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Caderno de Sangue

capítulo 1- A aluna fantasma

Capítulo 1 – A aluna fantasma

O colégio Aokigahara sempre foi conhecido por duas coisas: excelência... e silêncio. Não aquele silêncio bom de sala de leitura. Era um silêncio pesado, feito de sussurros que nunca chegavam aos ouvidos dos professores.

Na manhã de segunda-feira, os corredores pareciam normais. Roupas alinhadas, alunos sorrindo, celulares escondidos. Mas algo mudou quando Hina Arai passou pelo portão.

Fazia três meses desde que ela havia desaparecido após "um acidente" — era o que diziam. Mas ninguém sabia o que realmente aconteceu no porão antigo da escola. E agora, ali estava ela: pálida, com os cabelos longos escondendo parte do rosto e um caderno preto apertado contra o peito.

— Hina? — murmurou uma garota do 2º ano, recuando como se tivesse visto um fantasma.

Hina não respondeu. Seguiu direto, sem olhar para os lados. Aqueles olhos apagados, quase mortos, atravessavam qualquer um que ousasse encarar por mais de três segundos.

No fundo da mochila, o caderno tremia — ou parecia. Como se estivesse... vivo.

Na sala de aula

— Temos uma nova aluna retornando — disse a professora Kaede, com uma expressão que tentava disfarçar o desconforto. — Hina Arai. Sentem-se, por favor.

Todos os olhos se voltaram para a porta, onde Hina estava parada, imóvel, como se estivesse tentando lembrar como se entra numa sala. Os passos dela ecoaram pelo piso, lentos, duros. Ao passar entre as fileiras, os alunos se afastavam instintivamente, como se um vento gelado os tivesse tocado.

Hina se sentou na última fileira, ao lado da janela. O sol que entrava parecia desviar dela, como se recusasse a iluminar sua pele. Ela pousou o caderno preto sobre a mesa com cuidado. Nenhuma palavra. Nenhum olhar.

A professora retomou a aula, tentando manter a normalidade, mas ninguém estava prestando atenção. Até os mais bagunceiros estavam em silêncio. Era como se todos compartilhassem o mesmo pensamento: o que realmente aconteceu com Hina Arai?

Intervalo

Durante o intervalo, ninguém se aproximou. Alguns cochichavam, outros olhavam de longe, como se ela fosse uma lembrança que deveria ter ficado no passado.

Mas alguém decidiu quebrar o silêncio.

— Oi... Hina, né? — disse um garoto de cabelo bagunçado e olhar curioso, sentando-se perto dela no pátio. — Sou o Ren. A gente era da mesma sala antes de... bom, antes.

Ela levantou os olhos. Pela primeira vez no dia, seus lábios se moveram.

— Você se lembra do porão?

Ren empalideceu. Ninguém falava do porão. Ninguém ia até lá.

— Por que está perguntando isso? — ele sussurrou.

Hina não respondeu. Apenas empurrou o caderno em direção a ele.

Na capa, letras vermelhas começaram a surgir, como se fossem escritas por uma mão invisível:

"Vocês esqueceram. Mas eu não."

Ren recuou, deixando o caderno entre eles como se fosse algo contaminado. Ele não sabia o que era pior: o que Hina estava insinuando… ou o que ele estava começando a lembrar.

Ela não disse mais nada. Apenas desviou o olhar para o céu nublado, como se contasse os segundos até a tempestade começar.

Mais tarde, no corredor do terceiro andar

Três meninas do 3º ano estavam reunidas em frente aos armários, cochichando.

— Eu juro, ela olhou pra mim hoje cedo — disse uma delas, nervosa. — E... eu ouvi uma voz. Tipo, dentro da minha cabeça. Dizia: “Mentiras apodrecem por dentro.”

— Para com isso, Aiko. Tá se assustando à toa — rebateu outra, forçando uma risada. — Ela só tá estranha porque passou por um trauma.

Mas ninguém ali realmente acreditava que era só isso. No fundo, sabiam que Hina voltara diferente. Talvez até... com alguém a mais dentro dela.

Final da aula

Enquanto os alunos saíam apressados da última aula, Hina permaneceu sentada, imóvel. A professora Kaede se aproximou.

— Hina, você está se adaptando bem?

Ela levantou os olhos. A professora engoliu em seco ao ver aquele olhar vazio.

— Eles fingem bem, não é? — Hina disse, quase num sussurro.

