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Meu Namorado Misofóbico

Capítulo 1

A Coreia do Sul é um país de extremos. Arranha-céus modernos se erguem ao lado de templos antigos, luzes de neon iluminam vielas estreitas onde a realidade pesa mais do que qualquer promessa de futuro. Seul, seu coração frenético, pulsa com intensidade dia e noite — mas também sabe esconder bem suas rachaduras.

Nos distritos mais pobres da cidade, onde o som dos metrôs se mistura com gritos abafados de lojas pequenas e o cheiro constante de fritura barata, vivem aqueles que a capital prefere esquecer. Entre eles, está Jang Taehwan.

Aos dezenove anos, Taehwan já parecia ter vivido demais. Seus olhos, fundos e sempre semicerrados pelo cansaço, carregavam olheiras tão profundas quanto os pensamentos que ele nunca dizia em voz alta. Os dedos amarelados pelo cigarro e os cabelos pretos caindo desordenados sobre a testa reforçavam sua imagem de alguém que estava sempre no limite — mas que, de alguma forma, ainda chamava atenção. Era bonito de um jeito torto, meio perdido, como se o mundo tivesse batido nele mas esquecido de arrancar o charme.

Trabalhava na parte de logística de um mercado local, empilhando caixas, anotando códigos e fumando escondido nos fundos durante os intervalos. Era lá que passava seus dias, sobrevivendo como podia, desviando das memórias de uma infância em gritos e portas batendo. E foi nesse cenário sem glamour que ele a conheceu.

Kim Areum tinha quinze anos e frequentava o ensino médio vestindo o uniforme mais liso, mais bem passado, tentando ser uma boa filha — mesmo quando ninguém parecia notar. Tinha uma beleza leve, quase apagada, mas havia algo em seus olhos grandes e castanhos que chamava atenção. Uma mistura de inocência e força, como uma flor que insiste em crescer no concreto.

Ela foi ao mercado com a mãe uma vez, e depois voltou sozinha. Dizia que era só para comprar balas ou suco, mas no fundo, era por causa dele. Taehwan falava pouco, mas sorria de um jeito que fazia Areum esquecer o peso que já carregava por ser a menina certinha da casa que ninguém escutava.

Ele também notou. Notou o jeito dela olhar de lado, o nervosismo ao passar o troco, a forma como ela ria baixinho das piadas sem graça que ele soltava para quebrar o tédio. Não foi amor — foi curiosidade, carência, necessidade. Dois mundos quebrados tentando se encaixar por alguns minutos de distração.

Eles começaram a se ver fora do mercado, sempre escondidos. Ele a levava para casa quando o turno terminava tarde, ela dizia que ia dormir na casa de uma amiga. Uma noite, entre beijos apressados e promessas sussurradas no escuro, Areum se entregou.

Foi na casa dele, um apartamento pequeno com paredes úmidas e cheiro de cigarro. A camisinha estourou. Eles riram na hora, sem entender o que isso significava de verdade. Só dias depois, quando Areum começou a enjoar e chorar no banheiro da escola, é que o peso real caiu sobre os ombros ainda frágeis dela.

Taehwan não soube o que dizer. Ficou em silêncio, tragou um cigarro atrás do outro e apenas balançou a cabeça. Estava com medo — dela, do bebê, de si mesmo. Mas não fugiu por completo. Ainda aparecia, às vezes. Nos fins de semana. Com as mãos tremendo, os olhos fundos demais, e um cigarro entre os dedos.

E foi assim que a história começou.

Com um erro.

Com uma ausência.

Com duas vidas se cruzando no pior momento possível.

E, no ventre de uma menina de quinze anos, crescia a história que ainda estava por vir.

Capítulo 2

Os primeiros dias passaram em silêncio.

Areum escondia o enjoo como podia, dizendo que era só uma virose. Começou a usar roupas mais largas, prendia o cabelo de forma diferente, evitava o espelho. Na escola, tentava manter o foco nas aulas, mas tudo parecia mais distante agora, como se ela estivesse assistindo à própria vida de fora.

Ela não contou a ninguém.

Nem para as amigas — que eram mais colegas do que confidentes — nem para a mãe, que andava ocupada demais reclamando das contas. O pai quase não falava com ela, e quando falava, era para cobrar, exigir, ordenar.

Mas o corpo dela começou a mudar.

