**Capítulo 1: O Encontro Sob a Chuva**
O céu sobre Kyoto estava pintado de cinza quando a chuva começou a cair suavemente, desenhando padrões efêmeros nas pedras do caminho. As lanternas de papel, que horas antes iluminavam as ruas com sua luz acolhedora, agora tremeluziam sob a névoa úmida. O aroma de chá recém-preparado escapava das pequenas casas de madeira, misturando-se ao perfume das flores de ameixeira que resistiam estoicamente ao peso das gotas d’água.
Yukio Aizawa apressou o passo, protegendo a cabeça com o livro que segurava. Não queria que as páginas se molhassem. Era um exemplar raro, uma coletânea de poemas antigos que encontrara em uma livraria escondida entre vielas. Para ele, aquele livro era um tesouro — palavras que atravessaram o tempo, intactas, carregadas de sentimentos há muito esquecidos.
Mas, ao virar a esquina, esbarrou em alguém.
O impacto foi suave, mas suficiente para que os livros que carregava escorregassem de seus braços e se espalhassem pelo chão. Papéis voaram como folhas de outono ao vento, rodopiando antes de pousar sobre as pedras molhadas.
— Me desculpe! — Yukio exclamou, abaixando-se apressadamente para recolhê-los.
A jovem diante dele também se abaixou, seus dedos tocando os dele por um breve momento quando ambos tentaram pegar o mesmo livro. A pele dela era fria, mas não desagradável — era como o toque suave da chuva contra a pele.
Ela ergueu os olhos, e por um instante, tudo ao redor pareceu desaparecer.
Havia algo hipnotizante naquele olhar — um brilho inquietante, um segredo escondido em sua íris cor de mel. Seu rosto era delicado, mas seus traços traziam uma força sutil, como se carregassem histórias que ninguém jamais ouvira.
— Está tudo bem — disse ela, com um sorriso sereno.
Pegou um dos livros caídos e passou a ponta dos dedos sobre a capa gasta, como se pudesse sentir sua história através do toque.
— Você gosta de poesia?
Yukio hesitou. Não porque fosse mentira, mas porque nunca admitira isso para ninguém.
— Sim… às vezes.
Ela abriu o livro com delicadeza, folheando as páginas amareladas até encontrar um trecho sublinhado.
— "O coração nunca está onde o corpo repousa" — recitou, sua voz soando quase como um sussurro.
Yukio ficou em silêncio. Aquela frase, lida em voz alta, parecia diferente. Como se carregasse um peso maior quando dita por ela.
— Isso é belo, não acha? — Hana perguntou, fechando o livro devagar.
Ele a observou por um momento, sentindo algo que não sabia nomear.
Era como se já a conhecesse de algum lugar. Como se seu coração, de alguma forma, já estivesse ligado ao dela antes mesmo daquele encontro.
A chuva apertou. Pequenos riachos começaram a se formar entre as pedras do caminho, mas nenhum dos dois parecia se importar.
— Posso te acompanhar até algum lugar? — Yukio perguntou, sentindo um impulso estranho de prolongar aquele momento.
Ela sorriu, inclinando levemente a cabeça.
— E se eu disser que não estou indo a lugar algum?
Ele piscou, confuso.
— Então… está apenas vagando?
— Pode-se dizer que sim — respondeu Hana, fitando o céu nublado por um instante. — Mas, talvez, eu estivesse esperando algo sem saber.
Yukio não soube o que responder. Seu coração pulsava rápido, como se aquela conversa fosse mais significativa do que deveria ser.
— Aceita um chá quente? — ele perguntou, tentando ignorar a estranha sensação de déjà vu que o envolvia.
Hana observou-o por alguns segundos, depois assentiu com um sorriso enigmático.
E então, sem perceber, ele deu o primeiro passo em uma história que mudaria sua vida para sempre.
O aroma do chá de jasmim pairava no ar quando Yukio e Hana entraram em uma pequena casa de chá no coração de Kyoto. O ambiente era acolhedor, iluminado por lanternas de papel que projetavam sombras suaves nas paredes de madeira. O cheiro de tatame recém-limpo se misturava ao perfume das flores secas dispostas sobre o balcão, criando uma sensação de nostalgia difícil de explicar.
Yukio puxou uma cadeira para Hana antes de se sentar à sua frente. O som da chuva tamborilando no telhado criava um ritmo suave, quase hipnótico, preenchendo os momentos de silêncio entre eles.
— Então… — ele começou, mexendo distraidamente a colher no chá fumegante à sua frente — você gosta de poesia?
