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QUANDO O AMOR NÃO BASTA

SE DÓI, NÃO É AMOR

"Se o amor machuca, não é amor." Foi o que minha psicóloga me disse enquanto eu chorava, sem conseguir controlar as lágrimas. Eu tinha acabado de confessar a ela que não aguentava mais meu relacionamento com a Vitória. Os ciúmes doentios, o controle que ela exerce sobre mim e sobre cada detalhe da minha vida... Estava sufocando.

Saí da consulta com o peito apertado, coloquei os fones de ouvido e escolhi uma playlist de rock qualquer, só pra tentar calar o barulho dentro da minha cabeça. As batidas começaram a preencher minha mente enquanto eu checava o celular. Várias mensagens dela. Queria saber se eu já estava a caminho de casa. Tinha até enviado a própria localização. Respirei fundo, guardei o celular e entrei no táxi. Direto para o trabalho.

Trabalho numa cafeteria no centro de Boa Vista, essa cidade grande, barulhenta e sempre em movimento. Avisei a Vitória que tinha chegado e comecei mais uma jornada longa — oito horas intensas entre cafés, pedidos e gente apressada. Apesar do cansaço, eu gosto dali. As meninas que trabalham comigo são incríveis, e os donos nos tratam com respeito. É o único lugar onde me sinto em paz. Um pequeno respiro, longe da vigilância constante da Vitória... pelo menos por algumas horas.

Mas nem sempre esse respiro é garantido. Às vezes, ela decide que vai me buscar. Chega uma hora antes do meu turno acabar, só pra me vigiar. E eu sei. Sei que é pra isso. Não consigo relaxar. Ela afasta todo mundo de mim com seu ciúmes sufocante.

— Você tá séria hoje, Grazi — comentou Luana, me observando enquanto preparava um cappuccino.

Eu estava no caixa, distraída, pensando na conversa com a psicóloga.

Sorri de leve e respondi:

— Tô só pensativa... Espero que o dia seja calmo.

Ela bufou, rindo cansada:

— Tô morta! O Erick não me deixou dormir. Queria transar a madrugada inteira...

— E você não achou ruim, né, Luana? Tá só arrependida agora porque tá com sono!

Ri com gosto da cara de exausta dela. Foi bom rir. Foi bom me distrair, nem que fosse por alguns minutos.

Seguimos na rotina da cafeteria, e as horas passaram surpreendentemente rápidas para uma quarta-feira. Às dezoito horas, encerrei meu turno e saí. O trânsito estava intenso, como de costume. Fui sozinha até a parada de ônibus, com meus fones no ouvido, deixando a música me embalar enquanto respondia às mensagens da Vitória. Avisei que já estava indo pra casa, na esperança de fazê-la parar de perguntar onde eu estava.

Uma tristeza silenciosa começou a crescer no meu peito. A vontade de não voltar pra casa apertava a garganta, formando um nó difícil de engolir. Respirei fundo, tentando me distrair com o burburinho do começo da noite, com as vozes, os faróis, a correria.

Quando cheguei em casa, ela me recebeu com beijos e abraços apertados, dizendo com os olhos brilhando:

— Senti saudades de você o dia inteiro.

Em seguida, me entregou uma caixa de bombons.

— Obrigada. Como foi seu dia? — perguntei, tentando manter a voz estável enquanto me afastava, indo direto para o banheiro tomar banho.

Ela começou a falar sobre o dia dela, e eu ouvia em silêncio, ocasionalmente contando como foi o meu. A rotina se repetia, como sempre. Já estamos juntas há nove anos. E, sendo sincera comigo mesma, só fui apaixonada por ela no primeiro. Nos outros oito, permaneci por hábito. Me acostumei com o carinho, com a atenção, com o jeito como ela cuida de mim.

Mas também permaneci por medo.

Medo de machucá-la, de vê-la desmoronar como ameaçou fazer tantas vezes quando tentei terminar. A cada tentativa, o desespero dela, as promessas de que não conseguiria viver sem mim, me fizeram acreditar que continuar era mais seguro do que lidar com a culpa de uma tragédia.

