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Mulheres da Máfia (Lara Beatrice)

Epílogo

Itália, 2008.

— Mas Michele, você acha mesmo necessário que eu saia do país com minha família?

— Sim, acho. E mesmo você sendo meu Consigliere e amigo de longa data, não vai contestar minha ordem.

— Claro que não. Você é o Capo, e vou obedecer.

— Sua esposa é brasileira. Acho que é um bom país para vocês. Já temos uma casa lá — você vai comandar nossos negócios.

— Mas… e meu filho? Eu estava treinando ele para me substituir. Como vai ficar?

— Seu filho vai ficar aqui comigo. Vou continuar o treinamento dele. Ele será uma boa lembrança para que você nunca esqueça do nosso acordo.

— Nunca te trairia, Michele. Sei o que acontece com quem brinca com a máfia.

— Rocco, cuide bem da sua filha. Ela deve atingir os 18 anos pronta para ser esposa de meu filho.

— Vou cumprir minha parte do acordo. Cuidarei para que Lara esteja pronta para assumir o posto de senhora da máfia.

Nos abraçamos. Depois fui para casa contar a Cristina que teríamos que deixar a Itália. Sei que ela vai gostar de voltar ao país de origem. Desde que a sequestrei e fiz dela minha esposa, nunca deixei que visitasse sua família — tinha medo de que não voltasse para mim.

Cheguei em casa e Cristina veio me receber com nossa pequena no colo. Sara é uma menininha linda. Peguei minha filha nos braços e beijei sua bochecha. Ela sorriu para mim com aqueles olhos verdes herdados da mãe. Cristina me abraçou e perguntou:

— O que aconteceu, meu marido? Sentiu saudades de mim?

— Sempre, minha esposa. Mas tenho um assunto sério para conversar com você.

Ela me olhou preocupada. Pegou nossa filha, a entregou à babá e me acompanhou até o escritório.

— O que foi? A família me rejeitou? Você vai me deixar?

— Claro que não, querida. Você é minha esposa e ninguém vai questionar isso.

— Então o que houve? Você está muito sério.

— Tive uma conversa com Michele. Ele quer que a gente se mude da Itália.

— Como assim? Vamos para onde?

— Para o Brasil.

Falei e esperei a reação da minha esposa. Ela abriu um sorriso.

— Vamos morar no Brasil? Nossa, que coisa inesperada! Vou voltar para o meu país...

Fui até ela e a abracei.

— Cristina, você não vai me deixar? Estou apavorado com a possibilidade de te perder. Mas não posso ir contra uma ordem do Capo.

— Faz dois anos que estou com você. Já te disse que te perdoei por ter me sequestrado, e você continua não acreditando em mim. Eu me apaixonei por você, Rocco. E não vou te deixar por nada.

— Vou te contar o que foi combinado, para podermos nos organizar. Vamos para o Brasil no final da semana.

— Nossa, tão rápido assim?

— Sim.

— Vou avisar o Rodrigo para fazer as malas.

— Não, Cristina… isso é uma das condições do acordo.

— Como assim? O Rodrigo não vai com a gente? Ele é órfão de mãe e agora vai ficar sem o pai também?

— São ordens. Não posso contestar.

— Me diga tudo. Não quero ter surpresas desagradáveis.

— Rodrigo vai ficar aqui com Michele e será treinado para ser o próximo Consigliere. Nossa filha foi prometida para Antônio Miori, o futuro Capo, e nós ficamos encarregados de prepará-la para ser a esposa dele.

— Ela só tem dois anos! Como você pôde fazer isso?

— Já expliquei: sigo ordens. Não há como recusar o que me foi imposto. Eles só vão buscá-la quando completar 18 anos. Até lá, temos que cuidar muito bem dela. Caso contrário, a vida do meu filho estará em risco.

Cristina suspirou e disse, resignada:

— Ainda bem que falta muito tempo… Tem mais alguma exigência?

— Apenas que nossa filha permaneça virgem até o casamento. Isso deve ser fácil.

