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Dama e Vagabundo

mundo de Helena

Capítulo 1 – O mundo de Helena

O cheiro de café fresco tomava conta da cozinha, misturado ao leve perfume das flores que decoravam a mesa de jantar. Helena sempre achou engraçado como sua mãe mantinha a casa impecável, como se, a qualquer momento, uma revista de decoração fosse aparecer para fazer uma sessão de fotos.

Sentada à mesa, ela mexia distraidamente no pão com requeijão, ouvindo os passos apressados do pai pelo corredor. Ele era um homem meticuloso, que nunca se atrasava para nada. Nem para reclamar.

— Helena, já viu as notícias? — Ele ergueu o jornal, dobrando-o com perfeição antes de pousá-lo sobre a mesa. — A violência na cidade está piorando. Nem pense em sair sozinha.

Ela suspirou. O mundo do pai sempre foi cheio de regras e limites. Mas ela estava acostumada.

— Sim, pai.

A mãe, sentada à sua frente, sorriu de leve.

— O seu motorista já está te esperando, querida. É melhor ir logo.

E assim começava mais um dia previsível.

A rotina imutável

A escola de Helena ficava em uma das melhores áreas do Rio de Janeiro. O prédio era enorme, moderno e com jardins bem-cuidados. Os alunos andavam pelos corredores como se estivessem em um desfile, sempre arrumados, sempre no controle.

Helena não era uma das populares, mas também não era invisível. Ela se encaixava no grupo das “boas alunas”, aquelas que sempre tiravam notas altas e tinham um futuro promissor.

— Helena! — Clara apareceu do nada, puxando-a pelo braço. — Você não vai acreditar!

— O quê?

— Aluno novo! E dizem que ele é... bem diferente do nosso padrão.

Helena ergueu a sobrancelha.

— Diferente como?

Clara se inclinou, como se estivesse contando um segredo proibido.

— Ele não vem de uma escola particular, nunca estudou em colégio de elite. Dizem que ele conseguiu uma bolsa.

Helena franziu a testa. Não era tão comum alguém de fora entrar ali.

O novo aluno

A sala estava movimentada quando a professora entrou, batendo duas palmas para chamar a atenção.

— Bom dia, turma. Temos um novo aluno hoje. Espero que sejam receptivos.

Todos olharam curiosos enquanto um garoto entrou.

Ele tinha a pele levemente bronzeada, o cabelo bagunçado e um jeito descontraído, como se não se importasse muito com os olhares sobre ele. A roupa, apesar do uniforme da escola, não parecia se encaixar no estilo engomado dos outros.

— Esse é Miguel. Ele veio de uma outra escola e vai estudar conosco a partir de agora. Seja bem-vindo.

Miguel levantou a mão em um aceno casual, sem dizer nada.

Helena observou enquanto ele caminhava pelo corredor, procurando um lugar para sentar. Alguns cochichavam, outros apenas o ignoravam.

Clara cutucou Helena.

— Ele é bem... interessante, né?

Helena não respondeu. Algo naquele garoto era diferente. Não só pelo fato de ele ser novo, mas pela forma como ele parecia alheio a tudo. Como se não pertencesse àquele lugar, mas também não se importasse com isso.

E, sem saber, aquele era o primeiro dia de algo que mudaria sua vida

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O dia seguiu como qualquer outro. Helena fez o trajeto de volta para casa, entre a escola e o ambiente familiar, tudo de maneira mecânica. Mas algo estava diferente. A imagem de Miguel, sentado na carteira nova, seus olhos atentos, mas ao mesmo tempo distantes, parecia rondar seus pensamentos.

— Ele não tem medo de parecer diferente. — Ela pensou, quase em voz alta.

Sua mãe a cumprimentou com um sorriso, mas Helena não estava totalmente presente, a mente ainda em outro lugar. O jantar foi tranquilo, com os mesmos diálogos sobre o dia de trabalho do pai e as fofocas de sempre. Clara, no entanto, não deixou a curiosidade sobre o novo aluno descansar.

— Eu não paro de pensar no Miguel! — Ela disse, enquanto pegava o celular para ver alguma coisa nas redes sociais. — Você viu o jeito dele, Helena? Super... natural, sabe?

Helena deu um sorriso sem graça.

— É, bem... diferente.

— Diferente, mas de um jeito bom! Eu acho que ele tem tudo para ser o “bad boy” da escola.