Era sutil no início: a pele mais sensível, os seios inchando, um brilho estranho no olhar. Depois veio o inchaço no abdômen, leve, como se o próprio corpo quisesse gritar o que ela tanto tentava esconder. E então, a mãe notou.

Não perguntou. Invadiu o quarto num fim de tarde e puxou Areum pela blusa. Gritou.

Chamou de mentirosa, de vergonha, de tudo o que Areum temia ser.

O pai ficou em silêncio por longos segundos. Depois, soltou um suspiro pesado e virou as costas. Como se ela tivesse deixado de existir ali mesmo.

Naquela noite, a casa virou ruína. As palavras voaram afiadas, as portas bateram.

E Areum, com os olhos cheios de lágrimas e uma mochila nas costas, foi expulsa.

A rua parecia mais fria do que nunca.

O vento cortava a pele como julgamento.

Ela andou por quase uma hora até chegar no apartamento de Taehwan.

Era um prédio velho, com escadas barulhentas e paredes mofadas. O cheiro de cigarro era mais forte do que ela lembrava. Quando ele abriu a porta, estava de camiseta larga e olhos vermelhos — provavelmente fumando alguma coisa que deixava o mundo mais leve.

Areum estava tremendo.

Mas não chorou.

— Eles me expulsaram — ela disse, baixinho. — Descobriram. Eu… não tenho pra onde ir.

Taehwan ficou parado por alguns segundos. O coração dele deu um pulo estranho, algo entre pânico e amor bruto. Ele olhou para ela, para a barriga ainda pequena, para os olhos cheios de medo — e não pensou duas vezes.

— Vem. Entra.

Ele sabia que não era o homem ideal. Sabia que tinha vícios, que sua vida era um emaranhado de tentativas falhas e arrependimentos abafados. Mas também sabia de uma coisa: ele amava aquela garota.

Areum era a única luz em meio à sua bagunça silenciosa. E agora, ela carregava algo que também era dele. Algo que poderia mudar tudo.

Ele limpou o canto da sala, colocou um colchão extra no chão, pegou travesseiros velhos e tentou deixar o espaço menos hostil. Prometeu, em silêncio, que ia tentar.

Tentar ser melhor.

Tentar ser mais presente.

Tentar fazer dar certo — nem que fosse pela primeira vez na vida.

Não seria perfeito.

Ele ainda fumaria às escondidas. Ainda sumiria em pensamentos que Areum não entenderia. Mas, agora, ele tinha um motivo. Tinha uma chance.

E chances, para quem veio do nada, são mais valiosas do que qualquer promessa de final feliz.

Capítulo 3

Os dias passaram, mais rápidos do que eles gostariam.

Taehwan começou a chegar mais cedo no trabalho. Parou de faltar, parou de brigar com o gerente e até trocou de camiseta quando dava tempo. Tinha medo de perder o emprego — não por ele, mas por ela. Por eles.

Nos horários de almoço, largava o celular e puxava conversa com colegas mais velhas, mães solteiras, ou amigas de colegas que já tinham passado por gravidez. Perguntava de um jeito meio torto, sem saber se era vergonha ou orgulho o que engasgava sua voz.

— Como você sabia qual fralda comprar? — perguntava, apoiado na pilha de caixas.

— O que você dava pra sua namorada comer no último trimestre?

— Berço pode ser de brechó, né? Não precisa ser novo?

Nos fins de semana, batia perna pela cidade. Andava por becos escondidos e mercados de bairro, comparando preços. Achou um berço usado com uma das grades tortas — consertou com arame e esponja. Lavou com sabão e ficou orgulhoso. Pegou algumas roupinhas pequenas, já meio desbotadas, mas cheias de história.

Parou diante de uma prateleira de fraldas por mais de dez minutos. Não sabia que existia tanta variedade. Pegou a mais barata, depois a do meio. Guardou os panfletos com promoções. Agora, carregava uma sacola de pano com itens de bebê no caminho pra casa. E, às vezes, uma peça de roupa pra ela também — um moletom confortável, uma legging que viu na liquidação, um creme que disseram que era bom pra estrias.

Taehwan ainda fumava no quintal do prédio. Mas, agora, lavava as mãos antes de entrar.

Enquanto isso, Areum seguia firme. Ia para a escola todos os dias, uniforme cada vez mais apertado, olhar cada vez mais maduro. Sentava no fundo da sala, escrevia com atenção, anotava tudo. Queria continuar estudando até o último dia possível. Até o bebê vir ao mundo.

