Parte 1 de 4
- Mãe, você tá brincando, né? Fala sério...
- Eu não tô com paciência hoje, Lara. Já chega. Ele vai ficar aqui, sim, e ponto final.
- Ele quem? Miguel?! Aquele... cara?
- Sim, aquele cara. Seu primo.
- Ele é praticamente um estranho! - Lara ergueu os braços, incrédula. - A gente se viu umas duas vezes na vida! E agora ele vai morar aqui? Aqui? No meu espaço?
- Nossa casa. - corrigiu a mãe, com calma forçada.
- Nossa casa que, até ontem, não tinha um invasor com pinta de modelo de comercial de cerveja invadindo meu território!
- Exagerada. Dramática. E mimada. - A mãe se levantou do sofá da sala, ajeitando o vestido justo no corpo. - Ele vai ficar no quarto de hóspedes, aquele do fundo. Vai trabalhar o dia todo. Nem vai te atrapalhar. Finge que ele nem tá aqui.
Lara girou nos calcanhares.
- Claro, vou fingir que não existe um homem de vinte e quatro anos, tatuado e com cara de problema andando de cueca pela casa.
A mãe ergueu uma sobrancelha.
- Ele não vai andar de cueca. Que tipo de coisa você anda imaginando?
- Não interessa! Isso é ridículo!
Ela subiu as escadas bufando, os passos ecoando pela mansão de dois andares com fachada de vidro e mármore branco. Cada cômodo parecia saído de uma revista de arquitetura. Lara tinha tudo. Carro próprio, closet do tamanho de um quarto, viagens programadas para o exterior, festas exclusivas... e controle. Ela sempre teve o controle.
Mas agora, alguém estava prestes a bagunçar isso.
E ela sabia. Sentia.
[...]
19h15.
O som dos pneus no piso de pedra ecoou como um alarme na cabeça dela. Lara estava deitada na cama, mexendo no celular, quando ouviu.
Se levantou. Caminhou até a sacada interna do andar superior, com visão completa da entrada. A porta principal foi aberta pela empregada, e então...
Ele entrou.
Miguel.
O corpo dela reagiu antes da mente. Ficou parada, respirando devagar, sentindo um calor subir. A memória era boa - lembrava do rosto, do estilo largado, do sarcasmo - mas agora... era outra coisa.
Miguel estava mais... homem.
Calça jeans escura, camiseta colada no corpo definido, barba bem feita, cabelo bagunçado de propósito, mochila nas costas, olhar direto, sem hesitar.
Ele olhou pra cima.
Viu Lara. Sorriu de canto. Sem dizer nada.
Ela franziu a testa.
- Que merda. - sussurrou pra si mesma.
Desceu as escadas com calma, como se não tivesse pressa, como se não ligasse. Mas por dentro... o coração estava batendo forte. Por raiva, claro. Só podia ser raiva.
- E aí, mimadinha. - Miguel soltou, quando ela apareceu na sala.
- E aí, fracassado. - respondeu no mesmo tom.
A mãe apareceu atrás, sorrindo sem graça.
- Crianças...
- Eu tenho vinte e quatro. - Miguel disse, jogando a mochila no sofá com um baque surdo.
- Eu tenho dezesseis e maturidade suficiente pra ver que isso vai dar merda. - Lara rebateu, cruzando os braços.
Miguel se virou devagar, encarando-a de cima a baixo. Os olhos pararam nas pernas dela - expostas por um short curto e uma blusa cropped. Não disfarçou. E ela percebeu.
- Já virou mulher, hein?
Ela quase engasgou com a audácia.
- E você ainda com essa cara de "sou gostoso e sei disso"?
- É... - ele deu de ombros. - Funciona pra maioria.
- Aqui não. - ela respondeu com firmeza.
- Veremos.
Lara se retirou da sala, sentindo o olhar dele queimar suas costas. Subiu as escadas com a coluna reta, tentando não demonstrar o quanto estava afetada.
Porque estava.
Droga, ela estava.
[...]
22h37.
A casa estava em silêncio. Lara desceu de novo, de shorts, moletom largo, cabelos soltos. Queria só pegar água.
Mas claro que o universo a odiava.
Miguel estava na cozinha. De costas, encostado na pia, tomando refrigerante direto da garrafa. Sem camisa. E com a calça de moletom pendendo perigosamente nos quadris.
Ela parou na porta.
- Tem copo nessa casa, sabia?
- Oi pra você também. - Ele virou de lado, revelando o abdômen marcado. - Tá com sono?
- Tava tentando dormir até lembrar que tem um macho alfa alojado na minha casa.
- Esse é o seu jeito de dizer que gostou da minha presença?
- Isso é meu jeito de dizer: "não enche meu saco".
- Saco... - ele riu. - Tá bom. Vou guardar esse termo. Nunca ouvi de uma princesinha de salto alto antes.
Ela entrou, pegou um copo, ignorou o fato de ele estar olhando descaradamente.
