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Entre Sangue e Silêncio

Capítulo 1 – A Filha do Inimigo

Palermo, 23h47.

A cidade parecia dormir sob o véu da chuva, mas Alessio Mancini sabia que o submundo nunca descansava. Os becos respiravam fumaça e sangue. A calçada molhada refletia as luzes dos postes como espelhos rachados da verdade. E naquela noite, a verdade viria à tona com o cheiro metálico de morte.

Alessio estava de luvas pretas e paletó escuro. Passos precisos, mente fria. Ao seu lado, dois homens da família — Rocco e Silvano — o seguiam em silêncio. A ordem viera de seu pai, Don Salvatore Mancini: “Elimine o mensageiro. Dê o recado.”

Simples.

O alvo? Um contador da Família Ricci que havia roubado documentos. Traição era sempre punida da mesma forma. Mas ninguém esperava que ele levasse alguém com ele. E muito menos que esse alguém fosse ela.

Quando invadiram o armazém, a primeira coisa que ouviram foi um grito abafado. Alessio avançou sem hesitar, a arma em punho. Tiros foram disparados. Dois homens caíram. O contador tentou correr, mas foi Silvano quem o acertou. Um tiro no peito, outro no joelho. Sem chance de fuga.

Foi quando Alessio viu movimento atrás das caixas de madeira.

— Alguém aí? — perguntou, a voz baixa, mas firme.

Nenhuma resposta. Ele se aproximou, lentamente, até ouvir a respiração trêmula. Com um rápido movimento, puxou a caixa de lado.

Ali, encolhida no chão sujo, estava uma jovem.

Cabelos castanhos, pele molhada de chuva e sangue. Um corte no supercílio, um joelho ralado. Mas o que o paralisou foram os olhos dela — castanhos, vivos, cheios de ódio e medo ao mesmo tempo.

— Não me mata — sussurrou ela, com a voz embargada. — Por favor.

Alessio sentiu o estômago revirar. Ele conhecia aquele rosto. Já a tinha visto em fotos, em festas da alta sociedade. Ela era filha de Matteo Ricci, o homem que jurara derrubar os Mancini, que havia tentado assassinar seu pai dois anos antes.

Elena Ricci.

Ela o encarava como se soubesse exatamente quem ele era. Não implorava. Ela desafiava. Como se dissesse: "Faça o que tem que fazer... ou prove que é fraco".

A arma pesava na mão de Alessio. Rocco apareceu atrás dele.

— Tem mais alguém?

— Só ela.

— Uma Ricci? — Rocco arregalou os olhos. — Vamos dar fim nisso agora.

Alessio não respondeu. Ele deu um passo à frente, abaixou-se e a fitou de perto.

— O que fazia aqui?

— Tentando impedir que matassem um inocente — cuspiu ela, mesmo tremendo.

— Ele não era inocente. E você também não devia estar aqui.

Ela desviou os olhos, o queixo trêmulo. Alessio se levantou. O instinto dizia: mate-a. O cérebro dizia: entregue-a ao pai, como um troféu.

Mas o coração — aquele maldito coração — deu outro comando.

— Rocco, Silvano, vão na frente. Eu cuido dela.

— Tem certeza? — Rocco franziu a testa.

— Vai — ordenou Alessio.

Quando ficaram a sós, ele guardou a arma e tirou o paletó. Colocou sobre os ombros dela.

— Consegue andar?

Ela hesitou, mas assentiu com a cabeça.

— Por que… por que está me ajudando?

Ele não respondeu. Apenas a ergueu nos braços e saiu do armazém, enquanto a chuva lavava o sangue das ruas — mas não da sua consciência.

Naquela noite, Alessio Mancini traiu a própria família. E nem ele sabia o motivo.

Mas tudo começava com ela.

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Capítulo 2 – Refúgio em Cinzas

A madrugada se estendia como um véu de luto pelas colinas da Sicília. A chuva cessara, mas o céu ainda carregava o peso das nuvens, como se até os deuses observassem em silêncio o que havia acontecido naquela noite.

Dentro do carro, o silêncio entre Alessio e Elena era mais denso que o nevoeiro lá fora.