— O quê?

— Que nada aconteceu.

Kaede hesitou. Antes que pudesse responder, Hina pegou o caderno, levantou-se e saiu.

A professora permaneceu parada por um momento. Quando olhou para a carteira onde Hina estivera sentada, percebeu uma coisa: as palavras "MENTIRAS NÃO SOMEM" estavam riscadas a caneta na madeira. Mas ninguém vira Hina escrever.

Encerramento do capítulo

No fim do dia, quando a escola já estava quase vazia, Ren foi até o porão. Ele sabia que não devia. Mas algo o puxava. Um eco antigo, enterrado junto com memórias que ele tentou esquecer.

Ao descer os degraus úmidos, sentiu o ar pesar. O cheiro de mofo. O som abafado do passado chamando por ele.

E então, ele viu.

Lá, na parede de concreto, palavras estavam gravadas como arranhões:

“UM POR UM, ELA VAI FAZER VOCÊS LEMBRAREM.”

Ren saiu correndo, o coração martelando no peito. Mas lá dentro, ele sabia: era tarde demais para fugir da culpa.

Capítulo 2- O caderno que sussurra

Capítulo 2 – O caderno que sussurra

Ren não dormiu naquela noite.

Mesmo com os fones no ouvido e o volume no máximo, ele ainda ouvia as palavras riscando sua mente como unhas em vidro: "Um por um, ela vai fazer vocês lembrarem."

No colégio, na manhã seguinte, tudo parecia igual — mas ele sabia que não era. Não depois do porão. Não depois do que viu.

Hina entrou na sala com o mesmo passo silencioso e o caderno negro contra o peito. Desta vez, ninguém fingiu não olhar. Todos olhavam. Só que ninguém ousava falar.

Quando ela se sentou, o caderno tremeu como se pulsasse. Ren viu. Ele tinha certeza. Como se o caderno respirasse. Como se visse.

Durante a aula de História, a professora falava sobre guerras que ninguém lembrava, mas a atenção de Ren estava em outra coisa: o caderno. Ele sentia que, se encarasse por muito tempo, seria tragado para dentro.

Foi quando ele ouviu.

Uma voz. Fraca. Molhada. Como se viesse do fundo de um poço.

— "Você estava lá. Você viu. Por que mentiu, Ren?"

Ele arregalou os olhos, procurando de onde vinha. Mas ninguém mais reagia. Nem mesmo Hina. Ela apenas desenhava lentamente com a caneta vermelha, as palavras sumindo assim que tocavam o papel.

No intervalo, ele a seguiu.

Ela parou perto do bebedouro, sozinha, como se esperasse por ele. Sem olhar, falou:

— Você lembra do que ela disse, antes de sumir?

Ren hesitou. Seu corpo dizia para correr. Mas a culpa o fez ficar.

— Você… viu o que estava escrito no espelho, antes?

— Sim. — Hina virou lentamente. Os olhos dela estavam mais escuros. — Mas agora… é o caderno que escreve por ela.

Ren franziu o cenho.

— Por ela? Quem é ela?

Hina abriu o caderno. Uma página em branco. E então, lentamente, as palavras surgiram:

"Vocês prometeram. Traíram. E agora, ninguém vai esquecer."

Ren sentiu um arrepio subir pela nuca.

Antes que pudesse dizer algo, uma gritaria estourou do outro lado do pátio.

— É a Aiko! Ela... ela desmaiou! Está sangrando!

Os alunos correram. Aiko estava caída, os olhos virados, e um filete de sangue escorria do ouvido. Mas o pior estava em sua mão: ela segurava uma folha rasgada… do mesmo caderno.

Hina não se moveu.

Apenas fechou o caderno com um estalo seco.

Como se soubesse exatamente o que havia acontecido

 

Os professores chegaram correndo. A multidão abriu espaço quando a vice-diretora se ajoelhou ao lado de Aiko.

— Chame uma ambulância! — gritou alguém. — Ela não está respondendo!

Ren se aproximou devagar. Sentia-se como um intruso em uma peça que conhecia o final, mas não podia impedir. Seus olhos pousaram na folha que Aiko apertava com força. Mesmo com o sangue, ainda dava pra ler algumas palavras.

> “Ela mentiu primeiro. Agora paga.”