Ainda assim, de um jeito estranho, eu a amo. Não com amor romântico, mas com carinho de amiga, de companheira de vida. Sei que sentiria falta da presença dela, da rotina, da voz, se um dia eu fosse embora. Mas, no fundo, o que mais queria era vê-la feliz — de verdade. Que ela pudesse encontrar alguém que a amasse como ela merece. Porque, por mais que eu tente... não sou mais essa pessoa.

Deitadas na cama, assistíamos a um filme qualquer, mas eu mal prestava atenção na tela. Vitória começou a me tocar com desejo, e, como de costume, eu aceitei. Havia algo no jeito como ela me tocava que ainda me prendia — o sexo entre nós sempre foi intenso, selvagem. Ela sabia exatamente como me fazer sentir desejada, e cada vez parecia trazer algo novo.

Olhei para ela e senti o fogo do desejo acender. Vitória é uma mulher linda, alta, com um corpo forte e bem definido, reflexo dos seus trinta anos vividos com energia e disciplina. Um sorriso malicioso surgiu em seus lábios, e naquele instante, eu soube: ela não teria piedade comigo essa noite.

— Levanta — disse com a voz firme e baixa.

Obedeci. Me levantei da cama e comecei a tirar a roupa, sentindo seu olhar queimando cada pedaço de pele exposta. Ela me observava, atenta, com prazer. Quando terminou de prender o cabelo no alto, revelando a parte raspada na lateral da cabeça, sorriu com aquele jeito provocante que sempre teve.

E eu ali, nua, entre a confusão dos sentimentos e o corpo que ainda responde aos comandos dela.

Ela se aproximou séria, os olhos carregando um desejo que queimava em silêncio.

— Vou te amarrar — disse, com voz baixa e firme. — E você precisa ficar quieta.

Assenti, sem dizer nada. Ela me conduziu até a cadeira e, com gestos decididos, me posicionou como queria. As mãos dela começaram a deslizar pelo meu corpo, intercalando carícias com beijos intensos no meu pescoço, fazendo cada fio da minha pele se arrepiar.

Trouxe um brinquedo novo — um vibrador — e começou a brincar com ele, explorando meu corpo com uma mistura de provocação e domínio. A cada vez que eu estava prestes a me perder no prazer, ela parava, me deixando à beira de um abismo, ansiando por mais. Olhei para ela, desesperada, pedindo com os olhos o que a boca hesitava em dizer.

Ela sorriu com o canto dos lábios, sabendo exatamente o poder que tinha sobre mim.

— Agora não — sussurrou, parando por completo.

Me desamarrou com firmeza e me guiou para a cama, me posicionando do jeito que queria. O jogo entre nós seguiu com intensidade, entrega e desejo. Seus movimentos eram decididos, certeiros, e eu me rendia completamente ao momento. Naquele instante, éramos só corpo e impulso.

No fim, quando o clímax nos tomou por inteiro, caímos exaustas, lado a lado. O silêncio que veio depois foi pesado, denso, mas diferente. Era o tipo de silêncio que vem depois do furacão — calmo, mas cheio de coisas não ditas.

Adormecemos ali, envoltas no calor de um desejo que ainda não sei se é amor... ou só mais um refúgio temporário.

ENCONTRO

A semana segue na mesma rotina de sempre: casa, trabalho, trabalho, casa. Mas hoje promete ser diferente — talvez até divertido. Pedi para ir sozinha ao aniversário da Luana. E aviso a Vitória que seria só a família e alguns amigos do trabalho. Como não gosta da Luana, ela disse que não teria problema eu ir sozinha, desde que ela me deixasse lá e depois fosse me buscar. Concordei. Assim economizo no táxi e ainda deixo ela mais tranquila.

Fui trabalhar animada, contando as horas para a festa. A loja estava tão movimentada que nem consegui conversar com a Luana. Saí do trabalho às 15h e fui direto para casa. Me arrumei com calma, ouvindo Evanescence — minha banda preferida. Fiz uma maquiagem em tons de preto e marrom nos olhos, que realçaram meu olhar, e passei um batom pêssego claro para não parecer tão pálida.