— Se fosse aqui na Itália, até poderia ser. Mas no Brasil, vamos ter problemas. Mas vamos conseguir. Tenho certeza que vamos criar uma princesa para se tornar uma rainha.

— Vamos, minha querida. Nossa vida vai ser ótima.

Deixei Cristina começando a preparar nossa mudança e fui falar com meu filho. Naquele horário, ele estaria treinando tiro. Cheguei e fiquei observando meu menino — acertou quase todos os disparos no alvo. Ele vai ser excelente.

Quando terminou, veio falar comigo.

— Pai, que bom ver o senhor! Veio me ver treinar? Estou me esforçando muito.

— Rodrigo, preciso conversar com você.

— Fala, pai. Sou todo ouvidos.

— Michele decidiu me transferir para o Brasil. E você vai ficar aqui, sendo treinado por ele para ser o Consigliere do filho de Antônio.

Vi meu filho tentar ficar firme, mas ele lutava contra o choro. Sei que vai ser difícil mas meu menino vai dar conta.

— Se é uma ordem, temos que cumprir. Vou sentir sua falta, pai.

Abracei meu filho e deixei uma lágrima escorrer. Quando a mãe dele morreu, só continuei vivo porque ele estava ao meu lado. Quando roubei Cristina, ele foi o primeiro a me apoiar.

— Eu te amo, meu filho. Nunca se esqueça disso. Eu tenho muito orgulho do homem que você se tornou.

Ele me abraçou e chorou. Fiquei com ele até que se acalmasse. Quando saímos, ele já falava como um verdadeiro homem da máfia.

— Pai, vou falar com meu padrinho para saber se me mudarei para a casa dele ou se continuo na nossa.

— Acho que ele vai te colocar junto com o Antônio.

— Isso é muito bom. Já o considero como um irmão.

Depois dessa conversa, tudo passou muito rápido. Quando consegui organizar minhas ideias, já estava dentro do avião rumo ao Brasil.

Olhei para minha esposa e nossa filha dormindo na cama do jatinho e me senti apreensivo com tantas mudanças… Mas tenho certeza de que Nossa Senhora vai me ajudar a superar as dificuldades.

E só por um momento pensei em como será a vida dessa criança, quando completar 18 anos terá que mudar para a Itália e ainda se casar com um homem que nunca terá visto.

Mas esse é nosso mundo e ela vai aprender a lidar com as dificuldades como a mãe dela aprendeu.

 .

Eu não quero me casar

*Brasil, Paraíba, 2023

Lara Beatrice Morabito. Dezessete anos. Um metro e oitenta de pura contradição. Morena, olhos verde-esmeralda herdados da avó siciliana. Temperamento que ninguém conseguia dobrar — nem mesmo a máfia.

Mas, no fundo, eu já estava cansada.

Cansada de ser tratada como um enfeite raro, como uma boneca de porcelana guardada a sete chaves.

“Lara, você tem que aprender piano porque seu noivo gosta de ouvir.”

“Lara, você precisa ser perfeita em suas maneiras, afinal, vai receber pessoas importantes.”

“Lara, não fale palavrão, senhoras da máfia são meigas em seus atos.”

Eu não aguento mais.

Só queria um dia comum. Um só. Sair sem escolta. Rir alto. Falar o que penso sem medo de alguém ouvir e contar. Tomar um sorvete na calçada. Receber uma mensagem de alguém que me ache bonita — e que não seja o futuro Don me monitorando à distância.

Dezessete anos e nem um beijo. Nem um toque verdadeiro. Tudo cercado. Controlado.

Até minhas aulas são escolhidas por ele — o tal do noivo que nunca apareceu, mas vive mandando ordens como se já fosse dono de mim. Tiro, etiqueta, defesa pessoal. Sempre com instrutoras mulheres, porque ele não permite que outro homem me toque.

Ele não me conhece. Nunca me viu. Mas quer me moldar à imagem que idealizou. Como se eu fosse uma estátua sendo esculpida para agradar os olhos dele.