Hana deu um pequeno sorriso, levando a xícara aos lábios com delicadeza.
— Gosto. Mas gosto mais ainda das histórias por trás dos poemas.
— Como assim?
— Acho fascinante pensar no que levou alguém a escrever certas palavras. A poesia é uma confissão disfarçada. Você já reparou nisso?
Yukio franziu a testa, refletindo sobre aquilo. Nunca havia pensado na poesia daquela forma, mas fazia sentido. Cada verso era uma peça do coração de alguém, deixada para trás na esperança de que alguém a encontrasse.
— Nunca pensei nisso assim.
Hana pousou a xícara na mesa, inclinando-se levemente para frente. Seus olhos pareciam sondá-lo, como se procurassem algo escondido em sua alma.
— Você escreve, não escreve?
Yukio desviou o olhar.
— Por que acha isso?
— Você tem o olhar de quem carrega palavras dentro de si, mas não as deixa sair.
O comentário o pegou desprevenido. Como ela poderia ver algo assim? Nem mesmo seus amigos mais próximos sabiam que ele costumava rabiscar versos em seu caderno antes de dormir, ou que algumas noites passava em claro, preso em pensamentos que só conseguia expressar através das palavras.
— Acho que todos escrevem um pouco, de alguma forma — ele disse, tentando minimizar.
Hana não pareceu convencida, mas não insistiu.
Por um momento, o silêncio se instalou entre eles, mas não era desconfortável. Era o tipo de silêncio que existia entre pessoas que não precisavam preencher cada espaço com palavras vazias.
— E você? — Yukio perguntou, tentando mudar o foco. — Escreve?
Hana sorriu de canto.
— Escrevo. Mas não para que leiam.
— Então por quê?
Ela desviou os olhos para a janela, observando as gotas de chuva escorrendo pelo vidro.
— Algumas palavras não foram feitas para serem compartilhadas — disse, sua voz baixa, quase um sussurro.
Yukio sentiu um arrepio percorrer sua espinha. Havia algo em Hana que o intrigava profundamente, algo que o fazia querer conhecer cada pensamento escondido por trás de seu olhar misterioso.
— Você acredita no destino? — ela perguntou de repente, virando-se para encará-lo.
A pergunta o pegou de surpresa.
— Nunca pensei muito sobre isso.
— Eu penso.
— E o que acha?
Ela hesitou por um momento antes de responder.
— Acho que algumas pessoas estão destinadas a se encontrar, não importa o caminho que tomem.
Havia algo na maneira como ela disse aquilo que fez o coração de Yukio acelerar. Como se aquelas palavras carregassem um significado muito maior do que ele poderia compreender naquele momento.
A chuva lá fora diminuiu, tornando-se apenas uma garoa fina. O tempo parecia ter desacelerado dentro daquela casa de chá, como se eles estivessem em um universo paralelo, onde apenas aquele instante importava.
— Quer andar um pouco? — Hana perguntou, seus olhos brilhando com um convite silencioso.
Yukio não soube dizer por que, mas sabia que não queria se despedir ainda.
— Quero.
E assim, ele seguiu Hana para a noite úmida de Kyoto, sem imaginar que aquele seria apenas o primeiro de muitos encontros que mudariam sua vida para sempre.
A noite se estendia sobre Kyoto como um manto de seda azul-escuro, pontilhado pelas luzes dos lampiões que tremeluziam suavemente com a brisa úmida. As ruas de pedra brilhavam sob a garoa leve, e o som de passos ritmados ecoava entre as vielas.
Yukio e Hana caminhavam lado a lado, sem pressa, sem destino. O silêncio entre eles não era desconfortável, mas cheio de significados.
— Você escreve em algum lugar? — Hana perguntou de repente, os olhos brilhando com a curiosidade de quem já sabia a resposta.
Yukio hesitou.
— Por que a pergunta?
Ela sorriu de canto, puxando o celular do bolso do casaco e, sem dizer nada, virou a tela para ele.
O choque o atingiu como uma onda.
Ali, na tela iluminada, estava seu blog. O título discreto, o fundo minimalista, os textos repletos de sentimentos que ele nunca havia dito em voz alta. Hana rolava lentamente a página, os dedos deslizando sobre palavras que, até aquele momento, ele acreditava serem invisíveis para o mundo.
— Como você encontrou isso? — Yukio perguntou, o coração acelerado.
— Eu procurei — ela respondeu, como se fosse óbvio. — Você disse que não escrevia, mas sua expressão dizia o contrário. Então, eu segui um palpite.
