Isabella Freire era uma menina esforçada e filha de costureira, que ganhou uma bolsa de estudos no colégio mais renomado do estado. Sonhadora, determinada e silenciosa, ela vivia com um único objetivo: vencer na vida. Não por vaidade, mas por amor — queria dar à sua mãe a vida digna que ela sempre mereceu, longe das agulhas, linhas e noites em claro costurando para sustentar a família.
No outro extremo desse mesmo universo escolar estava Lucas Ferraz. Filho único, bonito, arrogante e herdeiro de uma das maiores companhias do país. Acostumado a conseguir tudo com um estalar de dedos, ele vivia cercado por bajuladores, festas e privilégios. Enquanto Isabella escondia seus sonhos nos cadernos, Lucas exibia seu mundo como troféu.
Mas o destino tem formas surpreendentes de dar uma reviravolta em tudo — e nem sempre é de uma forma muito tranquila.
— Aposto uma semana com o carro do meu pai que você não consegue fazer a bolsista cair nos seus encantos antes do baile de inverno. — Vini lançou o desafio com um sorriso cínico, cruzando os braços diante de Lucas.
— Uma semana? Na boa... isso é moleza — Lucas respondeu, apoiando-se no capô da caminhonete importada com um sorriso de superioridade no rosto. — Aquela garota? Não deve nem saber o que é um beijo de verdade.
Risos ecoaram ao redor. Os garotos do último ano do Colégio Saint Régis, todos herdeiros de alguma fortuna, viviam numa bolha onde empatia era sinal de fraqueza e brincar com os sentimentos alheios era um tipo de esporte.
Lucas virou o rosto lentamente e a viu. Isabella Freire atravessava o pátio com os livros apertados contra o peito. A saia do uniforme era mais longa que a das outras meninas, o cabelo castanho escuro estava preso num coque improvisado e os óculos pareciam grandes demais para seu rosto delicado. Mas havia algo nela. Um brilho discreto nos olhos, talvez. Uma força que nem ela mesma parecia perceber que tinha.
— Então é isso — Vini insistiu. — Te dou até o baile. Se conseguir fazer a bolsista te beijar em público e acreditar que está apaixonada, o carro é teu por uma semana. Senão… vai limpar a piscina da minha casa de sunga rosa.
A gargalhada foi geral.
Lucas ergueu a sobrancelha, provocador.
— Fechado.
Henrique, o único do grupo que ainda parecia ter algum traço de humanidade, franziu o cenho.
— Isso é ridículo. Vocês não estão mais no fundamental. A garota não fez nada pra merecer esse tipo de humilhação.
Lucas ignorou. No fundo, sabia ser errado. Mas a pressão de manter a imagem, de ser o líder do grupo, de nunca recuar… falava mais alto. Ele não via Isabella como uma pessoa. Ainda não.
Naquela tarde, no refeitório, Isabella sentou-se sozinha como de costume. Estava focada nas anotações de história quando uma sombra cobriu seu caderno.
— Posso sentar? — perguntou uma voz que ela jamais esperaria ouvir de perto.
Ela ergueu os olhos, surpresa.
— Lucas Ferraz? — disse, mais pra si do que pra ele.
— Em carne, osso e fome. — Ele sorriu, o tipo de sorriso que fazia as líderes de torcida suspirarem. — Não gosto de comer sozinho. Podemos fazer companhia um pro outro.
Isabella hesitou. Algo dentro dela gritava que aquilo era estranho. Mas ele parecia tão seguro, tão gentil naquele momento...
— Tá... tudo bem — respondeu com cautela.
Foi o início.
Nos dias que se seguiram, Lucas começou a se aproximar com frequência. Passava a cumprimentá-la no corredor, sentava perto dela em algumas aulas, fazia piadas sobre os professores que a faziam rir. Isabella, acostumada à invisibilidade, sentia como se de repente existisse no mundo.
Ela ainda não sabia, mas estava sendo observada como presa. E o caçador era mestre na arte do disfarce.
Na sexta-feira seguinte, enquanto Isabella organizava seus materiais no armário, ouviu uma voz baixa e gentil ao seu lado:
— Vai ter uma festa na casa do Vini amanhã. Pensei que... talvez você quisesse ir comigo.