Ela mantinha os braços cruzados, apertando o paletó de lã que ele lhe dera. O perfume masculino no tecido — amadeirado, discreto — a fazia lembrar de onde estava. Na mira do inimigo. Mas ainda viva. Por algum motivo que ela não compreendia.

— Você não respondeu — murmurou, quebrando o silêncio. — Por que me salvou?

Alessio não desviou os olhos da estrada.

— Talvez porque você não merecia morrer naquela noite.

— E quem decide isso? — Ela ergueu a voz, quase se irritando. — Você? Um assassino de aluguel da sua própria família?

Ele apertou o volante, mas manteve a calma.

— Eu não sou um assassino de aluguel. Eu sou um Mancini.

— Ah, claro. Isso muda tudo — ela rebateu, amarga.

Ele suspirou, e por um instante seus olhos pareceram mais cansados do que frios.

— Você fala como se o seu sobrenome fosse limpo. Elena, a nossa guerra começou antes de você nascer.

— Eu nunca escolhi essa guerra.

— Nem eu.

O silêncio voltou, mas desta vez era menos hostil. Quase... resignado. Como se os dois entendessem, no fundo, que estavam presos no mesmo jogo, em lados diferentes do tabuleiro.

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O carro parou diante de um portão enferrujado. Atrás dele, um casarão de pedras escuras se erguia em meio às oliveiras antigas, como uma fortaleza esquecida pelo tempo.

Alessio digitou um código. Os portões se abriram lentamente com um rangido metálico.

— Onde estamos? — Elena perguntou, olhando ao redor.

— Propriedade da minha família. Ninguém sabe que ainda usamos esse lugar. Aqui, você estará fora do radar… por enquanto.

Ela hesitou antes de sair do carro. Um vento frio soprou pelas árvores, e ela se encolheu involuntariamente. Ele caminhou à frente, mas notou que ela mancava.

— Você está ferida?

— O joelho. Mas não é nada.

Ele não insistiu, apenas abriu a porta da casa e acendeu as luzes. O interior era antigo, mas acolhedor — móveis de madeira escura, tapeçarias empoeiradas, cheiro de lareira adormecida.

— Não é um hotel cinco estrelas, mas é melhor do que um porão — ele disse.

— Eu esperava algo mais... sinistro. Algemas. Correntes.

Alessio arqueou uma sobrancelha.

— Você acha que eu sou o quê, exatamente?

Ela o olhou de cima a baixo.

— Um lobo em pele de lobo.

Ele sorriu pela primeira vez naquela noite. Um sorriso breve, irônico. Mas algo em seu rosto suavizou.

— Vou preparar algo para você comer. O quarto é no andar de cima, terceira porta à esquerda. Tem um banheiro lá também. Pode trancar a porta se quiser.

— Você vai tentar me matar enquanto durmo?

— Se quisesse te matar, já teria feito isso naquela rua.

Ela assentiu, sem mais palavras, e subiu com dificuldade as escadas. Quando entrou no quarto, encostou-se à porta e deixou o corpo escorregar até o chão.

Só ali, sozinha, ela permitiu que as lágrimas caíssem.

Lá fora, Alessio acendeu a lareira e colocou água para ferver. Mesmo tentando afastar o pensamento, a imagem dos olhos dela no chão do galpão voltava à sua mente. Aquela mistura de fúria e vulnerabilidade.

Ele não sabia o que sentia. Só sabia que, ao poupar Elena Ricci, não tinha apenas quebrado as regras da máfia. Tinha iniciado algo que poderia destruir os dois.

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Horas depois, já de madrugada, Elena desceu em silêncio, os pés descalços. A luz da lareira ainda queimava, e Alessio estava sentado no sofá, uma taça de vinho na mão.

Ela hesitou à porta.

— Não consigo dormir — disse, baixo.

Ele olhou para ela, depois apontou para a poltrona ao lado.

— Vinho?

— Só se tiver veneno.

— Ainda não decidi se quero te matar... ou te manter viva pra sempre.

Ela sorriu pela primeira vez. Pequeno, sarcástico.

— A indecisão é perigosa, Sr. Mancini.

— Também é o que faz a gente ser humano, Srta. Ricci.

