Não sei explicar exatamente por que meus dedos tremiam quando apertei o botão do elevador naquela manhã. Talvez fosse a altura absurda do prédio. Talvez fosse o peso do meu blazer novo, que coçava um pouco na nuca. Ou talvez... só talvez, fosse o fato de que eu estava prestes a começar meu estágio no império Luiz Ricardo S/A — a maior empresa de tecnologia estratégica da América Latina — e minha função? Secretária particular do CEO.
Sim, aos dezenove anos, eu era uma garota comum, bolsista da melhor faculdade de administração do país, batalhadora, com uma língua afiada e nenhum filtro social. Só não esperava que meu destino fosse colidir tão cedo com o dele.
Quando as portas do elevador se abriram no último andar, o silêncio me envolveu. Nada de agitação corporativa, nada de telefones tocando ou funcionários correndo — apenas um corredor longo, minimalista, e um ar-condicionado que poderia congelar até minha coragem.
A recepcionista da antessala me sorriu com simpatia treinada e pediu que eu aguardasse. Sentei-me na poltrona de couro branco e tentei controlar meu coração batendo rápido demais. Eu revisei mentalmente tudo o que sabia sobre Luiz Ricardo: 32 anos, bilionário, gênio dos negócios, dono de um sorriso raro e de uma frieza lendária. Diziam que ele nunca se envolvia com funcionárias. Que olhava para as pessoas como se já soubesse seus defeitos antes mesmo de ouvi-las falar. Que controlava tudo e todos, como se o mundo fosse apenas um tabuleiro de xadrez.
Foi então que a porta de vidro se abriu.
E eu vi ele.
Luiz Ricardo entrou na sala como se o tempo desacelerasse. Camisa branca impecável, sem gravata, mangas dobradas até os cotovelos. Relógio escuro, olhar afiado. Alto, moreno, e com uma presença que sufocava qualquer distração.
E, por um instante — um instante exato, talvez dois segundos e meio — nossos olhos se encontraram.
Eu devia ter olhado para baixo. Desviado o olhar. Fingido qualquer coisa. Mas não desviei. Não consegui. E o mais louco? Ele também não.
Aquele olhar foi como um choque elétrico silencioso. Como se ele lesse algo em mim. Como se visse, por trás da minha postura firme e do blazer torturante, quem eu era de verdade. E naquele breve momento, eu juro, não havia mais ninguém naquela sala.
— Letícia Duarte? — ele perguntou, com a voz baixa, aveludada, mas firme. Uma combinação que fez minha espinha arrepiar.
Levantei, sem desviar o olhar. Meu coração batia forte, mas eu sorri.
— Sim. Primeira e única — respondi com um tom leve, meio desafiador.
O canto da boca dele se curvou, quase imperceptivelmente. Como se não soubesse se deveria sorrir ou repreender.
— Gosto de pontualidade. E de confiança — ele disse, virando-se para voltar à sua sala. — Venha comigo.
Acompanhei seus passos firmes, tentando manter o ritmo sem parecer ansiosa. Quando entramos no escritório dele, quase engasguei com a grandiosidade do ambiente. Paredes de vidro com vista para a cidade inteira, prateleiras de livros estratégicos, um sofá de couro, mesa de mármore escuro. Tudo exalava poder.
Ele se sentou na cadeira giratória, indicou a poltrona à minha frente, e por um segundo, apenas me observou.
— Você tem dezenove anos — ele disse, sem entonação de julgamento, apenas constatação.
Assenti, erguendo o queixo.
— E vou me formar no fim do semestre. Fui a primeira da turma no último ano. Se está procurando alguém que não vai te servir café nem sorrir para bajular... achou.
Um silêncio tenso se estendeu entre nós. Eu sabia que estava arriscando, mas minha natureza nunca foi submissa. Sempre preferi ser autêntica do que agradar.
Para minha surpresa, ele soltou uma pequena risada — seca, baixa, porém verdadeira.
