Apresentação dos personagens
Catherine Parker
Caty é uma mulher determinada, independente e brilhante advogada. Com 28 anos, ela construiu uma carreira sólida e respeitada, sendo reconhecida por sua inteligência afiada e sua paixão pela justiça. Desde a faculdade, sempre foi focada e ambiciosa, nunca deixando que nada desviasse seu caminho — ou pelo menos era isso que gostava de acreditar.
Ela é irmã mais nova de Steve Parker, seu maior protetor e melhor amigo, ainda que às vezes ele seja um pouco controlador quando se trata da vida pessoal dela. Crescer ao lado de Steve e do seu grupo de amigos — Brad, Tony e outros — fez com que Caty se tornasse uma mulher de personalidade forte e língua afiada. Ela sempre esteve no meio dos meninos, e talvez por isso tenha desenvolvido um instinto de autossuficiência que a impede de baixar a guarda facilmente.
Romance nunca foi sua prioridade. Aos 28 anos, ela já teve alguns relacionamentos, mas nada que realmente a fizesse sentir aquele amor arrebatador.
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Anthony Duncan
Tony é o tipo de homem que transborda confiança. Advogado criminalista renomado, 32 anos, dono de um charme inegável e um sorriso convencido que pode tanto encantar quanto irritar. Filho de um dos maiores advogados do país, cresceu cercado pelo luxo e pela pressão de seguir os passos do pai, mas nunca quis ser como ele.
Tony tem um histórico de ser mulherengo, de viver intensamente sem amarras, sem compromissos.
Seu maior vínculo sempre foi com seus amigos — Steve , Brad, e, inevitavelmente, Caty.
Caty sempre foi a irmã caçula do seu melhor amigo. Inteligente, teimosa, brilhante, e, para seu total desespero, a única mulher que conseguiu entrar na sua mente e ficar lá.
E desde então, tudo mudou.
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…Dez anos atrás…
O som da música vibrava nas paredes da casa de fraternidade enquanto eu caminhava entre os grupos de alunos conversando e rindo animadamente. O cheiro de álcool e perfume caro se misturava no ar quente da festa. Meu coração batia forte no peito, não apenas pela empolgação de estar ali, mas também pelo nervosismo de estar completamente fora da minha zona de conforto.
Steve, Brad e Tony já estavam acostumados com esse tipo de evento. Eles estavam no último ano da faculdade, veteranos experientes quando se tratava de festas. Eu, por outro lado, era apenas uma caloura que mal conhecia alguém.
— Tudo bem, escuta aqui — Steve disse, segurando meu braço antes de entrarmos. O tom protetor na voz dele já denunciava o sermão que estava por vir. — Fica perto de mim, do Brad ou do Tony. Não deixa ninguém colocar bebida no seu copo e, pelo amor de Deus, se sentir que tem algo errado, me chama.
Revirei os olhos, mas não consegui evitar um sorriso.
— Steve, eu sei me cuidar.
— Sei que sabe, mas eu não confio nesses caras aqui dentro.
Brad riu ao lado dele, dando um tapinha nas costas do meu irmão.
— Relaxa, cara. Caty tá com a gente.
Assenti, respirando fundo antes de atravessarmos a porta.
O ambiente era caótico. O som da música era alto o suficiente para fazer o chão vibrar, e as pessoas estavam espalhadas por todos os cantos. Alguns dançavam no meio da sala, outros estavam no balcão pegando mais bebida, e os veteranos estavam em grupos conversando e analisando os calouros como se fossem novos recrutas de um jogo perigoso.
Engoli em seco, sentindo-me deslocada.
Steve percebeu e passou o braço pelo meu ombro.
— Você tá bem?
Assenti.
— Só… é muita coisa.
Brad sorriu.
— Relaxa, você tá com a gente.
Antes que eu pudesse responder, um par de mãos grandes deslizou pela minha cintura, apertando levemente minha lateral.
Arfei e me virei assustada, apenas para dar de cara com Tony, seu sorriso de sempre estampado no rosto.
— Te assustei, pequena? — Ele riu, com aquele brilho provocador nos olhos.