Ele ficou em silêncio, observando enquanto ela continuava a leitura. Sentia-se vulnerável, exposto. Nunca imaginou que alguém um dia encontraria aquele canto secreto onde ele despejava sua alma.
— Você escreve sobre coisas que não diz — Hana murmurou, os olhos ainda na tela. — Sobre saudade, sobre solidão, sobre querer estar em outro tempo e lugar.
Yukio passou a mão pelos cabelos úmidos, desviando o olhar.
— Talvez… seja mais fácil escrever do que falar.
— É como eu disse — Hana ergueu os olhos para ele, um brilho curioso em sua expressão — poesia é uma confissão disfarçada.
Aquelas palavras ficaram pairando no ar entre eles.
— O que você acha? — Yukio perguntou, sem saber exatamente por que queria ouvir a opinião dela.
Hana sorriu suavemente.
— Acho que você tem medo de ser visto.
Yukio sentiu um aperto no peito. Como ela podia enxergar através dele tão facilmente?
— E você? — ele revidou. — Você disse que escreve, mas não deixa ninguém ler. Então, qual é a diferença?
Ela inclinou a cabeça levemente, como se ponderasse sobre a pergunta.
— A diferença — respondeu, sua voz baixa e pensativa — é que você escreve para ser encontrado, mesmo que não perceba.
Yukio franziu a testa.
— O que quer dizer?
— Seus textos — Hana passou o dedo sobre a tela do celular, apontando para um trecho específico — sempre terminam com uma pergunta. Sempre há algo que você parece esperar como resposta.
Yukio olhou para a tela. Ela estava certa. Ele nunca havia percebido aquilo.
A noite se aprofundava ao redor deles, mas o mundo parecia suspenso naquele instante.
— Eu gosto do que você escreve — Hana disse, guardando o celular no bolso. — Você deveria escrever mais.
Yukio a observou por um momento, sentindo que algo dentro dele estava mudando.
Talvez, pela primeira vez, ele quisesse realmente ser encontrado.
O vento frio da noite já não incomodava quando Yukio e Hana entraram em sua casa. O ambiente era simples, organizado de um jeito que misturava funcionalidade e um certo toque de desleixo artístico. Livros empilhados sobre a mesa, folhas rabiscadas aqui e ali, um violão encostado na parede.
— Bem-vinda ao meu caos — ele disse, dando de ombros.
Hana olhou ao redor com curiosidade, os olhos percorrendo cada detalhe. Ela sorriu ao notar um caderno aberto sobre a escrivaninha, repleto de rascunhos e anotações desconexas.
— Então você também desenha?
— Mais ou menos — Yukio respondeu, puxando uma cadeira. — Mas esse aqui… esse está fazendo sucesso.
Ele pegou o tablet da mesa e, com um toque na tela, abriu um desenho. Assim que Hana viu, cobriu a boca com as mãos, tentando conter uma risada.
— O quê?! — ela arquejou, arregalando os olhos.
O desenho era hilário. Uma sandália tradicional japonesa, mas feita de madeira maciça, batizada de *Havaianas de Pau*. O design exagerado, a descrição detalhada e os comentários das pessoas tornavam tudo ainda mais cômico.
— Você não fez isso! — Hana gargalhou, segurando o estômago.
— Eu fiz! — Yukio riu junto, inclinando-se para olhar a tela com ela. — E as pessoas estão adorando!
Ele rolou a página, mostrando os comentários animados. Alguns diziam que queriam um par, outros sugeriam variações ainda mais absurdas.
Hana chorava de tanto rir.
— Isso é genial! Imagine só o barulho que isso faria ao andar!
Yukio riu ainda mais ao imaginar a cena.
— Exato! O slogan seria: *"O equilíbrio entre tradição e torção de tornozelo!"*
Isso foi o suficiente para Hana cair na gargalhada novamente, encostando-se no sofá para recuperar o fôlego. Yukio, por sua vez, se divertia observando-a. O brilho nos olhos dela, a maneira como inclinava a cabeça ao rir, o som genuíno da sua alegria… era contagiante.
Ele percebeu que gostava de vê-la assim. Gostava da forma como a presença dela parecia iluminar o ambiente, como se trouxesse cor para um mundo que, até então, ele enxergava em tons de cinza.
Por um instante, Hana virou o rosto e encontrou seu olhar. A risada foi se acalmando, e o silêncio se instalou de forma diferente dessa vez — não constrangedor, mas carregado de algo que nenhum dos dois sabia exatamente nomear.