— Gosto de gente que não tem medo — ele disse, cruzando os braços. — Mas aviso: aqui dentro, tudo que você disser pode ser usado contra você.
— Não tenho nada a esconder — rebati.
— Veremos.
Houve outro momento de silêncio. Só que agora era diferente. Havia algo no ar, uma tensão elétrica que não vinha só da formalidade. Era como se nossas palavras estivessem disfarçando algo maior. Uma curiosidade, talvez. Um desejo embrionário. Um perigo.
Ele abriu uma pasta sobre a mesa e começou a me passar instruções. A agenda da semana, os contratos pendentes, a lista de acionistas... Mas enquanto ele falava, meu olhar voltava, inconsciente, para o contorno da mandíbula dele. Para a forma como ele girava a caneta entre os dedos. Para o modo como seus olhos escuros, quando encontravam os meus, pareciam saber mais do que diziam.
E ele notou. Claro que notou.
— Consegue lidar com pressão, Letícia? — ele perguntou de repente, interrompendo a explicação.
— Cresci sob ela — respondi.
— E com limites?
Inclinei o corpo levemente, mantendo o olhar preso ao dele.
— Isso depende... de quem estiver me testando.
Os olhos dele brilharam por um instante. Não de forma vulgar. Não como os caras da faculdade que me olhavam como um troféu. Mas como um predador reconhecendo outro.
Ele se levantou, caminhando até a janela. Ficou ali por alguns segundos, de costas para mim, antes de falar novamente.
— Você vai conhecer minha agenda, minhas manias, meu humor. Vai estar perto o tempo todo. O que acontece aqui dentro não sai dessa sala. Está disposta?
Me levantei também, agora com a certeza de que aquele jogo estava só começando.
— Se você aguenta, eu também aguento.
Ele se virou devagar. E quando nossos olhos se encontraram de novo, houve um silêncio que gritou mais alto do que qualquer palavra.
A conexão estava ali. Bruta. Incontrolável. Imprevisível.
Ele apenas assentiu, sério.
— Então bem-vinda, Letícia.
Naquele momento, soube que minha vida jamais seria a mesma.
A porta se fechou atrás de mim com um clique suave, mas o som ecoou na minha mente como um disparo. Sozinha de novo no corredor, com o crachá recém-impresso pendurado no pescoço e o nome “Letícia Duarte” cintilando sob a luz artificial, senti minha pele formigar. Como se algo tivesse sido despertado. Como se aquela troca de olhares tivesse me marcado de um jeito que eu não sabia nomear.
Voltei à antessala, tentando organizar meus pensamentos — e minha respiração. A recepcionista me lançou um olhar curioso, mas educadamente indiferente, como quem já tinha visto muita gente entrar com olhos brilhando e sair quebrada.
Mas eu não era “muita gente”.
Nos dias seguintes, mergulhei na rotina como quem entra em campo de batalha. Luiz Ricardo era exigente, meticuloso, imprevisível. Ele gostava de horários cumpridos ao segundo, reuniões secretas organizadas com precisão cirúrgica, cafés fortes e anotações detalhadas. E, o mais curioso: ele testava. Cada vez que eu entregava algo, ele perguntava “tem certeza?” ou “é isso mesmo que você acha?”. Como se quisesse ver até onde eu aguentava sem hesitar.
E eu? Eu aguentava. Às vezes mordia o lábio até quase sangrar, mas aguentava.
O que me desconcertava não era o trabalho — era ele.
A maneira como, em meio a uma conferência por vídeo, ele deixava os olhos escorregarem até mim por meio segundo. A forma como sua voz ganhava uma nota mais baixa quando dizia meu nome. Como, numa sexta-feira qualquer, passou por mim no corredor e deixou sua mão tocar levemente a minha. Rápido demais pra ser visto. Lento o suficiente pra me incendiar.
Luiz Ricardo era uma tempestade silenciosa. E eu estava dançando na beira do raio.