Revirei os olhos, mas senti meu coração dar um salto idiota.
— Você é um babaca.
— Mas um babaca divertido.
Ele piscou e passou o braço ao redor dos meus ombros, puxando-me de leve contra ele. O cheiro amadeirado do perfume dele invadiu meus sentidos, e precisei de toda a minha força de vontade para não demonstrar o efeito que aquilo tinha sobre mim.
Desde que eu era adolescente, Tony sempre mexeu comigo de um jeito que eu nunca quis admitir. Mas eu sabia que era perda de tempo pensar nisso. Ele nunca me veria assim. Para ele, eu sempre seria a irmãzinha do Steve.
— Vamos beber alguma coisa? — Brad sugeriu.
Tony ergueu a sobrancelha.
— A calourazinha já vai começar nos drinks?
Levantei o queixo.
— Ué, por que não?
Ele sorriu de lado.
— Gosto da sua atitude, Caty.
Fizemos uma rodada de shots de tequila, e a bebida queimou na minha garganta, mas me trouxe uma sensação de calor e liberdade que eu não esperava. Aos poucos, a tensão inicial começou a desaparecer.
A festa seguiu, e conforme o álcool fazia efeito, fui me soltando mais. Dancei um pouco com os meninos, ri das piadas idiotas de Tony, joguei beer pong com Brad e aproveitei a noite de verdade.
Mas então… Steve encontrou uma garota.
E depois foi a vez de Brad.
E Tony simplesmente desapareceu.
E eu fiquei sozinha.
Olhei ao redor, percebendo que não conhecia ninguém além deles, e um peso desconfortável se instalou no meu peito. O calor do ambiente agora parecia sufocante.
— Ok… acho que já deu pra mim — murmurei para mim mesma.
Decidi que iria ao banheiro e, depois, pegaria um táxi para casa. Eu não precisava deles para ir embora.
Subi as escadas da casa, mas no momento em que alcancei o corredor, senti uma mão deslizar pela minha cintura e descer até minha bunda.
Meu corpo travou.
— Opa, olha só essa novata… — A voz arrastada de um cara desconhecido soou ao meu ouvido.
Senti um cheiro forte de álcool e cigarro, e um arrepio de repulsa percorreu minha espinha.
Tentei me afastar, mas ele segurou meu braço.
— Calma, gata. Tão nervosa por quê?
Meu coração disparou.
— Me solta.
Ele riu.
— Ah, vamos lá… a noite mal começou.
Meu estômago revirou.
Tentei empurrá-lo, mas ele era forte. Seu corpo bloqueava minha passagem.
— Eu disse para me soltar!
— Qual é, princesa… — Ele segurou meu queixo, tentando forçar meu rosto em sua direção.
Meu peito se apertou. O medo tomou conta.
Mas antes que eu pudesse reagir…
Um impacto.
O cara foi jogado para trás com tanta força que caiu no chão.
Minha visão captou a silhueta de alguém se movendo rápido.
E então, Tony.
Ele estava sobre o cara, desferindo socos violentos no rosto dele.
— Seu filho da puta! — Tony rugiu, a voz carregada de fúria. — Quem diabos você acha que é?!
O garoto tentou se defender, mas Tony era mais forte, mais rápido.
O som dos socos misturava-se ao barulho da festa.
Eu nunca tinha visto Tony assim. Seu rosto estava transtornado, os músculos tensionados, os olhos brilhando de ódio.
Mas eu precisava pará-lo antes que ele matasse o cara ali mesmo.
— Tony! — Agarrei seu braço. — Chega!
Ele estava ofegante, as mãos cerradas em punhos, o peito subindo e descendo rapidamente.
Então, olhou para mim.
Seus olhos encontraram os meus.
E algo neles suavizou.
— Você tá bem? — Sua voz saiu mais baixa, mas ainda carregada de tensão.
Assenti, mesmo que minhas mãos ainda tremessem.
Ele respirou fundo e puxou minha mão.
— Vamos sair daqui.
E eu fui.
Deixei que ele me guiasse para fora da casa, atravessando a festa sem olhar para trás.