Helena não disse nada, mas pensou consigo mesma: Bad boy? Não parecia tão... escuro assim. Na verdade, ela achava que Miguel tinha algo mais interessante. Algo misterioso, mas que ela não sabia identificar.

O encontro no intervalo

No dia seguinte, Helena entrou na sala um pouco mais cedo. Ela gostava dessa tranquilidade inicial antes da chegada dos outros alunos, uma paz que ela nunca queria perder. Mas, dessa vez, algo estava diferente. Miguel estava sentado sozinho, como se estivesse esperando algo.

Ele não se parecia com os outros meninos, sempre rodeados de amigos e risos. Miguel estava em um canto, distraído com seu celular, ouvindo música. Sua atitude parecia desconectada de tudo e de todos, como se estivesse em seu próprio mundo.

Foi Clara quem quebrou o silêncio, vindo até Helena com um sorriso malicioso no rosto.

— Vai conversar com ele? Acho que ele está esperando uma aproximação.

Helena olhou para Clara, sentindo uma leve pressão no peito. Não sabia bem por quê, mas a ideia de se aproximar de Miguel parecia estranha e excitante ao mesmo tempo.

— Não sei... Talvez mais tarde. — Ela respondeu, tentando disfarçar sua curiosidade.

Miguel não olhou para Helena, mas o simples fato de ele estar ali, sozinho, quase como se fosse um desafio, mexeu com ela.

A aula de história

Quando a aula de história começou, o professor pediu para que os alunos se organizassem em duplas para uma atividade em grupo. Helena sentiu um leve desconforto, como se a combinação de duplas fosse uma espécie de jogo do destino.

— Helena, vamos ser dupla? — Clara perguntou, com os olhos brilhando de expectativa.

Mas, antes que Helena pudesse responder, o professor anunciou algo que fez sua barriga gelar.

— Helena, você vai ser dupla com o Miguel.

Helena piscou, surpresa. Ela não esperava por isso. O novo aluno... ela mesma! Era como se o universo tivesse decidido que aquele momento tinha que acontecer.

Miguel olhou para ela pela primeira vez com mais atenção, seu olhar calmo, mas curioso. Ele parecia ligeiramente desconfortável com a ideia de trabalhar em dupla, mas algo em seu olhar indicava que não era o tipo de pessoa que recuaria facilmente.

— Então... o que a gente vai fazer? — Ele perguntou, quebrando o silêncio.

Helena se forçou a sorrir.

— Acho que precisamos discutir o projeto sobre a Revolução Industrial. Você tem alguma ideia?

Miguel deu um meio sorriso.

— Revolução... Não sei muito sobre isso, mas a gente pode ver o que encontra no celular. Vai ser divertido.

Helena não conseguiu evitar. Uma risada baixa saiu dela, surpresa com a forma descontraída com que ele lidava com tudo. Não era nada como os outros alunos. Ele não se importava com a forma como as coisas “deveriam” ser feitas.

A tensão crescente

Depois da aula, Helena percebeu que estava mais ansiosa do que o normal. O encontro com Miguel não tinha sido nada demais, mas sua presença, sua maneira de falar e agir, estava mexendo com ela de um jeito que ela não sabia explicar.

Clara, como sempre, não perdeu tempo.

— Então? Como foi trabalhar com o garoto “bad boy”? — Ela perguntou, com um sorriso travesso.

Helena olhou para Clara e hesitou. Ela não queria soar como se estivesse interessada demais, mas não conseguia esconder a inquietação.

— Ele é diferente... De um jeito... legal. Mas não sei o que pensar ainda.

Clara riu.

— Tá vendo? Eu disse que ele ia te deixar assim. Pode confiar, ele vai ser o tipo de pessoa que vai mudar tudo para você.

Helena deu um sorriso tímido, mas no fundo sabia que Clara tinha razão. Miguel já havia deixado uma marca em seu mundo, e ela não sabia se estava pronta para descobrir até onde isso iria a levar.

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2

A aula finalmente terminou, e Helena pegou sua mochila com pressa, tentando não chamar muita atenção. Ela gostava da sensação de estar em movimento, de deixar a escola para trás, com os pensamentos da sala de aula se distanciando aos poucos. Clara, como sempre, já tinha saído apressada, provavelmente indo encontrar alguma amiga ou fazer planos para o fim de semana.