O sorriso ainda pairava nos lábios de Hana quando ela cruzou os braços e inclinou a cabeça levemente.
— Então… você faz sucesso como escritor e como designer de calçados revolucionários?
Yukio sorriu.
— É um talento natural.
Ela riu outra vez, balançando a cabeça.
— Eu definitivamente quero ver mais disso.
— Posso te mostrar, se quiser — ele disse, pegando o tablet novamente.
Hana apenas assentiu, e os dois passaram a próxima hora explorando as criações absurdas de Yukio, rindo, comentando e compartilhando histórias que talvez nunca tivessem contado a mais ninguém.
Era engraçado como, às vezes, os encontros mais inesperados nos levam às conexões mais genuínas.
A noite em Kyoto tinha um perfume suave de terra molhada e o sussurro da brisa nas folhas das árvores. Depois de tanto rirem do desenho das *Havaianas de Pau*, Yukio e Hana sentaram-se na varanda de madeira da casa, sentindo a tranquilidade daquele momento.
A chuva fina já havia cessado, e um silêncio confortável se instalou entre eles. Hana abraçou os joelhos, observando o quintal iluminado pela luz fraca de um poste próximo. Yukio, por sua vez, pegou o violão que estava encostado na parede ao lado da porta.
— Você toca? — Hana perguntou, surpresa.
Ele deu de ombros, dedilhando as cordas suavemente.
— Às vezes. Quando quero silenciar os pensamentos.
A melodia que começou a tocar era delicada, melancólica, quase como um poema sem palavras. O som preenchia o ar, criando uma atmosfera que parecia suspender o tempo. Hana desviou o olhar para os pés dele, descalços, levemente levantados atrás do pé da cadeira, como se estivessem flutuando com o ritmo da música.
Ela sorriu. Era um detalhe bobo, mas havia algo fascinante na forma distraída como ele tocava, completamente imerso na melodia.
Yukio, por outro lado, olhava para ela nitidamente. Não era um olhar invasivo, mas havia uma verdade ali, algo que não precisava ser dito. Como se, apenas naquele instante, ele percebesse o quanto gostava da presença dela ali.
Hana sentiu o coração bater diferente, mas não desviou o olhar. Deixou-se ficar naquele momento, naquela canção que ele tocava sem pressa, sem medo, como se fosse apenas para ela.
A melodia se dissipou no ar, deixando um rastro de silêncio confortável entre os dois. Hana sentia o coração desacelerando aos poucos, como se a música de Yukio tivesse a capacidade de acalmar até mesmo as tempestades internas.
Ele parou de tocar, apoiando o violão ao lado da cadeira, e então se levantou, espreguiçando-se levemente.
— Acho que vou fazer um misto quente — disse, passando a mão pelos cabelos. — Tem o suficiente pra dois, se quiser.
Hana sentiu um impulso imediato de aceitar, mas a timidez a venceu antes que pudesse abrir a boca.
— Ah… não precisa, obrigada — respondeu rápido demais, cruzando os braços sobre as pernas.
Yukio arqueou uma sobrancelha, como se percebesse algo, mas não insistiu.
— Certo. Eu volto já.
Ele entrou na casa, deixando-a sozinha na varanda.
O vento noturno soprou de leve, e Hana suspirou, apoiando o queixo nos joelhos. Seus olhos vagaram pelo quintal, mas sua mente estava dentro da casa, ouvindo os barulhos da cozinha.
Primeiro, o som dos armários sendo abertos.
Depois, o barulho metálico de uma faca raspando levemente em algo.
O estalo do fogão acendendo.
O farfalhar do pão sendo desembrulhado.
Hana fechou os olhos por um instante, tentando afastar a sensação incômoda que surgiu em seu peito. Ela queria dizer "sim". Queria entrar na cozinha e se apoiar no balcão enquanto ele preparava o lanche, rir de algum comentário bobo, sentir o cheiro do queijo derretendo e compartilhar aquele momento. Mas recusou.
Por quê?
Talvez fosse a vergonha de comer na casa dele. Talvez fosse medo de parecer inconveniente. Ou talvez… fosse apenas o receio de se permitir algo tão simples e íntimo como dividir um lanche tarde da noite com alguém que estava começando a significar algo para ela.
O cheiro do misto quente começou a se espalhar, quente e convidativo, e Hana sentiu o arrependimento crescer.
Ela mordeu o lábio, hesitante. Ainda dava tempo de mudar de ideia?
