ao consultório antes do previsto.
- Bom dia, Sara! - Cumprimentei minha secretária com um sorriso.
- Bom dia, Júlia! Tá com uma cara de quem venceu uma guerra pra sair da cama. - Ela riu, ajeitando a mesa de recepção.
- Nem me fala, amiga. Mas bora lá, porque o dia promete.
Fui direto pra minha sala, coloquei minha bolsa na cadeira e comecei meu pequeno ritual: arrumei os travesseiros do sofá, ajustei a iluminação pra ficar mais aconchegante e borrifei o cheirinho de lavanda pelo ambiente. Tudo precisava estar perfeito para os pacientes.
Logo em seguida, minha primeira paciente chegou. Era Júlia, uma adolescente de 16 anos que vinha enfrentando o impacto da separação dos pais.
- Oi, Júlia. - A cumprimentei com um sorriso acolhedor. - Pode entrar, fica à vontade.
Ela sentou no sofá, com os ombros meio caídos e o olhar tímido.
- Oi... - respondeu baixinho.
- Me conta, como você tá hoje?
Ela suspirou antes de responder.
- Tá difícil, sabe? Minha mãe não para de chorar, meu pai parece que nem liga, e eu tô no meio disso tudo. Parece que minha vida virou de cabeça pra baixo.
- Imagino como deve ser pesado pra você lidar com isso. - Falei, tentando criar um espaço seguro pra ela se abrir mais. - Você tem se sentido culpada por tudo isso?
Ela abaixou a cabeça, e uma lágrima escorreu pelo rosto.
- Às vezes, sim. Fico pensando se a culpa não é minha. Tipo, será que se eu fosse uma filha melhor eles ainda estariam juntos?
Peguei um lenço e estendi pra ela.
- Júlia, deixa eu te dizer uma coisa: o que tá acontecendo entre seus pais é uma questão deles, não sua. Você não tem culpa da decisão que eles tomaram. É difícil, eu sei, mas você precisa lembrar que não é responsável pelos sentimentos ou escolhas deles.
Ela enxugou as lágrimas, mas o olhar ainda estava pesado.
- Eu só queria que tudo fosse como antes, sabe? Que eles fossem felizes juntos de novo.
- Eu entendo. É normal sentir isso. Mas a gente vai trabalhar juntas pra lidar com esses sentimentos, um passo de cada vez.
Ela assentiu com a cabeça, e passamos os minutos seguintes conversando sobre estratégias pra ela lidar com o momento difícil. Quando a sessão acabou, senti que ela saiu um pouco mais leve.
O dia seguiu mais tranquilo. Quando terminei a última consulta, Sara veio com uma proposta inesperada.
- Júlia, que tal a gente ir no baile da Rocinha hoje?
Olhei pra ela, surpresa.
- Ih, Sara, não sei, não. Tô exausta. Acho melhor ficar em casa e descansar.
- Ah, vamos, vai! Eu nunca fui num baile, mas se for contigo, fico mais segura.
Pensei por alguns segundos. A verdade é que fazia tempo que eu não ia no morro, e talvez fosse bom voltar às minhas raízes, nem que fosse por uma noite.
- Tá bom, mas só se você se arrumar lá em casa.
Ela sorriu, animada.
- Combinado!
Fomos até a casa dela pra pegar algumas roupas, e depois seguimos pra minha casa. Quando chegamos, liguei pro PH pra avisar.
- PH, tô subindo aí pro baile hoje.
- Tá de sacanagem, Júlia? Vai mesmo?
- Vou, mas já tô avisando pra não ter problema.
- Relaxa, vou deixar um espaço reservado pra vocês. Só não arruma confusão, hein?
- Ih, Júlia no baile? O mundo tá acabando! -Laís falou um pouco distante
- Não exagera, Laís. Só tô acompanhando a Sara.
Depois de conversar um pouco, começamos a nos arrumar. Sara estava animada, e confesso que a energia dela acabou me contagiando. Quando terminamos, estávamos prontas pra uma noite diferente.
O baile seria um recomeço, um momento de descontração e um retorno às origens. E, no fundo, eu sabia que seria inesquecível.
@Júlia🌸
A noite tava com aquela energia boa, mas chuvosa. Saí do banho enrolada no meu roupão, enquanto Sara folheava uma revista jogada no sofá.
- Bora, Júlia? Tu ainda tá enrolando, hein.
- Calma, mulher. Tô me arrumando. E, olha só, vamos de Uber hoje, tá? Quero beber tranquila e não quero stress de dirigir.
Ela riu, largando a revista.