O ar frio da madrugada bateu contra meu rosto assim que saímos da casa da fraternidade. Meus pulmões se encheram de alívio ao respirar longe do cheiro forte de cigarro e álcool.
Tony segurava minha mão firme enquanto me guiava pela calçada, seu corpo ainda tenso, sua mandíbula travada.
Eu ainda estava processando tudo que havia acontecido. O medo, a adrenalina, o alívio por Tony ter aparecido a tempo. Meus dedos tremiam levemente, mas eu tentava ignorar.
— Você tá bem? — ele perguntou, finalmente quebrando o silêncio.
Assenti, mesmo que ainda sentisse o coração acelerado.
— Sim… obrigada, Tony.
Ele soltou um suspiro pesado, passando a mão pelos cabelos.
— Aquele cara é um desgraçado. Devia ter quebrado mais do que o nariz dele.
Eu quase ri, mas a tensão no rosto dele me impediu.
— Você já quebrou alguma coisa?
Ele virou para mim, estreitando os olhos.
— O quê?
— Você já quebrou o nariz de alguém antes? — perguntei, tentando aliviar o clima.
Ele abriu um pequeno sorriso de lado.
— Talvez.
— Quantas vezes?
Ele riu baixo.
— Algumas.
— Algumas? Isso não me surpreende.
Ele olhou para mim com um brilho divertido nos olhos.
— Você acha que eu sou um brigão?
Levantei uma sobrancelha.
— Tony… você quase matou um cara hoje.
Ele soltou uma risada curta, mas ainda havia algo selvagem e sombrio por trás de seu olhar.
— Eu teria matado, se ele não tivesse te soltado.
Minha respiração travou por um instante.
A maneira como ele disse aquilo, tão sério, tão possessivo, me pegou desprevenida.
Houve um momento de silêncio entre nós.
Eu deveria ter dito algo. Deveria ter desviado o olhar. Mas não fiz nenhuma dessas coisas.
Em vez disso, continuei observando Tony, e pela primeira vez, vi algo diferente ali. Algo intenso, algo elétrico.
Minha boca ficou seca.
E então ele pigarreou e balançou a cabeça, como se quisesse afastar um pensamento.
— Vamos pegar um táxi. Eu te levo pra casa.
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A chave girou na fechadura, e eu empurrei a porta do apartamento, sentindo o alívio imediato de finalmente estar em casa. Meu corpo ainda estava tenso pelo que aconteceu naquela festa, e a única coisa que eu queria era tomar um banho quente e apagar tudo aquilo da minha cabeça.
Atrás de mim, Tony entrou sem cerimônias, fechando a porta com um empurrão preguiçoso.
— Quer beber alguma coisa? — Ele jogou as chaves sobre o balcão da cozinha e se encostou casualmente, cruzando os braços.
Ergui uma sobrancelha.
— Tony, são quatro da manhã.
Ele riu.
— E desde quando tem hora pra beber?
Suspirei, sem paciência.
— Acho que já bebi o suficiente por hoje.
— É, você tava bem soltinha lá na festa — ele provocou, um sorriso torto brincando nos lábios.
Cruzei os braços, desconfiada.
— Me observando, Tony?
Ele inclinou a cabeça, os olhos escuros brilhando sob a luz fraca da cozinha.
— Talvez.
O ar pareceu ficar pesado entre nós.
Eu queria dizer alguma coisa, queria fazer uma piada e sair dali, mas meus pés não se moviam. Meu corpo não respondia. Eu só conseguia olhar para ele.
Tony sempre foi bonito, charmoso, cheio de si. Mas, naquela noite, talvez pela bebida, talvez pela adrenalina do que aconteceu na festa, eu o enxerguei diferente.
E eu vi que ele também me enxergava diferente.
Ele não desviava o olhar. Não brincava, não fazia piadas.
Apenas me olhava.
E então, em um movimento rápido, Tony se aproximou.
Meu coração disparou.
— O que foi? — minha voz saiu mais baixa do que eu pretendia.
Ele ergueu a mão devagar e tocou meu rosto, afastando uma mecha de cabelo que caía sobre minha bochecha. O toque foi suave, mas queimou minha pele como fogo.
