CAPÍTULO 1 —
A cidade parecia mais escura naquela noite. O céu chorava uma chuva fina e silenciosa, como se tentasse limpar os pecados que se acumulavam entre prédios e calçadas. Luna desceu do táxi sem dizer uma palavra. O vestido preto colava ao seu corpo por causa da umidade, e o frio fazia sua pele arrepiar. Mas não era o clima que fazia seu coração bater tão forte.
Era ele.
E era o lugar para onde voltava.
O prédio diante dela era o mesmo de antes: fachada escura, janelas altas, e no centro... a porta vermelha. Nenhum letreiro. Nenhum som vindo de dentro. Apenas uma presença que parecia observá-la, esperando.
Ela hesitou. Por um instante. Mas o desejo venceu. Sempre vencia.
A maçaneta estava gelada ao toque, mas a porta se abriu sem resistência, como se soubesse que ela voltaria.
Lá dentro, o corredor era abafado, silencioso, iluminado por luzes vermelhas que deixavam tudo mais íntimo, mais perigoso. O cheiro era o mesmo: couro, perfume masculino e algo mais... cru, instintivo, quase animal.
Três passos. Foi o que ela deu antes de a voz surgir.
— Você voltou.
Aquela voz. Grave. Aveludada. Um convite perigoso disfarçado de saudade.
Ela parou. O ar fugiu dos pulmões.
Ele apareceu das sombras, como um vulto materializado de tudo o que ela lutou para esquecer. Alto. Impecável. A barba por fazer, o olhar escuro e denso como um abismo. Ele vestia um terno preto, mas a camisa estava aberta no colarinho, expondo a pele que ela conhecia bem demais.
— Isso não muda nada, — ela murmurou, com mais esforço do que gostaria de admitir.
— Muda tudo, Luna. Você não está aqui por acaso. Está aqui porque sentiu falta.
A proximidade dele a envolvia como uma corrente invisível. Ela recuou até as costas tocarem a parede fria. Ele não a encostou — não ainda — mas bastava sua presença para fazer o corpo dela responder.
— Você tentou fingir. Mas seu corpo... ele lembra.
A mão dele subiu pelo braço dela, firme e lenta, até o queixo. Levantou seu rosto com dois dedos, forçando-a a encará-lo.
— Você sente falta de se perder. De entregar o controle.
O olhar de Luna vacilou. Ela queria negar. Queria dizer que estava ali por curiosidade, por engano, por impulso. Mas ele sabia. Ele sempre soube.
— Você acha que me tem na palma da mão. — ela tentou, num sussurro.
— Não. — Ele sorriu de lado. — Acho que você se sente livre só quando está na minha.
Aquelas palavras acertaram algo nela que ela odiava reconhecer. Um arrepio percorreu sua espinha. Os dedos dele escorregaram pelo seu corpo com propriedade, até a cintura, puxando-a de leve. O toque não era bruto, mas tinha peso. Intenção.
Ela prendeu o ar quando sentiu o calor do corpo dele pressionar o dela.
— Você sente isso? Esse vazio entre as pernas? Esse pulso que bate no seu ventre, implorando pra ser tocado?
Ela não respondeu, mas os olhos se fecharam por um segundo. Frustração. Desejo. Raiva de si mesma.
Ele deslizou a mão pela lateral da coxa dela, subindo devagar, e parou logo abaixo da barra do vestido.
— Você ainda usa renda pra mim? Ou é pra fingir que é outra pessoa, quando se olha no espelho?
O vestido subiu alguns centímetros com um puxão sutil. Ela soltou um suspiro baixo. Ele não a tocava onde ela mais queria. Ele brincava com a distância, com o limite. E isso era pior do que qualquer toque. Ou melhor.
A boca dele roçou seu pescoço. Não foi um beijo. Foi um aviso.
— Você está molhada por mim, não está? Mesmo agora, com a cabeça dizendo "não" e o corpo gritando "mais".
Ela arfou. Uma das mãos dela se fechou no tecido do paletó dele. Era como tentar agarrar o próprio abismo.
— Você gosta disso. — ela disse, com a voz embargada. — De me ver dividida.