- Tem alguma razão pra você estar assim? - apontou pro peitoral dele. - Sem camisa?
- Tá calor.
- Mentira. Tá 19 graus lá fora.
- E você tá de short. Vai me censurar agora?
Ela bufou, virou o copo e bebeu de uma vez.
- Escuta, Miguel. Aqui é minha casa. Minhas regras.
- Sua casa? - Ele deu um passo na direção dela. - Não era "nossa", segundo sua mãe?
- Comigo, é diferente. Se quiser evitar problemas, mantenha distância. Evite os olhares, os comentários, as... merdas de duplo sentido.
Ele se aproximou mais.
- Mas é tão divertido te ver irritada.
- Eu não sou divertida.
- Não. - Ele sussurrou, perto demais. - Você é provocante. E isso... é ainda melhor.
Ela ficou imóvel.
Respiração presa.
Olhos fixos nos dele.
Por um segundo - só um segundo - houve silêncio. Puro, denso, elétrico.
Então ela se afastou.
- Dorme logo, Miguel.
- Já tô sonhando, Lara.
Ela girou nos calcanhares e subiu as escadas, sem olhar pra trás. Mas o coração...
O coração estava lá embaixo.
Com ele.
Parte 2 de 4
Segunda-feira. 07h20.
Lara saiu do quarto com o celular na mão e fones no ouvido, pronta pra ir ao colégio. O uniforme, claro, era personalizado — saia levemente mais curta, camisa justa e aberta um botão a mais do que o recomendado. Porque, sim, ela podia. E fazia.
Quando desceu, deu de cara com Miguel no corredor.
Ele estava de toalha.
Só de toalha.
— Aí não, né?! — Ela parou, chocada. — Isso aqui não é um motel, porra!
— Bom dia pra você também. — Ele disse, secando os cabelos com outra toalha.
— Meu Deus... — Ela desviou o olhar, tentando ignorar o abdômen molhado e definido. — Tem gente civilizada nessa casa. E eu sou uma delas.
— Jura? Porque esse olhar que você acabou de dar não foi nada civilizado, priminha.
Ela o encarou de volta, firme.
— Você se acha demais. Vai acabar quebrando a cara.
— Não posso quebrar o que você já tá querendo pegar.
— Babaca. — Ela passou por ele, esbarrando de propósito no ombro molhado.
— Gostosa. — ele murmurou, só pra ela ouvir.
Ela parou, respirou fundo e seguiu. Não ia dar trela.
Pelo menos, era o que ela dizia pra si mesma.
[...]
À noite. 19h55.
A mãe de Lara tinha saído com o pai para um jantar de negócios. A empregada já tinha ido embora. A casa estava silenciosa.
Perigo.
Lara estava na sala, zapeando os canais, jogada no sofá com um balde de pipoca e as pernas esticadas. De moletom, top e sem sutiã. Achava que teria paz.
Mas então Miguel surgiu.
De camiseta preta colada, calça jeans rasgada, e aquele perfume maldito.
— Que que é isso? Netflix e solidão? — ele se jogou no sofá ao lado dela.
— Vai embora.
— Tá me expulsando do sofá?
— Tô.
— E se eu disser que o sofá é público?
— E se eu disser que minha paciência é limitada?
Ele esticou os braços sobre o encosto, ficando mais perto dela.
— Cuidado, Lara. Quando você fica brava, dá até tesão.
Ela girou a cabeça devagar.
— Eu sou menor de idade, seu idiota. Isso é crime.
— Eu não fiz nada... ainda.
Ela segurou a pipoca com força.
— Você tá pedindo pra tomar um tapa.
— Depende... onde?
Ela jogou um punhado de pipoca nele, rindo com raiva.
— Você é um lixo!
— Um lixo que você não para de olhar. — Ele pegou uma pipoca do colo dela, bem perto da barriga, e comeu com cara de deboche.
Ela prendeu a respiração.
Era só provocação.
Mas... o clima tava errado. Ou certo demais.
Ela se levantou de repente.
— Tô indo pro meu quarto.
— Vai fugir de mim agora?
— Tô indo evitar cometer um homicídio.
— Pode matar de outra forma...
Ela se virou, o sangue fervendo.
— Você é nojento.
— Mas você tá molhada. — ele disse baixo, com o tom de quem sabe exatamente o que está fazendo.
Ela parou na escada. Apertou o corrimão. Quase voltou. Quase... respondeu algo mais baixo, mais errado, mais quente.
Mas subiu.
E bateu a porta.
No quarto, jogou o corpo na cama.
— Filho da puta.
E ficou ali.
Com o coração martelando.
[...]
Terça-feira.
As provocações continuaram. No café da manhã, ele esperou ela sair do banheiro pra esbarrar. No almoço, ela viu ele sair da piscina de bermuda colada e corpo escorrendo água. À noite, ouviu ele no quarto ao lado — ouvindo música alta, rindo ao telefone.
Ela estava ficando maluca.