Vesti uma calça jeans, uma regata, uma blusa preta aberta por cima e meu coturno da mesma cor. Meu estilo adolescente rebelde ainda vive em mim, mesmo agora, aos trinta anos.

— Amor, estou pronta! — grito do quarto, avisando à Vitória que já pode me levar.

Ela aparece na porta com os braços cruzados, encostada no batente. Vou até ela, a beijo suavemente e a envolvo num abraço apertado.

— Não se preocupa, eu vou te recompensar quando voltar. Não precisa ficar com essa cara de brava.

— Tudo bem... vamos — responde, com um tom contido.

Ela dirige em silêncio, séria. Eu sei que não gostou da ideia de eu sair sozinha, mas aceitou só para me agradar. Quando chegamos ao local, ela estaciona, se inclina e me beija.

— Se cuida. Quando quiser ir embora, me avisa que eu venho correndo te buscar. Eu te amo. Não esquece.

— Eu não esqueço. Eu também te amo. Obrigada por me deixar vir sozinha.

Saio do carro e vou ao encontro da Luana. A abraço e entrego o presente. Ela me conduz até o quintal, onde todos já estão reunidos. Pego uma cerveja e começo a ser apresentada a alguns colegas de trabalho dela. Cumprimento também os amigos que temos em comum.

Logo me vejo conversando com um grupo de amigas da Luana. Uma delas, em especial, chama minha atenção — pelo jeito descontraído, pelo modo leve e divertido de falar. Me pego sorrindo com tudo o que ela diz.

Ela me olha e sorri — um sorriso cheio de intenção, daqueles que parecem atravessar a pele. Tento continuar prestando atenção à conversa, rir nos momentos certos, parecer tranquila. Mas é difícil. Meu olhar insiste em voltar para ela, como se algo em mim estivesse sendo puxado por uma força invisível.

Então Luana aparece, interrompendo o grupo com um pedido animado:

— Lúcia, começa o karaokê pra gente!

Ela ri, beija a testa da Luana com carinho, e caminha até o pequeno palco improvisado montado no canto do quintal. Escolhe Glory Box, do Portishead. Quando a melodia começa, sinto meu coração acelerar. A introdução suave já anuncia o que está por vir — e quando ela começa a cantar, algo muda no ar.

Seus quadris acompanham o ritmo com sensualidade contida, sua voz rouca e firme me arrepia da cabeça aos pés. O corpo dela se move como se cada palavra tivesse peso e intenção. Eu não consigo parar de olhar. É como se tudo ao redor tivesse sumido, e só existíssemos nós duas naquele instante. E então ela me encara, no meio da canção. Um leve sorriso surge no canto de sua boca, como se soubesse exatamente o efeito que está causando em mim.

Quando a música termina, os aplausos são quase abafados pelo som do meu próprio coração. Alguém assume o microfone no lugar dela, mas eu mal percebo. Lúcia vem caminhando em minha direção, devagar, como se o tempo tivesse diminuído o ritmo só para mim. Senta ao meu lado, abre uma cerveja e pergunta, olhando direto nos meus olhos:

— Qual o seu nome?

— Grazi. E o seu?

— Lúcia. Gostou da minha apresentação?

— Gostei. Você leva jeito pra cantar.

Ela sorri, dá um gole da cerveja e me observa como quem analisa um segredo.

— E você? Não vai cantar?

— Não... Não tenho uma voz bonita como a sua.

— Então você acha que minha voz é bonita? — pergunta, com um sorriso provocante nos lábios, inclinando o rosto levemente para mais perto.

— Acho, sim. Muito.

Antes que eu consiga decifrar o que está por trás daquele olhar, Luana me puxa pelo braço, animada:

— Vem, agora é a nossa vez!

— O quê? Não! Eu não vou!

— Vai sim! — ela insiste, rindo, me arrastando até o palco.

Olho para Lúcia, ainda um pouco tonta com a conversa. Sorrio, meio culpada.

— Desculpa, depois a gente se fala.

Ela apenas balança a cabeça, um sim silencioso, com os olhos ainda presos aos meus.

