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O Rei Lycan

capítulo 1

Sombras da Ruína: O Retorno dos Lycans

O mundo já havia tombado. As grandes cidades eram esqueletos ocos cobertos de musgo e silêncio. O céu, sempre acinzentado, não conhecia mais o sol. Foi nesse mundo moribundo que eles saíram das sombras — não lobos comuns, mas Lycans: bestas colossais, três vezes maiores que um homem adulto, forjadas em ódio e primordiais como a própria noite.

Os humanos não tinham chance.

As balas ricocheteavam de suas peles como gotas de chuva. Lâminas se partiam em contato com suas garras. Resistir era suicídio. Submissão, humilhação. Suas vítimas eram deixadas empaladas ou partidas ao meio — não por necessidade, mas como aviso. Uma mensagem cravada na carne: não há redenção, só domínio.

E no centro desse exército de pesadelos, havia ele — o Rei. Um ser antigo, com centenas ou talvez milhares de anos. Ninguém sabia seu nome, mas todos sentiam sua presença. Ele governava os Lycans com mão de ferro e uma vontade de ferro mais fria que o inverno nuclear.

Diziam que sua fúria era antiga, enraizada na tragédia. Por culpa dos humanos — ou como ele os chamava, os imundos — ele havia perdido sua companheira e toda sua ninhada. Desde então, piedade não fazia parte de seu vocabulário. Ele não perdoava. Ele caçava. Ele vingava.

Mesmo em sua forma humana, era impossível ignorá-lo: 2,10 metros de altura, músculos como se esculpidos em pedra, olhos vermelhos como sangue coagulado. Uma aura densa, opressora, como se a guerra tivesse feito morada em sua alma. Um homem que nunca sorria, porque o mundo já não merecia alegria.

Mas era em sua forma bestial que o terror ganhava nome.

A pele se rasgava, os ossos se esticavam, e a fera surgia — branca como ossos velhos, olhos como brasas vivas, garras que poderiam rasgar tanques como papel. Era rápido, letal, e incansável. Uma lenda viva, saída dos pesadelos contados às crianças para que não saíssem de casa à noite. Só que agora, os pesadelos caminhavam entre os escombros, e ninguém mais estava seguro.

O mundo pós-apocalíptico não era dominado pela fome, pela radiação, ou pela insanidade...

Era regido por um trono de ossos, ocupado por um rei lycan, sedento por vingança.

Os Restos da Humanidade e o Segredo de Lisa

Com o tempo, os humanos que restaram entenderam uma verdade amarga: a guerra já estava perdida muito antes de começar. Não havia como enfrentar o que rastejava da escuridão. Os que sobreviveram fizeram o que puderam — desapareceram. Refugiaram-se em florestas espessas, cavernas ocultas, montanhas esquecidas, velhos bunkers deixados por guerras passadas.

Mas ele sempre achava.

Não havia padrão. Ele aparecia sem aviso. O ar mudava. Os cães silenciavam. E então, o massacre. As comunidades começaram a viver como nômades, sempre em movimento, nunca ficando muito tempo no mesmo lugar. Os olheiros mais experientes sabiam reconhecer os sinais. Quando o presságio surgia — um cheiro no ar, um silêncio estranho — eles ficavam para trás, atrasando o inimigo, pagando o preço final para dar aos outros uma chance.

Porque morrer pelas garras da besta era um destino cruel.

Mas pior ainda era sobreviver.

Os que eram capturados tornavam-se escravos, brinquedos do ódio que governava os Lycans. Não havia honra, só humilhação. Ninguém merecia aquilo.

No meio dessa luta desesperada, havia ela — uma presença silenciosa entre os sobreviventes, tentando parecer comum, tentando se apagar. Mas era impossível. Seus cabelos brancos, longos até a cintura, reluziam mesmo sob a fuligem e a poeira. A pele clara, sem nenhum cuidado, parecia ter sido tocada pela própria lua. E os olhos... verdes, profundos, como uma floresta sob chuva. Inesquecíveis.

