A ‘Ndrangheta é um proeminente tipo da Máfia Italiana, com sede na região peninsular da Calábria, região localizada no “pé da bota” que é o mapa da Itália. É considerado o grupo de crime organizado mais poderoso do mundo e é caracterizada por uma estrutura horizontal composta por clãs autônomos conhecidos como ‘Ndrina, baseados quase que exclusivamente em laços de sangue.
Seu nome vem do grego, “andragathia”, que significa ‘coragem’ e ‘lealdade’. Sua principal atividade é o narcotráfico, do qual detém quase todo o monopólio na Europa, mas também lida com tráfico de armas, lavagem de dinheiro, extorsão e agiotagem. Suas operações abrangem todos os continentes do mundo e fatura cerca de US$60 bilhões de dólares por ano, com base em uma das regiões mais pobres da Itália.
A ‘Ndrangheta se estabeleceu como a ‘Máfia mais poderosa da Itália’, especialmente após uma forte ação policial contra a Camorra e a Cosa Nostra nas últimas décadas. A “Ordem da ‘Ndrangheta” é capaz de influenciar fortemente a política local e de se infiltrar em grandes setores da economia legal.
Fazer parte da ‘Ndrangheta é ser integrante de uma estrutura que é, em partes, negócios, ordem religiosa e exército. Lendas e códigos são abundantes, sendo utilizados para construir uma identidade coletiva para seus membros. Os rituais são uteis, porque oferecem regras a um mundo que não as possui, tornando-se a organização mais confiável do mundo, uma vez que possui suas próprias leis, voltadas para o comportamento e disciplina nas operações ilegais.
A ‘Ndrangheta está sediada na comuna italiana de San Luca, situada na região da Calábria, província de Reggio Calabria. San Luca é considerada o coração da organização mafiosa mais sanguinária da Itália e será, desde sempre, a capital da ‘Ndrangheta. Percorrer por suas ruas é mergulhar nas vísceras mais profundas da “Ordem da ‘Ndrangheta”, a poderosa e ascendente Máfia da Calábria, a rainha do tráfico de cocaína na Europa.
O corpo dirigente da “Ordem da ‘Ndrangheta” se chama CRIMINE (CRIME), que é supervisionada pelo CAPO CRIMINE (CHEFÃO DO CRIME). Abaixo dele, encontram-se os coronéis: MASTRO GIORNATA (MESTRE DO DIA), o MASTRO GENERALE (MESTRE GERAL), o CAPO SOCIETÀ (CHEFE DA SOCIEDADE) e o CONTABILE (CONTADOR).
Não existe hierarquia entre os quatro ‘coronéis’ que compõem o CRIMINE da “Ordem da ‘Ndrangheta”, apenas o CAPO CRIMINE que é o chefe absoluto.
O CRIMINE é quem controla todos os locais da “Ordem da ‘Ndrangheta” ao redor do mundo, devendo todos os membros obedecer à risca cada uma de suas ordens.
ALESSANDRO PIVANI (CAPO CRIMINE): É o líder supremo do CRIMINE da “Ordem da ‘Ndrangheta”, conhecido por sua astúcia e sabedoria.
DIEGO MARCHESE (CORONEL - MASTRO GENERALE):É um dos quatro CORONÉIS da “Ordem da ‘Ndrangheta”, responsável por supervisionar as operações e garantir a lealdade dos membros.
MARIANO CASTALDO (CORONEL - CONTABILE): É o CORONEL especialista em assuntos ocultos da “Ordem da ‘Ndrangheta”. É o responsável pela lavagem de dinheiro, fazendo o dinheiro sujo desaparecer e voltar a circular regularmente na Máfia.
LUCCA BARONI (CORONEL - CAPO SOCIETÀ):É o CORONEL responsável por proteger os interesses da “Ordem da ‘Ndrangheta” e garantir a segurança dos seus membros.