Helena caminhava pelos corredores, sentindo o peso das horas passadas na escola. Aquele momento de transição entre o ambiente escolar e a volta para casa sempre a fazia refletir sobre o que aconteceu naquele dia. Ela pensava nas conversas, nas risadas, nas aulas e, inevitavelmente, no novo aluno, Miguel.

Quando saiu pela porta da escola, o céu estava tingido de laranja, anunciando o começo da noite. Era o tipo de dia que começava a esfriar, com o vento suave batendo em seu rosto. Ela respirou fundo, sentindo o cheiro do mar distante e a brisa que vinha do Leblon, onde morava.

E foi nesse instante, enquanto atravessava a rua, que ela o viu. Miguel estava parado do outro lado da calçada, conversando com alguns colegas, mas sua atenção foi imediatamente atraída para ele. Ele parecia tão... à vontade, como se o mundo ao seu redor não o afetasse. Seus cabelos bagunçados, a postura relaxada, e o jeito com que ele sorria de maneira espontânea.

Ela hesitou. A vontade de ir até ele, talvez fazer uma piada ou puxar algum assunto, estava lá, mas a vergonha a paralisou. Ela sabia que ainda não sabia muito sobre ele e, no fundo, ela não estava pronta para ser vista se aproximando de alguém tão diferente do que ela estava acostumada.

Miguel olhou para o lado, seus olhos se encontrando com os de Helena por um breve momento. Ela sentiu uma onda de calor subir pelas bochechas, e, sem saber o que fazer, desviou o olhar rapidamente, abaixando a cabeça e acelerando o passo.

A sensação de desconforto ficou em seu peito enquanto ela caminhava, sem olhar mais para trás. Por mais que tentasse ignorar, seu coração estava batendo mais rápido. Por que não consegui falar com ele?

Ela podia ouvir os passos de Miguel mais atrás, acompanhando o mesmo ritmo enquanto ele atravessava a rua. Helena sentiu um impulso de olhar para ele, mas algo dentro dela a impediu. Talvez fosse o medo de parecer estranha, ou simplesmente a insegurança sobre o que fazer. Afinal, ela não era como as outras meninas da escola, aquelas que sabiam exatamente o que dizer e quando falar.

Ela olhou para frente e seguiu seu caminho, sentindo uma mistura de frustração e curiosidade. Será que ele percebeu que eu estava olhando para ele? pensou, com um leve sorriso tímido no rosto, mas logo o afastando, como se não quisesse se mostrar mais vulnerável.

Miguel passou por ela, sem sequer tentar puxar uma conversa, e ela não soube se deveria sentir alívio ou tristeza por isso. Talvez ele tivesse o mesmo medo que ela. Ou talvez não estivesse interessado.

O reflexo de Helena

Quando chegou em casa, Helena se jogou na cama, ainda com os pensamentos todos bagunçados. Olhou para o teto e suspirou profundamente. Aquela mistura de sentimentos ainda não fazia sentido, mas ela não podia negar que algo naquele encontro a havia tocado. Era algo sutil, uma chama pequena, mas que a deixava inquieta.

O dia seguiu seu curso, e as interações com Miguel ficaram gravadas em sua mente. O modo como ele se comportava, como não parecia seguir o mesmo padrão de todos os outros meninos da escola. Ele tinha algo de inusitado, algo que a fazia querer conhecê-lo, mas ao mesmo tempo a deixava com um receio inexplicável.

Helena estava em conflito. Parte de si queria ignorá-lo, continuar sua vida como sempre fez. Mas outra parte queria algo mais. Algo novo, algo que a tirasse da sua zona de conforto. Mas como dar esse primeiro passo?

Ela pensou nas palavras de Clara mais cedo, e sorriu para si mesma, tentando se convencer de que não era tão difícil assim. Talvez Miguel estivesse apenas esperando um empurrão para se aproximar. Ou talvez ele fosse tão distante quanto parecia.

Ela se levantou da cama, pegou seu celular e começou a pesquisar sobre a Revolução Industrial. Mas sua mente vagava para longe, para o garoto que ela mal conhecia, mas que, de alguma forma, já fazia parte dos seus pensamentos.

Helena não sabia muito bem o que esperar. Clara tinha insistido tanto para que ela fosse com elas, dizendo que seria uma boa "quebrar a rotina" e se divertir um pouco. Helena, um pouco relutante, decidiu seguir o conselho da amiga. Afinal, já fazia um tempo que ela não saia da sua zona de conforto. E quem sabe, poderia ser uma boa oportunidade para esquecer um pouco dos pensamentos que a rodavam.