É sufocante.

E quando tento respirar, vem a voz da minha mãe — doce, mas impregnada de obediência:

— Lara, você fez dezessete anos. Logo seu noivo deve vir te conhecer. Aí vai ver como ele é bonito e vai se apaixonar por ele.

— Mãe, eu odeio ele. Minha vida inteira foi ouvindo o quanto ele é bonito, mas eu não quero me casar.

Ela suspira, desviando o olhar como quem não suporta ver a dor da filha. Mas sabe que não tem saída. Ela mesma não teve.

Se ela soubesse quantas vezes sonhei com outro futuro pra nós duas… Se ela soubesse o quanto dói dizer essas coisas sabendo que está matando a vontade de viver da própria filha.

Mas o mundo em que vivemos não aceita revoltas. Não perdoa mulheres rebeldes. Ou você obedece, ou vê quem ama pagar o preço.

— Filha, somos parte de um grupo. Não questionamos decisões. E você vai fazer a sua parte, sem contestar.

— Não tem nada que eu possa fazer para que ele desista de mim?

— Isso é um acordo de família. Nem se ele quisesse, poderia desistir de você.

Nem se ele quisesse... E, às vezes, eu até acho que ele quer.

Ouvi coisas. Dizem que o Don jovem, o seu prometido, tem coração. Mas aqui, coração não é luxo que se use à mostra. Aqui, ordens são ordens.

E Lara ainda não entende — mas se entender cedo demais, pode se quebrar.

— Nossa… somos dois peões nesse jogo.

— Não, filha. Eu, seu pai e seu irmão somos peões. Você e Antônio são o rei e a rainha.

— Mas nem podemos mandar em nossas vidas. Como podemos ser rei e rainha?

Ela sorri de canto. Mas não é um sorriso alegre — é resignado. Quase triste.

— Mais pra frente você vai entender. Tente não se rebelar, senão seu irmão pagará com a vida.

— Um irmão que eu vi duas vezes na vida.

— Mas que tem seu sangue. E é um menino bom.

E é por ele, por você, por mim... que eu continuo. Fingindo força, passando regras, apagando incêndios no olhar da minha filha.

Mas eu vejo. Vejo o fogo. E tenho medo de que um dia ela queime o mundo inteiro — ou seja queimada por ele.

Lara — Sozinha

O som da porta se fechando atrás da minha mãe ecoou como um ponto final. Fiquei parada no meio do quarto, com as mãos cerradas ao lado do corpo, tentando engolir o nó que se formava na garganta.

Não chore, Lara. Você não chora. Não na frente deles.

Andei até a janela, tirei a cortina e encostei a testa no vidro frio. Lá fora, o jardim estava silencioso. Tudo tão arrumado, tão perfeitamente simétrico... como a minha vida. Bela por fora. Vazia por dentro.

Às vezes eu me pergunto quem sou além das ordens, dos vestidos de seda e das aulas de etiqueta. Quem eu seria se tivesse nascido em outro lugar. Talvez estivesse agora em uma escola comum, com amigas bobas, rindo de vídeos no celular. Talvez tivesse um diário escondido debaixo do colchão e alguém por quem suspirar.

Aqui, o que eu tenho é um piano que toco para agradar um homem que nunca vi. Uma arma guardada na gaveta da cômoda. E vigilância. Sempre vigilância.

Me sentei no chão, encostando as costas na parede, e abracei os joelhos. O silêncio me engoliu devagar. Meus olhos ardiam, mas não deixei as lágrimas caírem.

Eu queria fugir. Correr até perder o fôlego. Gritar o mais alto que conseguisse. Me sentir viva, pelo menos por um instante.

Mas só consegui fechar os olhos e imaginar…

Imaginei alguém me vendo. Não como "a noiva do Don", mas como Lara. Alguém que olhasse nos meus olhos e dissesse: "Você não precisa ser perfeita."

Alguém que me libertasse — ou ao menos me escutasse.

