Nunca achei que meu primeiro emprego terminaria assim: com o coração acelerado, o estômago revirado e a mente em um turbilhão de imagens que eu não consigo apagar.
“Rick, tô ferrado. Acho que vou ser demitido.”
“O que aconteceu? Vem aqui pra casa. Vamos conversar.”
Eu queria responder, mas nem sei por onde começar. Faz menos de um mês que consegui essa vaga... e não é qualquer vaga. É meu primeiro emprego depois de formado. Eu acabei de sair da faculdade de Secretariado, e caí direto em uma das maiores empresas coreanas de tecnologia. E mais que isso: fui designado como secretário do Diretor de Operações.
Foi um processo seletivo absurdo, com treze fases. Treze. O último secretário saiu sem avisar, o que deixou o clima tenso. Mesmo assim, eu consegui. E não foi por sorte, eu lutei por isso. Eu estudei cada detalhe da empresa, me preparei como nunca. E, por um tempo, achei que estava indo bem.
O trabalho em si não é complicado. Não tem muita diferença do estágio que fiz por três anos em uma multinacional de alimentos. Mas o diretor... o diretor é outra história. Seo Joon. Só de pensar no nome, meus ombros enrijecem. Ele assumiu a diretoria como última oportunidade de salvar a filial, que estava preste a fechar, há dois anos. Hoje é a filial mais rentável, competindo no mercado global com extrema eficiência. E tudo isso... com uma disciplina que beira a loucura. E acho que isso diz um pouco sobre seu temperamento...
O sr. Seo Joon é um homem imponente, austero e inflexível. Não tolera incompetência nem desperdício de tempo. Cada minuto conta, cada decisão tem um impacto, e cada falha tem consequências.
Ele não levanta a voz, não precisa. Seu tom baixo e firme carrega um peso que faz com que todos prestem atenção. Quando ele fala, é para dar ordens, traçar estratégias ou cobrar resultados. Ele não acredita em desculpas, apenas em resultados.
Sua presença impõe respeito desde o momento em que cruza a porta, e seu olhar frio e calculista é o suficiente para silenciar qualquer conversa paralela na sala. Disciplina, estratégia e execução são os pilares que sustentam sua gestão, e foi exatamente isso que o permitiu salvar a filial da falência em menos de dois anos. É meticuloso ao extremo, capaz de enxergar falhas em um plano antes mesmo que ele seja colocado na prática.
Dados e medições são suas armas, e ele os usa para tomar decisões racionais e cirúrgicas. Despesas solicitadas? Cortadas. Processos ineficientes? Reformulados. Equipes que não performam? Reestruturadas sem hesitação.
Ele não busca ser amado, mas respeitado e temido na medida certa. Seu objetivo é manter a empresa funcionando como um relógio suíço, e não se importa com quem precisa desagradar para alcançar esse objetivo. Para ele, o sentimentalismo não paga contas. Ele é o tipo de líder que salva empresas do colapso e transforma o caos em eficiência. Sua fama o precede, e qualquer um que trabalhe com ele sabe que ele não erra.
E eu... estou tentando acompanhar seu ritmo desde o primeiro minuto.
Nos primeiros dias, foi difícil. Ele exigiu o melhor de mim, e talvez um pouco mais. Não no conteúdo da diretoria, nisso ele foi justo, sabia que eu precisava aprender. Mas no que se espera de um secretário? Ele não perdoa. Pontualidade, organização, antecipação. A agenda dele tem que rodar como um relógio suíço, e eu sou o cara que gira os ponteiros.
Demorei alguns dias a me ajustar. Tentei aproveitar ao máximo meu tempo, aprendendo sobre a empresa e a diretoria quando estava com tempo livre, e ficando atento a todas suas necessidades. Acho que consegui. Pelo menos, até hoje à noite. Eu não recebi feedbacks, o que era um bom sinal, porque o silêncio do sr. Seo Joon era a única forma de aprovação que alguém recebia. Aprendi a antecipar suas necessidades, integrar a agenda profissional à pessoal, otimizar cada segundo do seu tempo.