O lugar para onde Clara as levou não era exatamente o tipo de ambiente que Helena costumava frequentar. Era um barzinho pequeno, mas com uma atmosfera descolada e ao mesmo tempo meio rústica, como se fosse aquele tipo de lugar em que as pessoas relaxaram após o trabalho ou apenas para fugir da rotina. A música, um som alternativo, parecia ocupar o ar de maneira leve, mas cheia de energia.

Helena estava um pouco desconfortável. Não era exatamente o ambiente que ela estava acostumada, e Clara logo percebeu isso.

— Relaxa, vai ser divertido, você vai ver. — Clara sorriu animada e puxou Helena para a pista de dança, onde outras pessoas estavam se soltando ao som da música.

Enquanto elas se moviam entre as mesas e tentavam se acostumar com a vibração do lugar, Helena notou um grupo de garotos em uma mesa ao fundo. Eles não pareciam com os meninos da escola. Não tinham o mesmo jeito de "certinhos", como muitos de seus colegas. A primeira coisa que ela percebeu foi o estilo deles — algo completamente diferente do que ela estava acostumada. Eles usavam roupas mais largadas, com camisetas de bandas e jeans desbotados, mas ao mesmo tempo tinham uma postura descontraída, como se estivessem ali só por prazer e não para mostrar algo para os outros.

E então, ela o viu. Miguel. Ele estava entre eles, com uma expressão tranquila, mas com algo de provocante nos olhos. Ele estava sentado de uma maneira relaxada, como se nada ali fosse tão importante, apenas o momento. Seus cabelos, bagunçados de forma proposital, e seu estilo mais despojado davam a ele uma aura de despreocupado. Ele parecia estar em um mundo à parte, e Helena não conseguiu evitar de olhá-lo.

Ela sentiu um frio na barriga quando seus olhos se cruzaram, mesmo que por um segundo. Havia algo ali, algo que ela não podia explicar. O jeito como ele a olhou era tão simples e ao mesmo tempo intenso, como se já soubesse que ela estava observando. Não foi um olhar curioso ou ansioso, mas sim algo calmo, como se ele estivesse acostumado a ser notado, mas não ligasse para isso.

Miguel e seus amigos estavam sentados em uma mesa ao fundo, rodeados por garotos e garotas que pareciam bem à vontade naquele ambiente. Helena percebeu que nenhum deles parecia com os meninos da escola. Eles tinham algo de rebelde, de descomplicado, como se a vida fosse mais simples do que parecia ser para todos ao redor. Um contraste imenso com os rapazes que ela via todos os dias na escola, aqueles que se preocupavam demais com a aparência e o que os outros pensavam.

Clara percebeu o olhar de Helena e sorriu com malícia.

— Não me diga que você está pensando no Miguel, hein? — Clara se aproximou, com uma expressão de quem sabia exatamente o que estava acontecendo.

Helena ficou sem graça, mas não negou. Não sabia o que estava sentindo, mas algo no ar estava mudando, e ela não queria admitir que Miguel tinha algo de diferente.

— Não sei... ele está ali... — Helena respondeu, tentando disfarçar, mas não conseguindo esconder o interesse que começava a tomar conta dela.

Clara não deixou a oportunidade escapar.

— Ah, você não consegue negar, Helena! É o tipo de cara que faz você se sentir diferente, não é? Não é o tipo que segue a corrente. É o tipo que anda por conta própria, e isso é raro.

Helena olhou para Miguel novamente. Ele estava agora mais descontraído, rindo com os amigos, mas ainda parecia meio distante, quase como se estivesse em outro mundo. Ele não parecia preocupado com o que os outros pensavam. Era algo que ela nunca havia visto em um garoto da sua escola.

Ele levantou a mão, cumprimentando alguém que passava por ele, e foi quando Helena percebeu que ele estava tentando se levantar para ir até o bar. Seus olhos se encontraram novamente, dessa vez por mais tempo, e Helena não sabia se deveria sorrir ou desviar o olhar. Aquele momento foi o suficiente para ela sentir um calafrio correr pela espinha.

— Você vai falar com ele? — Clara sussurrou, quase como se estivesse provocando.

