No Japão do futuro, onde os arranha-céus tocam nuvens pesadas e os sons das ruas são abafados pela constante vigilância dos drones, a liberdade se tornou uma lembrança distante. O regime totalitário conhecido como *A Ordem do Sol Eterno* governa com mãos de ferro, mantendo o povo sob uma vigilância implacável, onde cada movimento é monitorado e qualquer tentativa de rebelião é esmagada sem piedade. A sociedade é dividida em castas rígidas, e a individualidade é uma sombra esquecida.
Em meio a este cenário, Natsumi, uma jovem de 21 anos, vive em uma pequena periferia de Tóquio, onde os restos da antiga cidade ainda sussurram histórias de uma era perdida. Seus olhos, de um preto profundo, carregam a sabedoria adquirida por anos de medo e resistência, mas também uma chama de esperança que ainda arde, mesmo que fraca.
Natsumi é a irmã mais velha de quatro filhos. Ela cuida de seus três irmãos mais novos — Takeshi, Hiroshi e Yumi — com uma devoção silenciosa, assumindo o papel de mãe e protetora desde que os pais desapareceram misteriosamente, levados pelas forças do regime. No silêncio de sua casa, onde as paredes parecem sussurrar o peso da opressão, Natsumi luta para manter a unidade da família, mas também carrega em seu peito um dilema que a consome: *Até onde vale a pena lutar contra um inimigo tão imenso?*
Os tempos são difíceis. O regime se infiltra em cada aspecto da vida cotidiana, manipulando até os laços mais profundos de sangue, transformando a confiança em uma arma afiada e traiçoeira. O povo vive com medo, com os olhos sempre voltados para o céu, temendo a chegada dos caçadores do governo. Mas dentro de Natsumi, a chama da resistência, embora pequena, ainda não se apagou.
Ao olhar para os rostos inocentes de seus irmãos, ela sente uma responsabilidade que vai além do próprio peso do corpo. Takeshi, o mais velho entre os mais novos, ainda com 14 anos, é inteligente e observador, mas carrega um coração atormentado. Hiroshi, com 10 anos, possui um espírito curioso e rebelde, que desafia as normas do regime, algo que preocupa Natsumi constantemente. E Yumi, a caçula, com apenas 6 anos, tem a pureza de uma criança que ainda não entende a gravidade do mundo ao seu redor, mas que, de alguma forma, já sente a opressão no ar.
Natsumi começa a perceber que a segurança da sua família está cada vez mais ameaçada. Um pequeno erro pode levá-los à morte. Um olhar errado, uma palavra ouvida, até mesmo um sussurro no mercado pode ser o fim. Mas o que ela não sabe é que, por trás das máscaras do regime, existem segredos sombrios que podem mudar tudo o que ela conhece sobre o passado de sua família — e sobre si mesma.
Enquanto o regime continua sua busca implacável por dissidentes, Natsumi se vê forçada a tomar decisões que colocarão a vida de seus irmãos em risco. Mas, em meio ao caos, uma coisa é certa: ela fará qualquer coisa para proteger a família que ainda resta. No coração de Natsumi, uma única convicção surge com força avassaladora: *A união é a única coisa que ainda pode salvá-los.*
E, como as sombras da noite se alongam, a jovem mulher e seus irmãos começam a caminhar por um caminho sem retorno, onde cada passo pode ser o último, mas onde a esperança, mesmo que frágil, ainda pode acender um fogo capaz de iluminar a escuridão.
O vento frio da manhã cortava as ruas estreitas de Tóquio, arrastando consigo as folhas secas que caíam dos poucos arbustos que ainda se mantinham vivos nas calçadas. A cidade parecia congelada, como se o tempo tivesse sido forçado a parar, preso entre o medo e a obrigação. As ruas estavam vazias, exceto por algumas sombras que se moviam rapidamente, com olhos atentos para os drones que patrulhavam o céu.