Chamava-se Elisa, mas os mais próximos a conheciam apenas como Lisa.

O que quase ninguém sabia — o que ela escondia com mais cuidado que qualquer suprimento ou arma — era sua natureza real. Lisa era uma fêmea lycan.

Diferente dos machos, as fêmeas eram menores, de traços mais delicados, e podiam passar por humanas com relativa facilidade. Lisa usava isso a seu favor. Vivia entre os humanos, ajudando, protegendo, cuidando das crianças como se fossem suas. Sua bondade era genuína. Ela não se importava em carregar lenha ou partilhar o último pedaço de carne seca — fazia de tudo para que aquele grupo, aquela pequena chama de humanidade, não se apagasse.

Mas havia mais.

Lisa era um oráculo.

Escolhida por uma força antiga — talvez a própria Deusa da Vida — carregava dentro de si o dom da visão. Sabia onde caçar, onde se esconder, quando partir. Suas premonições eram a única razão de muitos ainda estarem vivos. Para os sobreviventes, ela era sorte, esperança, milagre. Mas nunca disse de onde vinha seu dom. Nem que era uma lycan. Nem que fugia do mesmo monstro que todos temiam.

Porque se ele soubesse...

Se o Rei soubesse da existência dela — uma fêmea lycan renegada, com o dom da visão — não haveria caverna, floresta ou montanha onde ela pudesse se esconder.

Mas por enquanto, seu segredo estava a salvo.

E enquanto respirasse, Lisa usaria tudo o que tinha para manter os humanos longe da escuridão.

capítulo 2

Eco das Sombras

A sala era escura, ampla e silenciosa, com colunas esculpidas em ossos e peles ressecadas. Apenas tochas fumegantes quebravam a penumbra. Ao centro, sobre um trono de pedra negra, estava Val’Khar, o Rei Antigo. Seu olhar fixo, inabalável, como se pudesse ver além das palavras. Milhares de anos haviam moldado aquele semblante — duro, frio, sem pressa.

Ao redor, seus conselheiros e rastreadores discutiam em voz baixa, tentando não demonstrar medo.

— Três meses — disse o líder dos farejadores, ajoelhado diante do trono. — Três malditos meses atrás desse grupo. E sempre... sempre um passo à frente. Chegamos e as fogueiras já esfriaram. Os rastros, apagados com precisão. Comida enterrada. Cinzas misturadas à terra. Não é sorte, isso. É método.

Outro se aproximou, o manto rasgado de tantas florestas atravessadas:

— Achamos um olheiro dias atrás. Estava sozinho. Antes que pudéssemos pegá-lo... ele se matou. Mordida na própria língua. Morreu engasgado com o próprio sangue. Eles preferem morrer do que falar.

O silêncio pesou no ar.

— Achamos que era um bando como qualquer outro — sussurrou um terceiro, o mais jovem, com os olhos abaixados. — Mas... há algo estranho. Às vezes sentimos... uma presença. Algo que guia eles. Algo... antigo. Não sabemos o quê.

Val’Khar permaneceu imóvel. Seus olhos de brasa semicerrados, observando cada um como se analisasse não as palavras, mas o medo por trás delas.

Ele levantou lentamente, e todos se ajoelharam com reflexo imediato. A sala pareceu congelar.

— Vocês dizem que é sorte — sua voz era grave, pausada, cada sílaba como pedra caindo em um poço fundo — mas sorte não dura três meses. Nem salva todos. Nem esconde trilhas sob o nariz dos melhores caçadores do meu reino.

Ele desceu do trono, passos pesados que ecoavam como trovões nas paredes. Parou diante do mapa esculpido na pedra.

— Não são só humanos... há outra coisa com eles. Uma mão invisível. Um olhar que vê além do alcance. Algo... que não deveria existir fora do meu domínio.

Ele tocou um ponto no mapa — uma antiga floresta ao norte.