Um barulho lá fora me fez levantar a cabeça. Passos no jardim. Me aproximei da janela, mas não havia ninguém. Só o vento balançando as folhas da magnólia. Ainda assim… por um segundo, juro que senti. Como se alguém me observasse. Não com ameaça, mas com curiosidade.

Voltei para o quarto. Tranquei a porta. Abri o piano, mas não toquei. Abri a gaveta e encarei a arma.

Depois fechei tudo de novo.

Hoje não.

Hoje só quero lembrar como é ser uma menina.

Mesmo que o mundo diga que eu nasci para ser rainha.

*Itália, Calábria, 2023

Antônio Maori, Capo da 'Ndrangheta.

Trinta e quatro anos, 1,90 m, corpo escultural, olhos negros, cabelos longos.

Uma cicatriz vai da orelha ao queixo. Alguns dizem que ela dá um ar de perigo a quem o encara de frente.

Mas, para Antônio, é uma lembrança do dia em que seu pai morreu para salvá-lo. Nesse mesmo dia, ele se tornou o Capo, e seu melhor amigo, seu Consigliere.

— Tony, minha irmã completou 17 anos. Trouxe uma foto dela para você ver — disse Rodrigo, entrando com um envelope nas mãos.

— Rodrigo, sei que seu pai e sua madrasta devem estar cuidando bem dela. Mas... será que ela vai gostar de mim?

— Para com isso, Antônio. Ela não tem escolha. Vai cumprir a parte dela no acordo. Está se tornando uma mulher linda. Até eu, que sou irmão dela, admiro a beleza. Olha a foto. Fiz uma cópia para você.

— Deixa aí na mesa. Depois eu olho.

— Tudo bem. Vou fazer meu trabalho.

Depois que meu amigo saiu, fiquei olhando a foto virada em cima da mesa. Hesitei. Aproximei-me, coloquei a mão sobre ela e fiquei parado.

Falei para mim mesmo:

Coragem, Antônio. Ela não pode te rejeitar por uma foto. Ela ainda não viu a cicatriz.

Virei a foto.

Quando vi aqueles olhos verdes sorrindo para mim, algo aqueceu dentro do meu peito. Toquei a imagem e me sentei na cadeira. Esta é minha noiva.

— Você é muito bonita… Será que está aceitando esse casamento tão de boa como estão me fazendo crer? Será que, quando me conhecer, vai virar o rosto como fazem as mulheres que saem comigo, só para não ver minha cicatriz?

— Se você me rejeitar... como vou conseguir fazer de você minha esposa?

Talvez seja hora de ir ao Brasil conhecê-la, minha linda...

Minha mãe entrou no escritório. Eu estava tão focado na foto que só percebi quando ela tocou meu ombro.

— Essa é minha futura nora? Nossa, como ela é bonita, Antônio! Que olhos verdes… Eu conheci a mãe dela. Esses olhos, com certeza, são da mãe. Mas será que ela é forte o bastante para aguentar nossa vida? Parece uma criança…

— Será que ela vai gostar de mim?

— Antônio, se você mostrar seu lado carinhoso, acho que não tem nada a temer. Mas ela não tem que apenas gostar de você. Ela tem que ser perfeita. Nossa vida não é para qualquer um. Você deve avaliar se ela tem sangue-frio suficiente para fazer o que precisa ser feito.

— Estou pensando em ir ao Brasil conhecê-la. O que a senhora acha?

— Se tem vontade, vá. Vocês ainda terão quase um ano para se conhecerem. Mas me prometa: se ela não for forte o bastante, você vai desfazer esse compromisso.

— Foi meu pai quem fez esse compromisso. Eu devo honrar o nome dele.

— Se ela for fraca, se não servir para assumir o lugar como dama da máfia, você vai precisar arrumar uma concubina.

— Nunca farei isso. Eu vou respeitar meu casamento. E pode deixar que sei tomar minhas próprias decisões.

— Não precisa se irritar comigo. Lembre-se: eu só quero o seu bem.