ENRICO PALLADINO (CORONEL - MASTRO DE GIORNATA):É o CORONEL encarregado de lidar com as questões mais sombrias da “Ordem da ‘Ndrangheta”, bem como responsável pelas execuções.
NÃO CONTINUE ANTES DE LER!
● ATENÇÃO!!! ESTE É O TERCEIRO LIVRO DA SÉRIE ‘NDRANGHETA! A HISTÓRIA QUE SERÁ NARRADA É
CONTINUAÇÃO DOS LIVROS ANTERIORES, “PROTEGIDA PELO MAFIOSO” E “SALVA PELO MAFIOSO”.
PORTANTO, É INDICADO QUE VOCÊ LEIA OS PRIMEIROS LIVROS ANTES DE SEGUIR; CASO CONTRÁRIO, PODE SER QUE VOCÊ NÃO TENHA UMA EXPERIÊNCIA COMPLETA DA NARRATIVA.
● Este livro é recomendado para MAIORES DE DEZOITO ANOS devido ao conteúdo e à linguagem apresentados.
● A trama deste livro se passa na Máfia Italiana da região da Calábria, conhecida como ‘Ndrangheta, e mistura fatos com ficção. Contudo, os personagens criados são fictícios e não têm ligações com pessoas reais.
● A narrativa apresentada é fruto da imaginação da autora e tem a obrigação de refletir a realidade. Não existem padrões absolutos sobre o que é certo ou errado. Vale lembrar que a autora não apoia nem tolera comportamentos desse tipo.
● CERTAMENTE, nem tudo o que está escrito aqui deve ser imitado na vida real.
● Este romance mergulha no mundo da Máfia e pode incluir cenas de abuso ou uma narrativa bastante sombria, além de abordar temas como consentimento questionável, agressão física e verbal, linguagem ofensiva e conteúdo sexual gráfico que pode incomodar leitores mais sensíveis. Portanto, evite a leitura se você se sentir desconfortável com esses assuntos.
● Se você procura um príncipe encantado, esta leitura não é para você.
● Embora eu não consiga responder a todos os comentários, estou sempre atenta ao que vocês escrevem. Por isso, sintam-se à vontade para comentar, curtir, avaliar e compartilhar essa história com amigos, colegas, familiares e conhecidos.
Se você chegou até aqui e ainda está disposto a continuar, espero que tenha uma ÓTIMA LEITURA e seja bem-vindo ao mundo da 'Ndrangheta.
No dia do casamento de Diego e Antonella...
Observo Elena tentando controlar seus dois filhos que correm de um lado para o outro na Catedral, paro para refletir sobre como seria se esse matrimônio fosse nosso. Se eu pudesse perdoá-lo pela sua infidelidade e assumisse os filhos do meu irmão, que já partiu, como meus.
Não, eu não sou capaz.
Por mais que eu a deseje, por mais que ame explorar seu corpo e desfrutar do seu prazer dia após dia, não consigo perdoá-la pelo que fez. A lembrança de sua infidelidade me assombra e, embora eu a ame intensamente, ciente de que nunca amarei outra mulher do mesmo modo, também a odeio com a mesma intensidade.
Ao desviar o olhar da mulher mais bela que já conheci, olho para o relógio de pulso e percebo que Antonella está com um atraso de pouco mais de duas horas para o seu matrimônio.
Começo a pensar que Diego está correto ao afirmar que existe algo de errado ocorrendo. Embora seja comum que as noivas se atrasem, o atraso da noiva do meu amigo já está se tornando algo comum.
Reunimo-nos em torno de Diego quando ele chamou o segurança responsável por trazê-la. Inicialmente, tudo aparenta normalidade até que os nossos alarmes de emergência soam simultaneamente.
Depois, o guarda informa que Rosa, a governanta de Diego, foi encontrada morta e Antonella sumiu. Diego apressa-se para deixar a Catedral e nos preparamos para segui-lo quando um ruído abafado ressoa no ar, seguido pela confusão de uma explosão que sacude o solo e derruba uma parte das paredes de pedra.