— Continuem. Não parem. Quero ossos, ou nomes. Tragam a verdade ou tragam a morte.

Virou-se, subindo novamente para o trono.

— Eles vão errar. E quando errarem...

Val’Khar, o Rei Sombra, estará esperando.

O Pressentimento de Sangue

A floresta estava quieta demais.

Lisa movia-se com leveza entre as árvores, pés descalços sobre folhas úmidas, o arco de madeira curvada pendendo em suas costas. O frio da manhã mal tocava sua pele. Ela ouvia cada som — o roçar de galhos, o eco de um corvo solitário, o bater de asas de um inseto. Aquilo era parte dela.

De súbito, parou. Um cheiro familiar no ar: cervo. Estava perto. Ela se agachou entre as raízes retorcidas, preparando o disparo.

Mas então veio.

Como uma pancada no peito. Como se a floresta desaparecesse por um instante. Os olhos verdes de Lisa se dilataram, fixos no vazio. A imagem tomou sua mente com a força de uma avalanche.

Cinzas espalhadas. Sangue pisado na neve. Garras. O som de uivos ao longe. E atrás disso tudo, uma sombra maior que qualquer besta.

Eles vinham. Com mais força. Com mais ódio.

Val’Khar havia sentido algo. Agora não viriam só com rastreadores... viriam em peso.

Ela respirou fundo. Os olhos voltaram ao presente. O cervo fugira, mas isso não importava mais.

Lisa se levantou e correu.

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Na Clareira

— Vamos reforçar a alimentação — disse Lisa, ao entrar no pequeno acampamento. Os poucos caçadores reunidos se calaram imediatamente. Ela não gritava. Não mandava. Só falava — e todos obedeciam. — A próxima viagem será longa. Ninguém dorme hoje. Precisamos partir antes do amanhecer.

— O que houve? — arriscou perguntar uma jovem, puxando as alças de um cesto com raízes.

— Eles estão vindo. Mais rápido. Mais fortes. Não vão errar o rastro outra vez — respondeu Lisa, já pegando seu manto.

— De novo? — murmurou um ancião.

— Dessa vez, nem os olheiros ficam pra trás — ela disse, firme. — Nem um. Ninguém será deixado. Nem velhos. Nem crianças. Nem doentes. Temos um lugar seguro ao sul. Se andarmos sem parar, podemos chegar em três dias.

— Como você sabe...? — alguém começou a perguntar, mas logo calou-se. A pergunta nunca era completada. Eles sabiam que Lisa sabia. Sempre soubera. E se ainda estavam vivos, era porque ela existia.

Lisa se abaixou para amarrar a capa ao redor de uma menina pequena, depois ajudou um homem idoso a levantar com sua bengala.

— Preparem tudo. Comida, água. Escondam os rastros. Acendam fogueiras falsas a oeste, para despistá-los.

E então, num tom mais baixo, para si mesma:

— Porque desta vez, o rei virá com olhos abertos.

capítulo 3

Entre o Sacrifício e a Fé

O acampamento já se agitava com os preparativos da partida. Panos dobrados, cestos de raízes e carne seca divididos, crianças embaladas em cobertores remendados. Ninguém discutia. Ninguém reclamava. Quando Lisa falava, as pessoas apenas se moviam.

Mas enquanto os outros carregavam o pouco que possuíam rumo ao sul, Lisa tomou o caminho oposto.

Silenciosa como a brisa da madrugada, voltou por entre as árvores — um quilômetro floresta adentro. Seus olhos varriam cada tronco, cada galho caído. Conhecia aquele terreno como poucos. Sabia onde o solo afundava, onde o musgo escondia pedras, onde um passo em falso poderia se tornar uma armadilha.

E foi isso que fez.

Montou laços com raízes torcidas, armadilhas de queda com galhos camuflados, estacas improvisadas cobertas com folhas. Sabia que para bestas como os rastreadores do Rei aquilo não era mais do que um incômodo. Mas um incômodo bem colocado podia render horas preciosas.