- Tá certíssima! E depois?
- Dormimos na casa da Laís. Não tem erro.
Sara já abriu o celular e começou a chamar o carro. Enquanto isso, terminei de passar meu gloss e ajeitar o vestido. Nada muito extravagante, mas confortável e bonito. Quando descemos, o Uber já tava encostado. O motorista abriu o vidro e nos olhou com um sorriso.
- Boa noite, moças! Tão indo causar hoje, hein?
Dei uma risadinha.
-
Boa noite! Só um pouquinho, nada demais.
Entramos, e Sara puxou conversa logo de cara, elogiando o som que ele tocava no rádio. Era funk antigo, daqueles que te fazem cantar junto sem nem perceber. O motorista riu, interagindo com ela, enquanto eu conferia meu celular. O PH já tinha deixado um recado:
PH: "Jujuba, tá tudo no esquema. Dois motoboy na entrada te esperando. Fala meu nome que eles te levam direto."
Eu: "Certo, irmão. Tamo junto."
Assim que chegamos no ponto combinado, os dois motoboys estavam lá, esperando. Um deles se adiantou, acenando.
- Cês são a irmã do PH, né?
- Isso mesmo. Bora?
- Só subir, dona.
Subimos na garupa, eu e Sara rindo do vento gelado. Não demorou muito e já estávamos na casa da Laís. Ela abriu a porta com aquele sorriso de sempre.
- Achei que nem vinham mais!
- E perder uma sexta dessas? Jamais.
Depois de alguns minutos de conversa rápida, o PH apareceu, já ajeitando a camisa.
- Aí, Ju, tá bonitona hoje, hein. Mas na moral? Se comporta lá no baile. Não quero marmanjo se engraçando contigo, tá ligado?
- Relaxa, PH. Eu sei me virar.
Ele deu aquela encarada básica, mas não insistiu. Pegamos uma moto pra descer pro baile. O clima tava quente, com o som já tomando conta do morro. Luzes piscavam no céu, gente passando pra lá e pra cá.
Assim que chegamos, senti os olhares. Alguns conhecidos, outros nem tanto. As pessoas cochichavam, e dava pra perceber que não estavam acostumadas a me ver por ali. Sara, por outro lado, tava deslumbrada com o clima.
- Júlia, isso aqui é incrível! Como você não vem mais vezes?
- Porque não tenho paciência pra muita confusão. Mas hoje abri uma exceção.
Laís puxou a gente direto pro meio da pista, onde o som tava mais alto. Começamos a dançar, e a sensação de liberdade era inegável. O ritmo, o calor, tudo ali fazia a gente esquecer do resto do mundo.
Mas, como sempre, o PH tava de olho. Ele circulava pela festa, cumprimentando um ou outro, mas com o olhar fixo na gente. Não demorou muito pra ele se aproximar.
- Jujuba, já vieram me perguntar de tu umas cinco vezes, na moral. Os cara tão achando que tu tá solteira.
Ri, achando graça da indignação dele.
- E o que você disse?
- Disse que tu é minha irmã e que é melhor nem tentar. Mas, mano, se liga. Tu tá chamando muita atenção.
- PH, calma. Eu só tô aqui dançando, nem fiz nada.
- Não interessa. Esses cara aqui só olham. Não gosto.
Laís, que ouvia a conversa, deu risada.
-
PH, larga de ser chato. Deixa ela curtir.
Ele resmungou algo, mas se afastou, ainda de olho.
Depois de um tempo dançando, resolvi pegar uma água. No caminho, fui parada por um rapaz.
- Ei, cê é irmã do PH?
Assenti, sem paciência pra conversa.
- Sou. Algum problema?
- Não, não. Só queria saber mesmo. Tá curtindo o baile?
Antes que eu pudesse responder, PH surgiu do nada, com aquele jeito bravo dele.
- Algum problema aqui?
O rapaz se afastou imediatamente, levantando as mãos.
- Nada, PH. Só trocando ideia.
PH olhou pra mim.
- Viu só? Tô falando. Não confio nesses caras, Ju
- Tá bom, tá bom. Você venceu.
Voltei pra pista, rindo sozinha. Apesar do jeito protetor e, às vezes, exagerado, não dava pra negar que era bom ter alguém como o PH por perto. A noite continuou, cheia de música, risadas e um pouco de confusão. Mas, no final das contas, era disso que eu sentia falta.
@Julia🌸
Segundooou! Acordei ainda meio tonta do final de semana, mas com uma sensação boa. Sara tava lá em casa, como sempre. Já virou rotina ela acabar dormindo aqui. Eu, sinceramente, não reclamo. Gosto da companhia dela.