Analiso rapidamente o ambiente para identificar a origem do perigo. Percebo alguns convidados correndo, outros se ajoelhando para se defender de um novo ataque, mas minha atenção se concentra apenas em três indivíduos: Elena e seus dois filhos, Mariana e Rafael.
Giro, ainda estagnado no mesmo local, os anos de treinamento entrando em ação de imediato. Em meio a gritos e tumulto, observo Elena desesperada tentando mover uma enorme pedra com o auxílio de Rafael, que com bravura tenta auxiliar a mãe.
Noto que a pequena Mariana se encontra aprisionada sob ela. Distraio Diego e corro em sua direção. De repente, o receio de perder qualquer um deles me domina enquanto corro em direção a ela. Lucca também nota e me auxilia na remoção da enorme pedra que quase soterrou a menina.
Com delicadeza, pego a pequena nos meus braços e corro para fora da Catedral, com Elena ao meu lado e Rafael que, apesar de aparentar estar abalado, os olhos arregalados de medo, repetia a cada momento em um lampejo de voz.
- Tio\, eu tentei empurrar ela. Sou tão corajoso quanto você\, prometo que tentei salvá-la... - Envolvo a pequena nos braços de Elena no momento em que ela se acomoda no banco traseiro do meu carro.
- Você fez o que estava ao seu alcance. Rafael\, você é forte. – Agarro o garoto nos meus braços e o coloco no banco traseiro ao meu lado\, tentando tranquilizá-lo.
Dirijo como um doido pelas ruas, desviando dos veículos enquanto, através do espelho retrovisor, observo Elena chorando e sussurrando palavras que não entendo no ouvido de Mariana, segurando sua mãozinha, agora ferida.
O silêncio aflito de Rafael ao meu lado só intensifica a tensão no interior do veículo. O meu foco se alterna entre a estrada e a dor que permeia os três. Cada instante parece se estender indefinidamente até alcançarmos o hospital.
No hospital que sempre recorremos quando precisamos, o Doutor Conelly nos aguarda com uma grande equipe de médicos e enfermeiros prontos para nos atender prontamente. Ele coloca Mariana na maca e a conduz para dentro, enquanto eu, Elena e Rafael permanecemos na sala de espera. Um turbilhão de dúvidas e temor.
Observo a tela do celular na tentativa de descobrir mais sobre Diego. Observei quando ele desobedeceu às instruções de Alessandro e partiu sozinho em busca de sua noiva.
Ocasionalmente, meus olhos se voltam para Elena, que aparenta estar abalada. Ela treme ao tentar manter a calma pelos seus filhos, especialmente por Rafael, que se encontra sentado entre nós dois.
Lamento, gostaria de poder auxiliar meu amigo agora, mas é neste momento que preciso estar. Elena tem apenas a mim e aos seus filhos, e, se fosse honesto, eu não conseguiria me afastar, mesmo que essa alternativa existisse, o que não é o caso.
Após uma agoniante espera, o Doutor Conelly finalmente surge na sala de espera, mas se aproxima com precaução e com uma expressão inquieta. Nós nos levantamos instantaneamente.
- Como ela está? – Indagamos simultaneamente.
- A garota está viva - seu semblante mostra cansaço - no entanto\, sua condição atual é crítica.
- Em estado crítico? - Seguro Elena pela cintura\, pois por um momento\, penso que ela vai desmaiar. - Doutor\, o que aconteceu com ela?
- Mariana foi vítima de diversos traumas internos e uma fratura no fêmur. Conseguimos estabilizar ela\, porém\, ela necessita de uma transfusão de sangue urgente para realizarmos as cirurgias requeridas - Conelly esclarece\, sua voz é de certa forma serena\, contrastando com a tensão que cada palavra traz.
Elena chora ao meu lado e eu aperto sua cintura com força em um gesto de suporte. Rafael se abaixa mais na cadeira, seus olhos pequenos repletos de lágrimas, enquanto tenta entender a seriedade da situação.