— Você tá corada, pequena. — murmurou.
Minha garganta secou.
— Culpa sua.
Ele riu baixinho, e, antes que eu pudesse reagir, sua boca encontrou a minha.
O beijo foi impulsivo. Quente. Um choque elétrico percorrendo meu corpo de cima a baixo.
Eu deveria ter ficado surpresa. Deveria ter congelado.
Mas, no instante em que os lábios dele se moldaram aos meus, foi como se eu já soubesse que isso aconteceria um dia.
Minhas mãos agarraram sua camisa sem que eu percebesse, puxando-o para mais perto, sentindo o cheiro amadeirado dele misturado ao álcool e ao suor da noite.
Tony me pressionou contra a parede, sua língua deslizando contra a minha, seus dedos apertando minha cintura. Meu corpo respondeu antes da minha mente, arqueando-se contra o dele, buscando mais, querendo mais.
A respiração dele estava pesada, descompassada. Assim como a minha.
Seus lábios desceram para meu pescoço, os dentes roçando contra minha pele, e um suspiro escapou da minha boca.
— Tony… — murmurei.
Isso pareceu despertá-lo.
De repente, ele parou.
Simplesmente parou.
Seu corpo ficou tenso, seus lábios congelaram contra minha pele.
E então, ele deu um passo para trás.
— Merda…
Abri os olhos, atordoada.
— O que foi?
Ele passou a mão pelos cabelos, como se tentasse se recompor.
— Isso… isso é um erro.
As palavras foram como um tapa no meu rosto.
— O quê?
Tony desviou o olhar, respirando fundo.
— Eu… eu preciso ir.
Meu coração despencou.
— Tony, espera…
— Me desculpa, Caty. Eu não posso.
E antes que eu pudesse dizer qualquer coisa, ele se virou e saiu, batendo a porta atrás de si.
Me deixando ali.
Sozinha.
O gosto dele ainda nos meus lábios.
O cheiro dele ainda na minha pele.
E a certeza de que eu havia sido rejeitada.
E isso… doía muito mais do que deveria.
…Dias atuais…
O cheiro de café fresco preenchia a cozinha enquanto eu despejava o líquido quente na minha caneca preferida—branca, minimalista, com a frase Advogada fodona escrita em dourado. Um presente de Beca no meu último aniversário. Eu ria sempre que olhava para aquilo, porque, no fundo, era verdade.
Peguei uma torrada e caminhei até a janela da sala, observando a cidade já desperta abaixo de mim. Nova York nunca dormia, mas eu gostava da ilusão de tranquilidade nas primeiras horas da manhã.
Foi quando ouvi o som familiar da porta se abrindo.
Não me assustei.
Steve tinha a chave da minha casa.
— Você podia bater antes de invadir minha manhã tranquila, né? — murmurei, sem nem me virar para olhar.
— E perder a oportunidade de te pegar de pijama com essa cara amassada? Nem ferrando.
Revirei os olhos e me virei, vendo meu irmão mais velho largar um saco de papel e um café da Starbucks sobre a mesa antes de se jogar no sofá. Ele se acomodou e fez um gesto para que eu me juntasse a ele.
— Trouxe donuts.
— Ok, você está perdoado.
Puxei um donut do saco e me sentei ao lado dele, ambos de frente para a sala, mas relaxados, comendo e falando sobre nada e tudo ao mesmo tempo.
— Então… como tá indo a vida da minha irmãzinha? — ele perguntou, com aquele tom brincalhão.
Cruzei os braços, dando de ombros.
— Nada de novo. Trabalho, correria… você sabe como é.
Ele me olhou com um ar desconfiado, como se soubesse que eu estava deixando algo passar, mas decidiu não insistir. Só tomou um gole do café e continuou com o olhar atento.
— E você? Como tá se sentindo? Não me parece muito animada esses dias.
Fiquei em silêncio por um momento, mais do que o normal. Ele sempre soube perceber as pequenas coisas que ninguém mais via. Mas não ia dar o braço a torcer.
— Tá tudo bem, Steve. Só cansaço, sabe? Nada de mais.