Era como se ele soubesse exatamente como desestabilizá-la.
E ela estava deixando.
E odiava isso.
[...]
Quarta-feira. 01h47.
Lara acordou com sede. Saiu do quarto devagar, de camisola fina e sem muito pensar.
Na cozinha, pegou água e voltou.
Mas, ao passar pelo quarto de hóspedes, ouviu vozes. A porta estava entreaberta.
— ...não, mãe. Tô bem aqui... não, ela é uma peste. Mas linda... perigosa.
Ela parou. Parou mesmo.
Encostou no corredor, espiando.
— Não, eu sei que é errado. Mas ela provoca. Você tinha que ver... ela adora o jogo. E eu também. Mas relaxa, eu não sou louco... ainda.
Lara recuou.
O coração disparado.
Voltou pro quarto, sem conseguir respirar direito.
Ele estava falando dela.
Ele tava sentindo também.
E isso...
Isso mudava tudo.
Parte 3 de 4
Quinta-feira. 11h45.
Lara não foi pra aula.
Disse que tava com dor de cabeça.
Mentira.
Ela só queria evitar mais um dia fingindo que a presença de Miguel não a afetava. Mas isso estava ficando impossível.
A mãe tinha saído com o pai cedo - reunião de negócios em outra cidade, só voltariam de noite.
A casa estava silenciosa.
De novo.
E ela sabia que ele também estava lá.
Sozinhos.
Ela ficou no quarto a manhã inteira, mas não conseguia se concentrar em nada. Nem série, nem música, nem rede social. Só uma ansiedade irritante correndo nas veias, queimando cada parte do corpo.
12h09.
Mensagem.
MIGUEL:
Tá se escondendo de mim, princesa?
Ela mordeu o lábio.
LARA:
Vai se foder, Miguel.
MIGUEL:
Só se for com você por cima.
Ela jogou o celular no travesseiro, rindo com raiva.
Pegou de novo.
LARA:
Você é um doente.
MIGUEL:
E você adora provocar.
Ela encarou a tela por alguns segundos... e digitou.
LARA:
Eu não provoquei nada.
MIGUEL:
Não? Então por que dormiu ontem com aquela camisola transparente? Achou que eu não vi?
Ela congelou.
LARA:
Você tava espiando?!
MIGUEL:
Não precisei. A porta estava entreaberta. E você parecia saber.
Ela jogou o celular de novo.
Estava quente. Por dentro. Por fora. No rosto, no peito, nas coxas.
Ele era um desgraçado.
Mas...
Ela queria mais.
[...]
12h45.
Ela desceu pra cozinha. Com passos calculados. Queria algo pra comer. Mas também queria ser vista.
Estava com um short mínimo e uma regata branca sem sutiã por baixo.
Quando entrou na cozinha... lá estava ele.
De costas, mexendo no fogão.
Sem camiseta.
De novo.
Ela se encostou na bancada.
- Se não sabe usar uma camisa, posso comprar uma pra você.
- Se não sabe usar um sutiã, posso comprar um pra você. - ele respondeu, virando com um prato de ovos mexidos.
- Engraçadinho.
- Fome? - Ele ofereceu o prato.
- Vai envenenar?
- Tenta e vê.
Ela pegou o prato e começou a comer ali mesmo, de frente pra ele. De propósito.
As pernas dela roçaram as dele sob a bancada.
Ele não recuou.
Ficaram em silêncio por alguns segundos.
- Tá tentando me deixar louco? - ele perguntou, a voz baixa.
- Tô tentando comer. - ela respondeu, sem encará-lo.
- Tá funcionando. Os dois.
Ela o olhou.
Olhou mesmo. Olhos nos olhos.
Ali. No meio da cozinha. Os dois sozinhos. Quentes. Loucos.
- Você devia sair daqui. - ela disse.
- E deixar você sozinha?
- E evitar que eu cometa um erro.
- Ou que a gente cometa um juntos.
Silêncio.
O tempo parou.
Ele se aproximou. Devagar. Os olhos fixos nos dela. O corpo colado ao dela.
- Me beija. - ele disse.
- Você é meu primo. - ela respondeu, sem se afastar.
- E você é a garota mais insuportável e gostosa que eu já vi na vida.
- E você é um problema.
- E você tá prestes a se viciar nele.
As bocas se aproximaram.
Milímetros.
Um suspiro de distância.
E então... o celular dela vibrou.
Mensagem da mãe.
Ela se afastou como se tivesse acordado de um transe.
- Eu... preciso ir.
- Covarde. - ele disse, sem raiva. Só com aquele olhar... faminto.
Ela virou as costas e subiu correndo, o coração na garganta, as pernas trêmulas.
Fechou a porta do quarto e encostou a testa nela, ofegando.
Eles quase tinham se beijado.
Quase.
E ela queria.
Queria mesmo.
Mas aquilo...
Aquilo era perigoso demais.
E era exatamente isso que tornava tudo tão viciante.
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