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Oi!

O Alarme Silencioso

O alarme, para Arthur, era menos um despertador e mais uma confirmação de que o universo seguia seu curso ordenado. Ele não precisava do som; a precisão interna de seu relógio biológico, calibrado ao longo de anos de repetição, o trazia do sono com uma pontualidade que superava qualquer dispositivo eletrônico. Às 6h30, seus olhos se abriam, não com a urgência de quem precisa se apressar, mas com a quietude de quem se prepara para mais uma jornada idêntica à anterior. A mão estendia-se automaticamente para o celular, desligando o alarme antes que o primeiro vibrato pudesse perturbar o silêncio da manhã. O brilho esverdeado do visor confirmava a hora exata, e Arthur sentia uma satisfação sutil com aquela perfeição microcósmica.

A transição da cama para a vida ativa era um ritual meticuloso. Seus pés, descalços, tocavam o chão frio do quarto, uma sensação que ele registrava como mais um dado sensorial em sua base de informações diárias. Sem pressa, ele se dirigia ao banheiro, onde a escova de dentes, o creme dental e o sabonete estavam sempre no mesmo lugar, a disposição exata que garantia eficiência máxima. Na cozinha, o processo se repetia: a medida exata de café em pó, os dois pães de forma na torradeira – sempre dois, nunca um a mais, nem um a menos. O chiado da torradeira e o borbulhar suave da cafeteira eram as únicas vozes permitidas nesse santuário matinal. Arthur encontrava conforto na ausência de ruídos externos, na previsibilidade de cada etapa. Não havia necessidade de notícias que pudessem perturbar, nem de conversas que pudessem exigir energia. A ordem era tudo o que ele precisava.

Vestir-se para Arthur era um ato de camuflagem. A camisa social azul-escura e a calça bege, invariavelmente impecáveis, não chamavam a atenção, permitindo que ele se fundisse discretamente na paisagem urbana. A pasta a tiracolo, leve e quase vazia, continha apenas o essencial: o notebook de trabalho, um caderno pequeno para anotações esporádicas e, invariavelmente, um livro. O título podia mudar, mas a presença era constante – um convite silencioso à imersão. No ônibus, ele tinha seu assento cativo, perto da janela, mas estrategicamente posicionado para evitar o sol direto que poderia incomodar seus olhos. Os fones de ouvido, as espumas já gastas pelo uso, eram seus fiéis escudeiros. Não importava se havia música tocando; sua função primária era erguer uma barreira invisível, um sinal universal de "não perturbe" para o mundo lá fora.

Através do vidro da janela, a cidade se desenrolava em um fluxo contínuo de borrões coloridos. Pessoas apressadas, táxis buzinando, a vida pulsando em seu caos habitual. Arthur observava tudo com a despersonalização de quem assiste a um documentário. Não havia julgamento em seu olhar, apenas uma coleta passiva de dados. Sua mente, no entanto, estava ativa, flutuando entre os complexos algoritmos de programação que eram sua paixão e a lógica implacável que governava os sistemas que ele criava. Comparado à imprevisibilidade das emoções humanas, o mundo dos códigos era um refúgio de sentido e ordem. Ali, dentro de sua bolha autossuficiente de rotina e previsibilidade, Arthur se sentia seguro. A jornada até o trabalho era apenas mais um segmento programado, um passo necessário entre o porto seguro de seu apartamento e a ordem lógica de seu escritório.

O Santuário do Ponto

O ponto de ônibus era, para Arthur, uma extensão natural de sua bolha. Um pequeno pedaço de cimento e metal na esquina da Rua das Acácias com a Avenida Principal, onde a vida parecia desacelerar por alguns minutos. Ele chegava sempre com o mesmo tempo de antecedência, suficiente para garantir seu lugar favorito, um pedente de concreto que oferecia um apoio discreto sem exigir que se sentasse completamente. Era um local de trânsito, sim, mas para Arthur, tornara-se um santuário de rotina. O silêncio, ali, era um luxo. O barulho do trânsito, a distância, soava como um murmúrio distante, quase um ruído branco que apenas realçava a quietude de seu próprio universo. Não havia vizinhos tagarelas, colegas de trabalho curiosos ou familiares bem-intencionados que exigissem sua atenção. Era apenas ele, seu livro – hoje, um ensaio sobre o minimalismo digital – e a promessa de um ônibus pontual.

Ele apreciava a forma como o sol da manhã batia no prédio em frente, criando sombras longas e definidas que ele podia acompanhar mentalmente, prevendo o exato momento em que seu ônibus apareceria na linha do horizonte. Cada dia era uma repetição confortável, um ciclo sem surpresas, e o ponto de ônibus era o epicentro dessa previsibilidade. Era um lugar onde as demandas do mundo exterior pareciam diminuir, onde ele podia simplesmente estar, sem a necessidade de agir ou reagir. A espera, para muitos um fardo, para Arthur era uma benção – um pequeno intervalo de paz em meio à agitação da cidade, um momento para observar sem ser observado, para existir sem ser notado.

Foi então que ela apareceu. Não chegou, nem se aproximou, mas apareceu, como se tivesse brotado do asfalto, rompendo a paisagem monocromática dos pensamentos de Arthur. O contraste foi imediato, quase ofensivo à sua sensibilidade para a ordem. Enquanto Arthur se vestia para se camuflar, ela parecia ter se vestido para vibrar. Uma blusa de um verde-água surpreendente, que parecia absorver e refletir a luz de um jeito inusitado, e um par de tênis que combinavam o amarelo-gema com detalhes em roxo. Era uma paleta de cores que Arthur normalmente só veria em um gráfico de desempenho de software, e não em uma pessoa no ponto de ônibus. Seus cabelos, presos em um coque alto e aparentemente desfeito, tinham fios rebeldes que dançavam ao vento, e uma mochila pequena e colorida balançava em seu ombro. Ela caminhava com uma energia que parecia consumir o espaço ao redor, não apenas o ocupando, mas o preenchendo.

