Felicia Balmort

Vocês já amaram uma pessoa tão profundamente, ao ponto de fazer tudo por ela, de se anular, se diminuir, tentar agradar tanto, tudo para que o outro seja feliz, tudo para provar ao outro o quanto você o ama, para que ele te ame da mesma forma que você o ama e mesmo assim parece que ainda não é o suficiente, então você faz mais, se doa mais, até o ponto de não sobrar absolutamente nada do que você era, ao ponto de você se olhar no espelho e não se ver, não se reconhecer, a menina sonhadora, batalhadora, alegre, que um dia conheceu o amor e acreditou que seria feliz, que juntos vocês seriam inabaláveis, conquistaria o mundo, que o amor era a coisa mais linda e preciosa do mundo, que vocês se casaria, teria filhos, e tudo seria perfeito.

Mamãe certa vez me disse, filha, o amor é feito para ser compartilhado, quando você encontrar a pessoa certa, você vai entender, metade do seu coração será dele, você dará 50% de você, metade do seu tempo, metade do seu amor, metade dos seus sonhos, metade de tudo que você é e acredita, e receberá 50% dele e juntos serão 100% de um amor puro e verdadeiro, com esses 100% vocês vão construir uma família, vão realizar sonhos, mas eu não fiz isso, eu me doei 100% para ele, e ele não me deu nem 5%, eu dei tudo de mim, meu amor, minha amizade, meu tempo, minha vida, e ele não me deu absolutamente nada, e só agora consigo enxergar, ele nunca me amou, eu fui uma escreva nessa relação, e não na parte literal da palavra, eu limpava, passava e cozinhava para a mãe dele, eu fazia todos os design de jóias da irmã dele, eu ajudava ele com todos os contratos da empresa, pois ele não conseguia e não queria que o pai dele achasse que ele não seria um bom presidente para a empresa, e eu fazia tudo isso com um sorriso no rosto, para agradar a todos e ser aceita na família, eu não tinha ninguém, e eles eram tudo que eu tinha, ou melhor achava que tinha, e eu fiz tudo, absolutamente tudo por eles, mas só agora eu consigo enchegar que eles nunca me quiseram aqui, eu não era nada mais do que uma escrava que todos eles podiam usar, eles não tem nenhum tipo de sentimento por mim, nenhum deles, ouvir tudo isso me mata por dentro, me destrói, eu acreditei em cada palavra que ele me disse, mas parando agora para pensar, tudo estava tão claro quanto o dia, era tão nítido, tão transparente, o modo como todos me tratavam, como falavam comigo, como me ignoravam, como eu deixei que tudo isso acontecesse, como deixei chegar a esse ponto, meu Deus, eles só me tratavam assim porque eu permiti, porque ao invés de falar não, eu sorria e fazia tudo que eles me mandavam fazer, exatamente tudo, como uma escrava.

Felicia Balmort

Eu não seguro as lágrimas que rolam.

Filho, essa é uma oportunidade única, me escuta, ninguém sabe que você é casado com aquela morta de fome, ninguém nunca a viu, por isso eu disse para você não tornar esse casamento público, agora você pode se devorciar e se casar novamente, ninguém nunca vai saber sobre ela.

Mãe, eu amo a Felicia, eu não quero me separar dela, eu sei que não sou um bom marido, que tenho os meus casos fora do casamento, mas coisas normais de homem, eu não quero separar dela e nunca a mais a ver, ele fala e parte mais um pedaço do meu coração.

Ela ainda pode continuar morando aqui, faz ela de sua amante, a Gabriela não precisa ficar sabendo, a Felicia te ama, e vai aceitar tudo que você fizer e disser a ela, e outra, se vocês se separarem ela vai para onde, ela não tem para onde ir, ela não tem ninguém, somos tudo que ela tem, tenho certeza que ela vai entender, filho a Gabriela é filha de um homem importante, vai ser ótimo para os negócios, nossa família precisa desse casamento.

Tudo bem, eu vou pedir o divórcio, amanhã mesmo eu falo com ela, hoje preciso sair para esfriar a cabeça, eu vou para a casa da Lívia, ela é a única que consegue me acalmar, preciso muito dela hoje, ele fala.