Ele continuou me observando com a expressão suave, mas não comentou mais sobre isso. Ao invés disso, ele deu uma risadinha, como se fosse mudar de assunto, o que logo fez.
— Só quero que você se cuide, tá? Não é fácil carregar o mundo nas costas sozinha.
Ele se levantou, me puxando de lado para um abraço apertado. Não precisei dizer nada, ele sabia que eu precisava daquele gesto de carinho. Ele beijou o topo da minha cabeça com aquele toque de proteção que só ele tinha.
— Eu vou ficar bem. Obrigada, irmão.
Steve se afastou, ajeitou o cabelo e deu uma piscadinha.
— Então, o casamento é em menos de uma semana, você já foi ajustar o seu terno? — mudei de assunto para fazê-lo esquecer meus problemas.
—Droga! Esqueci completamente disso! — Steve levou as mãos a cabeça e me olhou com os olhos arregalados, e a minha única vontade era voar em seu pescoço.
— Steve! Você é padrinho do Brad! Como você foi esquecer? — Olhei para ele indignada.
— Tava atolado em trabalho, mas vou dar um jeito no fim de semana.
Ele assentiu, pegando mais um donut.
— Acho bom, não quero você entrando comigo todo desarrumado.E
Eu sorri e comi um pedaço.
Meu celular tocou bem nesse momento. Olhei para a tela e vi que era minha mãe. Suspirei, e Steve me deu uma olhada engraçada.
— Boa sorte com isso — ele disse, rindo.
Respirei fundo antes de atender.
— Oi, mãe.
— Caty, querida! Como você está?
— Bem, e você?
— Estou bem… Só achei que podia te ligar.
Tradução: Só achei que podia perguntar quando você finalmente vai arrumar um namorado e me dar netos.
— Eu ia te ligar essa semana — menti.
— Ah, sei… Como estão os preparativos para o casamento de Bonnie?
— Uma loucura.
— E você? Quando vai me dar essa alegria?
Sabia.
— Mãe…
— Só estou perguntando! Você tem quase trinta anos, Caty. Não pensa em construir uma família?
Fechei os olhos, massageando a têmpora.
— Ainda não conheci ninguém que valesse a pena.
— E aquele rapaz… como era o nome dele? Alex?
Alex havia sido um caso de 2 meses que atrás, que eu realmente achava que iria dar certo, até eu descobrir que ele estava comigo e com outras três.
Eu bufei.
— Mãe, Alex já era faz tempo.
— Ah… Bom, ele parecia um bom rapaz.
Revirei os olhos.
— Olha, eu preciso ir. Mas prometo que te ligo antes de viajar para Miami.
— Certo, querida. Se cuida, tá?
— Pode deixar.
Assim que desliguei, Steve ainda estava me observando com um sorriso irônico.
— Nossa mãe não desiste nunca, hein?
— Não começa.
Ele ergueu as mãos.
— Só acho engraçado como ela pega no seu pé, mas nunca no meu.
Cruzei os braços.
— Talvez porque ela sabe que você já tem uma vida amorosa toda ferrada.
— Do que você tá falando?
— De que você vive voltando com a Amy e todo mundo sabe que você gosta dela, mas não tem coragem de admitir.
Ele fez uma careta e pegou outro donut, desviando o olhar.
— Cala a boca.
— Só estou dizendo a verdade.
— Você é insuportável.
— Eu sou sua irmã.
Ele bufou e deu um gole no café.
— Isso é pior ainda.
Eu ri.
Steve sempre foi um dos meus maiores aliados na vida, mas quando se tratava de sentimentos, éramos dois teimosos fingindo que nada nos afetava.
— Agora sai daqui. Eu tenho que trabalhar.
Ele se levantou, pegou as chaves e piscou para mim.
— Não trabalha muito, baixinha.
— Não manda em mim.
Ele sorriu de lado e piscou.
— Eu sempre mando.
E então saiu, me deixando sozinha na sala, com um café pela metade e um nó incômodo na garganta.
Suspirei e me joguei no sofá, encarando o teto.
Eu tentava fingir que os comentários da minha mãe não me afetavam. Mas a verdade era que me afetavam sim.