Talvez…
Ela se levantou lentamente e deu um passo em direção à porta.
Mas então Yukio voltou.
Ele segurava um prato com um misto quente dourado e crocante, e na outra mão, um copo de suco de laranja. Ele se sentou novamente, sem dizer nada, e deu a primeira mordida.
Hana engoliu em seco.
O som do pão crocante quebrando sob os dentes dele era quase torturante.
— Está bom? — ela perguntou, casual, tentando parecer indiferente.
Yukio a olhou de soslaio, mastigando devagar. Depois de engolir, arqueou a sobrancelha, um brilho de diversão nos olhos.
— Você quer, né?
Hana arregalou os olhos, sentindo o rosto esquentar.
— O quê?! Não! Eu disse que não estava com fome!
— Não foi isso que eu perguntei. — Ele segurou o misto quente na altura dos olhos dela, como se fosse um prêmio. — Você quer. Eu sei que quer.
Ela bufou, cruzando os braços.
— Você é muito convencido.
Yukio riu e, sem dizer nada, partiu o sanduíche ao meio.
Antes que ela pudesse protestar, estendeu uma metade para ela.
— Aqui. Sem desculpas.
Hana hesitou por um segundo, mas então suspirou e pegou o lanche das mãos dele.
— Você é insuportável — resmungou, mas o canto da boca tremia em um sorriso.
— Eu sei — ele respondeu, divertido.
Ela deu a primeira mordida, e o sabor quente e amanteigado explodiu em sua boca. O queijo derretido puxou um fio longo, e ela teve que puxá-lo com os dedos.
— …Nossa.
Yukio riu.
— Bom, né?
Hana fingiu que não ouviu. Apenas continuou comendo, sentindo o arrependimento de antes desaparecer a cada mordida.
Eles ficaram assim por um tempo, sentados na varanda, dividindo o silêncio e o sabor de algo simples, mas que parecia mais significativo do que deveria.
E Yukio, de tempos em tempos, olhava para ela daquele jeito novamente. Como se gostasse da presença dela ali. Como se, talvez, ele quisesse que ela ficasse um pouco mais.
O lanche foi devorado em silêncio, mas não havia nenhuma desconexão no ar. Era como se aquele momento simples, compartilhado com alguém tão inesperado quanto Yukio, tivesse a capacidade de criar uma nova conexão entre eles. Hana, agora satisfeita, levou a última mordida do misto quente e se recostou na cadeira, sentindo o peso da noite sobre ela, mas de uma forma confortável, quase acolhedora.
Yukio, por sua vez, limpava os lábios com a ponta do dedo, e, sem pressa, pegava o copo de suco. Os olhos dele, sempre atentos, pareciam se perder nos próprios pensamentos, mas também não podiam deixar de lançar olhares discretos para Hana.
Quando ele terminou o lanche, pousou o prato na mesa com um leve suspiro.
— Bem, agora que me empanturraram de comida… — Ele sorriu, como se aquilo fosse um segredo compartilhado. — Acho que já é hora de você ir, não?
Hana se levantou, ajeitando a saia e tentando evitar o olhar dele que parecia ainda estar fixado nela, como se quisesse mais daquilo, mais daquela noite, mais da presença dela.
Ela sorriu, um sorriso tímido e um pouco forçado, tentando disfarçar o desconforto que sentia por estar prestes a sair daquele espaço tão aconchegante.
— É, já está tarde, e amanhã tenho que acordar cedo.
Ela deu um passo em direção à porta da varanda, mas, antes que pudesse abrir a porta, ouviu a voz dele novamente.
— Espera.
Ela parou, os dedos paralisados na maçaneta, e olhou por cima do ombro.
— Hã?
Yukio estava se levantando da cadeira, já com o casaco nos ombros, e com um sorriso no rosto.
— Eu vou te levar para casa. Não vou deixar você ir sozinha nessa hora.
Hana ficou parada por um segundo, sem saber o que responder. Sentiu seu coração dar um salto no peito, quase como se ele tivesse parado por um instante. Ele iria levá-la para casa?
O sorriso dela se alargou instantaneamente, sem que ela conseguisse esconder a sensação boa que invadiu seu peito. Algo naquele gesto, tão simples, fez com que ela se sentisse importante, como se sua presença fosse valorizada.
Ela se virou lentamente, tentando disfarçar a surpresa, e olhou para Yukio.
— Você… você não precisa fazer isso, Yukio. Eu moro perto, é só uma caminhada.