No apartamento, cuidava de tudo como se fosse dela desde sempre. Passava pano no chão, lavava a louça, dobrava as roupas com paciência. Cozinhava arroz, legumes, às vezes tentava algo mais elaborado que via na internet com o celular emprestado de Taehwan.

Ele chegava e encontrava tudo limpo, cheiroso. A mesa posta, com dois pratos. E ela, sorrindo cansada, de cabelo preso com uma piranha torta, barriga já marcando sob a camiseta velha dele.

— Você comeu direito hoje? — perguntava ele, sentando.

— Comi sim. E você? — ela respondia, colocando mais arroz no prato dele.

As conversas ficaram mais fáceis. Riam de piadas internas, discutiam nomes para o bebê, brigavam pelo controle remoto. Não era romântico. Era real. Era o tipo de intimidade que nasce quando duas pessoas enfrentam o mundo juntas, mesmo sem saber direito como.

E, entre os restos de cigarro apagado e a panela com arroz queimado, algo estava nascendo.

Não só um bebê.

Eles estavam virando um casal.

Não no sentido perfeito da palavra — mas no mais sincero.

Eram dois jovens quebrados tentando, tropeçando, cuidando um do outro à sua maneira.

E isso, por enquanto… era o suficiente.

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Cena Extra – Uma Receita e Dois Desastres

A chuva batia forte nas janelas, grossa e preguiçosa, como se o céu também estivesse cansado. A luz amarelada da cozinha dava um ar aconchegante ao pequeno apartamento, enquanto o som da água lá fora criava um fundo perfeito para a cena que se desenrolava.

Areum, com cinco meses de gravidez e um avental amassado amarrado por cima da camiseta de Taehwan, mexia uma panela no fogão com a concentração de um cirurgião. Taehwan, de cueca samba-canção e camiseta regata, segurava o celular e lia em voz alta a receita de um “doce coreano quente e fácil” que encontraram no YouTube.

— "Adicione o leite… aos poucos" — ele disse, tentando manter o tom sério.

— Já adicionei! — Areum respondeu, impaciente, mexendo a mistura que claramente estava... empelotando.

— Aos poucos, amor. Não "tudo de uma vez igual tsunami".

Ela o fuzilou com os olhos. — A próxima vez você faz sozinho, chef Michelin.

Ele ergueu as mãos em rendição, rindo. — Só tô lendo as instruções! É você que tá tratando o leite igual se fosse cimento.

— Ai, cala a boca e mexe aqui enquanto eu pego o açúcar.

Ela entregou a colher de pau pra ele e foi até o armário. Taehwan começou a mexer com vontade, exagerando nos movimentos como se estivesse tocando tambor. A mistura respingou no fogão e um pouco no chão.

— Ya! Você tá batendo ou cozinhando?

— Tô dando emoção pro prato. Isso aqui é arte!

— Isso aí é bagunça!

Areum voltou com o pote de açúcar, e quando o abriu, metade caiu direto dentro da panela.

Silêncio.

Olhares.

Ela congelada. Ele segurando o riso.

— Foi um toque de chef — ela murmurou.

— Um toque diabético, talvez — ele respondeu, e os dois caíram na gargalhada.

A mistura no fogo agora tinha a aparência e o cheiro suspeitos de algo que não deveria ser ingerido. Mas mesmo assim, eles colocaram em duas canecas e levaram para a sala, sentando no chão com as costas contra o sofá velho.

Areum tomou o primeiro gole. Fez uma careta.

— É horrível.

Taehwan tomou um gole. Tossiu.

— Tem gosto de castigo.

Ela começou a rir, segurando a barriga, tentando não se contorcer demais. Ele a olhou, com aquele sorriso torto de sempre, e disse:

— A gente pode não saber cozinhar… mas isso aqui — ele apontou entre os dois — acho que tá dando certo.

Areum se encostou no ombro dele, ainda rindo, os olhos brilhando mesmo com o gosto péssimo na boca.

— O que importa é que a gente tentou.

— E que não morreu, né? — completou ele, colocando a caneca longe, como se fosse uma ameaça química.

A chuva continuava lá fora. Mas ali dentro, naquela bagunça cheia de afeto e açúcar derramado, havia calor de verdade.

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