Ela parou, sentindo o coração bater acelerado. Nunca ninguém havia convidado ela para uma festa. Muito menos alguém como ele.
— Eu não sei... não sou muito de festas.
— Então é a chance perfeita de começar a ser. Vai por mim, você vai se divertir.
Ele tocou de leve no braço dela. Isabella corou.
— Tudo bem. Eu... eu vou.
Lucas sorriu, triunfante. Mais uma peça se encaixava no plano.
O que ele não imaginava era que, naquele momento, pela primeira vez em muito tempo... algo dentro dele também começava a mudar.
A segunda-feira chegou com o peso de sempre. Isabella mal tinha dormido na noite anterior — parte por causa das cobranças da vida, parte por causa de uma festa que ela não foi... mas não saiu da cabeça.
Ela se lembrava bem do convite, feito por Lucas Ferraz na sexta-feira, depois de uma conversa inesperada. Aquilo ainda parecia surreal. Ele, o garoto mais cobiçado e arrogante da escola, havia se aproximado, sentado ao lado dela no refeitório e puxado assunto como se fossem colegas de longa data.
Aquela não era sua realidade. Festas em mansões, bebidas caras, pessoas rindo alto de problemas que nunca conheceriam. Ela pertencia a outro mundo. E mesmo que, por um momento, tenha sentido vontade de ir, algo dentro dela dizia que era melhor ficar onde estava.
Agora, de volta à rotina, ela atravessava o pátio com os fones no ouvido e o olhar atento ao chão, desviando de qualquer confusão. A escola fervilhava com histórias do fim de semana, como sempre.
— Dizem que a festa foi épica! — ouviu uma garota comentar enquanto passava.
— Lucas dançou até no telhado! — disse outra, rindo.
Isabella sorriu de canto. Era estranho, mas... parte dela queria saber se ele tinha notado sua ausência.
No intervalo, sentou-se em seu lugar de costume, no refeitório, e tirou o sanduíche de dentro da bolsa. Estava distraída olhando para o celular velho, quando sentiu uma presença ao seu lado.
— Faltou você sábado — disse uma voz masculina, leve, mas firme.
Ela ergueu os olhos devagar. Era ele. De novo. Lucas Ferraz. O garoto que deveria ser apenas mais um rosto inalcançável nos corredores. Só que ali estava ele, com um sorriso despreocupado e os olhos fixos nela.
— A festa foi um tédio — ele continuou, sentando-se sem pedir permissão. — Sem graça. Todo mundo parecia meio... repetitivo.
— Parece seu tipo de festa — ela respondeu, voltando a morder o sanduíche.
— Pode até ser — ele deu de ombros. — Mas seria melhor se você tivesse ido.
— Eu não ia ter roupa adequada para combinar com os telhados — ela ironizou.
Lucas soltou uma risada baixa.
— Você é mesmo diferente. E eu gosto disso.
Ela parou de mastigar. Aquilo mexia com algo dentro dela, por mais que tentasse resistir. Ele não parecia mais o mesmo garoto distante do início do ano. Estava mais leve, mais... humano. E essa era a parte perigosa.
— Sabe, eu gosto de conversar com você — ele disse, olhando direto em seus olhos.
— Não sei se isso é bom ou ruim — ela respondeu, desviando o olhar.
Lucas apoiou os cotovelos na mesa, se aproximando levemente.
— Me dá uma oportunidade de te mostrar que sou mais que o cara da festa.
Ela sorriu, mas havia dor nos olhos dela. Uma pontada de dúvida. O que ele queria de verdade?
— Uma conversa no intervalo não te dá esse crédito, Lucas.
— Então deixa eu conquistar — ele murmurou.
Ela franziu a testa, desconfiada. Era difícil entender o jogo. Porque, sim, podia ser tudo um jogo... e ela era a peça mais vulnerável.
O sinal tocou. Ela se levantou, guardando os restos do lanche.
— A gente se vê por aí.
E saiu, sem olhar para trás.
Lucas ficou ali, observando cada passo dela. Cada gesto contido. Algo naquela garota o desafiava. Ela era diferente, e não no sentido superficial. Era alguém que fazia com que ele se sentisse... pequeno. E ele não sabia se isso o irritava ou o encantava.
Mas, no fundo, ainda era uma aposta. E ele precisava vencer.