- Qual é o seu tipo sanguíneo? - pergunto\, já pensando em como podemos acelerar o procedimento\, e sinto Elena agarrar meu braço. As suas unhas penetrando profundamente na minha pele.
- Ela possui um tipo de sangue incomum\, AB Negativo. Estamos enfrentando problemas para encontrar um doador adequado rapidamente e\, infelizmente\, não possuímos reservas suficientes no momento. - Conelly esfrega a testa\, finalmente expressando sua frustração.
- Não\, não\, não - Elena começa a tremer - não era para ser dessa maneira.
- Relaxe\, Elena\, vamos encontrar uma solução. – Tento tranquilizá-la\, mas seus olhos me olham com medo e remorso.
- Enrico... me desculpe\, por favor\, me desculpe. – Suas palavras subsequentes surgem num sussurro\, repletas de um desespero que nunca antes percebi nela. - Eu preciso te contar algo que prometi a mim mesma que jamais diria.
- Elena\, explique claramente o que é. Se isso puder ajudar a salvar sua filha\, apenas fale - digo\, esforçando-me para manter a serenidade\, mas meu coração dispara repentinamente e tenho certeza de que qualquer palavra que você pronunciar tem relação conosco e transformará nossas vidas para sempre.
- Os pequenos... Rafael e Mariana... Enrico\, eles... são seus filhos. Nunca consegui te contar. Peço desculpas\, mas salve a nossa menina.
A descoberta me atinge como um golpe no estômago e dou dois passos atrás, permitindo que ela caia no chão. Percebo tudo em vermelho à minha frente e sinto como se o chão se desvanecesse debaixo dos meus pés.
Observo Rafael, que está assistindo à cena sem compreender totalmente a seriedade do incidente, e depois Elena, caída no chão, com os olhos suplicando por perdão.
- Meus filhos? Como assim\, meus filhos? – minha voz falha\, um misto de surpresa\, raiva e\, surpreendentemente\, um sentimento de responsabilidade instantânea me invade.
- Se isso for verdade\, Enrico\, pode ser que você seja um doador adequado. - Conelly\, ao notar a tensão\, interrompe\, considerando a urgência da situação.
- Sim\, sem dúvida - respondo\, recuperando o sentido\, mesmo que minha mente persista em divagar. Rafael e Mariana\, meus filhos\, viviam sob minha proteção sem que eu soubesse. - Vamos realizar o teste\, Doutor Conelly. É necessário que salvemos minha filha.
Minha filha! Minha filha! Minha filha!
As palavras ressoam incessantemente em minha mente, porém Elena me chama a atenção ao segurar a barra da minha calça com as mãos tremendo.
- Enrico\, peço desculpas por não ter te contado antes. Você...
- Elena\, depois vamos conversar sobre isso - falo sem esconder o ódio e a sensação de traição; mais uma vez\, ela me enganou - A única coisa que me importa agora é salvar a minha filha. - Interrompo e\, sem olhar para ela\, sigo Conely pelos corredores até a sala de exames para fazer o exame de sangue.
Caralho, não consigo acreditar que ela tenha sido tão desleal comigo. Ela esteve sob meu cuidado por mais de quatro anos e nunca, jamais, considerou revelar a verdade para mim. Elena é realmente uma praga terrível. Ela me devastou anteriormente com sua infidelidade e, agora, me devastou novamente.
Ao estender o braço à espera da coleta de sangue, tudo o que eu sabia sobre a minha vida parece desmoronar e se reestruturar em apenas alguns segundos.
Hoje, não se trata apenas de salvar Mariana; trata-se de aceitar a minha nova situação, na qual sou pai e minhas ações têm a capacidade de influenciar o futuro de duas vidas pequenas que, até então, eu desconhecia serem minhas.
Em relação à Elena, ela vai me retribuir por mais essa infidelidade.
*PARTE I • **Passado...*
Certa vez, li em um livro que todos os adultos possuem recordações da infância que guardam como tesouros ou marcas. Embora eu ainda seja uma criança, percebo que, no futuro, as minhas recordações... bem, elas contêm um pouco de ambas.