Natsumi acordou cedo, como sempre. Não podia se dar ao luxo de perder tempo. A casa em que morava com seus irmãos era pequena, e o espaço escasso, mas, ao menos, era sua. Era tudo o que restava. A mesa da cozinha estava coberta de restos de comida da noite anterior. Não era muito, mas havia o suficiente para que seus irmãos tivessem o que comer.
Takeshi, o mais velho dos irmãos, estava sentado na beirada da janela, os olhos fixos nas ruas. Ele tinha uma inquietude que Natsumi começava a temer. A inquietude de quem já viu o sistema de dentro e o reconhece por suas cicatrizes. Aos 14 anos, Takeshi já entendia o regime de forma profunda e dolorosa, mais do que qualquer jovem deveria. Sua alma havia sido marcada pela brutalidade do governo. Mas, ao contrário de Natsumi, Takeshi não acreditava mais na resistência. Para ele, lutar contra a opressão era como tentar parar uma avalanche com as mãos. Em seus olhos havia uma sombra que Natsumi não sabia lidar — uma sombra de desespero.
“Eles estão chegando, Natsumi,” ele disse, sem se virar. Sua voz era baixa, quase como se fosse uma confissão. “Os caçadores do Sol Eterno. Eu vi os drones ontem à noite, e não foi um voo comum. Eles estão cada vez mais perto.”
Natsumi sentiu um peso se formar no peito. Ela sabia que o regime estava cada vez mais agressivo, mas ouvir de Takeshi, com a frieza de quem sabia o que vinha, fez seu estômago virar. “Vamos ficar escondidos. Como sempre fazemos,” ela disse, tentando manter a calma, mas sua voz estava carregada de preocupação. Takeshi não respondeu. Ele só olhou para as ruas, com a expressão de quem já não tinha mais esperança.
Yumi apareceu então, com os cabelos bagunçados e o olhar sonolento. Ela sorriu, despreocupada, sem saber que a tensão estava tão palpável. “Natsumi, você viu a borboleta no jardim ontem? Era tão grande, parecia uma flor!”
Natsumi sorriu para a irmã mais nova, mas a dor em seu coração cresceu. Yumi ainda via o mundo com os olhos puros de uma criança, sem entender os horrores que os cercavam. Era uma bênção e uma maldição. Uma bênção porque ela ainda trazia luz àquela casa sombria; uma maldição porque, se o regime a encontrasse, ela não seria poupada.
"Sim, Yumi, eu vi. Era uma borboleta muito bonita." Natsumi respondeu, tentando esconder a tristeza. "Mas agora, vá se arrumar, está na hora de irmos ao mercado. Precisamos estar rápidos, você sabe como é."
Hiroshi apareceu em seguida, com sua habitual energia vibrante, uma chama de irreverência que desafiava o peso da realidade. “Eu aposto que consigo correr mais rápido que qualquer drone!” ele declarou, dando risada enquanto pegava uma velha bola de futebol rasgada. Natsumi sorriu para ele, mas a preocupação não a deixava. Hiroshi tinha apenas 10 anos, mas já demonstrava sinais de um espírito rebelde. Seu desejo de desafiar a ordem estabelecida era algo que Natsumi admirava e temia ao mesmo tempo. No mundo em que viviam, até mesmo a menor das rebeliões poderia ser fatal.
“Vamos, Hiroshi, você sabe que não podemos chamar atenção. Estamos apenas indo ao mercado. Nada de correr hoje, entendeu?” Natsumi tentou ser firme, mas ele a ignorou, correndo para fora, rindo.
A jornada até o mercado foi rápida e silenciosa. A cada esquina, Natsumi sentia a pressão aumentando, como se o ar estivesse mais denso. Os olhos dela rastreavam tudo: os rostos das pessoas, sempre encobertos pela máscara da conformidade; as ruas, cobertas de propaganda do regime; os drones que passavam silenciosamente pelo céu, como aves de rapina em busca de presas.