E então, aquilo aconteceu. Eu fiquei no escritório para adiantar um documento que precisaria ser assinado o quanto antes. Só isso. E o que eu vi... eu não consigo descrever.
Ou talvez não queira. Ainda não.
Mas desde aquele momento, algo em mim... mudou.
O caminho até o apartamento do Rick pareceu uma eternidade. Eu parecia um zumbi no reflexo da janela. Meus dedos tremiam sobre minha bolsa. O que vi me perseguia como uma sombra grudada nos olhos. A imagem grudada nas pálpebras. O silêncio do carro era opressor. Nem o rádio, nem o som da cidade conseguiam me distrair.
Quando cheguei, Rick já me esperava na porta, descalço, com uma taça de vinho na mão e outra esperando por mim. O aroma do Malbec já invadia o corredor.
Rick – Você está branco. Ele disse, abrindo espaço para que eu entrasse.
Eu só consegui balançar a cabeça, passar por ele em silêncio e me jogar no sofá, como se meus ossos tivessem derretido. Levei as mãos ao rosto, afundando os dedos no cabelo, cobrindo os olhos. A pressão contra as têmporas era quase reconfortante. Quase.
Rick me observava da cozinha, apoiado no batente, a expressão entre a preocupação e a curiosidade. – Ian...
Eu – Eu vou ser demitido. Sussurrei, sem tirar as mãos do rosto. – Droga! Eu não posso perder esse emprego, Rick. Eu lutei tanto pra conseguir. Eu... eu não abro mão. Não posso.
Rick – Ei. Calma. Vem cá.
Ele se sentou ao meu lado e colocou a taça em minha mão como quem oferece abrigo. O cristal estava gelado, úmido de condensação. O vinho tinha um tom profundo, escuro como o que eu sentia dentro do peito.
Rick – Respira... Ele pediu, a voz firme, mas gentil. – Bebe um pouco. E agora me conta... o que aconteceu?
Respirei fundo. O aroma encorpado do vinho me invadiu antes mesmo de tocar os lábios. Dei um gole curto, apenas o suficiente para aquecer a garganta. E então me larguei contra o encosto do sofá, a cabeça virando lentamente em direção a ele.
Eu – Você lembra que eu te falei que o sr. Seo Joon é reservado, né?
Rick – O cara que só fala com você por e-mail, mesmo sentado a dois metros? Sim.
Eu – Isso. E você também sabe que ele não gosta de gente circulando fora de hora na empresa...
Rick assentiu com a cabeça.
Eu continuei. – Então... hoje à noite, depois que ele foi embora, ou pelo menos achei que tinha ido... Eu fiquei no escritório, resolvi antecipar meu trabalho de amanhã, já que não estava com pressa.
Rick – E ele estava lá?
Eu – Sim. Travei por um segundo. Meu coração acelerou de novo, como se estivesse naquele momento mais uma vez. – Mas ele não estava sozinho.
Rick ergueu uma sobrancelha. Eu sabia o que ele estava pensando, e me apressei em negar:
Eu – Não era um encontro romântico. Não era... aquilo.
Rick – Tá, então o quê?
Eu olhei para o vinho. Para o reflexo do meu rosto no líquido rubro. E disse, com a voz mais baixa do que pretendia:
Eu – Eu não sei se posso contar... ou se devo. É algo íntimo.
Rick – Agora você me deixou mais curioso ainda. Conta logo, você sabe que não sairá daqui de qualquer forma.
Respirei fundo. Até relembrar a imagem, me roubava o ar. – Tudo bem, mas vou contar do início. Acho que cometi um erro imperdoável!
Rick – Você?! Duvido!
Eu – Deixa eu te contar para você chegar a uma conclusão... Saí um pouco mais tarde do meu horário, estava acompanhando uma reunião sobre o orçamento trimestral e fiquei responsável pela Ata. Resolvi finalizar hoje, mesmo que passasse do meu horário, assim poderia colher as assinaturas amanhã pela manhã. Após terminar, fui a copa tomar um café e passar o tempo, pois estava chovendo muito e não consegui um carro de aplicativo para voltar para casa. Aproveitei para dar uma olhada nas minhas redes sociais e me distrair um pouco. Quando voltei a minha mesa para recolher minhas coisas e ir embora, encontrei a sala do sr. Seo Joon entreaberta e uma luz baixa saindo por ela. Estranhei, ele havia se despedido de mim um pouco mais cedo.