— Eu sei. Mas é noite, e eu não me sentiria bem se deixasse você ir sozinha. Além disso, você tem uma bicicleta, e eu posso te acompanhar. Não tem problema.
Hana engoliu em seco. Ele estava tão tranquilo, tão natural ao fazer aquele gesto. Nada parecia forçado ou exagerado. Era simplesmente o que ele queria fazer, e ele não parecia esperar nada em troca.
— Tá bom, então… Obrigada — respondeu, com um sorriso genuíno.
Yukio pegou as chaves de sua bicicleta e, sem mais palavras, abriu a porta para ela.
— Vamos lá.
Hana sentiu uma onda de gratidão crescer dentro de si. E enquanto eles saíam para a noite, ela não pôde deixar de pensar no quão diferente aquele momento parecia. Era como se, apesar de todas as razões para que o encontro entre eles fosse apenas uma coincidência passageira, algo maior estava começando a tomar forma. Algo que, ao menos por enquanto, parecia ser só deles.
Enquanto caminhavam juntos pela rua estreita e silenciosa de Kyoto, o som das suas passadas se misturava ao som suave da brisa noturna. A lua se ergueu por trás das nuvens, iluminando o caminho à frente deles, e a sensação de tranquilidade preenchia o ar.
Hana olhou para ele discretamente. Yukio estava à sua frente, com a postura relaxada, os cabelos um pouco bagunçados pela brisa, e a expressão leve, como se aquilo fosse algo totalmente natural para ele.
— Eu nunca pensei que algo assim fosse acontecer — disse ela, sem pensar muito nas palavras, apenas seguindo o fluxo da conversa.
Yukio olhou para ela, um sorriso leve dançando em seus lábios.
— O que você quer dizer com isso?
— Bem… nos conhecemos de forma tão… inesperada. E agora estou aqui, indo para casa com você. — Ela riu, se sentindo um pouco nervosa com a sinceridade de suas palavras. — Não sei… parece tão simples, mas ao mesmo tempo… especial.
Ele a olhou, o brilho nos olhos refletindo algo que ela não conseguia identificar.
— Acho que às vezes as coisas boas da vida acontecem quando a gente menos espera. — Ele fez uma pausa, como se ponderasse sobre suas próprias palavras. — E talvez as melhores coisas venham das coisas simples.
Hana sorriu, sentindo um calor estranho se espalhar por dentro. Ele falava de uma forma tão calma, tão confiante, que até parecia que ele sabia exatamente o que ela estava pensando.
O caminho até sua casa foi curto, mas parecia que o tempo estava se arrastando, como se aquele simples passeio tivesse o poder de estender a noite para sempre. Quando chegaram ao portão da sua casa, Hana hesitou por um segundo, não querendo que a noite terminasse ali.
— Bem… — ela começou, tentando disfarçar a timidez. — Aqui é onde eu moro.
Yukio parou ao lado dela e olhou para o portão. Ele se virou para ela e, com um sorriso suave, disse:
— Eu espero que a gente possa fazer isso mais vezes.
Hana olhou para ele, com o coração batendo mais rápido, e sentiu uma mistura de emoção e felicidade. Era um momento simples, mas algo em sua alma dizia que o que quer que acontecesse a partir dali, a vida dela estava começando a tomar um rumo diferente, um rumo que envolvia mais de Yukio do que ela jamais imaginara.
— Eu também espero. — Ela respondeu, a voz suave.
Ele sorriu mais uma vez, e, antes que ela pudesse se afastar para abrir o portão, ele fez algo inesperado.
Ele deu um passo à frente e a abraçou, de forma rápida, mas apertada o suficiente para que ela sentisse o calor do corpo dele. O cheiro dele, uma mistura de chuva e algo mais, invadiu suas narinas.
— Boa noite, Hana. Fica bem.
Ela fechou os olhos por um momento, absorvendo o abraço.
— Boa noite, Yukio.
E com um sorriso tímido, ela se afastou, abrindo o portão e entrando em sua casa. Quando olhou para trás, Yukio ainda estava ali, parado na calçada, olhando-a. Ela acenou rapidamente, e ele acenou de volta, antes de virar e caminhar de volta para sua bicicleta.
Hana fechou a porta atrás de si, apoiando a testa na madeira fria. O coração ainda batia acelerado, e ela sentia como se a noite tivesse sido algo além de apenas uma noite comum. Algo havia mudado ali, em silêncio, nas pequenas coisas. E ela mal podia esperar para descobrir onde tudo aquilo a levaria.
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