Ren engoliu em seco. A caligrafia... não era de Hina. Era irregular, raivosa, quase desesperada. Como se alguém estivesse escrevendo com a mão de outra pessoa.

Ele se virou. Procurou Hina no meio dos alunos. Mas ela já não estava lá.

Enquanto a ambulância levava Aiko, um silêncio ainda maior se instalou. Não era o silêncio comum da escola — era um silêncio que parecia esperar o próximo nome.

Na diretoria

A vice-diretora, senhora Ishiguro, fechou a porta com força. Olhou para Ren como se ele carregasse a culpa no bolso.

— Você estava perto quando aconteceu?

Ren hesitou.

— Estava... mas eu não fiz nada. Aiko já estava caída.

Ela o encarou por mais alguns segundos, depois suspirou e sentou-se.

— Esse é o segundo caso estranho em três dias. Primeiro a volta da Hina, agora isso. Você viu alguma coisa... incomum?

Ren pensou em contar. Sobre o caderno. As palavras. A voz. Mas quem acreditaria? Ele mesmo não queria acreditar.

— Não — mentiu.

Quando saiu da sala, o corredor parecia mais estreito. Mais escuro. Como se a escola respirasse em silêncio, alimentando-se do medo.

No andar de cima, perto da escada de incêndio, ele finalmente viu Hina. Sozinha. O caderno aberto no colo, encarando a página em branco.

Ele se aproximou devagar.

— O que está acontecendo, Hina?

Ela não olhou.

— Não é o caderno que escolhe. Ele só escreve o que já está dentro das pessoas.

Ren franziu a testa.

— O que isso quer dizer?

Ela virou a página. Novas palavras surgiram, lentas como sangue escorrendo.

> “Quem mente uma vez, mente duas. Quem assiste em silêncio... também é culpado.”

Hina levantou o olhar. Pela primeira vez, havia algo ali além do vazio: tristeza.

— Aiko não foi a primeira. E não será a última.

Ren sentiu o estômago afundar. Porque, no fundo, ele sabia: o caderno só estava começando.

capítulo 3- O nome no espelho

Capítulo 3 – O nome no espelho

Na manhã seguinte, a escola estava mais silenciosa do que nunca. Nenhum som de passos apressados, nenhuma risada pelos corredores. Era como se o colégio Aokigahara prendesse a respiração, à espera.

Hina não apareceu na primeira aula.

Ren percebeu antes mesmo da professora Kaede perguntar por ela. O lugar vazio na última fileira parecia mais pesado, como se a ausência dela puxasse o ar da sala.

Mas o caderno estava lá. Fechado. No centro da carteira. Como se tivesse voltado por conta própria.

Ren encarou o objeto. Ninguém ousava tocá-lo. A própria professora desviou o olhar ao passar por ele. Sabiam que havia algo de errado. Algo além de trauma. Além de coincidência.

Na hora do intervalo, Ren voltou para a sala. Sozinho. O coração disparado.

Ele se aproximou do caderno. Lentamente.

Não toque se não quiser lembrar.

As palavras estavam escritas em tinta vermelha na contracapa. Mas não estavam ali antes. Ele tinha certeza.

Ele hesitou… e tocou mesmo assim.

Na mesma hora, imagens invadiram sua mente.

O porão.

Hina.

Aiko.

E outra garota.

De cabelos curtos. Chorando. Presa.

Ren cambaleou para trás, ofegante. Aquela garota… ele se lembrava dela. Mas não queria lembrar.

Antes que pudesse processar, um bilhete caiu do caderno.

Vá até o banheiro do segundo andar. Veja o espelho.

O banheiro estava vazio. As luzes oscilavam, como se algo drenasse a eletricidade do ambiente.

Ren entrou devagar. Cada passo ecoava como um aviso.

O espelho estava limpo, mas embaçado por dentro — como se o vapor viesse do outro lado.

Ele se aproximou. E então, as letras começaram a surgir na superfície, como arranhadas por dentro do vidro.

Você estava lá quando ela implorou.

Abaixo, um nome: Mika Arakawa.

Ren recuou. O nome fez seu estômago revirar. Mika. A garota da lembrança. A garota que sumiu antes de Hina.

Mas todos disseram que Mika apenas se transferiu. Que nada aconteceu.

Ele sabia que era mentira.

Na porta do banheiro, alguém apareceu.

Hina.

Com os olhos fixos nele. Silenciosa.

— Agora você lembra — ela disse.