— Gosto de ver você real. Sem controle. Sem defesas. Gosto de lembrar que ninguém te conhece do jeito que eu conheço.
Ele se afastou um pouco, apenas o suficiente para ela abrir os olhos e encará-lo de novo. A frustração e o desejo dançavam juntos dentro dela.
— Suba. Sala Vermelha. — ele ordenou, e então tocou de leve o queixo dela com os dedos. — Lá em cima... você vai se lembrar de quem você realmente é.
Ela soube, naquele instante, que estava perdida.
Mas em vez de recuar, ela virou de costas. E subiu os degraus, um a um, sentindo os olhos dele queimando em cada passo.
A Sala Vermelha esperava.
E ela, pela primeira vez em muito tempo... queria se perder de novo.
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CAPÍTULO 2 —
Os degraus rangiam sob seus pés, como se guardassem memórias antigas. Luna subia devagar, cada passo ecoando dentro de si como um lembrete: ela estava indo em direção ao que jurou evitar. Mas o corpo traía a mente. Como sempre.
No topo da escada, a luz era mais intensa. Vermelha, viva, pulsante. A porta ao final do corredor parecia respirar, como se estivesse viva — esperando por ela, faminta.
Ela parou diante dela.
Por um segundo, sua mão hesitou. Mas então a voz dele veio de baixo, firme como uma ordem sussurrada:
— Entre.
A maçaneta estava quente. Diferente da outra. Como se aquela sala tivesse um fogo próprio, alimentado por desejos velhos e promessas que nunca morreram.
Luna entrou.
A Sala Vermelha era exatamente como lembrava. Paredes acolchoadas em veludo escarlate, uma lareira acesa, sombras dançando no teto. No centro, uma poltrona de couro escuro — imponente, solitária. E atrás dela, ele.
Ele não sorriu. Apenas a observou, como se cada movimento dela fosse uma confissão. Seu olhar desceu lentamente pelo corpo dela, despindo-a sem tocar.
— Tire o vestido.
Ela engoliu em seco. A frase não era um pedido. Era um ritual. Um lembrete do que os unia ali dentro — onde o mundo lá fora deixava de existir.
Ela puxou lentamente o zíper. O tecido caiu com a graça de algo inevitável. Ficou de pé, diante dele, em silêncio, de lingerie preta e pele arrepiada.
Ele se aproximou devagar, como uma sombra ganhando forma.
— Você não precisa fingir aqui, Luna. — Ele disse, parando a centímetros dela. — Aqui, você só precisa sentir.
Os dedos dele deslizaram pelo pescoço dela, pela clavícula, até o centro do peito. Lentamente. Como se a estivesse redesenhando.
— Eu sinto tudo. — ela sussurrou, quase com raiva de si mesma.
Ele inclinou a cabeça, o olhar agora mais brando.
— E é por isso que você voltou.
Ele se sentou na poltrona e abriu espaço entre as pernas. Estendeu a mão para ela.
— Vem. Me mostra o que você não mostra pra ninguém.
Luna não hesitou. Deixou os sapatos caírem no caminho e se sentou no colo dele, os joelhos de um lado e de outro. Ele a recebeu como se já tivesse esperado por aquele momento desde sempre.
O mundo pareceu encolher ali. Tudo o que existia era o calor da pele dele, o cheiro conhecido, e o ritmo do coração dela acelerando contra o peito dele.
— Eu ainda sou sua? — ela perguntou, a voz quase inaudível.
Ele sorriu, lento. Perigoso.
— Você nunca deixou de ser.
Sentada no colo dele, Luna se sentia pequena. Não frágil — intensa. Como se o toque dele tivesse o poder de acender tudo que ela tentou apagar. As mãos dele estavam ali, firmes em sua cintura, como quem segura algo precioso… ou perigoso demais para escapar.
— Você nunca deixou de ser minha, Luna. — ele repetiu, com a voz baixa, encostando a testa na dela. — Só tentou esquecer o que somos juntos.
Ela fechou os olhos por um segundo, sentindo o calor que subia pelo corpo. As mãos dele exploravam com calma, como se redescobrissem um território já conquistado. E cada movimento, cada toque, fazia com que ela se lembrasse... do quanto sentiu falta.