No palco, Luana anuncia que vamos cantar Somos Tão Jovens, do Legião Urbana. Eu reluto, mas acabo cedendo. A música começa, e a gente mais ri do que canta. A letra sai entre risadas descontroladas, nossa performance é horrível — mas por um instante, eu esqueço tudo. Até aquele olhar, lá do fundo, que me esperava voltar.

Desço do palco ainda rindo, o rosto quente, a voz falhando entre os resquícios da música e do nervosismo. A apresentação foi um desastre, mas um daqueles desastres que aquecem o peito. Aproveito a movimentação para me afastar um pouco, seguindo até o banheiro que fica nos fundos, longe da confusão e das vozes misturadas.

Bato na porta, esperando, e ela se abre de repente.

Lúcia.

Nossos olhares se encontram no mesmo instante, como se o acaso tivesse arquitetado aquilo. Ela sorri de leve, ainda com o brilho das luzes coloridas refletido nos olhos.

— Foi divertido assistir vocês cantando — diz, com aquela voz que já me é familiar e estranhamente confortável.

— Nossa, eu estava morrendo de vergonha — respondo, rindo, tentando desviar o olhar e falhando miseravelmente.

— Mas foi isso que tornou tudo engraçado. Principalmente você... rindo mais do que cantava.

Ela se afasta da porta, me dando passagem. Faço que sim com a cabeça e entro. A porta se fecha atrás de mim, mas minha mente continua presa do lado de fora, onde ela está. Não demoro muito — e quando saio, ela ainda está ali, encostada na parede, me esperando com os braços cruzados e um meio sorriso no rosto.

— Estava te esperando — ela diz, como se fosse a coisa mais natural do mundo.

Sinto meu coração disparar de novo. Não sei se é a noite, a cerveja ou só a presença dela que me faz sentir como se algo importante estivesse prestes a acontecer. Como se o ar ao nosso redor estivesse carregado de possibilidades.

— Por quê? — pergunto, mesmo já desconfiando da resposta.

— Porque eu queria continuar nossa conversa. E... — ela faz uma pausa, se aproxima um passo — ...acho que você também quer.

Não respondo. Só fico ali, parada, olhando para ela. E sorrindo, porque sim. Porque quero.

Voltamos para onde todos estavam, mas ficamos um pouco afastadas, em um canto mais silencioso do quintal. A música continua ao fundo, as risadas misturam-se com o som de garrafas sendo abertas e conversas cruzadas, mas eu só consigo prestar atenção nela.

— Você conhece a Luana há muito tempo? — ela pergunta, com aquele sorriso meio cínico, como se soubesse mais do que está dizendo.

— Não, faz uns dois anos. Nos conhecemos no trabalho. E vocês?

— Bastante tempo... talvez uns dez anos, ou mais.

— Hum... bastante tempo — repito, mais para mim do que para ela.

Ela me observa em silêncio por alguns segundos, e então dispara, sem rodeios:

— Você é solteira?

Dessa vez, não há sorriso. Apenas o peso do olhar fixo, direto, que me atravessa.

— Não... Ela não veio pro aniversário da Luana porque... bem, as duas não se dão muito bem.

— Entendi — diz, simplesmente. Em seguida, se levanta devagar, como se algo nela tivesse decidido parar por ali. — Eu gostei de te conhecer.

Ela se inclina levemente, beija meu rosto, e eu quase prendo a respiração. O toque é sutil, mas o perfume que ela deixa no ar e a proximidade da pele me arrepiam dos pés à cabeça. Meu corpo reage antes da minha mente entender.

Lúcia se afasta, sem olhar para trás. Fico ali, sentada, tentando controlar o turbilhão que ela deixou dentro de mim. Pego o celular e mando uma mensagem para a Vitória vir me buscar. Ela não demora.

******

No trabalho, no dia seguinte, me pego cantarolando Glory Box, quase sem perceber. Luana me ouve e comenta, rindo:

— Essa música... não foi a que a Lúcia cantou?

— Sim, essa mesmo.

Ela me lança um olhar cheio de malícia.

— Vocês passaram bastante tempo conversando... e aí?

— Aí... nada. Eu tenho um relacionamento sério.

— Ah tá, então vocês viraram... amigas? — provoca, debochada.