Rick sorriu, a malícia estampando seu olhar.
Eu – Não é o que você está pensando! Fui até a porta, no intuito de verificar se estava tudo bem e apagar as luzes. Bati na porta, mas não houve resposta, então entrei. Só posso imaginar que minha cara era de choque. Senti meu rosto queimar e saí de lá o mais rápido que pude, mas não antes de capturar toda a cena que se desenrolava. O sr. Seo Joon estava ajoelhado em frente a sua cadeira, sem o paletó e a gravata, os botões de sua camisa abertos, seus braços presos ao corpo por uma corda vermelha, com vários nós elaborados, percorrendo todo seu abdômen. Seu cabelo estava solto, caindo por seu ombro enquanto seu olhar recaia para baixo, em submissão.
Rick – Espera! Não me diga que ele é um submisso?
Encarei Rick. – Não... quer dizer, ele não tem nada de submisso, pelo contrário, ele é dominador em tudo.
Rick riu. – Continua, depois eu te explico.
Eu assenti. – Na sua frente, uma linda mulher, loira, alta, vestida com um elegante vestido preto, colado ao seu corpo. Seu cabelo pendia em um lindo rabo de cavalo por suas costas, chegando na altura de sua cintura. O salto agulha alto, de couro preto reluzente e solado vermelho, estava ameaçadoramente próximo a virilha dele, enquanto ela segurava a ponta da corda que o amarrava em uma das mãos. Sua postura dizia que ela estava no comando e que poderia fazer o que quisesse.
Rick – Uma dominatrix. O Seo Joon é um submisso.
Eu encarei Rick ainda sem entender o que ele queria dizer.
Rick – Ian, pelo amor né?! Era uma cena de BDSM, eles estavam em um momento de dominação/submissão.
Assenti, as peças se encaixando em minha mente. – Vou continuar. Quando entrei, os dois se assustaram, os olhos do sr. Seo Joon faiscaram, me fazendo estremecer. Eu saí disparado, pegando minha bolsa sobre a minha mesa e descendo pelas escadas de emergência, não me dispus a esperar o elevador.
Rick riu. – Eu teria assistido um pouquinho a mais.
Eu – Rick, para com isso! Não sei o que farei. Até agora, ele não me mandou nenhuma mensagem ou e-mail. Também não me ligou. Não sei nem se preciso ir amanhã.
Ficamos em silêncio por um instante, apenas o som do vinho deslizando no cristal e o pulsar descompassado no meu peito preenchiam o ambiente.
Rick – Ian... você não vai ser demitido por isso. Ele tentou me tranquilizar. – Eles estavam fora do expediente, em situação pessoal. Você não fez nada de errado.
Eu – Mas ele é o diretor. E se isso for um segredo absoluto? E se ele entender isso como uma invasão de privacidade?
Rick – Pode ser que sim, mas... você viu algo que, claramente, não era para ser visto. E o que você vai fazer com isso?
Olhei de novo para o vinho, depois para minhas mãos. E, pela primeira vez desde que tudo aconteceu, percebi que elas não estavam só tremendo de medo. Estavam inquietas. Não era só medo. Tinha algo mais. Um pensamento escondido nas entrelinhas da minha mente, como um sussurro indecente em uma sala de reunião.
Rick pareceu perceber. – Ian... tem algo mais, não tem?
Demorei alguns segundos, mas enfim admiti. – Desde que vi aquilo... eu não paro de pensar no Seo Joon. Seu corpo exposto. Sua posição submissa.
Rick – Seo Joon? Cadê o senhor na frente.
Eu – Para com isso Rick! O que eu vou fazer?