Os lábios dele encostaram nos dela, sem pressa. Um beijo sem urgência, mas cheio de lembranças. Era como se dissesse “eu sei o que você gosta, eu sei como você se perde”. E ela odiava como o corpo respondia tão rápido. Como a respiração ficava curta. Como o controle escorregava pelos dedos.
Ele separou o beijo com um leve puxão no lábio inferior, mantendo o olhar preso no dela.
— Ainda tem medo do que sente aqui dentro? — ele perguntou, encostando a mão aberta sobre o peito dela.
— Tenho medo de gostar demais. — ela admitiu, em um sussurro frágil.
Ele passou o polegar pelo queixo dela, erguendo levemente o rosto.
— E se for exatamente isso que você precisa?
As palavras dele a atingiam como lâminas suaves: cortavam sem machucar, marcavam sem sangrar. Ela queria dizer que ele estava errado. Que tudo aquilo era loucura. Mas, ali, sentada sobre ele, com a pele acesa e a alma inquieta, ela sabia a verdade.
Ela precisava daquilo. Precisava se perder pra lembrar quem era.
— Me mostra. — ela pediu, com a voz firme. — Me mostra quem eu sou aqui dentro.
Os olhos dele brilharam. Não com arrogância — mas com um prazer sombrio, de quem acabava de ouvir a confissão que esperava.
Ele a virou com um movimento preciso, fazendo com que ela ficasse de frente para ele, os joelhos apoiados na poltrona. O corpo colado, o vestido agora uma lembrança esquecida no chão. Uma das mãos dele segurou os pulsos dela e os levou até o encosto da poltrona.
— Fica assim. Quero que sinta sem se esconder.
Ela obedeceu. O couro frio contra os braços. A respiração dele na nuca. Os dedos explorando cada centímetro, subindo lentamente pelas coxas, pela lateral da cintura, pelas costas nuas.
— Aqui... você não precisa ser forte. Não precisa mentir. Aqui, você pode... sentir tudo.
E ela sentiu.
Sentiu o toque, a pressão, a ausência dele em certos lugares e a intensidade em outros. Ele a levava até o limite e voltava, como quem conhece o mapa do prazer com olhos fechados. E ela se desfazia em cada nova onda, em cada nova provocação.
— Você está linda assim... rendida. — ele sussurrou, como quem admira uma obra feita só pra ele.
Ela virou o rosto, os olhos marejados — não de tristeza, mas de verdade. E naquele olhar, ele viu. Ela estava ali por inteiro. Sem escudos. Sem máscaras.
— Eu odeio que você me conheça tanto. — ela disse, com a voz embargada.
— E eu amo cada parte que você tenta esconder.
O silêncio que veio depois dizia mais que mil palavras.
E no fundo da sala, a lareira queimava... como os dois.
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Capítulo 3 –
Helena não sabia ao certo quanto tempo passou sentada no chão, com as costas coladas à parede, como se pudesse fundir-se a ela e desaparecer. A noite anterior parecia embaçada em sua mente, mas o calor dos toques que não pediu, o gosto de metal na boca e o cheiro de álcool barato ainda estavam impregnados nela como uma segunda pele.
Ela não queria lembrar, mas seu corpo lembrava por ela.
A porta vermelha no andar de cima permanecia fechada. Ainda assim, Helena sentia como se ela estivesse entreaberta, chamando. Desde que a atravessara pela primeira vez — ou pensara ter atravessado — algo dentro dela estava diferente. Algo fora arrancado. Ou talvez, revelado.
No espelho da sala, o reflexo dela parecia mais magro, os olhos fundos, famintos. Ela se observava com uma espécie de nojo curioso. Aquela ali... aquela era mesmo ela?
As vozes voltaram.
Não gritavam. Não sussurravam. Apenas... falavam, como se tivessem sempre estado ali, em algum canto da casa, ou da mente. E agora, ganhavam coragem. Uma coragem que crescia a cada vez que ela hesitava.
"Você deixou", disse uma delas. A voz era feminina, familiar, ácida como um gole de vinho estragado.
"Você não lutou", insistiu outra. Mais baixa, quase infantil.