— Não sei se posso chamar de amizade... mas gostei de conversar com ela. É uma mulher interessante.

— Isso ela é — concorda Luana, com um sorrisinho. — Depois vou marcar outro rolê. Convidar vocês duas. Mas dessa vez, sem a sua dona/namorada no rolê.

Dou um sorriso sem graça, sem conseguir responder direito. Volto ao trabalho, que começa a ficar mais agitado com a movimentação dos clientes. Mas a música ainda ecoa na minha cabeça. E a presença de Lúcia, mesmo ausente, parece me acompanhar de perto.

Chego em casa e encontro Vitória deitada na cama, enrolada nos lençóis, com o olhar meio distante. Coloco minha bolsa sobre a escrivaninha e me aproximo para beijá-la, tentando não demonstrar o cansaço que carrego. Jogo o celular displicentemente sobre a cama — e, em um piscar de olhos, ela já o tem nas mãos, deslizando os dedos pela tela com rapidez, vasculhando tudo.

Reviro os olhos em silêncio. Já perdi as forças de discutir sobre isso. Apenas me viro e vou tomar banho, sentindo o incômodo crescer por dentro. Eu odeio quando ela faz isso. Não é só a desconfiança. É o hábito de invadir, de controlar, de procurar uma falha como quem deseja encontrá-la.

— Ontem você chegou do aniversário e nem me contou como foi — ela diz da cama, o tom já preparado para me interrogar.

Respiro fundo. A água ainda está fresca no meu corpo, mas a sensação de paz já escorreu ralo abaixo.

— Foi tranquilo... só a família da Luana e alguns amigos do trabalho. Nada demais. Foi um pouco chato até.

Minto. E sei que ela percebe. Mas é assim que tenho aprendido a sobreviver nesse relacionamento: omitindo, suavizando verdades, fingindo que certas coisas não aconteceram. O peso disso me desgasta, mas às vezes mentir parece mais seguro do que ser honesta com quem não sabe ouvir.

Https://youtu.be/MnMTK8EdsOc?si\=8xByOr-eqY4Nyy0x

( Link do vídeo que inspirou a cena da Lúcia cantando).

FLORES QUE PESAM

A semana segue, arrastada, até que no sábado de manhã a cafeteria enche de vozes femininas e risadas altas. Um grupo animado entra, sacudindo o silêncio que me embalava. Luana corre até elas, abraços, cumprimentos e risos. Reconheço de relance algumas amigas dela.

Volto à máquina de café, focando nos pedidos que já começam a se acumular, quando uma voz conhecida me arranca dos pensamentos:

— Grazi?

Viro-me rapidamente. É Lúcia. Sorrindo como se a semana não tivesse passado, como se tudo ainda estivesse fresco entre nós.

— Quero um café bem forte — ela diz, encostando no balcão. — A Luana me contou que o seu é o melhor.

Sorrio sem jeito, surpresa por vê-la ali.

— Bom dia... eu não te vi entrando. Vou preparar agora.

Ela se afasta do grupo e senta no banco do balcão, como se quisesse mesmo ficar longe. Como se tivesse vindo por mais do que um café. Enquanto preparo a bebida, ela me observa, e a conversa se encaixa de forma natural:

— Você está bem? — pergunta, com aquela gentileza firme de quem realmente quer saber.

— Estou... e você?

— Também. A Luana me convidou para sair com vocês.

— Ela comentou que queria marcar alguma coisa... já te disse o dia?

Lúcia vira a cabeça para olhar Luana do outro lado da cafeteria e ri, balançando negativamente:

— Não marcou ainda. Mas eu aceitei. E você... aceitou?

— Eu vou... tentar ir.

Entrego o café a ela, tentando disfarçar o pequeno tremor que me toma por dentro.

— Obrigada — ela diz, pegando o copo com cuidado. — Foi bom te ver.

Ela se levanta, dá mais um sorriso e retorna ao grupo, que logo sai da cafeteria, provavelmente indo correr no parque ali perto. Agora faz sentido o visual esportivo e o ar matinal. Mas tudo que consigo pensar, enquanto a observo se afastar, é que a presença dela parece um eco — silencioso, mas persistente.