Horas que poderiam salvar vidas.

Ao terminar, respirou fundo e fechou os olhos. A noite ao redor estava fria, mas dentro dela queimava o peso da responsabilidade.

— Que Deus guie nossos passos... — murmurou, encostando a mão em uma árvore.

— Que não permita que este povo seja destruído de forma tão baixa... tão cruel...

— Que se for para alguém perecer... que seja eu, e não eles.

Por um momento, tudo pareceu calmo. A floresta escutava.

Ela se virou, agora com pressa, e começou a correr de volta. A partida já devia estar próxima. Ela não podia se atrasar. Crianças e velhos esperavam sua mão firme. O grupo não sobrevivia sem ela.

E no rastro que deixava para trás, a floresta preparava o campo para atrasar a morte — ainda que por um fio de esperança.

Histórias Para Iluminar o Caminho

A trilha era silenciosa, exceto pelo som de pés sobre folhas molhadas e a respiração ritmada de dezenas de pessoas avançando pela escuridão. Lisa caminhava no centro do grupo, rodeada por crianças e idosos, com os olhos sempre atentos à frente... e aos arredores.

Mas mesmo no silêncio, o medo era pesado. Sentia nos passos das crianças, no jeito como os pequenos apertavam as mãos das mães, nos olhos que se negavam a dormir mesmo no colo.

Então, ela começou a falar.

— Sabiam que existe uma floresta onde as árvores cantam?

As crianças a olharam, surpresas.

— Cantar mesmo? — perguntou um menino magro, cobrindo os ombros com um pedaço de pele de cervo.

— Sim. Dizem que, em noites de lua cheia, as folhas brilham como prata, e se você fechar os olhos... pode ouvir as árvores contando segredos antigos. Histórias de dragões dormindo sob a terra. De fadas que voam com luzes presas nas asas.

— Isso é de verdade? — uma garotinha sussurrou, de olhos arregalados.

Lisa sorriu.

— Tudo que a gente acredita com força o bastante, vira verdade em algum lugar.

Os sorrisos começaram a surgir, tímidos, mas reais. O medo não desapareceu, mas deu espaço para outra coisa: imaginação. Esperança, ainda que embrulhada em fantasia.

Ela sabia que aquelas histórias não mudariam o mundo. Mas por algumas horas, poderiam salvar a infância daquelas crianças.

E isso, para ela, já era vitória.

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Parte II — O Sonho do Rei

Longe dali, nas profundezas de uma antiga fortaleza envolta em neblina eterna, Val’Khar dormia.

O sono era algo raro para ele. Normalmente inquieto, tomado por lembranças e guerras passadas, mas naquela noite… foi diferente.

Ele sonhava.

E no sonho, havia ela.

Uma mulher de cabelos brancos como geada sob o luar. Pele pálida como pedra sagrada. Olhos verdes que o atravessavam com ternura e riso. Ela não falava — apenas sorria. Um riso leve, verdadeiro, capaz de derreter a armadura de séculos que ele vestia na alma.

Ele a olhava, e tudo dentro dele… aquecia.

Foi a primeira vez em séculos que ele sentiu. E o sentimento o atingiu como um trovão: alegria.

O mesmo calor que um dia só sentira ao lado de sua Rainha. Daquela com quem compartilhara o Laço da Lua, um vínculo sagrado que apenas os escolhidos da Deusa conheciam.

Mas a mulher no sonho não era sua Rainha.

Ele acordou.

Sentado em sua cama de pedra e couro, olhos ardendo na escuridão. Respiração pesada. Corpo tenso. Coração... estranho.

"Foi só saudade," tentou dizer a si mesmo.

Mas não acreditava.

Porque dentro dele, algo rugia — um eco antigo, primal, que reconhecia a essência daquela mulher no sonho. E isso o deixava inquieto. Confuso. Frágil de um jeito que ele odiava.

— Quem é você...? — murmurou para o vazio da noite.

E a lua, escondida entre nuvens densas, nada respondeu.

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