Naquela quinta-feira, tudo mudou.
Eu estava organizando os contratos no final do expediente, o escritório quase vazio, quando ele apareceu na porta da minha salinha. Sem terno. Camisa com dois botões abertos. Manga dobrada. Olhar carregado.
— Venha até minha sala — disse simplesmente.
Engoli seco e segui atrás dele. A tensão era palpável, mas eu me recusei a abaixar a guarda.
— Algum problema com o contrato da Amstel? — perguntei ao entrar.
Ele se virou, encostando-se na mesa. Seus braços cruzados. Sua expressão impassível, mas os olhos… ah, os olhos diziam outra coisa.
— Não. Você fez tudo certo.
Fiquei de pé, imóvel, tentando entender por que eu estava ali, então.
— Achei que queria discutir algo — falei, mantendo o tom neutro.
Ele me olhou. De verdade. De um jeito que atravessava a pele.
— Quero — disse. — Você.
O ar sumiu dos meus pulmões.
O silêncio explodiu entre nós como um trovão abafado. Tentei me recompor, abrir a boca, dizer alguma coisa sarcástica, forte, que mostrasse que eu não era só mais uma garota deslumbrada.
Mas ele deu um passo na minha direção. E depois outro.
— Eu não costumo misturar as coisas. Você sabe disso. Eu sou... racional.
— E o que mudou? — perguntei, com a voz firme, embora meu coração estivesse martelando no peito.
— Você — ele respondeu. Simples assim.
A respiração presa nos meus pulmões escapou com força. Ele estava perto agora. Perto o suficiente para eu sentir o cheiro amadeirado do perfume caro que ele usava. Perto o suficiente para o ar entre nós carregar eletricidade.
— Você me provoca — ele continuou, a voz baixa. — Com esse jeito de falar, de andar. Com essa coragem inconsciente que parece querer me desafiar o tempo todo. Você está me enlouquecendo, Letícia.
— E se eu disser que não tenho medo? — desafiei, encarando-o de frente.
Ele sorriu. Um sorriso lento, quase perigoso.
— Então o problema é meu — murmurou.
Mas antes que qualquer um de nós fizesse algo que quebrasse todas as regras da empresa — e da razão —, ele deu um passo atrás. Seus olhos ainda nos meus. O controle voltando aos poucos para aquele rosto de pedra.
— Mas isso aqui — disse, apontando entre nós — não pode acontecer aqui dentro.
— Por que não? — perguntei, sem piscar.
Ele virou-se, apoiando as mãos na mesa, como se estivesse controlando um impulso.
— Porque se eu começar… não vou conseguir parar.
Saí da sala com as pernas bambas, mas com a cabeça erguida. Não era uma vitória. Não ainda. Era um empate perigoso.
Mas eu sabia de uma coisa: o jogo estava longe de terminar.
E se ele achava que podia resistir, estava subestimando a força do próprio desejo
O dia seguinte amanheceu mais cinza do que o normal, com nuvens pesadas cobrindo São Paulo como um cobertor maldoso. A cidade parecia conter a respiração — e eu também.
Entrei no prédio às sete e meia da manhã, como de costume, e segui direto para o último andar. Já sabia o caminho de olhos fechados: elevador 3, botão 28, virar à esquerda, passar pela recepção gelada, cruzar a porta de vidro com a logo metálica “LR S/A”.
A diferença? Meu coração estava batendo no pescoço.
Luiz Ricardo não disse mais nenhuma palavra depois daquela noite. Nem uma mensagem. Nem um bilhete. Mas também não precisava.
O silêncio dele dizia tudo. E pior: deixava espaço demais para a minha imaginação.
A recepcionista me cumprimentou com um “bom dia” arrastado, enquanto mastigava alguma coisa crocante atrás do computador. Eu apenas acenei, indo direto para minha salinha ao lado do escritório dele. Sentei, abri o notebook e fingi concentração.
Mas então ouvi. A voz dele.