— Mulher, que final de semana foi esse? — perguntei, enquanto puxava o roupão.
— Foi loucura, Júlia! Mas, olha, nem quero lembrar. Preciso sobreviver até sexta agora. — Sara respondeu, já rindo enquanto terminava de ajeitar o cabelo.
Descemos juntas pra cozinha. Eu ainda tava com o rosto amassado de sono, mas sabia que o dia ia ser cheio. Enquanto eu fazia café, Sara já tava checando o celular.
— Vamos juntas pro consultório hoje, né? — ela perguntou.
— Claro, tô indo só me arrumar.
Depois do café e de um banho rápido, coloquei minha roupa de trabalho. Nada muito formal, mas com aquele toque profissional. A Sara, por outro lado, tava de vestido florido e sandália baixa. Pegamos o carro e fomos pro consultório.
Assim que chegamos, o telefone já tava tocando sem parar. Tereza, minha secretária de toda segunda-feira e terça-feira, atendia com aquele tom calmo que só ela sabe ter.
— Bom dia, doutora! — Tereza me cumprimentou. — Já tem uma ligação importante pra você.
— Quem é?
Ela cobriu o telefone com a mão e sussurrou:
— É um advogado. Quer falar sobre um cliente que precisa de laudos pra ser liberado da cadeia.
— Já? Nem sentei direito ainda. Passa pra mim.
Peguei o telefone e me apresentei:
— Bom dia, aqui é a doutora Júlia. Como posso ajudar?
Do outro lado, o advogado começou a explicar:
— Doutora, estou cuidando do caso de um cliente que precisa de um acompanhamento psicológico e psiquiátrico. Ele está em regime fechado, mas pode ser liberado com algumas condições. Precisamos que a senhora avalie se ele está apto pra voltar ao convívio social.
— E quem é o cliente? — perguntei, já anotando os detalhes.
— Lucas... também conhecido como Perigo.
Meu coração parou por um segundo. Lucas? Perigo? O nome me trouxe memórias antigas, mas segurei a curiosidade e continuei profissional.
— Certo, entendi. Vou avaliar o caso. Pode me mandar os dados completos por e-mail?
— Claro. Faremos isso imediatamente.
Desliguei o telefone e, automaticamente, mandei uma mensagem pro PH.
Eu: “PH, preciso que você veja um negócio pra mim. Mandaram aqui um caso de um tal Lucas, vulgo Perigo. Parece que ele é o dono da Rocinha. Sabe quem é?”
A resposta veio em menos de dois minutos:
PH: “Tu tá zoando, Jujuba? Claro que sei! Ele é o cabeça do morro, irmãozão. Que que tão querendo contigo?”
Eu: “Querem que eu seja psicóloga dele pra liberar ele da cadeia. Mas é perigoso? Eu posso aceitar?”
PH: “Cê tá de boa. O Lucas é de quebrada, mas respeita geral. Só cuidado, que ele é ligeiro. E, Jujuba, tu lembra dele, né?”
Foi como se uma lâmpada acendesse na minha cabeça. Lucas, o moleque que corria comigo e o PH quando éramos crianças. Ele tinha aquele sorriso maroto, sempre o primeiro a aprontar. Nunca imaginei que ele se tornaria o chefe do morro.
Respondi ao PH:
Eu: “Lembro sim... Tô chocada que é ele. Vou aceitar o caso.”
PH: “Cê que sabe, mas na moral, Jujuba, não facilita pra ele, não. Senão ele passa por cima.”
Eu: “Não vou. Pode ficar tranquilo.”
Tereza entrou na minha sala com os papéis que o advogado tinha mandado. Li tudo com atenção, analisando cada detalhe. Parecia um desafio interessante. Além disso, algo em mim queria ver como Lucas tava depois de tanto tempo.
Peguei o telefone e liguei pro advogado.
— Bom dia, aqui é a doutora Júlia novamente. Vou aceitar o caso. Podemos marcar a primeira consulta pra amanhã, às 10h?
— Perfeito, doutora. Informarei o cliente e confirmo com a senhora ainda hoje.
Desliguei e mandei outra mensagem pro PH:
Eu: “Consulta marcada pra amanhã. Se acontecer qualquer coisa, te aviso.”
PH: “Suave. Mas, Jujuba, o Lucas vai sair de qualquer jeito. Não importa o laudo. Então fica esperta.”
Suspirei, já sentindo que seria uma experiência diferente de tudo que já vivi.
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Será que o perigoso vai reconhecer ela?
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