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CORES PROIBIDAS

Capítulo 1 – Traços Incompatíveis

Na arte, cada traço revela algo além do que se vê.

Era essa a frase que decorava o mural de entrada da Faculdade de Artes Visuais. As folhas secas dançavam no vento enquanto alunos passavam pelos prédios modernos carregando sketchbooks, pincéis e pastas, com olhares atentos, fones de ouvido e aquele ar despreocupado típico de quem vive entre cores e formas.

Ayden não era um deles.

Caminhava com passos firmes, como se cada metro fosse cronometrado. A camisa impecável, a pasta preta perfeitamente alinhada com o braço, os cabelos em seu devido lugar. Nada em Ayden Volkova era deixado ao acaso. Nem sua expressão — fria e centrada — nem o silêncio calculado com que atravessava o pátio.

“Perfeição não é uma escolha. É o mínimo que esperam de mim.”

O pensamento veio como um lembrete amargo, mas necessário.

A sala já estava movimentada quando chegou. Conversas dispersas, risadas abafadas, papéis sendo organizados. Ayden sentou-se na primeira fileira, como sempre. Professor Seong, jovem demais para o cargo, mas misterioso o bastante para ser respeitado, ajustava o projetor com calma.

Nathan, seu colega de turma e a única pessoa que Ayden tolerava por mais de dez minutos, encostou-se discretamente ao seu lado.

— Nervoso? — sussurrou.

— Com um trabalho em grupo? — Ayden respondeu sem desviar os olhos da lousa. — Com sorte, me colocam com alguém que não estrague tudo.

Foi então que a porta se abriu com um estrondo.

Kai entrou com os fones pendurados no pescoço, como se o tempo funcionasse em outro ritmo pra ele. O cabelo bagunçado, a camiseta larga revelando uma tatuagem que subia pelo braço, a mochila jogada em um ombro só. Ele era o oposto de Ayden em tudo — e parecia não se importar nem um pouco com isso.

Alunos começaram a cochichar.

— Quem é esse?

— Novo?

— Bonito demais pra ser só bagunçado...

Ayden ergueu os olhos e encarou Kai com uma expressão neutra. Mas por dentro, sentia um leve incômodo. Como alguém como aquele cara poderia sequer estar matriculado ali? Ainda mais numa turma avançada.

“Mais um que acha que aparência compensa talento”, pensou, com um suspiro silencioso.

Professor Seong sorriu com aquele ar calculadamente enigmático que já se tornara sua marca.

— Excelente, todos aqui. Agora, formem duplas. Vocês têm duas semanas para criar uma obra conjunta sobre... “Conflito e Contraste”.

O coração de Ayden afundou. Trabalho em dupla.

Kai bocejou, olhando ao redor como quem não sabia — ou não ligava — para quem eram as pessoas ali. Até que os olhares se cruzaram. E o destino foi cruel.

— Kai e Ayden — anunciou Seong, como se selasse um veredito.

— Parece que você tirou a sorte grande, príncipe — disse Kai, com um sorriso debochado.

Ayden não hesitou:

— E você, o azar.

O clima mudou. Era quase palpável, como eletricidade no ar. Os dois se encararam por longos segundos. Ao redor deles, os sons pareciam diminuir, e tudo ficou dividido em dois tons — frio de um lado, quente do outro.

Conflito e contraste.

Sim. Aquilo ia dar problema.

Ou... ia render uma obra inesquecível.

Capítulo 2 – Linhas de Atrito

no saguão do campus, um lugar amplo com paredes de vidro e mesas de mármore, onde a luz do sol entrava em diagonais perfeitas, iluminando cada detalhe do espaço. Ayden havia chegado quinze minutos antes, como sempre fazia, pontualidade sendo uma de suas muitas obsessões. Seu sketchbook estava aberto sobre a mesa, a caneta deslizando com precisão entre traços retos e sombras calculadas, cada movimento um testemunho de seu controle meticuloso.

Kai chegou com o sol refletindo em seus piercings, a mochila caída nas costas de um jeito que sugeria desleixo, mas também uma certa rebeldia calculada. Jogou-se na cadeira à frente de Ayden, esticando as pernas com um suspiro entediado, como se já estivesse cansado antes mesmo de começar.

— Que animado você tá — Ayden disse, sem erguer os olhos do papel, a voz tão seca quanto o traço de sua caneta.

— Você tá animado o suficiente pelos dois — retrucou Kai, apoiando o queixo na mão, os dedos batendo uma batida irregular na mesa. — Qual é o plano, chefe? Você me manda desenhar enquanto finge que fizemos juntos?

Ayden ergueu os olhos, o olhar cortante como vidro, capaz de furar até a couraça de indiferença de Kai.

— O plano é que eu não preciso que você faça nada. Só não atrapalhe.

Kai sorriu, daquele jeito que irritava mais do que qualquer insulto. Um sorriso que dizia: eu sei que você me odeia, e eu adoro isso.

— Relaxe, príncipe. Eu sei desenhar. Só não sigo a cartilha da perfeição.

— Ah, é. Você prefere o caos estilizado e sem técnica.

— E você prefere um caixão de regras onde a criatividade vai pra morrer.

A tensão crescia a cada troca de palavras, o ar entre eles carregado de uma eletricidade quase palpável. O contraste entre os dois era quase simbólico — como se a proposta do trabalho tivesse sido pensada só para eles, uma ironia do destino ou, quem sabe, um teste cruel do professor.

— “Conflito e Contraste”… — Ayden murmurou, batendo a ponta da caneta contra a mesa, o som ecoando como um metrônomo. — Talvez o professor tenha feito isso de propósito.

— Aposto que sim — Kai riu, o som áspero e despretensioso. — Deve ser fã de reality show.