Enquanto pegava alguns itens, Natsumi sentiu a tensão crescendo. Algo não estava certo. Quando voltou para a esquina, Takeshi a esperava, com os olhos fixos em um ponto à distância. Ela seguiu o olhar dele e viu um carro militar se aproximando — um veículo preto, com símbolos do regime estampados na lateral. O coração de Natsumi disparou. Ela sabia que o regime não se contentaria em apenas monitorar. Eles estavam começando a caçar.
Aos poucos, ela conduziu os irmãos pelas ruas vazias, evitando olhares e mantendo-se escondida nas sombras. Mas, naquele momento, uma sensação gelada percorreu sua espinha: *Será que seria possível escapar mais uma vez?*
Ela sabia que, em breve, teria que tomar decisões mais difíceis. O regime estava mais perto de destruir o que restava da sua família. Mas Natsumi também sabia de algo que Takeshi não entendia: *Unidos, mesmo no caos, ainda eram mais fortes que qualquer força externa.*
E, com isso, um plano começou a se formar em sua mente, um plano que os levaria ao limite, mas também ao possível caminho da liberdade. Porém, à medida que os passos de seus irmãos se tornavam mais silenciosos, ela sabia que um segredo sobre o passado de sua família logo viria à tona — e ele poderia ser a chave para mudar tudo.
O que os olhos de Takeshi, Hiroshi e Yumi não viam, Natsumi sentia em cada pedaço de sua pele, em cada cicatriz que carregava por dentro, mais do que por fora. Eles eram apenas crianças, inocentes, imersos em um mundo cruel e impiedoso, sem compreender as nuances da guerra que sua família travava contra si mesma, e contra o regime. Para eles, a sobrevivência ainda era uma questão de necessidade, de proteção, sem entender o quanto o peso da história, da dor, dos abusos, os moldava a cada dia.
Natsumi, por outro lado, sabia muito bem o que a tinha forjado. A memória de seu pai, não mais presente fisicamente, ainda a atormentava em seus pesadelos, e a lembrança de sua mãe, submissa às agressões, reverberava em sua mente, como um eco contínuo que jamais se apagaria. O regime talvez fosse o maior inimigo de todos, mas a batalha mais dolorosa estava em sua própria casa, onde o abuso, tanto físico quanto psicológico, se disfarçava de "treinamento" para a guerra.
"Você não pode ser fraca, Natsumi," seu pai costumava gritar, seus olhos cheios de raiva. "Você não pode ser fraca, nem um segundo, senão todos vocês vão morrer. No campo de batalha, não há espaço para fraquezas."
O som da voz dele ainda estava presente, como um martelo batendo em sua mente. Seus olhos vermelhos, intensos de raiva, refletiam a frieza de um homem que acreditava que a guerra era o único caminho para a honra. Para ele, seus filhos eram nada mais que peças de um jogo, ferramentas a serem usadas na próxima batalha. O que ele não entendia, no entanto, era que eles estavam sendo moldados por algo muito mais sombrio do que qualquer treinamento militar. Natsumi, Takeshi, Hiroshi e Yumi haviam sido ensinados a sobreviver ao impossível, a suportar o insuportável, a lutar, mesmo que isso significasse quebrar suas almas um pedaço de cada vez.
E sua mãe… Ela nunca conseguiu fugir do ciclo. Ela amava seu pai, mas de uma maneira distorcida, cruel, como uma flor que cresce no concreto. Quando ele os deixava por um tempo, ela ficava em silêncio, seu olhar vazio, como se esperasse que tudo se resolvesse sem nunca questionar. Mas, quando ele voltava, ela sempre o recebia de braços abertos, com uma lealdade cega que a tornava cúmplice de tudo. Era como se, para ela, as torturas fossem parte do amor, parte de um destino que não podiam escapar.
Natsumi, então, percebeu desde muito cedo que o verdadeiro treinamento não era apenas para a guerra externa, mas também para a guerra interna, aquela que acontecia todos os dias dentro de casa, onde o medo e a dor se transformavam em forças de sobrevivência.