Tenho apenas dez anos e tantas obrigações que, ao chegar à noite, mal consigo recordar todas as tarefas que tenho que cumprir durante o dia. No entanto, há algo que eu não consigo apagar e todas as noites, ao me deitar na minha cama, mesmo nos dias em que não os vejo, recordo-me das gargalhadas, dos gritos de felicidade e da sensação de liberdade ao correr pelas ruas empoeiradas de San Lucca.
Somos três: eu, Enrico e Antonio. Para desespero da minha mãe. Quando consigo escapar dela e estar com eles, vivo cada instante como se fosse o último da minha existência.
Possivelmente, dentro de mim, eu tenha consciência de que não será eterno, que eles seguirão suas vidas e eu estarei aprisionada no que a minha mãe idealizou para mim.
Enrico é o mais velho entre nós, com doze anos. Antonio é da minha idade e os amo como se fossem meus irmãos. Amigos desde a infância, estudamos juntos até que as escolas de San Lucca fecharam e começamos a estudar em casa.
Para mim, estudar em casa é um tormento. Minha mãe me pressiona muito. Além de ser a mais bela, preciso ser a mais instruída entre todas as garotas, não só de San Lucca, mas de toda a Itália. Ela repete isso constantemente em minha mente desde o momento em que acordo até a hora de dormir.
A melhor em todas as áreas! Ela frequentemente afirma que não aceitaria ser menos do que isso no futuro.
Hoje é um daqueles dias em que consegui um breve momento para brincar com eles, o que me deixa muito contente.
Quando vejo Antonio cair ao tentar escapar de Enrico, dou um sorriso. Estamos brincando de pega-pega em um dos poucos instantes em que consigo desfrutar de um pouco da infância que não é minha.
Quando percebe meu sorriso, Antonio corre em minha direção, alcançando-me rapidamente. Agora é a minha vez de os pegar. Aprecio que me enxerguem apenas como Elena, a menina capaz de correr tão velozmente quanto eles, e não como a futura Miss Universo que minha mãe me obriga a ser.
- Enrico\, me espera! – exclamo\, enquanto ele corre na minha frente\, desviando-se rapidamente de uma poça que espelha o céu cinza da cidade.
Ele é mais veloz que nós. Quando o chamo, ele olha para trás e dá um sorriso. Tenho certeza de que ele me aguardará para que eu possa alcançá-lo. Ele nunca me permite permanecer por muito tempo como a pegadora em nossa brincadeira. Na realidade, sempre nos unimos contra Antonio, o que incomoda o meu outro amigo, mas ele sempre nos perdoa.
- Elena\, seja rápida! - Enrico me desafia\, fingindo para seu irmão que estamos jogando de maneira equitativa\, mesmo sabendo que isso não é verdade.
Apresso os passos, sentindo o vento tocar meu rosto, enquanto os cabelos se desprendem. É uma experiência libertadora e quase selvagem. Por alguns instantes, sinto-me como uma criança, não uma boneca moldada por expectativas e com o rosto repleto de maquiagem.
- Bonequinha\, entre agora em casa! Você tem seu ritual de beleza agendado para hoje\, espero que não se tenha esquecido. - Antes que eu consiga alcançar Enrico\, escuto minha mãe me chamando.
A liberdade é realmente um pássaro que não costuma pousar na minha janela. Não faz muito tempo desde que saí para brincar e minha mãe logo surge no portão da nossa casa, com as mãos entrelaçadas na cintura e um rosto que expressa o prazer que sente ao me arrastar do meu breve voo e me prender em seu luxuoso cativeiro.
Não gosto desse apelido. Desejo derramar lágrimas todas as vezes que ela me chama de bonequinha. Representa tudo o que estou destinada a ser no futuro, tudo o que ela anseia e, sobretudo, tudo o que eu não quero me tornar.