— Vou conversar com Rodrigo. Acho que ele vai querer visitar o pai dele.

— Isso, filho. Leve seu amigo com você. E lembre-se: mostre para ela seu melhor lado, não o Capo implacável. Me promete que, se ela não for o que precisamos, você vai deixá-la com os pais.

— Vou tentar, mãe. Prometo tentar.

Minha mãe me deu um beijo e foi cuidar dos afazeres. Como ainda não me casei, ela continua como dama da máfia.

Sei que ela não vê a hora de isso mudar, porque sai com o motorista — e só poderá assumir oficialmente o relacionamento quando não for mais dama da máfia.

Sei também que ela preferia uma nora em quem confiasse... e não uma estranha.

Mandei uma mensagem pedindo que meu Consigliere viesse me ver com urgência. Ele respondeu com um “joia”.

Agora, deixa eu pensar no que fazer ao chegar ao Brasil. Acho que não vou planejar nada — vou resolver os problemas conforme surgirem.

Perto da hora do almoço, Rodrigo chegou ao meu escritório.

— Antônio, o que aconteceu para me chamar com tanta urgência? Estive aqui mais cedo com você, não me disse nada.

— Rodrigo, quero ir ao Brasil conhecer minha noiva. E quero você comigo.

Ele me encarou por alguns segundos.

— Tudo bem. Quando vamos?

— Pensei em organizar tudo e partirmos daqui a uma semana. Mas não diga nada ao seu pai. Quero fazer uma surpresa.

— Combinado. Vou organizar tudo. Você fala com o Sottocapo, para avisar que ele ficará no seu lugar.

— Já pedi que ele viesse. Deve chegar em breve.

Ficamos conversando mais um pouco, organizando os detalhes para passarmos alguns dias fora.

Lara

Era fim de tarde. Lara estava sentada no terraço da casa, os pés descalços apoiados no mármore gelado, observando o céu mudar de cor. Em uma das mãos, uma xícara de chá frio; na outra, uma carta que nunca enviaria.

“Querido futuro marido,

Você não me conhece, e eu te odeio por isso.

Você quer uma esposa perfeita, mas não faz ideia de quem sou.

Eu gosto de correr na chuva, de andar descalça, de dormir tarde e de rir alto. Gosto de música alta, de falar palavrão e de não me encaixar.

E tudo isso, dizem que preciso matar.

Preciso aprender a sorrir com delicadeza, cruzar as pernas e dizer ‘sim, senhor’.

Mas sabe o que é pior? Não é o controle.

É o vazio.

É não saber quem sou sem as ordens que me deram desde os cinco anos.

Talvez, quando você vier me buscar, já tenha esquecido como é ser eu.”

Ela dobrou a folha e guardou dentro do livro de etiqueta que deveria estar lendo. Um livro cheio de anotações da professora — "coluna ereta", "nunca falar antes do homem", "não demonstrar cansaço". Quase um manual de submissão disfarçado de refinamento.

A mãe entrou na varanda e avisou que o jantar estava pronto.

Lara levantou devagar, olhando o horizonte com um gosto amargo na boca.

Talvez ele fosse bonito. Talvez até gentil.

Mas isso não apagava a certeza que ela tinha desde criança: ela não pertencia a esse mundo — e jamais aceitaria isso em silêncio.

Eu nunca fico sozinha. Sempre tem um segurança me vigiando de perto.

Agora estou no jardim da nossa casa. Há um canteiro de rosas maravilhoso e um pergolado de madeira coberto por uma trepadeira com flores azuis. Embaixo dele, um banco onde passo boa parte do dia, com meus livros... e os meus amigos beija-flores, que estão sempre por perto.

Hoje resolvi pesquisar um pouco sobre a máfia italiana e os casamentos. Descobri que a maioria acontece como será o meu: programado desde a infância. Estava desolada por não encontrar nenhuma saída para escapar de me casar com aquele tal Capo.