Cada ferida no corpo, cada palavra humilhante, cada noite sem dormir, fazia parte de um ciclo vicioso que ela temia que nunca tivesse fim. Mas, ao mesmo tempo, foi isso que a fortaleceu, foi isso que a fez entender que sobreviver ao regime, sobreviver a qualquer coisa, significava suportar o peso de tudo o que sua família havia sido, e ainda era, mesmo que Natsumi tentasse negar.
O casebre onde viviam, no fundo, não era um lar. Era um campo de treinamento psicológico e físico. As paredes sujas, os móveis quebrados, os objetos rasgados eram uma metáfora da vida que levavam. Tudo estava em constante ruína, como suas esperanças, como seus corações. Cada dia era uma batalha, cada respiração, uma conquista, mas, ao final, nenhum de nós sabia se estavam realmente vencendo ou apenas se mantendo de pé, como uma árvore que, mesmo sem raízes, ainda tenta encontrar a luz.
Mas, em algum lugar dentro de Natsumi, ela sabia que seus irmãos estavam sendo formados à sua maneira. Eles não podiam ver isso agora, mas o que havia sido feito a eles — o que os pais haviam feito — era um treinamento silencioso para o que o futuro reservava. A resistência, a sobrevivência, tudo estava dentro deles, mesmo que, inconscientemente, eles estivessem sendo moldados para suportar os maiores horrores sem sucumbir.
E talvez fosse isso que a mantinha viva. A lembrança de que, apesar de tudo, ela ainda tinha algo para dar aos seus irmãos: a proteção deles, o amor incondicional, e a promessa de que, por mais sombria que fosse a jornada, eles não seriam derrotados. Não por agora. Não enquanto ela ainda respirasse.
Mas a verdade, como ela sabia, era mais difícil de engolir do que qualquer dor física. A guerra não era apenas contra o regime. Era contra os próprios fantasmas do passado, que, ao contrário do que todos pensavam, nunca haviam realmente partido. Eles estavam lá, nas entrelinhas da história familiar, nas sombras que Natsumi tentava manter afastadas, mas que, a cada dia, se aproximavam mais.
Natsumi sentia o peso daquilo tudo se apertando sobre seus ombros. Ela olhou para seus irmãos, que ainda brincavam inocentemente com o que encontravam ao redor, ignorantes da verdadeira batalha que estavam prestes a enfrentar. Eles não compreendiam, mas ela sim. O tempo estava se esgotando.
O regime estava em sua porta, e, mais uma vez, o ciclo de dor e resistência estava prestes a se repetir. Dessa vez, ela não deixaria que seus irmãos fossem arrastados pela escuridão. Eles estavam prontos, sem saber, para o que viria. Mas Natsumi não sabia até onde sua força iria. Ela apenas sabia que, enquanto vivesse, eles teriam uma chance — uma chance de encontrar a verdade e a liberdade, mesmo que isso significasse ir contra tudo o que conheciam.
Mas o preço da liberdade nunca é barato. E os fantasmas do passado de Natsumi, que a perseguiam dia após dia, estavam prestes a se revelar de uma forma que ninguém poderia prever.
A fome era constante, uma dor latente, uma ausência que se enraizava nas entranhas de Natsumi e de seus irmãos. Não havia mais o conforto de uma refeição quente, de um prato cheio, de um simples pedaço de pão. O que havia, na verdade, era a lembrança amarga de tempos melhores — ou talvez uma ilusão de que um dia aquilo tivesse sido possível. Naquele casebre dilapidado, o tempo parecia se arrastar, e o som da barriga roncando à noite se tornava um lembrete cruel de quão longe estavam de qualquer normalidade.
A fome, como um inimigo invisível, os consumia silenciosamente. Mas, em meio àquilo, Natsumi, como uma sombra, fazia o impossível: controlava a dor, dominava a fraqueza. Seus irmãos, tão jovens e ainda tão inocentes, não compreendiam totalmente. Eles sabiam apenas que estavam sempre com fome, sempre fracos, sempre cansados. Mas, por algum motivo, ainda brincavam entre si, buscando algum tipo de refúgio nas risadas tímidas, nas pequenas brincadeiras, como se o mundo lá fora não os tivesse aprisionado ainda.