Helena engoliu em seco. Não sabia se devia ou não. Ela não estava nem um pouco acostumada com essa situação. Ele era completamente diferente dos meninos com quem ela interagia todos os dias, e o mais estranho era que ela não se sentia ameaçada por ele. Ele não tinha a mesma arrogância dos outros. Ele simplesmente era.

Miguel, aparentemente percebendo que ela ainda estava olhando, fez um leve aceno com a cabeça, como se estivesse aguardando uma reação dela. Helena, ainda sem saber o que fazer, decidiu dar um passo atrás e se afastar um pouco, mas o coração ainda batia mais rápido.

— Vamos dançar, Helena! Vai ser divertido! — Clara insistiu, puxando-a para a pista de dança, mas o olhar de Miguel continuava na sua mente.

Helena tentou se concentrar na música, mas algo dentro dela não a deixava relaxar completamente. O que ela não sabia era que, naquele momento, o jogo entre ela e Miguel estava apenas começando. Ele, com seu estilo próprio e despreocupado, e ela, com sua vontade de explorar algo novo e desconhecido.

capítulo 3

Helena não conseguia se divertir. Clara estava completamente solta na pista de dança, se entregando à música, enquanto Helena apenas observava ao redor, tentando se encontrar no meio daquele caos. O ambiente parecia muito distante de tudo o que ela estava acostumada. Ela não tinha o mesmo espírito de se jogar na diversão e, no fundo, sabia que precisava de algo mais para se sentir à vontade

Então, com um suspiro, decidiu sair de lá. Sabia que o calor da pista não estava ajudando e o barulho das pessoas se misturando com a música só aumentava a sensação de desconforto. Sem saber o que fazer, ela se afastou de Clara e foi até a porta. Respirou fundo quando saiu para a rua fria e quieta.

A praça estava vazia, exceto por algumas pessoas passando apressadas. Helena pegou o celular e começou a chamar um Uber, mas antes que a tela do celular carregasse completamente, ouviu uma voz que fez seu corpo congelar por um momento.

— Ei, você deixou cair. — A voz era familiar, mas cheia de malícia, um tom de quem sabe que a situação é estranha, mas adora ela assim mesmo.

Ela olhou para o lado, e lá estava Miguel, parado com o celular na mão e com algo na outra: o gloss que ela havia deixado cair mais cedo, sem perceber.

— Ah, obrigada — Helena disse, tentando manter a compostura, mas seu olhar já estava preso no sorriso dele. Ele parecia tão... diferente. A maneira como se movia e até como falava tinha algo de quase... insensato. Ele não se importava com nada, mas ao mesmo tempo estava completamente atento a cada movimento dela.

Miguel deu de ombros, com aquele jeito relaxado que já estava se tornando familiar.

— Não foi nada, relaxa. Tá precisando de ajuda? — Ele perguntou com um sorriso, o tipo de sorriso que parecia mais uma piada interna. Ele olhou ao redor e depois voltou a atenção para ela. — Aqui não é o lugar mais legal, né?

Helena franziu a testa, sem entender bem o que ele queria dizer.

— Não, não é... — Ela respondeu, com um tom de voz mais reservado, sem saber muito bem o que falar. — Eu só... precisava de um pouco de ar fresco.

Miguel deu um sorriso meio cínico, como se soubesse exatamente o que ela estava sentindo.

— Sei como é. Esses lugares, cheia de gente, música alta... Não dá pra respirar direito, né? — Ele deu uma risadinha baixa e se encostou em um banco da praça. A postura dele, relaxada, mas com aquele olhar provocante, deixava tudo meio desconfortável, mas ao mesmo tempo intrigante. — Você é da minha escola, né? Já vi você por lá.

Helena não sabia se deveria ficar nervosa ou se ele estava apenas brincando. A verdade é que ela estava sentindo uma mistura de emoções: ele, com aquele jeito mais descomplicado, parecia ser tão... distante da sua realidade. E ao mesmo tempo, de alguma forma, ela não conseguia ignorá-lo.

— Sim, sou — ela disse, tentando manter a calma, ainda um pouco desconcertada. — Mudei para lá alguns dias, vim morar com meu pai.

Ele levantou uma sobrancelha, uma expressão de curiosidade surgindo no rosto. O que ele parecia mais interessado em saber era como ela se encaixava naquele ambiente de escola.