Rick sorriu e jogou um de seus braços sobre meu pescoço, me puxando para mais perto, enquanto me servia mais uma taça de vinho. O resto da noite passamos em silêncio, somente bebendo, cada um perdido em seus pensamentos. Rick sabia que eu precisava pensar e sempre respeitava isso. Passei a noite em seu apartamento. Precisava espairecer.
***
Mal preguei os olhos. Aproveitei que Rick e eu vestimos quase o mesmo número e assaltei seu guarda-roupa. O caminho para a empresa pesava como uma sentença de morte. O ar estava parado, não conseguia prestar atenção aos sons ao redor e não percebi quando chegamos ao prédio. Paguei o taxista e saí do carro, sendo recebido pelo porteiro. Tentei devolver seu sorriso, mas só posso dizer que tudo que fiz foi esboçar um arremedo de sorriso.
O som do elevador chegando ao andar, me arrancou dos meus pensamentos, me fazendo suspirar fundo. Após apertar o botão do último andar, me encolhi no fundo do elevador, rezando para que ninguém puxasse assunto. Acho que minhas preces foram ouvidas e pude manter o foco no caos dos meus pensamentos.
Segui para minha mesa e, como de costume, separei os documentos que exigiam atenção imediata e os organizei na mesa do sr. Seo Joon. Meus olhos se demoraram um pouco mais pelo ambiente, que parecia intocável, como sempre. A cena me invadiu em um rompante e engoli em seco ao relembrar os contornos do corpo dele, sua pele sob a amarra e seu olhar submisso.
Me sacudi mentalmente, saindo daquele torpor e voltei para minha mesa, me obrigando a prestar a atenção na planilha a minha frente. O som do elevador chegando ao andar, me fez dar um pulo.
O sr. Seo Joon saiu do elevador, vestido em um lindo terno grafite, que acentuava suas curvas, seu cabelo preso em um perfeito coque samurai, todos os detalhes perfeitamente no lugar. Prendi o ar. Ele passou por mim, fazendo um breve aceno, como sempre, e seguiu para sua sala. Só então que eu percebi que segurava minha respiração e soltei um suspiro profundo, tentando me controlar.
O dia passou entre reuniões. Eu evitei ficar muito tempo a sós com ele, mas nos momentos em que estivemos juntos, ele apenas me passou as orientações sobre os relatórios que precisavam ser atualizados e mais algumas demandas da diretoria. Mal tive tempo de almoçar. Quando ele saiu para um compromisso externo que não requeria minha companhia, aproveitei para comer algo.
Encontrei duas secretárias que comentavam sobre o sr. Seo Joon. Elas haviam acompanhado a reunião da manhã, e como quase todos naquela sala, não conseguiam tirar os olhos dele. Elas estavam comentando como um homem tão lindo podia ser tão duro. Uma delas disse que ele hoje estava excepcionalmente bonito, mesmo quando seu olhar impunha medo em todos naquela sala, inclusive nos outros diretores. Eu não pude deixar de rir, ele realmente sabia se impor só com o olhar.
No final do dia, o sr. Seo Joon se despediu de mim, como sempre, após revermos sua agenda de amanhã. Ele não tocou no assunto da minha intromissão de ontem. Meu alívio foi imenso, não quero sair desse emprego, além do alto salário, é uma excelente posição para meu desenvolvimento e meu currículo.
Mas havia algo me atormentando. Nas poucas horas que consegui dormir, sonhei com a cena que vi. Não exatamente igual, mas eu sonhei com o sr. Seo Joon amarrado a uma cadeira, sem sua camisa, o olhar baixo de submisso. Mas quem segurava a ponta da corda era eu.
Acordei sem fôlego. O sr. Seo Joon é um homem atraente e bonito. Apesar de sua personalidade austera, sua presença é marcante.
Ele é alto, facilmente tem 1,90 de altura, e forte. Seu corpo é definido, seus músculos visíveis sob os ternos de cortes justo que costumava usar. Com ombros largos, a cintura um pouco mais fina e coxas grossas, é um belo homem. Seu torso é composto por músculos perfeitamente definidos (apesar de ter olhado por instantes, não tive como não prestar atenção).