O carinhoso apelido que ela me deu é uma constante recordação das expectativas que ela deposita em mim, o sonho de que um dia eu possa me tornar Miss Universo.
Quando paro a corrida, as lágrimas começam a pingar em meus olhos. Desloco-me pelo chão de terra batida, distanciando-me de Enrico e Antonio sem dizer adeus. Estou ciente de que eles ainda dispõem de alguns minutos para se divertirem antes de auxiliar meu pai na carpintaria.
- Mãe\, só mais cinco minutos! – suplico ao chegar à minha residência\, mesmo ciente de que isso não seria possível. Ela nunca me dá permissão para ficar um pouco mais.
- Nem pensar. Entre agora\, bonequinha. - A maneira como ela pronuncia o apelido é um lembrete frio de que tenho obrigações que não decidi assumir. Ela me conduz para o interior da casa.
Inspiro profundamente e lancei um olhar de despedida para Enrico e Antonio antes que ela fechasse a porta, me aprisionando em seu cárcere. Agora sinto que meus amigos estão ainda mais distantes de mim. Enrico acena com as mãos, um gesto de cumplicidade que carrega a promessa de que, em breve, poderemos nos divertir juntos.
Enrico é quem melhor me compreende. Estou ciente de que ele compreende o que sinto. Ele já apresenta certa maturidade aos doze anos. Ele vem me prometendo há algum tempo que, um dia, fugiremos juntos, que ele me libertará da minha mãe. Estou tentando confiar na sua promessa, mesmo sabendo que é quase inatingível; ela está sempre de olho em mim.
No entanto, ao caminhar para dentro de casa, permito-me sonhar que um dia ele honrará sua promessa.
Quando entro na sala, sinto o aroma de loções hidratantes e cremes para o cabelo, que preenchem meus sentidos de imediato, trocando o ar puro de liberdade pelo aroma artificial de rosas e lavanda.
Noto que minha mãe já tinha organizado tudo: o traje que eu deveria usar para a prática de caminhadas elegantes, as escovas de cabelo organizadas sobre a mesa, e o espelho que, em breve, irá espelhar a imagem que ela está a formar em mim.
A sua charmosa bonequinha...
- Elena\, vamos em frente\, sente-se. Precisamos assegurar que você esteja impecável para o próximo exame - ela declara sem sequer desviar o olhar de mim. Seria simples para ela perceber o quanto não desejo permanecer aqui. Não quero me transformar no que ela imagina\, quero permanecer apenas como uma criança. Ela se mantém focada em finalizar a arrumação dos frascos e pincéis na bancada\, como se fossem instrumentos para uma delicada cirurgia.
- Não quero participar do concurso. Mãe\, não desejo ser Miss Universo - sussurro\, com lágrimas nos olhos. A frase escapa de minha boca antes que eu consiga pronunciá-la.
Sempre que digo essas coisas, ela interrompe o que está fazendo para me encarar. Os seus olhos se cruzam com os meus por meio do espelho. Percebo a raiva em cada um deles e me acabo.
- O que foi que você falou? - Sua voz é um alerta para eu não repetir. Ela me disse anteriormente que eu estava proibida de dizer tais coisas.
- Eu só queria brincar um pouco mais. - Tento me corrigir rapidamente\, abaixando a cabeça com receio da penalidade que está por vir.
- Elena... - com uma raiva agora não mais contida em sua voz - você possui a chance que nenhuma outra garota desta cidade possui. Não desperdice sua habilidade e beleza ao se comportar como uma criança comum; o mundo está repleto delas. Não deixarei que você se torne apenas mais uma na multidão. - Suas mãos me puxam para perto sem delicadeza\, e sinto o frio do gel em meu cabelo.
Ela não me bate, não porque não quer, mas porque não pode danificar meu corpo perfeito com pancadas. Por um momento, eu... eu queria ser agredido, desejava experimentar algo além da desesperança sobre a minha existência.
Lágrimas escorrem pelos meus olhos e, conformada com o meu destino, permito que ela comece o processo e transforme meus cabelos desordenados e desordenados em cachos impecáveis e estruturados.