Naquela tarde, Vini mandou mensagem no grupo:
“E aí, Lucas? Tá indo bem com a bolsista?”
E a resposta dele veio rápida:
“Mais do que vocês imaginam.”
Mas o que ele não imaginava...
É que estava começando a se perder no próprio jogo.
Os encontros entre Lucas e Isabella se tornaram frequentes. Ele sempre dava um jeito de aparecer nos intervalos, sentar perto dela, puxar conversa — como se fosse algo natural. Aos poucos, ela foi baixando a guarda. Não por ingenuidade, mas por aquela sensação esquisita que a presença dele causava.
Era estranho. Ele fazia piadas, contava histórias, fazia questão de ouvi-la. Parecia... sincero.
Parecia.
— O que você tá fazendo aqui? — perguntou ela, na terça-feira, quando ele a encontrou sozinha na biblioteca, folheando um livro antigo de economia.
— Procurando paz, e talvez... você — ele respondeu, sorrindo com aquele charme despretensioso.
Ela rolou os olhos.
— Lucas, a gente vive em mundos diferentes. Por que você tá insistindo nisso?
— Porque você é a única pessoa aqui que não tenta agradar ninguém. E isso me atrai.
— Isso ou a vontade de ganhar uma aposta? — ela soltou, de forma quase inconsciente.
Lucas congelou por um segundo. Mas logo disfarçou com um riso nervoso.
— Aposta? Que aposta?
Ela ergueu o olhar com firmeza, sem responder. Havia algo naquele silêncio que o deixou desconfortável. Mas Isabella desviou o foco logo em seguida, como se não quisesse aprofundar.
— Esquece. Só tô cansada de gente fingida.
Na verdade, ela não sabia de nada sobre a aposta. Mas a reação dele plantou uma pulga atrás da orelha.
Na aula de Educação Física, na quinta-feira, ele se aproximou de novo. Isabella não gostava da exposição, preferia ficar no banco, com o livro no colo. Mas Lucas não a deixava em paz.
— Topa um desafio? — ele perguntou, com a bola de basquete na mão.
— Se for pra me ridicularizar na quadra, passo.
— Se eu errar o arremesso, te pago um chocolate por dia até o fim do ano.
Ela arqueou a sobrancelha.
— E se acertar?
Ele deu aquele sorriso torto.
— Você me dá um sorriso verdadeiro.
— Tô sorrindo o tempo todo — ela respondeu, irônica.
— Tô falando daquele que você esconde.
Antes que ela pudesse retrucar, ele arremessou. A bola tocou o aro e... errou.
— Droga. — ele fingiu frustração. — Bom, acho que vou ter que começar a pagar.
— Você tá se esforçando demais — ela murmurou, ainda confusa.
— Talvez porque valha a pena — ele respondeu, sério.
Isabella não sabia o que pensar. Era tudo muito estranho. Havia uma sinceridade diferente nos olhos dele, algo que balançava suas convicções. Mas também havia aquele sexto sentido... aquela dúvida que soprava no fundo da mente: por que ele, justo ele, estaria se aproximando assim?
Na saída da escola, ela caminhava sozinha quando ouviu passos atrás de si.
— Espera aí — era ele, de novo. — Te deixo em casa.
Ela parou. O céu estava nublado, e o vento fazia seus cabelos voarem desordenadamente.
— Lucas, a gente não é amigo.
— Ainda não. Mas e se a gente pudesse ser?
Ela ficou em silêncio. Não sabia como responder. Ele então tirou do bolso um bombom.
— Primeiro chocolate. Promessa é promessa.
Ela aceitou, mas sem sorrir.
— Não sei o que você quer de mim, Lucas.
Ele se aproximou, a expressão mais séria do que o habitual.
— Talvez nem eu saiba ainda. Mas... tô descobrindo.
E foi embora, deixando Isabella com o coração disparado. Ela queria acreditar. Mas também queria se proteger.
O que ela não sabia... é que do outro lado, no celular dele, uma nova mensagem tinha acabado de chegar.
Vini:
“E aí? Ela já caiu no seu papo?”
Lucas:
“Ainda não. Mas tá perto. Essa aposta já é minha.”
Ele não sabia — ainda — que quando se joga com o coração de alguém puro, o próprio acaba sendo arrastado junto.
E no caso de Isabella... a queda seria dele.
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