— Ah, então você deve estar começando a conhecer as coisas, né? O pessoal, os cantos, os bagulhos... Eu mesmo sou bem novo por lá, mas é mais de boa. Não tem muita firula, você vai ver. Só que o pessoal... sempre um querendo se mostrar mais que o outro. Esse é o lance — Miguel falou com aquele tom malandro, típico de quem vive com as regras próprias, com um olhar que transparecia que ele estava te observando e, ao mesmo tempo, esperando ver sua reação.

Helena, mesmo sem querer, se viu interessada na conversa, na forma como ele falava tão solto, como se a vida fosse algo simples e sem grandes complicações.

— Eu sei como é — ela respondeu, com um meio sorriso. — As coisas sempre acabam assim. Todo mundo tentando se encaixar.

Miguel fez um gesto com a mão, quase como se estivesse dispensando a ideia de "encaixar-se" em algum lugar.

— Pra mim, nem ligo muito pra isso. Eu sou o que sou, não tô aqui pra agradar ninguém. Tem uns caras que vivem tentando se mostrar... mas no fundo, é tudo teatro. — Ele deu uma risada baixa, como se estivesse rindo de algo que só ele entendia. — O que importa é ser real. E você, não parece de quem entra nessa onda. Eu gosto disso.

Helena sentiu algo esquisito dentro de si. Ela não estava acostumada com esse tipo de sinceridade, esse tipo de troca de palavras cruas e sem filtros. Miguel não estava ali para impressioná-la. Ele estava ali apenas para ser quem era, e isso, de alguma forma, a fazia questionar suas próprias atitudes.

— Você parece saber muito sobre essas coisas... — Helena disse, tentando tirar o foco de si mesma.

Miguel deu de ombros, parecendo mais à vontade.

— A vida te ensina, não tem jeito. Eu, por exemplo, não nasci em berço de ouro. Já vi muita coisa, e acredite, não tem nada de glamouroso nisso. O pessoal da escola fica achando que é tudo perfeito, mas eu sou mais da rua, da realidade. Aqui a gente aprende que nem sempre as coisas são do jeito que as pessoas querem ver. — Ele deu uma pausa, se recostando mais no banco. — E você, o que achou da escola até agora? Tá se acostumando?

Helena hesitou. Não sabia se deveria contar o que realmente pensava. Mas algo sobre a forma como ele falava, sem rodeios, sem pressa de ser aceito, fez com que ela se abrisse um pouco mais.

— Não sei. Tem seus altos e baixos. É difícil... você sente que não pertence ali, mas ao mesmo tempo, tem uma parte sua que quer tentar. — Ela olhou para ele, como se esperasse uma resposta mais profunda.

Miguel sorriu, mas era um sorriso simples, quase como uma compreensão silenciosa.

— Essa é a vida. A gente tenta se encaixar, mas a verdade é que somos todos meio deslocados, né? Só que uns sabem disso e outros não. — Ele deu um risinho de canto. — Mas olha, se precisar de algo... me chama. Pode ser o que for. Aqui na rua a gente se ajuda, sem cobrança.

Helena ficou em silêncio por um momento, absorvendo as palavras dele. Ela não sabia exatamente o que ele queria dizer com aquilo, mas algo na sua oferta parecia ser genuíno. Algo que ela não encontrava facilmente nas outras pessoas.

— Obrigada — disse ela, com um leve sorriso. — Eu vou lembrar disso.

Miguel a observou por mais alguns segundos, e seus olhos brilharam com algo difícil de ler. Ele se levantou, se preparando para voltar para seus amigos.

— Tranquila, a gente se esbarra por aí, é só questão de tempo. — Ele acenou com a cabeça, e se afastou, mas antes de se virar por completo, ele jogou mais uma frase no ar: — E aí, lembra do que eu te disse, viu? Não precisa tentar ser mais do que você é.

Helena o observou se afastar, sem saber muito bem o que pensar. Mas uma coisa era certa: aquele encontro, naquela praça fria e silenciosa, havia mexido com ela de um jeito que ela não conseguia explicar.

Helena finalmente chegou em casa naquela noite, e, ao fechar a porta do quarto, sentiu-se aliviada, como se o peso da festa tivesse sumido. Ela tirou os tênis e se jogou na cama, ainda pensando em tudo o que aconteceu com Miguel. Algo sobre ele a fazia pensar mais, não apenas pela atitude dele, mas pelo jeito como ele parecia se encaixar tão naturalmente no mundo dele, sem se preocupar com nada. Ela balançou a cabeça e tentou se distrair com o celular, mas a imagem de Miguel não saia da sua cabeça.