“Não podemos brincar, senão ele vai nos bater,” sussurrava Takeshi, o mais velho dos irmãos, com um olhar assustado, como se ainda tentasse proteger os outros, mesmo em sua juventude. Ele observava tudo com uma inteligência precoce, absorvendo o sofrimento de sua família e tentando ser o guardião dos outros. Mas suas palavras não podiam impedir o inevitável.
“Eu sei, mas… não podemos viver sem alguma alegria, mesmo que por um instante,” respondia Hiroshi, tentando encontrar algum significado no que restava de sua infância. Ele era o mais novo, ainda tinha os olhos puros, e sonhava, de alguma forma, com um futuro diferente. A ilusão da infância ainda estava viva nele, algo que Natsumi sentia que logo desapareceria.
Mas era difícil, muito difícil. As noites eram longas, e o sono raramente trazia descanso. O pai, sempre imprevisível, se tornava cada vez mais insano, espancando-os sem razão, apenas pela falta de algo melhor para fazer. Às vezes, uma única risada era o suficiente para que ele os atacasse com fúria, a força de seu ódio sendo descarregada sobre seus corpos magros e frágeis. Não havia mais diferença entre dor física e dor emocional; tudo se misturava, e a única resposta possível era se entregar ao torpor do sono, como uma fuga temporária, como um alívio para um sofrimento que parecia não ter fim.
Natsumi observava seus irmãos, mas a angústia a consumia. Ela tentava ser forte, mais forte do que jamais imaginou ser possível. Seu corpo já estava acostumado à dor, mas sua alma estava começando a quebrar. Havia momentos em que ela queria fugir, mas, em sua mente, isso parecia tão impossível quanto respirar debaixo d’água. Eles ainda eram pequenos demais, e o medo de serem separados, de não se encontrarem novamente, os mantinha presos àquele lugar infernal.
Mas, ao mesmo tempo, uma parte dela sentia que o regime, com sua opressão, talvez fosse sua única chance. O sistema autoritário, impiedoso como era, podia ser a salvação, ou talvez apenas um novo pesadelo. Mas Natsumi não sabia mais em quem confiar. O regime impunha regras que engoliam as famílias, os separavam, e, de algum modo, estavam preparando as crianças como elas para a guerra. Não era apenas o pai que os treinava. O governo já estava se infiltrando em suas vidas, moldando suas mentes, dando a eles as habilidades que a sociedade parecia exigir.
O treinamento de seu pai, embora brutal, tinha um propósito: ensinar seus filhos a sobreviver, não a se render. Eles haviam sido forjados na dor, e a cada dia se tornavam mais resilientes, mais preparados para o que viesse a seguir, não por escolha, mas por necessidade. Não havia mais lugar para a inocência, e a única forma de manter a chama da vida acesa era lutar — mesmo que a luta fosse interna, mesmo que fosse contra eles mesmos, contra o que o pai e o regime haviam feito com suas almas.
Natsumi sabia que a fuga seria impossível. Mas, ao mesmo tempo, ela não podia ficar lá, à mercê de um destino já selado. A guerra, o regime, o abuso… tudo isso os levava a um beco sem saída. No entanto, uma semente de esperança ainda se escondia no fundo de seu coração — a ideia de que, talvez, na grande guerra que se aproximava, eles poderiam encontrar algo mais. Uma chance. Uma oportunidade de quebrar os grilhões que os prendiam, de desafiar o destino que lhes havia sido imposto.
Enquanto seus irmãos dormiam, exaustos de tanto sofrimento e esforço, Natsumi sentou-se na beira da janela quebrada, olhando para as estrelas no céu, tentando encontrar uma resposta que nunca parecia vir. O vento que entrava pela janela fria parecia sussurrar que, talvez, algo maior os estivesse observando, que o regime poderia ser o pior de todos os inimigos, mas também poderia ser a chave para sua libertação.