Mas então li algo que me deu um fio de esperança: a mulher que vai se casar com o Capo precisa ser virgem. Ele tem três meses para mostrar a um grupo selecionado a dedo o lençol da primeira noite, manchado de sangue.

Minha mãe não era virgem quando foi roubada pelo meu pai... e mesmo assim virou esposa dele. Preciso perguntar sobre isso sem levantar suspeitas.

Vou arrumar um jeito de descobrir. Se for verdade, basta eu perder minha virgindade e estarei livre desse casamento.

Mas… como será que isso acontece? Dizem que sangra. Se sangra, deve doer. Ainda assim, se isso for o que me livrará daquele homem, estou disposta a enfrentar. Lógico, se eu tiver certeza.

Voltei para casa e observei bem o segurança. Talvez ele possa ser um candidato... mesmo sem me olhar na cara. Todos têm tanto medo do meu pai e do Don Antônio que quase fogem de mim.

Entrei. Minha mãe estava na cozinha — um dos lugares prediletos dela. Ela sempre diz que um homem se conquista todos os dias pelo estômago... e depois, na cama.

— Oi, mãe. O que a senhora está fazendo de gostoso?

— Filha! Que bom que veio. Vou te ensinar esse prato. Tenho certeza de que o Don Antônio vai adorar quando vocês saborearem juntos.

Eu nunca vou cozinhar para aquele cretino. Mas, por enquanto, deixo minha mãe acreditar que estou interessada.

— Seu pai adora feijoada. Quando chegamos ao Brasil, foi o primeiro prato que preparei para ele.

— Mãe… a senhora era virgem quando meu pai a sequestrou?

— Já te disse pra não falar assim. Eu amo seu pai.

— Mas ele não te sequestrou?

— Sim… mas logo me apaixonei por ele. Fiquei porque quis.

— Mas a senhora não respondeu. Era virgem?

— Não, filha. Já tinha namorado alguns caras aqui no Brasil. Estava recém-separada, fui à Itália para esquecer e curar o coração. Foi lá, na praça São Pedro, que esbarrei no seu pai e selei meu destino. Ele me seguiu, me sequestrou, me levou pra uma casa particular… Ficamos lá um mês. Até eu entender que não havia como fugir.

— Então não precisa ser virgem pra se casar com alguém da máfia?

— Só o Capo tem que casar com uma mulher pura.

Abri um sorriso.

— Quer dizer que, se eu já tiver sido de outro homem, ele não vai me querer como esposa?

Minha mãe parou o que estava fazendo, veio até mim, me segurou pelos ombros e olhou fundo nos meus olhos.

— Filha… se isso acontecer, todos estaremos mortos. Uma das condições para morarmos no Brasil foi manter você pura até esse casamento.

Meu pai estava vindo dizer algo à minha mãe e ouviu parte da conversa.

— Lara Beatrice Morabito, se você me envergonhar, vou ser obrigado a te matar.

— Me mata logo, pai! Assim não vou precisar me casar com um homem que nem conheço.

— Já disse que não vou discutir isso com você. Dei minha palavra há muito tempo... e vou cumpri-la.

Ele virou as costas, indo em direção à sala. Fui atrás.

— O senhor está me condenando sem direito a defesa! Eu não quero me casar desse jeito! E se ele for um homem que agride mulheres? Vai se arrepender quando me vir toda machucada?

— Filha, nós, homens da máfia, respeitamos nossas esposas. Não existe essa possibilidade.

— O senhor é tão nojento quanto ele. Sequestrou minha mãe, obrigou ela a ficar com o senhor... e vem me falar em respeito?

Meu pai sempre foi agressivo. De uns tempos pra cá, parou de me corrigir com surras porque, segundo ele, não pode me marcar. Mas eu o irritei tanto que ele virou com força e me deu um tapa no rosto.

— Cale-se e me respeite! Não sou seu amiguinho. Sou seu pai, e você vai me obedecer, entendeu?

Saí correndo da sala, chorando. Voltei para o único lugar onde ainda me sinto viva: junto dos meus beija-flores.

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