Arthur, que até então estava imerso na segunda página de seu ensaio, sentiu uma leve alteração no ar, como um distúrbio em sua zona de paz. Seus olhos, acostumados a um escaneamento rápido e impessoal do ambiente, fixaram-se nela por um momento, antes de ele forçar-se a retornar ao livro. A intrusão não era barulhenta, não ainda, mas era visivelmente diferente. Era a quebra sutil de um padrão, e a mente de Arthur, programada para identificar anomalias, registrou-a com uma precisão quase inconsciente. Ele sentiu uma leve contração na testa, um sinal de irritação que ele guardava para si mesmo, esperando que a anomalia se dissipasse tão rapidamente quanto havia surgido.

O Inevitável Assento

A leve contração na testa de Arthur intensificou-se. A anomalia não se dissipou. Pelo contrário. Ela se aproximava, e o que mais o incomodava não era a presença dela, mas a direção dessa presença. Ela não se dirigiu para a ponta oposta do abrigo, nem para a calçada, nem para qualquer outro lugar que permitisse a Arthur manter seu espaço vital intacto. Em vez disso, ela se moveu com uma naturalidade alarmante diretamente para o pequeno banco de concreto onde ele estava, um espaço que ele considerava implicitamente seu. Era o lugar perfeito: oferecia um apoio sem exigir que ele se sentasse completamente, permitindo uma postura de observação discreta. Era seu cantinho no mundo.

Quando ela se sentou, não houve hesitação. O banco era pequeno, suficiente para no máximo duas pessoas sem bagagem extra. E ela sentou-se ao lado dele, com uma proximidade que, para Arthur, era quase uma violação de fronteira. A mochila colorida tocou levemente sua pasta, e ele sentiu um leve calor emanando dela. Ele não se moveu, não mudou de expressão, mas internamente, um micro-tsunami de desconforto começou a se formar. Ele apertou o livro em suas mãos, um escudo contra a intrusão, e voltou os olhos para a rua, fingindo uma profunda contemplação do tráfego. O perfume dela — algo leve, cítrico, completamente diferente do cheiro de asfalto e poluição a que ele estava acostumado — preencheu seu espaço pessoal, fazendo com que sua bolha de silêncio se sentisse estranhamente porosa.

O ar que Arthur respirava no ponto de ônibus, antes tão neutro e previsível, agora parecia carregado. O leve perfume cítrico persistia, e a presença dela, vibrante e inesperada, era uma nota dissonante em sua sinfonia de silêncio. Ele tentava se concentrar nas palavras do livro, mas as frases pareciam escorregar por entre seus olhos, incapazes de se fixar em sua mente. A expectativa do silêncio que se seguiria àquela estranha proximidade era quase palpável para ele.

Mas o silêncio não veio.

Em vez disso, um som quebrou a quietude de sua bolha com a força de um pequeno trovão. Uma voz. Clara, gentil, e completamente inesperada.

"Oi!"

Era uma palavra simples, comum, mas para Arthur, soou como um grito em um teatro vazio. A sonoridade era leve, quase musical, sem nenhuma exigência, apenas uma constatação amigável. Arthur congelou. Seus olhos, que antes fixavam o horizonte, agora pareciam travar em um ponto invisível no asfalto. Sua mente, tão acostumada a processar dados lógicos, travou. Deveria responder? Como se respondia a um "Oi!" tão direto e sem cerimônia de uma completa desconhecida que acabara de invadir seu espaço? A opção mais segura, a única que sua programação interna oferecia no momento, era a inação. Ele não se moveu. Não fez som algum. Fingiu, com toda a sua capacidade de dissimulação – que, para ser honesto, era bastante limitada –, que não tinha escutado nada.

Arthur manteve sua postura de pedra. Seu corpo rígido, os olhos ainda fixos no ponto imaginário do asfalto, a respiração superficial para não entregar qualquer sinal de vida. Sua mente, no entanto, disparou em um turbilhão. Ela realmente disse "Oi!"? Para ele? Não havia mais ninguém por perto que pudesse ser o alvo de tal saudação. Ele sentiu o leve calor da presença dela ao seu lado, a consciência de que, a poucos centímetros, uma pessoa esperava por uma reação. O silêncio que se seguiu àquela palavra era, de certa forma, ainda mais ensurdecedor do que o "Oi!" em si. Era um silêncio carregado de expectativa, da expectativa dela.

Ele tentou se esconder ainda mais dentro do livro, suas páginas parecendo um escudo frágil contra a realidade. Repetia para si mesmo que ela desistiria. Que entenderia o recado de sua não-resposta. Que perceberia seu desejo por solidão e se afastaria. Seus pensamentos eram quase súplicas silenciosas. Por favor, vá embora. Por favor, finja que eu não estou aqui. Por favor, o silêncio é bom. O silêncio é seguro. A sensação de estar sendo observado era um fardo, uma pressão incômoda que ele raramente experimentava. Ele se sentia como um inseto sob uma lente de aumento, exposto e vulnerável. A única estratégia que conhecia era a imobilidade, a esperança de que, se ele não se movesse, o predador – ou, nesse caso, a garota falante – perderia o interesse e procuraria outra presa.

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