— Letícia.
Virei automaticamente. Ele estava parado à porta, com a mesma postura calma e olhos de quem sabe exatamente o que está fazendo com você.
— Pode vir aqui um instante?
Levantei com o coração já acelerado. Entrei na sala dele — ampla, silenciosa, com as paredes de vidro refletindo o cinza do céu. O aroma amadeirado que eu já associava a ele estava mais forte hoje. Ou talvez eu estivesse mais sensível.
Ele estava de pé, próximo à janela, com uma xícara de café na mão e as mangas da camisa dobradas com perfeição. Não era justo alguém ser assim. Meticuloso até na casualidade.
— A reunião com o grupo Vinhedo foi antecipada. Preciso que prepare a nova apresentação com as alterações da proposta de investimento — disse, sem me olhar.
— Entendido. Você quer que eu insira os dados de projeção da última semana?
— Sim. E traga aqui quando terminar. Mas antes... — Ele se virou, e por um segundo, o tempo parou. — Sente-se.
Engoli em seco. Havia duas cadeiras diante da mesa dele, mas ele apontou para o sofá de couro escuro, próximo à prateleira com livros de capa dura e vinhos envelhecidos. Eu hesitei por um segundo, depois fui.
Ele se aproximou devagar, sentando-se na outra extremidade do sofá. Largou a xícara sobre a mesa de centro. Estávamos a menos de um metro um do outro. Distância suficiente para o calor aumentar.
— Ontem eu fui longe demais — ele disse, finalmente.
— Foi sincero — rebati.
— Sinceridade não justifica tudo.
Cruzei as pernas, mantendo a postura ereta. Olhei para ele, desafiando.
— Está arrependido?
Ele me estudou por um instante longo demais.
— Estou tentando me manter no controle — respondeu, com honestidade crua.
— E está conseguindo?
Ele riu, um som baixo, quase perigoso. Depois inclinou o corpo levemente para frente, os cotovelos nos joelhos, os olhos fixos nos meus.
— Você não é como as outras. Não age como elas, não fala como elas. Você desafia. E eu... eu odeio perder o controle, Letícia.
— Talvez você precise aprender a perder — falei, a voz mais baixa agora.
Silêncio.
O ar entre nós parecia vibrar.
Ele se aproximou mais um centímetro. Só um. Mas foi o suficiente para meu corpo inteiro reagir. Sua mão roçou levemente o encosto do sofá, como se estivesse considerando me tocar.
— Se eu te beijar agora... você vai fugir?
— Não.
Outro silêncio. Mais denso.
Ele se inclinou mais um pouco. O rosto agora a centímetros do meu. Eu podia sentir a respiração dele. O calor. A tensão. Minha pele queimava.
— E se eu não parar?
— Então você vai cruzar uma linha — sussurrei.
— E você?
— Eu já cruzei faz tempo.
Foi então que aconteceu.
O beijo não veio como nos filmes — lento, poético. Não. Ele veio como uma explosão silenciosa, como um segredo rasgado entre dois corpos que não aguentavam mais manter distância.
Ele me puxou pela nuca, e nossos lábios se encontraram com fome. Fome acumulada. Fome proibida. Minhas mãos foram parar nos ombros dele, depois em seu peito, sentindo o calor que transbordava pela camisa. A língua dele deslizou contra a minha com precisão. Ele sabia exatamente o que fazer. Como dominar sem sufocar. Como incendiar sem pressa.
Quando nos afastamos, ambos sem fôlego, os olhos dele estavam diferentes. Escuros. Selvagens.
— Isso não devia ter acontecido — murmurou.
— Mas aconteceu.
Ele se levantou, andou até a janela, virou-se de costas. Eu ainda sentia o gosto dele nos lábios.
— A partir de agora, tudo muda, Letícia. Não tem mais volta.
— Eu nunca quis volta.
Ele se virou de novo, os olhos mais intensos do que nunca.
— Então que Deus nos ajude.
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