"Será que o regime nos salvará, ou nos colocará em uma guerra ainda maior?" ela pensava, os olhos fixos nas estrelas distantes, sem saber se aquilo era uma esperança ou um mero suspiro desesperado.
Mas, como sempre, Natsumi sabia que, mesmo sem uma resposta, mesmo sem a certeza de um futuro, ela não podia permitir que seus irmãos perdessem a luta. Eles eram todos que tinham uns aos outros. E enquanto restasse uma centelha de esperança, ela os protegeria, mesmo que isso significasse desafiar tudo o que ela conhecia.
A guerra estava chegando — não apenas contra o regime, mas contra tudo o que eles haviam sido forçados a viver. E, talvez, a única maneira de vencer era abraçar a dor e transformá-la em força, encontrar a coragem para enfrentar o inimaginável.
E quem sabe, no fim, o que seria ainda mais devastador: o regime ou a guerra que já existia dentro deles.
O vento cortava o ar frio daquela noite, e Natsumi estava deitada, observando as sombras nas paredes, tentando se desligar das memórias que continuavam a ecoar em sua mente. Mas era impossível. Elas estavam lá, sempre presentes, como uma sombra que não a deixava escapar.
Ela se lembrava com uma clareza horrível do dia em que seu irmão mais novo, Jun, foi chamado pelo pai para voltar para casa. Ele estava brincando com um amiguinho na rua, correndo, rindo, sem perceber a tempestade que se aproximava. Natsumi também estava fora, mas o medo já havia começado a apertar seu coração quando ela viu seu irmão se afastar da casa, indo ao encontro do pai. Ela sabia que algo não estava certo, sabia que aquela cena não era boa, mas estava longe demais para impedir.
“Jun! Volte aqui!” ela gritara, mas ele não ouvira. As palavras se perdiam no ar, como se a casa fosse uma prisão, onde qualquer tentativa de comunicação parecia inútil.
Dentro do quarto, Natsumi não teve tempo de reagir. O estalo da madeira contra o corpo de seu irmão foi o primeiro som que a fez congelar. Ela correu até a janela quebrada, tentando espiar, mas não havia muito o que ver, apenas sombras, mas os gritos de Jun eram claros como o som de um trovão.
“Você não me obedece, seu inútil! Vai aprender a lição agora!” A voz do pai de Natsumi, cheia de raiva, estava distorcida pela fúria, e as palavras que ele proferia eram venenosas, como lâminas cortando sua alma. As palavras, as batidas... O som da madeira se quebrando na cabeça de seu irmão ainda ecoava em sua mente, um som que a fazia querer gritar, mas ela não conseguia. O medo a paralisava, e o grito sufocava em sua garganta.
Jun estava lá fora, sendo espancado, enquanto ela, Natsumi, não podia fazer nada. A impotência tomava conta dela, e lágrimas de frustração se misturavam à dor. Ela apertava as mãos contra os ouvidos, tentando se isolar do som, mas não havia como escapar. Aquelas cenas ficavam gravadas em sua mente como um filme que não podia ser pausado.
O irmão mais velho, Takeshi, entrou em ação. Ele sempre foi o mais corajoso, o mais responsável. Natsumi sabia que ele não suportaria ver Jun ser massacrado daquela maneira. Ele correu pela rua em direção à casa do vizinho, pedindo ajuda, convocando os cinco homens. Ela podia ouvir os passos apressados, o som das vozes abafadas, mas não conseguia ver o que acontecia.
Quando os homens chegaram à casa, o pai de Natsumi parou. Ele se amedrontou com a presença deles, mas, de alguma forma, nada aconteceu. Os homens, em vez de interceder, apenas ficaram parados, assistindo ao sofrimento, como se tivessem sido despojados de sua humanidade, como se tivessem sido reduzidos a espectadores impotentes. Natsumi nunca soubera o que os motivara a não agir. Talvez fosse o medo do pai, a aceitação da crueldade como parte da vida, talvez eles estivessem tão acostumados com a violência que se tornaram insensíveis a ela.