— Isso aqui é sério, Kai. Essa apresentação vale 30% da nota final.

— Relaxa. Eu não tô aqui pra afundar ninguém. Não sou tão cruel.

— Só preguiçoso.

— E você, só é insuportável.

O silêncio caiu sobre a mesa por alguns segundos, mas havia algo nele que não era vazio. Era denso. Tenso. Como um campo magnético prestes a entrar em curto, a energia entre eles acumulando-se em ondas invisíveis.

Kai se levantou primeiro, pegando uma caneta qualquer da mochila, um modelo barato que ele provavelmente havia roubado de alguma sala de aula.

— Ok, me mostre o que você tem aí. Vamos ver se sua perfeição sabe trabalhar em equipe.

Ayden hesitou, os dedos tensionando por um instante antes de virar o sketchbook. Havia uma cena rascunhada: dois personagens presos dentro de uma moldura quebrada, um em preto e branco, com linhas precisas e sombras impecáveis, o outro em cores vibrantes, quase transbordando dos limites do papel.

Kai se aproximou, os olhos vagando pelo desenho, a postura relaxada dando lugar a uma atenção incomum. Por um momento, ele ficou sério, a máscara de desdém escorregando.

— Isso é... bom.

— “Bom”? — Ayden franziu o cenho, como se a palavra fosse um insulto disfarçado.

— Não me entenda mal. Eu detesto admitir, mas... tem algo aí.

Ayden observou Kai com cautela, os músculos da mandíbula tensionados. Aquela mudança súbita no tom, quase respeitosa, era desconcertante. Não era o que ele esperava.

Kai se sentou de novo, pegou seu próprio sketchbook e o abriu com um movimento brusco. O estilo era completamente diferente: rabiscos soltos, linhas curvas e distorcidas, como se cada traço fosse um reflexo direto de seus pensamentos. Mas havia expressão, força, intensidade — algo que Ayden não podia ignorar, por mais que tentasse.

Ayden não quis admitir, mas aquilo também... era bom.

Talvez, pensou ele com irritação, o problema fosse exatamente esse. Eles eram bons demais… um ao lado do outro. E isso, de alguma forma, era pior do que qualquer rivalidade.

Capítulo 3 – Rascunhos de Guerra

O segundo encontro aconteceu na biblioteca, em uma sala reservada para estudos em grupo. As paredes eram revestidas por estantes altas, o cheiro de papel antigo preenchia o ar, e o silêncio absoluto parecia um campo de batalha prestes a explodir.

Kai chegou atrasado. De novo.

Ayden já estava sentado, com os braços cruzados e o maxilar travado.

— Quinze minutos de atraso — ele disse, sem sequer virar o rosto. — Isso já diz tudo sobre sua ética.

Kai largou a mochila no chão e afundou na cadeira, relaxado demais para alguém que deveria estar se desculpando.

— Você deve ser ótimo em festas. Aquele cara que cronometra até o brinde.

— Eu sou o tipo de pessoa que respeita o tempo dos outros. Coisa que, claramente, você não aprendeu.

— Talvez porque o tempo comigo vale mais.

Ayden se virou, encarando-o com desprezo.

— Você realmente acha que esse charme barato funciona com todo mundo?

Kai deu um meio sorriso e se inclinou sobre a mesa, reduzindo a distância entre eles.

— Com todo mundo, não. Mas em você... parece despertar algo interessante.

Ayden recuou levemente, mas manteve a expressão fria.

— O que desperta em mim é vontade de gritar.

— Gritar... ou gemer?

Ayden piscou devagar, como se tentasse manter o controle. A provocação era constante, afiada como faca. Mas havia algo mais ali — uma tensão latente que nem ele conseguia explicar.

— Se está tentando me desestabilizar, vai ter que se esforçar mais — respondeu, enfim.

Kai deu de ombros, rindo baixinho.

— Ainda estamos só no esboço, príncipe.

Eles passaram os próximos minutos ajustando o conceito do projeto. A proposta final era ousada: dois painéis unidos por uma linha tênue, onde um representaria ordem absoluta e o outro, caos irrestrito. Cada um desenharia o oposto de si mesmo.

— Então eu fico com o caos — disse Ayden, sem hesitar.

Kai ergueu uma sobrancelha.

— Uau. Autoestima é algo curioso em você. Por que não faz o que sabe e me deixa com o caos?

— Porque eu quero o desafio. Ver o mundo como você o vê. Me provar que posso dominá-lo também.

— E eu vou tentar ser certinho, metódico e... entediante?

Ayden olhou para ele, com um leve arquejo no canto da boca. Não era bem um sorriso. Era um aviso.

— Surpreenda-me.

Por um segundo, o silêncio voltou. Mas agora ele carregava outra coisa. Não mais apenas provocação... havia uma curiosidade mútua, disfarçada de desafio.

— Você se leva a sério demais, sabia? — murmurou Kai, enquanto pegava um lápis do estojo de Ayden sem pedir.

— E você não se leva a sério o suficiente. Talvez seja por isso que ainda não descobriu seu próprio potencial — retrucou Ayden, puxando o estojo de volta.

Kai apenas sorriu, e dessa vez o sorriso era mais real. Ele observava Ayden com atenção, como se estudasse uma obra de arte em construção — imperfeita, mas fascinante.

— Eu vou fazer você sair dessa pose de princesa de gelo, Ayden. Cedo ou tarde.

— Boa sorte tentando.

Quando Kai saiu da sala, Ayden deixou os dedos tocarem os próprios lábios. Ele não sabia se queria vencer Kai… ou decifrá-lo.

E isso, para alguém como Ayden, era o começo do perigo.

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