Observo o meu reflexo no espelho e, aos poucos, ele se torna diferente para mim, muito distinto da menina que momentos antes corria pelas ruas com seus amigos.
Enquanto ela me transforma na sua bonequinha favorita, exatamente como o apelido que me deu, ocasionalmente olho pela janela e vejo Enrico e Antonio correndo soltos, suas gargalhadas satirizando a minha prisão dourada, apesar de também sentir os olhos de Enrico sobre mim.
Ele me compreende e sente compaixão. Não me importo se ele sentir pena de mim se isso for o bastante para se empenhar em me retirar dessa casa um dia.
Estou ciente de que eles também não vão continuar brincando na rua por um longo período. San Lucca possui sua sombra própria pairando sobre si. Embora sejamos crianças, escutamos os sussurros dos adultos, as observações e o temor que sempre nos cerca.
Riccardo lidera a maior organização criminosa local e todos no país o temem. É dito que ele domina tudo com suas mãos de ferro, e apenas minha mãe parece ter algum respeito por ele, ou melhor, pelo poder que ele detém.
Os pais sempre mantêm seus filhos próximos ou escondidos. Todos temem que Riccardo os capture e os converta em soldados ou escravos de seus caprichos.
Eu mesma já experimentei o fardo do seu olhar em um concurso que participei. O seu olhar avaliativo me considerou como um produto em um leilão, não uma menina.
Nesse dia, eu estava representando a Itália em nível internacional. Fui resguardado pela minha claridade. Ele não tinha como agir contra mim quando o mundo inteiro me olhava com admiração. No entanto, eu senti medo. Temo que ele se aproxime de mim, mas também sei que outras crianças não têm a mesma sorte e acabam sendo raptadas por ele.
- Elena\, preste atenção\, não mantenha o pescoço rígido - minha mãe adverte\, puxando meu cabelo com força e me trazendo de volta à realidade dolorosa. - Essa é a sua oportunidade de transformar nossa existência. Se ela não consegue nem mesmo apoiar a cabeça no pescoço\, precisarei treiná-la ainda mais. - Meus olhos estão repletos de dor e ira. Eu sei o que está por vir. Ela está brava comigo e os dias vindouros serão um pesadelo.
Ela afirma que preciso ser perfeita, mas o que significa perfeição? Para ela, é a percepção que ela tem de mim, um rosto luminoso de sorrisos artificiais e encenados que ocultam temores e sonhos desfeitos. Para mim, a perfeição é poder brincar na lama com os garotos, gargalhar até doer a barriga, sentir o sol no rosto sem a preocupação de esconder as sombras que ela insiste em colocar nos meus olhos.
Mesmo sem que ninguém saiba, nem mesmo Antonio, em momentos de tristeza intensa ou quando fico muito tempo sozinha em casa, à noite, Entico atravessa os muros que nos separam e invade a janela do meu quarto para me fazer companhia.
Quando escuto a pedrinha bater na janela, tenho certeza de que é ele trazendo doces escondidos para mim. Minha mãe mantém uma dieta rígida para mim e o bolo de maçã que ela prepara é delicioso.
Ainda observando o exterior da casa através da janela, anseio que ele venha até mim hoje à noite. Em alguns dias, ao me ver em prantos, ele reafirma a promessa de fugirmos juntos um dia. Mesmo quando eu era criança, seus olhos estavam repletos de uma resolução avassaladora. "Vamos ser verdadeiramente livres", suas palavras reverberam em minha mente e tento acreditá-las.
A questão é que cada chamada da minha mãe, cada palavra carinhosa que sai da sua boca, me traz de volta à áspera realidade de que certos sonhos são tão vulneráveis quanto as asas de uma borboleta durante um vendaval.
Agora, diante do espelho, carregando a coroa recém adquirida de Miss Itália, não consigo enxergar uma vencedora. Percebo claramente quem sou: uma prisioneira!
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