Ren queria negar. Mas não podia.

Porque, atrás de Hina, o espelho trincou.

E, por um segundo, ele viu Mika do outro lado. Batendo, como se quisesse sair.

Três meses antes

A lanterna tremia nas mãos de Mika enquanto descia as escadas do porão do colégio. Aiko estava atrás, rindo nervosa.

— É só uma brincadeira. Você que quis provar que era corajosa.

— Isso não tá certo... — Mika murmurou.

Ren estava lá. E Hina também.

O porão estava escuro, mas havia algo além da escuridão. Um cheiro. Um som abafado. Como uma respiração vinda da própria parede.

— Vai, Mika. Fica só cinco minutos aí dentro e a gente abre a porta. Prometo — disse Ren.

Ela hesitou.

— Eu não quero mais.

— Muito tarde — sussurrou Aiko, empurrando-a para dentro.

A porta se fechou com um estalo seco.

E eles não voltaram.

Mika gritou, socou a porta, implorou.

Mas ninguém voltou.

E então… o caderno apareceu lá dentro, caído no chão. Aberto.

Com o nome dela escrito em vermelho.

Mika Arakawa. Primeira a ser esquecida.

No escuro, algo se moveu atrás dela.

Ela gritou — e então o mundo se apagou.

De volta ao presente, o espelho estilhaçou.

Ren protegeu o rosto, mas quando abriu os olhos, só restava o reflexo dele mesmo.

E o caderno… estava aberto no chão, ao lado de Hina.

Com uma nova frase escrita em tinta fresca:

A próxima mentira será sua, Ren.

Ren se afastou do caderno como se ele tivesse dentes. O som do espelho estilhaçando ainda ecoava em seus ouvidos, mesmo que não restasse nenhum caco no chão. Era como se o colégio tivesse engolido a evidência.

Hina se abaixou calmamente, pegando o caderno.

— O que você quer de mim? — Ren perguntou, a voz falhando.

— Não é o que eu quero — ela respondeu, sem olhar para ele. — É o que o caderno quer. O que ela quer.

— Mika está… viva?

Hina hesitou por um segundo, e foi nesse segundo que Ren viu: culpa. Medo. Não dela. Mas de algo maior.

— Não do jeito que você pensa.

Ela virou uma página.

Mentiras alimentam. Verdades libertam. Mas custam caro.

Ren passou a mão no rosto. A cabeça latejava.

— Nós éramos amigos. Nós quatro. E fizemos aquilo com ela. Por quê?

— Porque tínhamos medo — Hina respondeu. — Porque alguém mandou. Porque achávamos que era só uma brincadeira. Mas o caderno… ele não esquece. E agora, nem a escola esquece.

Ren se encostou na parede. Sentia o peso das memórias empilhando-se sobre ele.

— Se Mika está... entre esse mundo e o outro, por que não nos deixa em paz?

Hina ergueu os olhos, e havia algo de quase humano neles agora. Quase.

— Porque vocês nunca pediram perdão.

Antes que Ren pudesse responder, o alarme da escola soou — um som grave, contínuo. Os dois se entre olharam. Aquilo não era um teste de incêndio.

Ren correu para o corredor. Alunos saíam das salas confusos. Alguns gritavam.

— O que tá acontecendo? — gritou uma menina.

— O armário do 2º ano… tem sangue escorrendo dele! — disse outro.

Ren congelou.

O armário.

De Mika.

Ao chegar lá, a multidão já se acumulava. O chão estava manchado de vermelho escuro. Uma das portas do armário batia sozinha, com um rangido que lembrava respiração.

No meio do corredor, uma folha de caderno.

Ren se ajoelhou, as mãos tremendo. A frase nela era clara. Implacável.

Ela ficou trancada. Agora, vocês também vão sentir o que é estar presos com o medo.

Hina surgiu ao lado dele, silenciosa como sempre.

— O caderno está abrindo os portões — ela murmurou. — E não vamos conseguir fechá-los sozinhos.

Ren olhou ao redor. A escola, os alunos, os sons… tudo parecia distorcido agora. Como se a realidade estivesse cedendo.

Ele sabia o que tinha que fazer.

— Me mostra onde tudo começou, Hina. Me leva de volta ao porão.

Ela assentiu. E pela primeira vez, Ren percebeu: não era apenas ela que guiava o caderno.

Era o caderno que guiava todos eles.

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