Helena apertou os ouvidos, as mãos tremendo. Queria gritar, mas só o silêncio saía da garganta. Desde aquela noite, desde aquele toque gelado atrás da nuca, desde aquela respiração que invadia seu pescoço sem permissão, algo dentro dela havia se quebrado — e ninguém percebeu. Ninguém quis ver. Nem as amigas da faculdade, nem a mãe sempre ocupada. Só um viu: ele.
Nicolas.
O vizinho. O encantador. O que disse que ela era diferente. Que não precisava fingir. Que "entendia" as dores que os outros não queriam ouvir. Ele lhe ofereceu chá, depois vinho. Um sofá confortável. E, depois... ela não lembrava de tudo. Mas sabia o suficiente. Sabia que não dissera sim.
Na manhã seguinte, ele agiu como se nada tivesse acontecido. Mandou mensagem com um emoji risonho, perguntou se ela havia dormido bem.
Ela não respondeu. Mas ele continuava passando na frente da casa. Às vezes deixava flores. Uma vez deixou um espelho pequeno com moldura dourada. "Para você se lembrar de como é linda", dizia o bilhete. Ela o jogou fora, mas naquela noite sonhou com o espelho. Sonhou com o reflexo dela sorrindo — e segurando uma faca.
A campainha tocou.
Helena sobressaltou-se, os olhos ainda presos no espelho maior da sala. O reflexo dela não se moveu. Mas o som do sino ecoou alto. Era real. Alguém estava ali.
Com passos cautelosos, caminhou até a porta. Espiou pelo olho mágico.
Era Clara.
Sua amiga dos tempos da pós, a única que ainda insistia, que deixava mensagens mesmo sem resposta. Clara estava com uma sacola nas mãos e uma expressão de preocupação genuína.
Helena hesitou, mas abriu.
– Helena... meu Deus. – Clara a abraçou sem esperar. – Você sumiu. Eu fiquei preocupada. Recebi tua última mensagem... e depois, nada.
Helena não disse nada. O toque de Clara era quente, gentil, e ao mesmo tempo insuportável. Ela não queria ser tocada, mas também não queria estar sozinha. Estava presa num entre-lugar onde o carinho arranhava.
– Trouxe comida. E chá. – Clara entrou sem pedir, caminhando como quem já conhecia o espaço. Parou diante do espelho. – Você ainda tem esse? É lindo.
Helena congelou. O espelho parecia brilhar um pouco mais. E por um breve segundo, ela viu: Clara ali dentro, mas com os olhos pretos como carvão e um sorriso torcido.
– Ele não era meu. – Helena murmurou. – Ele... deixou aqui.
Clara se virou.
– Quem?
– Nicolas.
O nome pareceu escorrer da boca de Helena como veneno.
Clara franziu a testa.
– O vizinho? Aquele cara estranho?
Helena assentiu. Pela primeira vez, as lágrimas vieram. Lentas, silenciosas. Um colapso calmo.
Clara pousou as sacolas e a segurou pelos ombros.
– O que aconteceu, Helena?
A casa tremeu.
Um estalo no andar de cima.
Ambas olharam para cima, instintivamente.
– Tem mais alguém aqui? – Clara perguntou.
Helena não respondeu. O rosto dela estava vazio. A voz no espelho voltou.
"Conta pra ela. Conta tudo. Ou eu conto."
O reflexo sorria agora. Com prazer. Como se saboreasse o momento.
Helena levou a mão à garganta. O peso da culpa, da vergonha, da raiva — tudo emaranhado como raízes que apertavam o peito.
– Ele me tocou. – A voz dela era pequena, rouca. – Eu... eu não queria. Mas ele me fez... achar que era minha culpa.
Clara arregalou os olhos, apertando os lábios. Mas não recuou. Abraçou-a com firmeza.
– Não é tua culpa. Nunca foi.
Helena fechou os olhos. Mas o reflexo não.
O reflexo ria.
E por um segundo, algo se moveu por trás do espelho. Como se houvesse espaço ali dentro. Como se alguém — ou algo — aguardasse.
A porta vermelha se abriu sozinha no andar de cima.
E Helena soube: a casa ouvira.
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