Seu rosto tem os traços característicos de sua ascendência coreana, com lábios carnudos e delicadamente delineados, seu nariz pequeno e reto, completados por olhos castanhos profundos e intrigantes. Seus cabelos são longos, na altura do ombro, emoldurando seu belo e austero rosto. Ele está na casa dos trinta, mas sua aparência é de um homem mais jovem. Ele realmente é uma visão, mas seu temperamento me assusta.
Esse sonho me fez acordar excitado. A mera ideia de eu dominar esse homem me excitava. Mas eu precisava dissipar qualquer pensamento que fizesse menção de ir por esse caminho.
A chave girou na fechadura com um clique seco, e o silêncio do estúdio me envolveu como um cobertor morno. A porta se fechou com um leve estalo às minhas costas, abafando o mundo lá fora. Respirei fundo. O ar ali tinha o cheiro familiar de lavanda com âmbar, um perfume discreto que eu costumava borrifar nas cortinas toda semana. Era o cheiro de casa. De alívio. De mim.
Meu estúdio era um reflexo do que eu havia me tornado: compacto, elegante e funcional. Nenhuma parede dividia os espaços, mas tudo ali tinha seu lugar. Cada objeto, cor, textura, tudo escolhido com atenção quase obsessiva. Havia beleza no detalhe, e eu encontrava um prazer quase íntimo em compor meu lar como uma obra de arte viva.
A cama king-size dominava uma das paredes, coberta por lençóis de cetim vinho que reluziam sob a luz morna vinda das luminárias pendentes. Os travesseiros altos em tons negros formavam uma moldura para o descanso, ou para noites de insônia e devaneio, como vinha sendo ultimamente. O cetim escorria sob meus dedos quando eu passava por ali, e o toque frio e liso do tecido contrastava com o calor inquieto sob minha pele. Era sensual sem ser explícito, era... meu.
O sofá branco, de linhas simples e modernas, recebia a luz indireta da luminária de pé ao lado. As almofadas de veludo, uma mistura rica de vinho, azul petróleo e um tom de dourado envelhecido, davam um toque de sobriedade apaixonada. Era ali que eu me jogava ao fim dos dias difíceis. Como hoje. Como agora.
Joguei a bolsa no chão, chutei os sapatos para um canto e afundei no sofá com um suspiro. A textura macia do veludo sob meus braços contrastava com o turbilhão que me preenchia por dentro. O silêncio do apartamento não era absoluto, o som suave da geladeira, o ronronar quase imperceptível do ar-condicionado embutido, o eco abafado da cidade além das janelas. Tudo isso criava uma espécie de harmonia sensorial, como se o espaço me embalasse com os sentidos.
A televisão, uma peça de design que se disfarçava de obra de arte quando desligada, refletia apenas as luzes do ambiente. Não havia vontade de ligá-la. As imagens em minha mente já preenchiam todos os cantos com mais nitidez do que qualquer filme poderia oferecer.
Da cozinha aberta, vinha o leve brilho dos acabamentos em inox. Os armários pretos foscos contrastavam com a bancada de pedra escura, e os eletrodomésticos de última geração exibiam um brilho preciso, masculino. A cozinha era eficiente, moderna, quase agressiva em suas linhas retas, e ainda assim havia um charme ali, um convite silencioso ao toque, ao uso, ao cuidado. Meus dedos passaram distraidamente pela borda metálica do cooktop, buscando ancoragem.
Gastei mais do que devia naquele apartamento. Mas foi por mim. Por quem eu queria ser. E cada centavo investido fazia sentido nos dias em que o mundo lá fora pesava demais. Aqui dentro, eu ainda tinha controle. Era meu espaço, minha versão mais autêntica.
Fui até o frigobar embutido e retirei uma garrafa de água com gás. O estalo da tampa se abrindo soou quase alto demais no silêncio. Dei alguns goles e voltei para o sofá. Minha cabeça tombou para trás, encostando-se no estofado.
As imagens voltaram. Seo Joon. A dominatrix. A corda. O olhar. Tudo em mim ainda vibrava em resposta àquilo. E agora, aqui, cercado pelas texturas e formas que eu mesmo escolhi para me acalmar... não funcionava. Eu não conseguia desligar.