Mas naquele momento, o pior foi o silêncio da mãe. Ela sempre se mantinha em silêncio, como uma sombra que nada dizia, que nada fazia. Seu olhar estava fixo, vazio, e ela não intervenha. Ela nunca fez nada. Natsumi lembrava da expressão da mãe durante os abusos. Não era o medo ou o arrependimento, mas uma aceitação silenciosa de que aquilo fazia parte de suas vidas.
“Por que ele é tão cruel?” Natsumi se perguntava, sempre se perguntando. O que os seus irmãos haviam feito para merecer tamanha dor? O que ela própria fizera para ser tratada daquela forma? Não havia respostas fáceis. Havia apenas uma dor crescente, um sentimento de injustiça que jamais seria apagado.
Natsumi, naquele momento, já não se via como uma criança. Ela não sabia mais o que significava ser criança. Mas, em algum lugar dentro de si, ela ainda acreditava que existia uma chance, mesmo que remota, de fugir de tudo aquilo. Mas como? Como poderia escapar de um destino tão cruel, de uma família tão destruída? Mesmo agora, enquanto sua barriga roncava de fome, ela sentia uma força latente, uma força silenciosa, como se fosse uma chama que não fosse apagada, mesmo sob o peso da dor.
E Jun, seu irmão, estava ali, recuperando-se, curado pela intervenção de Takeshi, mas ainda marcado pela brutalidade. Ela sabia que nada seria igual depois daquele dia. Eles estavam vivos, mas uma parte de suas almas, talvez, já estivesse perdida.
E a pergunta que mais ecoava em sua mente era: por quanto tempo mais poderiam resistir? Até quando a crueldade poderia dominar suas vidas antes que perdessem o pouco de humanidade que lhes restava? Natsumi sentia o peso da responsabilidade sobre seus ombros. Seus irmãos, ainda tão pequenos, dependiam dela. Ela não podia falhar. Mesmo que o regime, o pai e a mãe tivessem tentado destruí-los, ela sabia que algo dentro dela ainda lutava. E ela faria qualquer coisa para proteger os outros.
Mas dentro dela, uma nova dor surgia: a raiva de não poder fazer mais, de não poder fazer o que precisava ser feito. E, à medida que o vento frio soprava pela janela quebrada, Natsumi sabia que, ao contrário do que seu pai e o regime queriam, ela e seus irmãos ainda estavam vivos. Mas quanto mais sobrevivessem, mais a guerra interna deles crescia — e talvez isso fosse o único caminho para a libertação.
Os olhos de Natsumi estavam vazios, mas dentro de sua mente, as lembranças voltavam com a força de um furacão. Ela sabia que aquelas imagens estavam queimando sua alma, e ao mesmo tempo, eram as únicas coisas que restavam de uma infância marcada pela dor.
O pai, aquele homem de olhos frios e mão forte, sempre foi o terror dentro de sua casa. Cada dia era um pesadelo, mas havia algo que se repetia mais do que qualquer outra coisa: o aperto de suas mãos ao redor do pescoço de Natsumi, o toque gelado e ameaçador que roubava sua respiração, que a deixava tonta, sem forças. A sensação de sufocar, de não conseguir respirar, era uma tortura que ia além do físico. Aquela dor, aquele pânico que se espalhava pelo corpo, não podia ser desfeita nem com o tempo, pois se enterrava na alma, se tornando uma marca indelével.
"Você não é nada", ele sempre dizia, com a voz carregada de desprezo, enquanto suas mãos apertavam cada vez mais. "Nada além de um estorvo."