E que mesmo na distância, Lúcia continua mexendo comigo de um jeito que eu ainda não sei explicar.

No meio do expediente, enquanto atendo uma cliente no balcão, um entregador entra com um enorme buquê de flores e uma caixa de chocolates. Meus olhos se arregalam antes mesmo de ouvir meu nome ser chamado. Todos os olhares se voltam para mim, sorrisos curiosos e comentários soltos se espalham pelo ambiente.

— Nossa, Grazi, você é uma mulher de sorte — comenta uma senhora, sorrindo com simpatia. — Tem alguém aí que te ama muito.

Sorrio amarelo, tentando disfarçar a vergonha que me queima o rosto. Agradeço, sem saber exatamente o que dizer. Por mais que eu já tenha dito várias vezes que não gosto desse tipo de demonstração em público, Vitória insiste. Como se quisesse deixar sua marca sobre mim, como se quisesse provar para o mundo — ou pra mim mesma — que estou com ela.

Assim que tenho um momento livre, ligo para agradecer.

— Recebi as flores. E os chocolates.

— Gostou? Queria te surpreender — responde, animada.

— Sim, obrigada. Mas... da próxima vez, talvez algo mais discreto, tá?

Ela dá uma risadinha abafada e muda de assunto. Eu desligo e volto ao trabalho, tentando sacudir o incômodo que ficou preso no estômago.

Mais tarde, já em casa, Vitória chega antes de mim. Mal cruzo a porta e ela já está me beijando, com pressa, com uma fome que não me alcança. Suas mãos tiram minha roupa sem perguntar se eu quero, e eu não digo não. Não estou no clima, meu corpo está ausente, mas deixo as coisas acontecerem. Tento pensar em outra coisa, em qualquer lugar. Cada toque dela me dá uma sensação de desconforto, como se minha pele soubesse o que eu ainda não tive coragem de admitir. Finjo gemidos para que ela não perceba o quanto estou longe dali.

Depois, deitamos em silêncio. Ainda nua, encaro o teto e tento reunir coragem para dizer:

— Semana que vem eu vou sair com a Luana.

Ela vira para mim, o rosto já se fechando.

— Posso ir?

— Não, Vitória. Eu quero sair com a minha amiga, só nós duas.

— Você já foi sozinha pro aniversário dela. Não precisa sair de novo.

— Mas eu quero. O que custa?

Ela se senta na cama, encarando-me como se eu tivesse confessado um crime.

— Vocês têm um caso?

— Claro que não! — respondo, irritada. — Isso é só coisa da sua cabeça.

— Se você for... eu vou também.

Suspiro fundo. Sinto a raiva, a frustração e o cansaço como um peso sobre o peito.

— Então eu não vou mais.

Me levanto, ainda nua, e sigo até o banheiro. Ouço seus passos atrás de mim.

— Quer dizer que vai deixar de sair só porque eu vou? — pergunta, num tom mais acusatório do que curioso.

— Sim. Porque eu quero sair com as minhas amigas. Não com você.

— Mas você tem que entender que é comprometida, Grazi. Você não é mais solteira.

Não respondo. Estou cansada. De discutir, de justificar, de me explicar. Entro no chuveiro e deixo a água escorrer como se pudesse me lavar de tudo isso.

Ela entra no banheiro pouco depois, tenta me tocar, mas dessa vez eu recuo.

— Não, Vitória. Hoje não.

Ela não insiste. Apenas se encosta na parede e, lentamente, começa a se masturbar diante de mim, como se quisesse provocar ou reafirmar algum tipo de poder. Assisto à cena em silêncio, sem saber o que sentir. Depois, saio do banheiro, visto uma camiseta larga e me deito.

Não demora muito para o sono me vencer. Estou exausta demais para pensar, sentir ou reagir.

Só quero dormir.

Para esquecer esse dia — e essa noite horrível — tento buscar qualquer coisa que acalme meus pensamentos. O nó na garganta se forma silenciosamente, pesado, como se me sufocasse de dentro para fora. Sinto meu peito apertar e a vontade de chorar vem, mas seguro. Não porque quero ser forte, mas porque estou exausta até mesmo para isso.

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