Talvez porque, lá no fundo, eu também pensava nisso.
Talvez porque, em alguns momentos, eu sentia que ela podia estar certa.
Sacudi a cabeça, afastando os pensamentos, e me levantei de um salto.
Se eu ia encarar esse dia, que fosse impecável.
Fui até meu closet e escolhi um conjunto de alfaiataria preto, justo na medida certa para destacar minhas curvas, mas elegante o suficiente para impor respeito. Um salto nude, maquiagem impecável e cabelos soltos em ondas naturais.
Olhei meu reflexo no espelho.
Melhor.
Agora sim, eu parecia intocável.
Peguei minha bolsa, saí do apartamento e fui para o tribunal.
O tribunal estava lotado, como sempre. Eu passei pelos corredores de mármore com passos firmes, cumprimentando advogados, juízes e promotores no caminho.
Meu caso do dia era uma audiência final de um processo de agressão doméstica. Minha cliente, uma mulher que sofreu anos de abuso, finalmente tinha reunido coragem para denunciar o ex-marido. Eu tinha trabalhado nesse caso por meses, e hoje era o dia em que ela finalmente encontraria justiça.
Do outro lado da sala, o advogado de defesa—a encarnação perfeita de um cretino engravatado—tentava argumentar que não havia provas suficientes.
Péssima escolha.
Levantei-me e fui até o centro da sala, meu olhar afiado perfurando o júri.
— Senhores, se me permitem, gostaria de refazer a pergunta ao réu. — Olhei diretamente para o homem no banco dos réus. — O senhor pode nos dizer onde estava na noite de 14 de março, às 22h30?
O réu hesitou.
Eu sorri de canto.
— Precisa de ajuda para lembrar? — Peguei uma pasta da mesa e a abri lentamente. — Porque nós temos imagens de câmeras de segurança, registros de ligações e um laudo médico que mostram exatamente onde o senhor estava.
O silêncio na sala foi absoluto.
O juiz olhou para o advogado de defesa, que parecia cada vez mais desconfortável.
— Quer continuar com essa argumentação? — perguntei, arqueando uma sobrancelha.
Ele suspirou pesadamente e balançou a cabeça.
— Não, meritíssimo.
O juiz deu três batidas com o martelo.
— O réu é considerado culpado.
Um alívio percorreu meu corpo, e eu virei para minha cliente, que estava com lágrimas nos olhos.
— Você conseguiu — ela sussurrou.
Apertei a mão dela.
— Você conseguiu.
Assim que saímos do tribunal, Beca me encontrou no corredor.
— Catherine Parker, você é um monstro!
Soltei uma risada, ajeitando minha bolsa no ombro.
— Só faço o meu trabalho.
Beca era promotora e uma das minhas melhores amigas. Ela era a única que conseguia me acompanhar no tribunal sem se sentir intimidada, e isso era um feito e tanto.
Ela passou o braço pelo meu.
— Eu tô morrendo de fome. Vem almoçar comigo.
— Eu tô morrendo de fome, mas depois tenho que voltar correndo pra o escritório, preciso resolver algumas coisas.
— Então vamos juntas. Depois que terminarmos, a gente sai para tomar uns drinks.
Sorri de lado.
— Fechado.
...****************...
Depois de algumas horas no escritório, onde finalizei alguns relatórios e despachei novos casos, eu e Beca finalmente nos permitimos relaxar.
Escolhemos um bar sofisticado no centro de Manhattan, um daqueles lugares com iluminação baixa, música ambiente agradável e garçons que serviam coquetéis em taças decoradas.
— Um brinde — Beca ergueu a taça de martíni — à rainha do tribunal.
Ri, batendo minha taça na dela.
— Você sabe que isso não foi nada.
— Ah, por favor. Eu vi o cara se encolhendo na cadeira. Foi lindo.
Soltei uma risada, sentindo o álcool aquecer minha garganta.
— Pelo menos hoje terminamos um dia difícil com um bom martíni.
Beca apoiou o queixo na mão.
— E agora? O que falta resolver antes do casamento de Bonnie?