Cada vez que ele fazia isso, Natsumi sentia uma sensação de desespero, uma solidão crescente. Mesmo em meio à dor, ela sentia a presença dos irmãos ao seu redor, vendo-os passar pelas mesmas torturas. Seus olhos cheios de medo, mas ela sabia que nenhum de vocês tinha saída. E a mãe? Ela observava, sempre em silêncio, com aquele olhar perdido. Nunca fez nada. Como se a crueldade fosse algo normal.
Ela lembrava de como, quando o pai se cansava dela, ele ia atrás de seus irmãos. Às vezes, ele começava com o mais novo, Koharu, ou com o pequeno Daichi, e as mãos fortes se fechavam ao redor de seus pescoços, empurrando-os para o chão. Eles mal podiam entender o que estava acontecendo, mas sentiam a mesma dor, o mesmo pânico. E Natsumi, mesmo quando era sua vez, ficava paralisada, incapaz de fazer mais do que observar o sofrimento deles. Era um ciclo sem fim. Sempre mais dor, sempre mais gritos.
Em meio a tudo isso, ela questionava por que não havia uma válvula de escape. Como alguém podia ser tão cruel com os próprios filhos? O que eles haviam feito de errado? E por que sua mãe nada dizia? Ela não se lembrava mais de quando a mãe tinha se tornado uma sombra silenciosa, mas já não a via como uma mãe. Aquele ser frágil e submisso só contribuía para a perpetuação da violência, tornando-se cúmplice naqueles momentos de sufocamento.
Com o tempo, Natsumi se acostumou com a dor. Ela aprendeu a viver com o medo, a perceber o momento exato em que a mão do pai se levantava para pegar seu pescoço, e a como o ar se tornava mais escasso a cada segundo. Mas o pior não era a dor física. O pior era o que isso fazia com a alma, com a sensação de ser nada, de não ter valor. O sufocamento não parava quando ele parava de apertar. Ele ficava lá, dentro dela, em sua mente e em seu coração, consumindo tudo.
Ela sempre se perguntava, depois de cada sessão de tortura, o que teria acontecido se alguém tivesse feito algo. Se alguém tivesse se oposto, se tivesse feito justiça. Mas sabia que não podia esperar por isso. O regime já tinha tomado a sua casa, suas vidas, e a violência era a linguagem deles. A resposta do pai e da mãe para o sofrimento nunca mudava. Eles nunca se importaram com os filhos. Eram meros peões no jogo de uma sociedade opressora, uma sociedade que as tratava como ferramentas, preparadas para serem descartadas assim que não servissem mais.
Naqueles momentos, Natsumi sentia que o amor era um conceito distante, algo que ela não conseguiria alcançar. O único amor que existia era o amor entre seus irmãos, e isso era a única coisa que a fazia continuar. Ela sabia que não importava o quanto o pai tentasse destruí-los, o quanto o regime tentasse esmagá-los, a união entre ela e seus irmãos era algo que nada nem ninguém poderia roubar.
E foi naquele momento que ela teve certeza de algo: **não importava o que acontecesse, ela lutaria por eles.** Eles eram a única razão para ela continuar respirando. Mesmo que o pai, o regime, a dor e o sofrimento tentassem destruí-los, ela faria o impossível para protegê-los. Eles mereciam uma chance de viver, mesmo que o mundo ao redor deles fosse consumido pela escuridão.
Ela sabia que, algum dia, se eles sobrevivessem, ela teria que fazer justiça — não apenas pela dor que havia sofrido, mas por tudo o que eles haviam sido forçados a suportar. Mesmo que ela tivesse que lutar contra o próprio regime, Natsumi sabia que uma faísca de revolta já estava crescendo dentro dela. Não seria fácil, e o caminho à frente estava cheio de sombras, mas ela estava pronta. Porque, ao contrário de seu pai, ela nunca iria sufocar seus irmãos, nem suas esperanças.
E enquanto o vento cortava o ar gélido daquela noite, Natsumi fez uma promessa silenciosa a si mesma: ela e seus irmãos sairiam daquele inferno, ou morrendo tentando. Porque, no fim das contas, o único poder real que eles tinham era o amor que compartilhavam.
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