Mas talvez, pensei, olhando para a luz âmbar filtrada pelas cortinas, talvez eu não quisesse desligar. Porque havia algo ali, naquele olhar que ele lançou, naquela postura inesperada, que tocava algo dentro de mim que eu nem sabia que existia.
E enquanto a noite se fechava lá fora, e a cidade acendia suas luzes lentas e tristes, eu continuei ali. No meu refúgio de cetim e veludo. Tentando entender. Tentando sentir. Tentando aceitar que algo dentro de mim tinha acordado. E que não seria fácil voltar a dormir.
***
Decidi tomar um banho. O som da água correndo na banheira preencheu o apartamento como uma música baixa e constante. Quando abri a pequena porta do banheiro, o único cômodo com paredes e porta no meu estúdio, fui recebido pelo cheiro suave de eucalipto e madeira clara. A luz ali era morna, dourada, vinda de uma luminária com cúpula de vidro fosco suspensa sobre a pia de pedra cinza.
No centro do ambiente, como uma joia cuidadosamente exibida, estava minha banheira vitoriana. Compacta, mas imponente, com pés em formato de garras de águia feitas de latão polido que reluziam sob a luz, ela era meu maior capricho. Cada centavo da rescisão de meu antigo emprego fora investido ali, e eu nunca me arrependi.
Passei os dedos sobre a borda fria da banheira com reverência. O contraste da porcelana lisa e gelada contra minha pele aquecida do dia era quase sensual. O toque despertava memórias de outros banhos, de outras noites em que o mundo parecia demais, e só aquela imersão quente e silenciosa conseguiria desfazer os nós em minha mente.
Liguei o chuveirinho de latão, moderno e elegante, que combinava com os detalhes dourados do ambiente. A água quente começou a cair com um som acolhedor, enchendo lentamente a banheira. O vapor se espalhou aos poucos, turvando os espelhos, suavizando as arestas da realidade.
Antes que o banho estivesse pronto, cruzei o apartamento até a cozinha, abrindo a geladeira e peguei uma garrafa de vinho tinto encorpado. Pensei em servir somente uma taça, mas mudei de ideia. Levei a garrafa inteira comigo. Essa noite exigia entrega. Merecia meu abandono.
Ao voltar, desliguei a água e mergulhei um pé, testando a temperatura. A sensação da pele encontrando o líquido quente me fez estremecer, um arrepio que começou nos tornozelos e subiu até a nuca. Despi-me devagar, como quem se despe de um dia inteiro, e entrei.
A água me envolveu com gentileza, lambendo minha pele como dedos invisíveis. Deitei-me, deixando que o líquido cobrisse meu corpo até os ombros, e então recostei a cabeça na toalha dobrada que havia preparado sobre a borda. Fechei os olhos por um instante.
O primeiro gole de vinho queimou de leve na garganta antes de se espalhar quente por meu peito. Era um calor diferente do da água, mais lento, mais profundo, quase narcótico. Suspirei. Meu corpo começava a ceder, a rigidez se dissolvia nos ombros, na mandíbula, no peito. A cada gole e cada minuto submerso, eu sentia partes de mim se soltando, partes que haviam se contraído no escritório, na lembrança, no constrangimento do inesperado.
A imagem do sr. Seo Joon ainda dançava em minha mente, não como uma ameaça agora, mas como uma pergunta sussurrada ao pé do ouvido. O vapor no banheiro embaçava mais do que os espelhos. Embaçava certezas. Desenhava desejos.
Quando a água começou a esfriar, me levantei devagar. A luz da luminária desenhava a silhueta de meu corpo no espelho embaçado. Ainda sentia o vinho circulando preguiçoso por minhas veias. Peguei uma toalha felpuda, me sequei sem pressa e saí do banheiro com os pés descalços.