No outro dia, ao acordar e se preparar para mais um dia de aula, o pensamento de vê-lo novamente estava lá, como um eco. Será que ele também pensava nela? Ela não sabia. Tentou se concentrar na escola e nas coisas que teria que fazer, mas algo parecia desconfortável.

Ao chegar na escola, foi diretamente para o seu lugar habitual, tentando passar despercebida. Clara logo se aproximou com uma energia cheia de curiosidade.

— E aí, o que aconteceu? Não te vi na festa ontem! — Clara disse, dando um empurrão amigável.

Helena, com um sorriso fraco, deu de ombros.

— Olha, Clara, eu não sou de festas, e acho que nunca mais vou em uma dessas — respondeu, tentando manter o tom leve, mas não conseguindo esconder o quanto a festa a havia deixado incomodada.

Clara deu uma risada, balançando a cabeça, como se já esperasse uma resposta assim.

— Aí, tá bom então. Vamos para a aula sim — disse Clara, mudando de assunto e puxando Helena para a sala de aula. Não estava nem um pouco surpresa com a resposta da amiga, mas sempre achava engraçado como Helena nunca se deixava levar pelas festas e agitação.

Quando entraram na sala, Helena se acomodou em seu lugar, mas seu pensamento estava longe, ainda ruminando sobre a noite passada. Foi então que, ao sair para pegar um caderno, ela esbarrou em alguém.

— Ah, desculpa — ela murmurou, levantando os olhos para ver quem era.

Era Miguel. Ele estava ali, parado à sua frente, com aquele sorriso de sempre. Ele parecia tranquilo, como se estivesse acostumado a se esbarrar com pessoas no corredor.

— Foi mal, não te vi — ele disse, passando os olhos por ela antes de continuar. — Então, você desapareceu na festa, hein?

Helena, surpresa pela observação, olhou para ele e deu um sorriso leve.

— Não sou muito de festa — ela respondeu, como se fosse a explicação mais simples possível. — Eu meio que... desapareci, sim.

Miguel deu uma risada, meio de canto de boca, e encostou a mão na parede ao lado dela.

— Ah, entendi. Festas não são pra todo mundo — ele disse com aquela calma característica dele. — E aí, tudo certo por aqui? Como anda a escola?

Helena, um pouco surpresa com o tom descontraído, deu um leve sorriso.

— Tudo tranquilo, nada de novo. Só mais um dia de aula — respondeu, ajeitando o cabelo, tentando não ficar nervosa com a conversa.

Miguel deu um passo à frente, sem pressa de sair.

— É, pra você é fácil falar assim. Eu sei que você não curte muito agitação, mas vai ver que a escola fica mais interessante se você der uma chance para as coisas — ele comentou, olhando diretamente nos olhos dela.

Helena o observou por um momento, e algo na maneira como ele falava fez com que ela se sentisse mais à vontade. Não era uma pressão, nem um julgamento.

— Pode até ser... Mas acho que já estou bem no meu cantinho — disse ela com um sorriso discreto.

Miguel deu um sorriso de volta, esse mais largo, e deu de ombros, como quem diz: "tudo bem".

— É, mas quem sabe... um dia você muda de ideia — ele disse, com um tom brincalhão, quase como se estivesse sugerindo uma possibilidade.

Helena riu levemente e balançou a cabeça.

— Não conte comigo por enquanto — ela respondeu, mas sua voz soava mais leve, menos defensiva do que antes.

Ele deu um passo para trás, ainda com aquele sorriso tranquilo.

— Tá certo, só não me venha dizer que a vida na escola é chata. Aqui é onde as coisas acontecem — Miguel disse, antes de se afastar lentamente, voltando para seu lugar.

Helena observou ele indo embora, e, mesmo com o jeito despreocupado de Miguel, ela não podia deixar de pensar no quanto ele parecia diferente de todos os outros. Algo nele a deixava curiosa, mas ao mesmo tempo, ela não sabia exatamente o que.

Ela suspirou e voltou para seu lugar, sentindo-se um pouco mais leve do que antes. A conversa com ele tinha sido... inesperada. E quem sabe, talvez fosse o começo de algo novo.

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