E pelo amor de Deus, você precisa se livrar da Lívia, eu sei que ela é sua amante a anos, mas a Gabriela é inteligente, você vai ter que escolher, ou a Felicia ou a Lívia, duas amantes não tem como, a mãe dele fala e sinto o estômago embrulhado.

Tudo bem, agora preciso sair, quero aproveitar que Felicia ainda não me viu e sair de fininho, não tô com saco para aguentar toda aquela melação, ele fala.

Seco as lágrimas e saio correndo, eu estava escutando toda a conversa no vão dá porta, eu o vi chegar e fui até o escritório ver ele, mas quando ouvi a dona Gisele falando sobre o divórcio parei para escutar, só não sei se escutar tudo foi bom ou ruim.

Olha por onde anda morta de fome, Catarina a irmã dele fala comigo assim que esbarro nela, mas nem mesmo paro, continuo correndo para o meu quarto.

Meu Deus, como que eu deixar minha vida chegar nesse ponto, deixar a mãe dele e a irmã dele me chamar de morta de fome e achar normal, sorrir e fingir que não era nada, o que eu fiz da minha vida, que tipo de pessoa me tornei, tentei tanto agradar a todos que não percebi que eles me tratavam como lixo, me sento na cama e choro, como jamais chorei antes.

Agora tudo faz sentido, as noites que ele não voltava para casa, o modo como todos me tratavam, eu não era nada para ele, e todos me tratavam como nada porque é exatamente assim que ele me enxerga, como um nada, ele nunca me amou.

Felicia Balmort

Meu nome é Felicia Balmort, tenho 27 anos, eu conheci Carlos Eduardo na faculdade, eu estudava designer de jóias e administração de empresas, e ele estudava administração de empresas também, nos conhecemos no primeiro ano de faculdade, nos tornamos amigos, eu sempre ajudava ele em todas as matérias, ele era um rapaz bonito, gentil, me tratava bem, ficamos só na amizade por dois anos, só começamos a nos relacionar no terceiro ano, eu me apaixonei por ele loucamente, ele era o sonho de todas as meninas, ninguém entedia porque ele estava comigo, uma moça simples, de uma família humilde, ele é lindo e vinha de uma família muito rica, mas não ligavamos para o que as pessoas diziam, quando apresentei ele aos meus pais, eles também adoraram ele, minha mãe ficou muito feliz por mim.

No nosso último ano de faculdade ele me pediu em casamento, eu tinha acabado de perder os meus pais em um acidente, estava completamente sozinha no mundo, e aceitei o pedido, nos casamos no cartório, ele me levou para a casa dele, ou melhor da família dele, e eles não me aceitaram muito bem, a mãe dele ficou furiosa quando ele disse que tínhamos nos casado, a irmã dele debochou por ele ter se casado com uma morta de fome, e foi nesse dia que tudo mudou.

Depois que terminei a faculdade, comecei a procurar emprego, mas eu estava sempre ocupada cuidando da casa, ajudando ele com os contratos da empresa e fazendo os design para a sua irmã que eu não tinha tempo para arrumar um trabalho, e nesses últimos 6 anos que vivi aqui, a mãe dele me acordava às 5 da manhã, eu precisava preparar o café da manhã, antes de todos levantarem, mesmo tento vários funcionários, eu fazia tudo, eu morava aqui de favor, não trabalhava e ela era a dona da casa, e jogava isso na minha cara todos os dias, mas na frente dele elas me tratavam bem, uma vez ou outra elas me chamavam de morta de fome na frente dele, mas logo pediam desculpas e ele não falava nada, eu tentei falar com ele várias vezes sobre sair daqui, arrumar um lugar para nois dois, sobre eu trabalhar, mas ele dizia que gostava de como as coisas eram, e que eu não precisava trabalhar, ele me dava tudo, e eu deixei levar, com o tempo eu acordava às 5 da manhã, preparava o café da manhã e todas as refeições, lavava as roupas delas na mão porque eram caras e delicadas, limpava, passava, eu era uma empregada, mas no final do dia quando ele voltava para casa, e dizia que me amava e tudo era compensado com os beijos e amor que ele dizia sentir por mim, eu era feliz, ele me amava, eu o amava e nada mais importava.

Até hoje, até ouvir tudo, até ouvir ele dizer que tinha uma amante, dizer que ia pedir o divórcio, concordar com a mãe dele em me ter como amante, eu ainda posso o amar, mas para mim, toda essa humilhação acaba hoje.