Deitei-me nu sobre a cama, sem me dar ao trabalho de vestir nada. Os lençóis de cetim vinho, frios contra minha pele quente, causaram um arrepio delicioso. Eu me movi levemente, como quem se acomoda em um ninho cuidadosamente tecido. O contraste da temperatura despertava minha pele e me fazia lembrar que estava vivo, presente, inteiro, relaxado como há dias não me sentia.
O mundo lá fora parecia distante. O escritório, o constrangimento, o medo, tudo recuava como ondas obedientes.
Ali, em meu refúgio de sensações e silêncio, finalmente adormeci.
O vinho ainda aquecia meus pensamentos. O cetim ainda acariciava minha pele. E o eco de um olhar submisso ainda sussurrava dentro de mim, como uma promessa.
***
O silêncio da noite envolvia o estúdio como um manto espesso, entrecortado apenas pela minha respiração tranquila, ainda adormecido entre os lençóis de cetim. Do lado de fora, as luzes da cidade filtravam-se pelas persianas, desenhando listras douradas no chão de madeira. A quietude era densa, quase líquida, como se o tempo tivesse diminuído o passo.
Mas então, o estúdio assumiu um ar ainda mais íntimo... a luz baixa, em um tom de âmbar, e havia uma música suave preenchendo o espaço, como um sussurro grave e ritmado que tocava a pele por dentro. O ar cheirava a vinho, couro e alguma coisa mais, algo morno, um toque de incenso, algo primitivo.
Eu estava sentado em meu pequeno sofá branco, os pés descalços afundados no tapete felpudo. Em minhas mãos, uma corda aveludada de tom rubro. Fina, macia, sedutora. Eu a deslizava entre os dedos com leveza, como quem testa a promessa que um toque pode conter. A textura me provocava um arrepio lento, um fio de tensão que subia por meu braço até se instalar na base da minha nuca.
Foi então que notei, ao meu lado, no chão, um homem ajoelhado.
Peças de roupas estavam jogadas em um canto, a gravata ainda enrolada, o paletó em desalinho. A camisa preta pendia aberta até o centro do peito, revelando um traço firme de pele alva e músculos discretos. Os cabelos escuros caíam como um véu sobre o rosto abaixado, ocultando os olhos. As mãos estavam para trás, entrelaçadas, em gesto de completa rendição.
Eu não precisei ver o rosto para saber quem era. Meu corpo soube antes da mente, e o desejo despertou como uma fagulha incendiando papel seco.
Eu me levantei devagar, sentindo a brisa fria, soprada de uma janela esquecida aberta, roçar minhas coxas nuas. meus pés tocaram o chão com a segurança de quem comanda. Aproximei-me. A corda ainda em uma das mãos. Com a outra, toquei o queixo daquele homem e ergui seu rosto, exigindo o olhar.
Seo Joon. Os olhos dele se ergueram como em uma súplica contida. Negros, opacos de emoção, submissos.
Ali, naquele sonho, o silêncio gritava. eu me inclinei, meu coração tamborilando, a corda escorrendo por meus dedos como se vivesse... Mas não houve tempo para mais. O mundo se partiu em um sobressalto.
***
Acordei ofegante, o peito subindo e descendo com violência, a respiração falhando como se eu tivesse corrido. O suor escorria em minha nuca, minha pele inteira viva, tocada por um desejo bruto, primitivo, que não se apagava ao abrir os olhos. As imagens ainda vibravam em minhas retinas. A sensação da corda, o peso do olhar do sr. Seo Joon, tudo parecia real demais para ser apenas um devaneio.
Fechei os olhos por um instante, apertando os lábios, como se tentasse reter algo dentro de mim, ou talvez impedir que escapasse.
Com um suspiro longo, puxei o lençol de linho e me enrolei, escondendo-me da minha própria nudez e do calor que minha pele ainda exalava. Caminhei até o frigobar, peguei uma garrafa d’água e a levei aos lábios, o vidro gelado contrastando com o fogo que ainda queimava sob minha pele.
Um segundo suspiro, mais alto, quase irritado. Encostei-me à parede, ainda nu sob o linho amarfanhado. Aquela seria uma longa noite. E o sr. Seo Joon agora morava em meus sonhos.
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