Soltei um suspiro cansado.
— Algumas compras. Ainda tem a despedida de solteira e um monte de detalhes que preciso acertar.
— Mas você parece… estranha. Tá tudo bem?
Passei o dedo pela borda da taça, hesitante.
— Só tô com muita coisa na cabeça.
— Isso não é novidade. Você trabalha demais, sempre trabalhou. Mas hoje tem algo diferente.
Mordi o lábio inferior, hesitante.
— É só… — Soltei um suspiro frustrado. — Você já teve a sensação de que o tempo tá passando rápido demais?
Ela franziu o cenho.
— O que você quer dizer?
— Tipo… daqui a pouco eu faço 30 anos, e parece que minha vida tá estagnada. Todo mundo ao meu redor tá seguindo em frente, construindo relacionamentos, casando… — Fiz um gesto vago com a mão. — E eu tô aqui, sozinha.
Beca ficou em silêncio por um momento antes de soltar um riso baixo.
— Bom, nesse caso, somos duas.
Soltei uma risada curta.
— Você pelo menos finge que não se importa.
— Eu não finjo, eu realmente não me importo. Pelo menos na maior parte do tempo. Mas, de vez em quando… — Ela bebeu um gole da bebida e suspirou. — Eu entendo o que você tá dizendo.
Me recostei no sofá, sentindo o peso do dia se instalar sobre mim.
— Minha mãe ligou hoje de manhã.
Beca ergueu as sobrancelhas.
— E foi ruim?
Ri sem humor.
— Quando não é?
Ela balançou a cabeça, compreendendo.
— O que ela disse?
Desviei o olhar para minha taça.
— O de sempre. Que eu tô ficando velha, que eu deveria me preocupar em encontrar um marido antes que seja tarde, que nenhuma carreira vai me dar felicidade de verdade…
Beca bufou, revirando os olhos.
— Por Deus, Caty, em que século a sua mãe vive?
— No século em que a filha dela deveria estar casada e grávida com um marido perfeito.
Ela balançou a cabeça, incrédula.
— E isso mexeu com você.
Não era uma pergunta.
Abaixei a cabeça e suspirei.
— Eu queria dizer que não. Eu queria dizer que tô imune a isso depois de tanto tempo. Mas…
— Mas ela é sua mãe.
Assenti, mordendo o lábio.
— Sim.
Beca se inclinou para frente, apoiando os cotovelos na mesa.
— Caty, escuta… você é uma das mulheres mais incríveis que eu conheço. Você tem uma carreira foda, é linda, inteligente, determinada… Se tem alguém que não precisa se preocupar com essas coisas, esse alguém é você.
Soltei um riso fraco.
— Você fala isso porque é minha amiga.
— Eu falo isso porque é verdade.
Olhei para ela, absorvendo suas palavras, mas sem realmente acreditar nelas.
Porque, no fundo, uma parte de mim ainda sentia aquele vazio.
— E se eu nunca encontrar alguém? — soltei, sem pensar.
Beca sorriu de canto.
— Então, azar do mundo.
Eu ri, balançando a cabeça.
— Você realmente não se preocupa com isso?
Ela deu de ombros.
— Eu me preocupo… às vezes. Mas aí eu lembro que a vida é muito curta pra gente medir nossa felicidade com base em um relacionamento. Se for pra acontecer, vai acontecer. E se não for… a gente sempre pode comprar gatos e beber vinho juntas quando estivermos velhinhas.
Ri de verdade dessa vez.
— Parece um bom plano.
— O melhor plano.
Beca balançou a cabeça, como se quisesse afastar a seriedade da conversa.
— Ok, chega dessa bad. Vamos fazer o que qualquer mulher faria numa sexta-feira à noite: olhar ao redor e julgar os homens desse bar.
Ri, rolando os olhos.
— Isso é seu jeito de me distrair?
— Exatamente. Agora, foca. — Ela inclinou a cabeça levemente, observando o ambiente. — Ali, ó. O loiro do canto parece rico.
Segui seu olhar e vi um cara bem vestido, com um blazer caro e um relógio que, sem dúvidas, custava o preço de um carro.