Eles brindaram em silêncio, olhos nos olhos. Por um momento, o mundo lá fora parecia distante. Os tiros, as ordens, os sobrenomes, as cicatrizes. Nada daquilo importava ali, naquela sala aquecida pelo fogo e pela tensão.

Mas ambos sabiam: o amanhecer traria consequências.

E aquela aliança silenciosa — nascida da hesitação de uma bala — podia ser o começo de algo ainda mais mortal que a guerra entre famílias.

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Capítulo 3 – Um Segredo Chamado Perdão

O amanhecer rasgava o céu em tons acinzentados, pintando as janelas do casarão com uma luz fria e indiferente. Elena acordou com o som de pássaros que pareciam cantar um lamento antigo entre as oliveiras. Havia dormido mal, com o corpo dolorido e a mente em turbulência.

Ela se sentou na cama e encarou o espelho antigo à sua frente. Seu reflexo devolveu uma imagem despenteada, pálida, mas ainda assim forte. Os olhos dela não haviam perdido o fogo.

Elena Ricci não era uma prisioneira comum. E sabia que estava chegando a hora de contar a verdade.

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Na cozinha, Alessio preparava café forte quando ela desceu. O ambiente cheirava a pão quente e madeira queimada da lareira.

— Bom dia — ela disse, cruzando os braços.

Ele a olhou rapidamente.

— Dormiu?

— Um pouco. E você?

— Não durmo direito desde os dezessete — respondeu, sem rodeios.

Elena se aproximou devagar, como se ensaiasse mentalmente cada palavra.

— Eu devia agradecer por ter me salvado.

— Você não parece muito grata.

Ela suspirou. Depois puxou uma cadeira e se sentou.

— Então me escuta. E não me interrompe.

Alessio parou, curioso. Sentou-se também.

— Estou ouvindo.

Ela cruzou os braços sobre a mesa.

— Eu estava no beco porque segui Marco, o contador. Ele me ligou no meio da tarde, desesperado. Disse que tinha documentos que podiam destruir meu pai. Disse que se eu não fosse encontrá-lo, ele entregaria tudo para vocês.

Alessio franziu a testa.

— E você acreditou nele?

— Não no início. Mas eu precisava saber o que ele tinha. Não só por lealdade ao meu pai... mas porque parte de mim queria saber a verdade. Eu sempre desconfiei de que o que meu pai esconde vai muito além da máfia. Eu queria provas.

— Provas de quê?

Ela hesitou. Depois, com a voz mais baixa:

— De que ele mandou matar a minha mãe.

O silêncio foi absoluto.

Alessio a encarava como se estivesse vendo uma versão dela que não conhecia. E de fato, era.

— Sua mãe morreu num acidente. Pelo menos, foi o que se noticiou.

Elena assentiu devagar.

— Essa foi a versão oficial. Mas o carro dela explodiu. E ela não era envolvida com nada. Só queria sair daquela vida. E começou a fazer perguntas demais. Assim como eu estou fazendo agora.

— Então você... foi lá atrás de respostas?

— Sim. Mas quando cheguei, Marco já estava apavorado. Ele não queria me dar os documentos, só me usar como moeda. Eu tentei fugir quando ouvi os primeiros tiros. Me escondi atrás das caixas... e o resto você sabe.

Alessio ficou em silêncio por longos segundos. O rosto sério, mas não frio.

— Então você não é só uma herdeira perdida.

— E você não é só um assassino de aluguel — ela rebateu com um meio sorriso.

Ele inclinou a cabeça, interessado.

— Se o que você diz é verdade, você está mais em perigo do que imagina. Não só da minha família... mas da sua.

— Eu sei.

— E mesmo assim está jogando esse jogo?

— Não é um jogo. É a única chance que tenho de limpar o nome da minha mãe. E talvez... o meu também.

Alessio se levantou devagar e foi até a janela. Observou o campo silencioso por um instante.

— Se eu te ajudar a descobrir a verdade... e ela for pior do que você imagina, o que vai fazer?

Elena respirou fundo.

— Então eu vou queimar tudo. Do lado de dentro pra fora.

Ele se virou para encará-la. E, pela primeira vez, a viu como alguém que poderia mudar o curso daquela guerra.

Não como uma refém. Não como uma Ricci.

Mas como uma aliada perigosa.

E talvez, com o tempo, algo mais.

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