— Rico demais. Parece um herdeiro mimado.
— Justo. Próximo. — Ela continuou analisando. — Aquele ali, de camisa social azul.
Observei o homem em questão.
— Parece que vai falar de NFT e criptomoedas o encontro inteiro.
Beca fez uma careta.
— Deus me livre.
Nós duas rimos.
Então, senti.
Aquele olhar.
Discretamente, virei o rosto e vi um cara sentado no balcão, um copo de uísque na mão. Moreno, alto, barba bem feita e um olhar que se prendeu ao meu de forma intensa.
Ele não desviou.
Beca percebeu na hora.
— Ah… temos um interessado.
— Cala a boca.
— Ele é gostoso.
Mordi o lábio, tentando disfarçar o sorriso.
— Até que é.
Beca pegou a taça e fez um brinde no ar.
— Quer apostar quanto que ele vem até aqui?
Antes que eu pudesse responder, ele se levantou e começou a caminhar na nossa direção.
— Bom… acho que não precisamos apostar.
O moreno parou ao lado da mesa, segurando o copo de uísque com uma confiança quase ensaiada.
— Posso me sentar?
Hesitei por um segundo antes de dar de ombros.
— Fique à vontade.
Ele puxou uma cadeira e se acomodou, seu olhar nunca deixando o meu.
— Eu sou Daniel.
— Catherine.
— Nome bonito.
Forçei um sorriso.
— Obrigada.
Daniel era atraente, sem dúvidas. Mas havia algo em sua postura, no jeito que ele olhava, que me deixou em alerta.
— Você vem sempre aqui? — ele perguntou, recostando-se na cadeira.
— De vez em quando. E você?
— Primeira vez. Na verdade, acho que tive sorte.
Inclinei a cabeça.
— Sorte?
— De encontrar uma mulher tão linda assim.
Minha expressão se fechou um pouco.
— Você usou essa frase em quantas mulheres hoje?
Beca escondeu uma risada atrás da taça.
Daniel soltou uma risada baixa.
— Direta. Gosto disso.
Suspirei.
— Olha, Daniel, se você veio aqui pra jogar conversa fiada, acho melhor poupar seu tempo.
Ele ergueu as mãos, como se se rendesse.
— Certo, sem cantadas. Vamos direto ao ponto.
— Que ponto?
O sorriso dele se tornou mais pretensioso.
— Um jantar, talvez? Ou a gente pode pular essa parte e ir direto pra um lugar mais… privado.
Pronto. Lá estava.
O babaca escondido atrás do terno bem cortado e do whisky caro.
Beca arregalou os olhos e tomou um longo gole do drink.
Eu, por outro lado, soltei uma risada sem humor.
— Uau. Nem tentou disfarçar.
Ele deu de ombros.
— Pra quê perder tempo, né?
Me inclinei um pouco para frente, sorrindo falsamente.
— Daniel… você me olhou do outro lado do bar, pensou “essa aí parece fácil” e veio aqui achando que eu aceitaria dormir com você depois de cinco minutos de conversa?
Ele piscou, claramente não esperando uma resposta tão direta.
— Bom…
— Bom, você errou. Agora, por favor, pode nos dar licença?
Beca escondeu outra risada, e Daniel se ajeitou na cadeira, seu sorriso agora um pouco desconfortável.
— Você é mais difícil do que parece.
— E você é mais decepcionante do que parecia.
Ele riu, balançando a cabeça antes de se levantar.
— Bom, foi um prazer te conhecer, Catherine.
— Não foi recíproco.
Daniel piscou e, então, se afastou.
Assim que ele saiu, eu e Beca caímos na risada.
— Meu Deus, Caty! — ela choramingou, segurando a barriga.
— Que foi? Eu fui educada.
— Você destruiu o ego do cara em menos de dez minutos.
— Ele mereceu.
Beca levantou a taça.
— Então um brinde… à nossa solteirice eterna.
Ri e bati minha taça na dela.
— Acho que é isso que nos resta.
E, naquele momento, eu tive certeza.
Os homens estavam cada vez piores.
E a chance de eu morrer solteira era real.
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